ENTREGA ESPECIAL DE NATAL - com Lucy May
História de Babi E. Gross disponível aqui.
Snowflake, 22 de dezembro de 1990.
Parte I
Lucy May tinha acabado de assumir o posto de detetive na pequena delegacia de Snowflake. A primeira mulher a se encarregar das investigações na história da cidade. Era sem dúvidas um marco importante para as mulheres que ali viviam e para as que viessem futuramente, até as divisões entre homens e mulheres cessarem de uma vez por todas. Afinal, já era 1990.Além de perspicaz, habilidosa e dona de um olhar penetrante como uma águia, Lucy May tinha um faro aguçado, aquele sexto sentido apurado que só as mulheres possuem, para desvendar casos enigmáticos considerados "casos perdidos" aos olhos dos preguiçosos que já sentaram naquela cadeira giratória e acolchoada em que ela se acomodava, depois de ler casos antigos eabandonados pelos últimos investigadores.
Desde que assumiu o cargo, não teve muitas investigações para solucionar. Eram raras as cidades pequenas que precisavam de detetives. Lucy May segurava a caneca, pronta para beber mais um gole do café quando percebeu que o líquido estava tão frio quanto o dia lá fora. Ela fez uma careta, cuspindo o café de volta. Dentro da sua sala, sua única preocupação era com a segurança da cidade investigando a fundo o que a polícia não conseguia sozinha. Lucy May deixava as aulas de etiquetas para quando estivesse em bailes de gala ou quando precisasse se disfarçar.
Do lado de fora, os flocos de neve caiam desde cedo cobrindo a cidade inteira com um manto branco. Era tão silencioso e calmo que qualquer barulhinho besta chamava atenção. O inverno no estado de Indiana podia ser rigoroso, e esse ano não deixou a desejar. Ruas, calçadas, telhados e árvores, nada ficou descoberto, fazendo jus ao nome que recebera anos atrás, Floco de Neve.
A neve era tão bela quanto traiçoeira. O níveo quando refletido pelo sol podia machucar a vista, levando a cegueira daqueles que já possuíam problemas de visão. As escolas estavam fechadas para as festas de final de ano, e era possível ouvir as risadas das crianças brincando de guerra de bola de neve, montando bonecos enormes e deformados no quintal de casa. Também era notável o mau humor dos adolescentes que odiavam não ter opções para se divertir e ser obrigados a tomarem conta dos irmãos mais novos enquanto os pais fingiam beber café, enchendo a caneca de bebida alcoólica desejando que a semana passasse rápido para que os filhos voltassem para a escola.
Era final de tarde e o sol já havia se despedido há meia hora. Por causa do inverno, os dias pareciam curtos e as noites longas. Longas o suficiente para os assassinos colocarem seus planos diabólicos em prática. Principalmente o Assassino Natalino, que estava atrasado em seu calendário pessoal havia um dia.
Há cinco anos, a notícia do "Assassino Natalino" corria pelos meios de comunicação nos Estados Unidos, alertando as famílias sobre um suspeito que ninguém fazia ideia de como se parecia. A chacina começava no dia 21 e se estendia até a véspera de natal. O assassino cortava os dedos, orelhas e os olhos das vítimas, e pendurava nas árvores como um ornamento natalino. No dia seguinte, a família recebia uma caixa anônima, embrulhada feito presente com os pedaços que faltavam das vítimas.
As vítimas eram em sua maioria mulheres. Mulheres que quase nunca sobreviviam, e as poucas que conseguiram, tiveram os olhos brutalmente arrancados.
O trauma para as sobreviventes era tão grande que elas não conseguiam se lembrar de nada sobre o ataque. Apenas o vazio, a dor e a certeza de nunca mais viverem a vida que um dia viveram. Como se tivessem morrido e renascido como outras pessoas.
Os estudiosos diziam ser choque pós-traumático e que talvez com algumas sessões de terapia as memórias voltassem, mas quem é que quer se lembrar da pior noite de suas vidas?
O relógio marcava 5:35 da tarde quando um dos oficiais da polícia entrou patinando, escancarando a porta e assustando Lucy May com a sua chegada.
— Detetive, temos um problema. — anunciou o rapaz, ofegante.Lucy May encarou Matthew com a sobrancelha arqueada, esperando que prosseguisse. Apoiou os cotovelos na mesa e respirou fundo, agradecendo em seu interior por finalmente poder colocar as mãos na massa.
Ler fatos antigos na tentativa de poder reabrir os casos estava fora de questão. Ela não tinha novas provas para convencer os juízes de que valia à pena mexer no passado.
— Acreditamos que o Assassino Natalino esteja em Snowflake. — Ele foi tão direto quanto uma bala disparada.Um sorriso malicioso surgiu nos lábios rosados da detetive. Ela sentiu seu coração palpitar por uma euforia que há tempos não sentia. Borboletas dançavam em seu estômago e ela se colocou de pé no mesmo instante.— Não precisa falar duas vezes, Matthew. — Lucy May já estava do outro lado da mesa, pegando seu sobretudo no cabideiro. — Me conte o que sabe enquanto me leva até o local do crime.O rapaz descreveu o que os noticiários já diziam: as partes cortadas da vítima estavam penduradas na árvore de natal entrelaçadas nos pisca-piscas.Não havia sinal de arrombamento e o marido estava no trabalho quando tudo aconteceu. A única vizinha da vítima não estranhou nem tão pouco ouviu gritos ou pedidos de socorro. A vítima era a florista da cidade, Emily Pool. Recém-chegada em Snowflake por causa da transferência do marido arquiteto, contratado para desenhar os novos prédios no centro da cidade. O casal não possuía filhos e nenhum bem material foi roubado.
Lucy May respirou fundo deixando um ruído escapar por suas narinas. A delegacia não era tão longe de onde o assassinato ocorreu. Ao virar a esquina, era possível ver três viaturas da polícia, uma ambulância, alguns curiosos e repórteres.
A detetive não chegou a conhecer a florista, mas sentia muito pela morte da mulher. Quando uma mulher morria, uma pequena partícula de todas as mulheres morria junto. Ela não queria que o assassino mais procurado dos Estados Unidos viesse para em Snowflake. Ele deixava vítimas por onde passava e ninguém gostava de limpar sujeira de bandido, mas já que eleresolveu bagunçar a minha cidade, daqui ele não sai!!! Ou eu não me chamo Lucy May, pensou a mulher, enxotando os repórteres enquanto adentrava na casa.
Parte II
Depois de analisar minuciosamente cada cômodo da casa três vezes, Lucy May estava pronta para ir para sua residência tomar um banho e pensar em como prenderia o Assassino Natalino. Ela deu as condolências ao viúvo e Matthew a dirigiu até em casa.
Lucy morava sozinha em um imóvel de dois quartos, um banheiro, cozinha e sala. Ela deixou a madeira queimando na lareira antes de ir se banhar. Pela casa não ser tão grande, rapidamente sentiu o ambiente aquecer ao tirar as vestes. As imagens do corpo da florista não saiam da cabeça dela enquanto relaxava na banheira. Os dez dedos das mãos estavam penduradosem volta da grande árvore de natal no meio da sala. As gotículas de sangue que pingavam formaram uma pequena poça no chão.
Alguns dentes estavam faltando, assim como as duas orelhas de Emily Pool. Lucy May se perguntava repetidamente se o assassino matava primeiro e depois cortava ou se gostava de ver a sua vítima sofrendo ao ter cada pedacinho do corpo sendo arrancado. Um calafrio percorreu por sua espinha e ela decidiu que era hora de tentar dormir.
Mas a verdade era que a detetive não conseguiria dormir. Não com um caso tão importante em suas mãos. Por cinco anos, o natal dos americanos era repleto de angústia, ansiedade e tristeza. Ninguém sabia como ele se parecia nem tão pouco em que cidade ele atacaria. Podia acontecer com qualquer mulher, e Lucy May não queria que ele matasse mais ninguém, desejava que onatal voltasse a ser uma data festiva e especial para os moradores, para isso, ela colocou uma água para ferver, escolheu um dos chás que tinha, sentou-se no sofá e começou a esboçar as suas suspeitas.
A detetive não tinha muitas informações sobre o Assassino Natalino em casa e buscou na memória todas as similaridades e diferenças entre os casos.
Depois de horas sentada de mal jeito no sofá, vários papéis rabiscados com todas as suas ideias e conexões, Lucy May decidiu que era hora de dar ao corpo um descanso, pois sabia que no dia seguinte precisaria de todas as suas energias para enfrentar o que estava por vir.
No dia seguinte, Lucy May se levantou da cama rapidamente, recolheu os rascunhos, pegou uma banana e saiu em disparada para a delegacia.
Alguns repórteres já estavam fazendo plantão na frente do prédio e ela teveque usar a entrada dos fundos para não ter que falar com ninguém.
Matthew já estava lá e jogou o jornal do dia em cima da mesa da detetive.
— Estamos em todos os noticiários. — O barulho do jornal batendo na mesa fez a detetive encarar o companheiro de trabalho. — Não temos muito tempo. O delegado precisa falar alguma coisa para a imprensa. O governo já ligou logo cedo querendo saber o que aconteceu.— Eu sei, eu sei. — Ela engoliu em seco antes de prosseguir. — Matthew, eu preciso que uma viatura fique de plantão em frente a casa dos Pool. O Assassino Natalino sempre manda uma caixa no dia seguinte para a família da vítima com as partes que desapareceram. Preciso saber se ele é doente o suficiente para voltar e entregar ele mesmo ou se ele deixa nos correios. Você e eu vamos até a sede conversar com os trabalhadores e ver se receberam alguma encomenda estranha ou se viram algum suspeito por lá essa semana.— Você já tem alguma coisa em mente? — Matthew ansiava pela resposta. Ele sabia que Lucy May era sagaz.A detetive sorriu de canto de boca. — Eu preciso do nome de todos os moradores do bairro que os Pool moram. A pessoa que fez isso sabia direitinho quando a senhora Pool estava sozinha e conhecia os vizinhos, já que a vizinha não viu ninguém suspeito zanzando por ali. — Ela pegou o casaco no cabideiro e foi direto para os fundos, esperando por Matthew para prosseguirem com as investigações.Uma onda de adrenalina e calor pulsava por suas veias. Era por isso que ela havia se esforçado tanto para se tornar detetive, para colocar um fim em casos repletos de enigmas. O Assassino Natalino seria a sua grande estreia, calando a boca de todos aqueles que riram no dia da sua posse por ser mulher.Por cinco anos, todos os detetives particulares, federais e até anônimos tentavam desvendar quem estava por trás dos assassinatos natalinos. Lucy May sentia em seus ossos que até o final do dia 24 ela teria o suspeito atrás das grades, provando a sua competência.
O dia fora da delegacia estava pálido. O sol se escondia nas nuvens de um cinza claro, impedindo que aquecesse os moradores. As árvores estavam todas nuas e secas, balançando com a brisa suave que soprava do Norte. As calçadas estavam marcadas por diversas pegadas, inclusive pelas do criminoso que se escondia por trás de um morador do bem.
Não foi preciso ligar as sirenes já que as ruas estavam vazias. As pessoas estavam com medo e quase ninguém saiu de casa naquela manhã. Alguns mercados estavam fechados, as lojas tinham avisos improvisados, ninguém queria ser a próxima vítima.
Com sorte, o estabelecimento que se encarregava de fazer as entregas de cartas e encomendas estava aberto. Suzy, como dizia em seu crachá era quem estava trabalhando quando Lucy May e Matthew entraram em busca de respostas.
— Com licença, Suzy, você por um acaso recebeu alguma encomenda para ser entregue hoje na residência dos Pool? — o bloquinho de anotações já estava aberto enquanto a detetive fazia as perguntas.A mulher coçou o queixo e enrugou a testa, pensativa. — O entregador saiu agora pouco com as encomendas, senhorita May, mas pelo que eu me lembre não havia nada para os Pool. Fazemos as entregas por bairro, o dia de entrega do bairro deles foi ontem.— Você se importaria se checássemos? — rebateu Lucy May.— De jeito nenhum. — Suzy abriu passagem e mostrou a parte de trás onde ficavam as encomendas. — Podem ficar à vontade, eu preciso voltar para o balcão.— Claro, obrigada. — Lucy May acenou com a cabeça, adentrando olocal em busca de alguma caixa suspeita ou algo que tivesse os Pool como remetente.Depois de meia hora, o rádio da detetive tocou. Era o delegado Evan com novidades.— Detetive May, preciso que venha imediatamente para a delegacia.Acho que temos pistas que vão lhe interessar.
Parte III
Agora que o susto passou, a vizinha procurou a polícia para dar outro depoimento. Disse ter visto três pessoas passando pela rua perto do horário do crime: o carteiro, o dentista e o açougueiro.Dos três, apenas dois moravam naquela redondeza. O assassino natalino era um criminoso habilidoso, que estudava as vítimas, fazia amizade com elas e para isso, precisavam estar sempre por perto. Alguém que precisava ter sangue frio na hora de esquartejar as vítimas, conhecimentos médicos para cortar as partes com tanta destreza e acesso as entregas dascidades. Os três se encaixavam nas possibilidades. Mas apenas um era o criminoso.Um pouco depois que a vizinha se retirou, Matthew trouxe a ficha dos moradores do bairro. O açougueiro morava ali a mais tempo do que o dentista, aumentando as suspeitas de Lucy May com o doutor. O assassino natalino era alguém que estava em constante mudança, pois já havia rodado muitos estados nesses cinco anos. Era muito mais fácil para um dentista arrumar umemprego em uma cidade nova do que um açougueiro.— O assassino é alguém que anda entre nós, que conversa com a gente, que ri das nossas piadas, que bebe no bar ao nosso lado. Que está lá quando a gente precisa. Pra esse criminoso estar a tantos anos enganando a polícia é porque ele consegue nos manipular direitinho, e quando a poeira abaixa, some. Desaparece. — Lucy May jogava os pensamentos no ar.— E pensar que eu fui duas vezes no consultório desse dentista. — Matthew fez uma careta.— E eu confio de olhos fechados nas carnes que o açougueiro trás da parte de trás do açougue. E se eu já comi parte de pessoas e não sei? — A voz rouca e grossa do delegado fez Lucy May andar de um lado para o outro na pequena sala em que estavam.— O assassino natalino é um homem habilidoso, ardiloso que conhece a cidade como ninguém...— O açougueiro vai à missa todo domingo.— O dentista vai em todas as confraternizações e projetos de caridade da cidade.— O assassino precisa ter flexibilidade no trabalho...— O dentista não abre nas segundas-feiras.— O açougueiro não trabalha nos finais de semana.Enquanto a cabeça da detetive trabalhava para encontrar o verdadeiro assassino natalino, o policial Matthew e o delegado Evan respondiam aos pensamentos de Lucy May com comentários sobre a vida dos suspeitos. Snowflake não era uma cidade grande o que ajudava na hora das pessoas se conhecerem e saberem o paradeiro uma das outras.
E como num passe de mágica, um estalo, os olhos de Lucy May brilharam e o sorriso se alargou em seu rosto. Ela olhou para os companheiros com uma expressão triunfante. Os policiais se entreolharam e sentaram em volta da mulher, ansiosos para saber o nome que sairia dos lábios rosados da detetive.
Ela riu nasalmente, abrindo a boca para falar, mas o rádio do delegado chiou, chamando a atenção dos três.— Delegado, aqui é o policial Parker, o senhor Pool acabou de receber um pacote. Repito, o senhor Pool acabou de receber um pacote. São os dentes da vítima que estavam faltando.— Eu sabia!! O dentista...— bravejou Matthew.— Policial Parker aqui é a detetive Lucy May, eu quero que você vá até a residência do senhor Jimmy Taylor e o espere por lá. Avise para todas as unidades para ficarem de olho em Jimmy Taylor. Não o deixe fugir.— Tem certeza, detetive May? — na expressão séria do delegado havia admiração pela mulher a sua frente.— Certeza absoluta. Vamos! É hoje que prendemos o Assassino Natalino. — informou a detetive, correndo em direção das viaturas. O policial Matthew quem estava dirigindo.— Jimmy Taylor, o carteiro? Por que você acha que é o carteiro? — ele não estava comprando a ideia da detetive, apesar de não duvidar.— É tão óbvio, Matthew. A ligação do Parker só comprovou as minhas especulações. Primeiro: o assassino natalino é alguém que conhece os bairros. Quem melhor do que o carteiro para conhecer a vizinhança das vítimas? Ele não precisa morar pra saber a rotina de onde entrega as encomendas. Além do mais, Jimmy Taylor se mudou para Snowflake há menos de 1 ano. Por ele ser o carteiro, ele pode muito bem acrescentar e retirar encomendas quando bementende.
Matthew balançou a cabeça incrédulo.
— Suzy nos disse que o dia de entrega na vizinhança dos Pool foi ontem e que não tinha nada para eles..., o que o carteiro estava fazendo por lá hoje, entregando uma caixa que não estava nem nos registros? Além do mais, não é tão difícil se tornar carteiro em uma cidade nova, possibilitando Jimmy Taylor de cometer todos esses crimes por todos esses anos. O policial sorriu admirado com a linha de raciocínio da detetive.
— Lucy May prepare-se, a América inteira vai te agradecer e os bandidos vão lhe temer.— Eu aceito os agradecimentos de bom grado, mas não quero ser temida, quero ser respeitada.
Na residência do Jimmy Taylor foram encontradas inúmeras partes de corpos dentro de vidros, caixas e principalmente em volta da sua árvore de natal. Ele acabou confessando alguns de seus crimes e foi executado dois anos depois na prisão de Indianapolis onde estava detento. Lucy May ficou conhecida não só por ser a primeira detetive mulher em Snowflake, mas por ter sido a responsável por restaurar o espírito natalino nos Estados Unidos e tantos outros casos depois de entrar para o time da FBI.
FELIZ NATAL
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