ENQUANTO A NEVE CAÍA - com Felícia Armstead

Texto de Michele Bran

Sinopse: Felicia tinha todos os motivos do mundo para crer que o Natal era a melhor época do ano até que o improvável aconteceu: sua filha de seis anos, Katterina, está desaparecida e nem mesmo seus poderes intuitivos conseguem ajudá-la a descobrir o que aconteceu.

Conseguirá ela encontrar a menina antes que algum mal lhe aconteça?

*

Quando os primeiros flocos de neve daquela noite caíram, Felicia levantou os olhos para o céu.

Natal sempre fora sua festa favorita. Havia algo em todas aquelas luzes e músicas que passava a sensação confortável de viver um tempo diferente, feito especialmente para estar com a família.

Desde criança, ela e a irmã mais velha, Susannah tinham uma agradável rotina para o dia: passear pelo centro, visitar a pista de patinação no gelo, tomar chocolate quente e depois voltarem para casa, para jantarem com os avós. Depois de adultas e casadas, o roteiro mudara em parte: logo seus pais viraram os anfitriões e elas passaram a acompanhar os passeios das filhas.

Saber que dali a alguns anos uma delas é que receberia os netos ainda era algo que a assustava, mas até o momento estava lidando bem com a passagem dos anos.

Ao lado de Susannah, Felicia assistia as três meninas se divertindo patinando sobre o gelo. Suas sobrinhas, as gêmeas Joy e Hope, que eram experts naquela atividade já aos doze anos, tentavam ensinar à sua pequena de recém-completados seis anos como se manter equilibrada nos patins. Apesar da pouca idade, Katterina estava se revelando uma ótima aprendiz.

A neve aumentou antes que Susannah dissesse:

― sonhei com a vovó hoje.

Felicia sabia muito bem o motivo. Elizabeth, a avó paterna, sempre amara o Natal. Fazia decorações extremamente caprichosas, cozinhava uma ceia deliciosa e sempre seguia à risca todas as tradições natalinas ― forçando a família inteira a fazer o mesmo.

Sorriu antes de responder:

― Ela adoraria estar aqui. ― Seus olhos pousaram em Katterina. ― E a Kat adoraria conhecê-la.

A matriarca da família Armstead morrera dois meses antes de a pequena nascer, e Felicia sofrera muito. Era muito ligada à avó, embora o motivo só lhe fosse conhecido anos depois de sua partida.

Elizabeth era sensitiva e de quem herdara a habilidade, que ficara adormecida por muito tempo e só aparecera em sua vida adulta, quando já tinha iniciado seu trabalho no departamento de homicídios da polícia da cidade. Fora crucial para a solução de muitos casos, ainda que alguns colegas não acreditassem.

Sentia mais do que a falta física. Felicia estava certa de que, se estivesse viva, Elizabeth a ajudaria a lidar com o mundo sobrenatural e saberia exatamente o que fazer com aquele sentimento ruim que surgiu subitamente em seu peito, crescendo até quase sufocá-la.

― O que foi, Fe? Ficou pálida de repente, tudo bem?

Não, não estava tudo bem.

Ela se arrepiou e seu primeiro instinto foi fugir dali.

― Vamos embora, susie? ― pediu, em um murmúrio. ― Melhor a gente levar as meninas pra casa.

― Ok ― ela respondeu, já sabendo de suas intuições. Então gritou para o meio da pista: ― Meninas? Vamos andando!

No mesmo instante, Hope levantou os olhos para a mãe, mas o movimento brusco a fez perder o equilíbrio. A garota não só caiu de forma desastrada como ainda levou outra das patinadoras para o chão. Felicia ouviu apenas o grito de dor ― ainda sem saber de quem ― antes de perceber que era grave.

Logo um pequeno tumulto estava formado na lateral da pista de patinação, para onde as duas acidentadas foram levadas.

O coração de Felicia disparou ao chegar mais perto e ver o braço da sobrinha dobrado em um ângulo estranho. A outra, pouco mais velha, também estava machucada, mas parecia inteira. Um pouco mais atrás, Joy e Katterina, que haviam saído dos patins de alguma forma, olhavam a cena com os olhos arregalados, mas ela decidiu que depois que as garotas feridas estivessem cuidadas, teria tempo suficiente para acalmá-las.

De pronto, chamou socorro médico e só conseguiu relaxar um pouco ao ver a menina dentro da ambulância.

― Tá tudo bem, susie ― acalmou a irmã, que entrava no veículo para acompanhar a filha até o hospital mais próximo. ― Nós vamos pra casa e ficaremos bem. Por hora, precisa cuidar da Hope. ― E antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, completou: ― Não se preocupe, eu ligo pra casa antes avisando tudo. Assim que ela estiver ok, me ligue também.

As portas se fecharam e ela recuou alguns passos, ainda cercada pela multidão de desconhecidos. Logo depois sentiu dois braços a envolvendo pela cintura e viu Joy, com os olhos ainda embaçados com as lágrimas não vertidas.

― Ela vai ficar bem?

― Vai, sim, meu amor. ― Afagou os cabelos da menina, afagando suas costas por um momento até que ela estivesse um pouco mais tranquila. ― Agora precisamos voltar pra casa e contar o que aconteceu. Vem, Kat. ― Ela chamou, só então se virando para trás, para onde vira a garotinha pouco antes. ― Kat? ― O calafrio voltou mais forte. ― Kat?

Algumas das outras pessoas se viraram para olhar ao redor, também procurando a menina, mas seu coração voltou a se agitar e o estômago virou um bloco de gelo.

Katterina não estava em lugar nenhum.

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Após fazer uma busca rápida com Joy e não encontrar nada que pudesse levá-la ao rastro da filha, Felicia não pensou duas vezes. Comunicou à guarda do parque e reuniu alguns voluntários para ajudarem na busca. Então ligou para casa para pedir ajuda e, assim, poder cobrir mais terreno.

Polly fora para o hospital ajudar a filha e a neta machucada levando Joy consigo, e o pai, o cunhado e o ex-marido chegaram com poucos minutos de diferença, cada um assumindo um quadrante do parque para fazerem suas buscas. Logo estavam todos espalhados e mesmo alguns dos que estavam passeando resolveram se juntar ao grupo.

A cada minuto, Felicia sentia cada vez mais como se os pés mal tocassem o chão, um formigamento estranho espalhara-se por seus membros, como se ela estivesse se movendo dentro d'água. Tudo parecia irreal e ela já não prestava mais atenção direito no que lhe diziam depois do "não, não vimos a garota". A cada negativa, parecia que estava afundando mais ainda nas profundezas do medo.

Era como estar presa em um pesadelo: não conseguia gritar, pedir ajuda, muito menos acordar.

Mas o pânico e a incerteza não a faziam desistir. Não iria se entregar. Terminaria aquela noite com a filha nos braços, não importando o que aquilo lhe custasse. Ficaria a noite inteira acordada batendo a cidade toda de cima a baixo se fosse preciso, moveria as autoridades do país ― e até do mundo ― se fosse necessário, mas levaria sua Katterina de volta para casa.

Parou mais uma família, um casal com filhos pequenos ― que certamente compreenderia seu desespero ― e terminava de mostrar uma das fotos da pequena em seu celular e receber mais uma negativa quando ouviu uma voz:

― Felicia! ― Era Alexander, o pai da menina, acompanhado de uma mulher. Quando deu por si, Felicia já estava a poucos passos deles, ouvindo-o de perto: ― Esta é summer, ela tem notícias da Kat.

De pronto, Felicia ergueu o celular para ela:

― Esta?

Na foto, Katterina estava cercada pelas primas, uma de cada lado, na última foto que as três haviam tirado juntas antes daquela noite começar a dar errado.

― sim, a pequena do meio ― confirmou summer, fazendo seu coração disparar.

Ela realmente tinha visto Kat, então.

― Você a viu? Onde ela está?

A resposta de summer, porém, não foi nada animadora.

― Há alguns minutos um cara esquisito tentou abordar meu filho, mas disfarçou e fugiu quando o abordei. Foi ele que eu vi há pouco levando sua filhinha pra fora do parque.

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― Como assim a Gatinha foi raptada? ― perguntou Andrei, minutos mais tarde, quando ela e Alexander foram até a polícia.

Sua voz ainda estava trêmula das lágrimas que chorara durante todo o caminho quando respondeu:

― Eu só tirei os olhos dela por um minuto, Andrei. Um. Minuto.

Desabou sobre uma das cadeiras, respirando fundo para não chorar de novo.

― Calma, Felicia, não foi sua culpa ― Alexander tentou consolá-la pelo que parecia a milésima vez naquela noite. Ela duvidava de que teria sequer conseguido encontrar o rumo do distrito policial se estivesse sozinha.

Mas o pensamento de que deveria ter ficado mais atenta, tê-la trazido para perto e a mantido ao seu lado mesmo durante todo o tumulto não a abandonava.

Se fosse qualquer outra pessoa em seu lugar, teria entendido plenamente a situação. No meio do susto, alguém não acostumado a ver lesões ficaria impressionado e estar no meio de um acidente envolvendo pessoas tão jovens ― uma delas, da família ― poderia mesmo perturbar.

Mas quem trabalhava naquele ramo não poderia cometer o erro amador de perder uma criança de vista, não com todos os tipos de fatalidades que ela sabia que podia acontecer por ver o tempo todo tragédias se abatendo sobre outras famílias.

Lembrara de um caso de desaparecimento que investigara uns dois anos atrás em que, ao ser questionada por mais detalhes sobre o fatídico dia, a mãe da vítima lhe dissera em prantos "a gente nunca pensa que vai passar por isso, é como se só acontecesse com os outros".

O calafrio que sentiu ao lembrar disso ficou ainda mais intenso quando se deu conta de que ninguém nunca tinha encontrado o menino, com oito anos na época.

"Katterina não vai virar mais um número", pensou ela ao afastar as lágrimas do rosto com raiva.

Queria se levantar e retomar as buscas quando um dos policiais apareceu na porta da sala.

― Detetive... ― ele se dirigiu a Andrei, já que ela estava de folga naquela noite. Mas a notícia a fez ficar de pé em um salto: ― Já temos um retrato falado.

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Hope ainda fica no hospital por mais algumas horas, mas Felicia fora levada para seu apartamento após Barbara, a chefe, recomendar que ela permanecesse afastada.

― Entendo seu caso, Felicia, sei o que está em jogo ― ela começara com o tom de voz calmo que lhe era habitual. ― Mas nesse estado de nervos, você mais atrapalha que ajuda. ― A frieza também já era conhecida. ― Há um motivo para não deixarmos os agentes participarem de ações envolvendo parentes.

Andrei, por outro lado, a tranquilizara um pouco:

― É melhor que vá para casa e aguarde notícias. Já fez tudo o que tinha de fazer, Felicia. Mas prometo que vamos encontrá-la e tudo vai ficar bem.

Alexander a levara para casa e ficara ao seu lado o tempo todo. O divórcio recente não tinha apagado a amizade que eles sempre tiveram, mas depois daquele evento terrível, ela o sentia muito mais próximo.

Ao colocarem os pés dentro da sala de estar, ele a ajudou a tirar o casaco, mas o peso dos eventos do dia continuava sobre seus ombros e ela mal percebeu o momento em que voltou a chorar. Quando deu por si, estava com o rosto enfiado no casaco de Alexander, que afagava seus cabelos murmurando que tudo ficaria bem, e Katterina logo seria encontrada.

Porém ela conseguia ouvir o medo na voz dele, não importando o quanto ele tentasse parecer forte, e aquilo não ajudava nem um pouco. Por fim, ouviam apenas o silêncio e o som do vento e da neve ― que logo passara a cair com mais intensidade. Felicia sentiu um calafrio na espinha mais uma vez assim que ele a soltou e caminhou em direção à cozinha após livrar-se do casaco também.

― Quer chá, água, café, alguma coisa?

Felicia quase sorriu. Ele tinha saído de casa há alguns meses, mas ainda lembrava onde estava tudo e se comportava como se morasse ali com elas também.

― Um chá seria ótimo ― ela respondeu largando-se em uma das poltronas. A voz ainda soava estranha a seus ouvidos quando completou: ― Ainda tenho um pouco de camomila.

Apesar de conseguir controlar o choro, tinha certeza de que nem todos os calmantes do mundo seriam capazes de tranquilizá-la naquele momento. Abraçou as próprias pernas torcendo para que aquela angustiante espera acabasse logo e sua pequena voltasse intacta para seus braços.

Mas a mente a traía o tempo todo, obrigando-a a se lembrar de todos os casos que já cuidara e não tiveram final feliz. Começou pela mãe que entrara em choque ao reconhecer o filho de nove anos morto e saíra dizendo que não era ele, não podia ser ele, porque seu filho estava vivo em algum lugar e a polícia precisava parar de colocar bonecos de cera das crianças perdidas e voltar ao trabalho de encontrá-las.

Em seguida, o caso mais doloroso que tinha tido conhecimento até ela estar no centro de um: uma garotinha de seis anos raptada de dentro de casa quando a irmã mais velha saíra por breves minutos para encontrar um namoradinho na esquina da rua. A tragédia atingira a todos em cheio, mas a culpa pesara mais sobre a adolescente, que entrou em profunda depressão.

Por último, outra menina de nove anos que sumira no caminho da escola e fora encontrada morta em um beco escuro de um dos bairros menos habitados da cidade.

Em todos, fatos semelhantes: crianças entre seis e dez anos que desapareciam sem deixar rastro para serem encontradas mortas no máximo em até uma semana após o sumiço. Marcas de cordas nas mãos e tornozelos e sinais de espancamento e abuso também estavam em todas.

Felicia mordeu o lábio para não voltar a chorar e fechou os olhos. Precisava ter esperança, mas sempre que ficava distraída tempo suficiente, a imagem de terror que sua mente formava era a de sua Katterina jogada em uma rua escura qualquer.

Abriu os olhos antes que a cena ficasse mais real em sua cabeça e viu, com o canto dos olhos, algo intrigante.

Havia uma sombra na entrada do corredor.

Alexander murmurou algo sobre ir ao banheiro que ela respondeu com um muxoxo, sem desprender a atenção daquela aparição estranha.

Quando a massa escura se desprendeu da parede, Felicia ergueu-se num pulo e começou a segui-la, ainda sem saber o motivo de não se sentir tonta ou enjoada ― o que era um padrão para ela em situações do tipo. Não estava sequer arrepiada, apenas intrigada.

Porém aquilo mudou ao ver o vulto sem cor aumentar de tamanho e tomar a forma de uma silhueta. Era uma mulher quase de seu tamanho e mais magra, com os cabelos grisalhos presos em um coque firme no alto da cabeça. As roupas eram elegantes e familiares, o que a fez franzir o cenho, mas quando finalmente o rosto se tornou nítido, Felicia sentiu o coração disparar.

Sua avó, Elizabeth, estava ali diante dela.

Congelada no lugar, viu-a deslizar pelo corredor e atravessar a porta do quarto de Katterina e a seguiu sem pensar duas vezes.

― Ela é muito linda, sua menininha ― o fantasma começou, de costas para ela, enquanto olhava uma fotografia presa à parede.

No retrato, Katterina em sua festa de aniversário de dois anos. O sorriso preenchia tudo, e Felicia sentiu o coração se apertar, um nó se formando no fundo da garganta. Medo e ternura duelavam dentro dela ao ver como Kat parecia feliz.

― Ela é tudo o que tenho ― gemeu, voltando a soluçar. ― Meu maior tesouro, a melhor coisa que já fiz. Posso perder tudo, menos minha Kat.

Elizabeth sorriu ao se virar para ela. No segundo seguinte, estava em sua frente, ao alcance de seus dedos. A mão translúcida tocou seu rosto, e Felicia sentiu um leve formigamento ao longo da bochecha quando ela ― de alguma forma ― enxugou uma de suas lágrimas.

― Você não a perdeu, querida.

Felicia sentiu os olhos queimando e podia jurar que brilhavam, ao mesmo tempo com as lágrimas e pelo impacto da novidade.

Havia muito o que queria conversar com a avó, tanto a dizer, tantas orientações a pedir...

Mas tudo aquilo podia esperar.

― E onde ela está, vovó?

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.

Felicia ouviu Alexander gritar seu nome quando saiu do apartamento correndo em direção ao elevador. Ele a alcançou no exato momento em que as portas metálicas se abriram.

― Fe, pra onde vai?

― Você não vai acreditar em mim, se eu disser.

O celular tocou no bolso do jeans, mas ela ignorou e apertou o botão para começar a descer.

― Pelo menos, pode tentar. ― Felicia resumiu a história, mas estava certa: ele não dava mostras de acreditar nela. Ao invés, perguntou com uma careta de incredulidade: ― Está me dizendo que encontrou a Kat sem nem sair de casa com a ajuda de sua avó morta?

Alcançaram o térreo e ela correu para o estacionamento antes de responder:

― Por favor, Alexander, agora não é o melhor momento pra discutir. Temos que ser rápidos. ― Desativou o alarme do carro e se sentou no banco de motorista, virando os olhos para encará-lo: ― Você vem ou não?

Ele suspirou antes de entrar no banco do passageiro.

― Que fique claro que não acredito em nada disso.

Ela lançou um olhar para o vulto da avó sentado no banco de trás.

Elizabeth ria gostosamente da reação de Alexander.

.

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Felicia estava ciente de que teria umas boas multas para pagar depois de ter violado, pelo menos, umas quatro leis de trânsito no trajeto, mas era um pequeno preço perto do que buscava recuperar.

Quando dissera que podia perder tudo menos a filha, não era força de expressão.

Chegaram, por fim, a uma pequena praça, distante algumas boas quadras do parque onde estiveram horas antes. Como os arredores da pista de patinação atraíam a grande maioria do público, o lugar estava quieto e silencioso, coberto por uma fina camada branca de neve por toda parte.

― Felicia, vai com calma ― sussurrou Alexander ao vê-la avançando a passos largos em direção ao caminho de pedras que ladeava uma elevação no centro da praça. ― E se o cara estiver aqui? Ou a Kat não estiver?

Ela riu.

― Ele não está aqui.

― Como você sabe?

A pergunta ficou no ar, pairando sem resposta quando ela alcançou o topo e viu a cena.

― Eu recebi um aviso certeiro.

Alexander parou a seu lado, boquiaberto e trêmulo.

― Com quem ela está falando?

Ele não podia ver, mas ela sim.

Katterina ria, cercada por mais duas meninas e dois meninos, interagindo com eles de tempos em tempos. A criança mais nova tinha seis anos e a mais velha, dez. Ela sabia exatamente suas idades, nomes e filiações porque estudara seus casos por dias e sofrera junto com as famílias a cada morte confirmada.

Avançou sozinha em direção ao grupo ― Alexander parecia perturbado demais para segui-la ― e no exato momento em que seus olhos encontraram os de Katterina, um sorriso se espalhou por seu rosto, lágrimas de alegria correndo por sua face pela primeira vez naquela noite.

Abriu os braços para receber a pequena, que disparou ao vê-la, e estreitá-la junto do peito depois de tanta dor e angústia pela incerteza de seu paradeiro era como entrar no paraíso por alguns minutos.

Afastou-a apenas para olhar seu rosto e verificar se tudo estava bem.

― Não tô machucada, mamãe ― a menina respondeu de pronto. ― A vovó cuidou de mim. ― Alexander, que conseguira se colocar em movimento para dar um beijo estalado na testa da filha, parecia mais pálido que o normal ao ouvir aquilo, piorando quando ela completou: ― E fiz muitos amigos hoje.

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― Tem certeza? ― perguntou Barbara na manhã seguinte, quando todos se reuniram para fecharem os relatórios da noite anterior.

― Absoluta, chefinha ― respondeu Andrei, espalhando sobre a mesa fotos da cena encontrada.

Tentara avisá-la de que o retrato falado levara os oficiais a uma localização, mas Felicia estivera ocupada demais em sua busca e posterior volta para casa com Katterina para sequer pegar no aparelho. Fora Alexander quem comunicara aos policiais o encontro da criança.

Hugh Brent fora encontrado morto em casa e a carta largada ao lado deixara claro que ele mesmo tinha tirado a própria vida. As fotos eram fortes, mas nada que Felicia já não tivesse visto outras vezes. Porém sentira um arrepio ao ler as últimas linhas.

"Elas estavam lá, todas as outras que matei, do lado dela. Sangue na boca, sangue nos olhos, que estavam pretos como a morte e a pele branca que nem papel. Elas me olhavam com ódio. Elas continuam aqui mesmo depois que a garotinha fugiu. Só tem uma forma de fazer todas elas irem embora".

Embaixo, um respingo de sangue servira como uma macabra assinatura.

Normalmente, sentia compaixão pelos suicidas e acendia velas por eles sempre que possível, desejando que ao menos do outro lado pudessem encontrar a paz.

Mas, naquele caso, seu único sentimento era alívio.

Ouviu a voz de Elizabeth se juntando a sua em um efeito assustador e fascinante ao mesmo tempo quando disse, encerrando a reunião:

― Ao menos, esse aí não machuca mais ninguém.

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