Cérebro de Boltzmann

Texto de riverthief

Terceiro lugar no "Concurso 17, Multiverso".

Sinopse: Ludwig - Pela termodinâmica, um sistema evolui para um estado mais desordenado porque é mais provável. No entanto, a direção oposta não é impossível. Se o universo tende a existir infinitamente, eventos extremamente improváveis ​​acontecerão.

*

Ludwig

"Silêncio, Ludwig," diziam seus olhos severos.

Sempre o silêncio. Do momento em que sua mãe lhe calçava as meias e assoprava um beijo ao momento em que sentava no ar morno da sala, aos pés da cadeira do pai, e tentava destrinchar o que havia de tão importante assim no silêncio.

"Seu pai está pensando," explicava Mãe, tão cheia de candura. Pensando o quê? "Probabilidades."

Ludwig não sabia escrever aquela palavra grande.

***

Sabia melhor do que interromper a meditação do Pai. Sentava-se com ele na janela e observava a rua deserta. Era sempre assim depois do horário de expediente, ninguém nas ruas. Não podia. Era a política criminal.

***

Pai não tinha muito senso de humor. Ludwig aprendera coisas incríveis na aula e queria se exibir. Pegou uma fruta e a escondeu na mão. Perguntou ao pai: "O que tenho nas mãos?". Sem pensar, respondeu: "Partículas arranjadas." Ludwig perguntou novamente: "A fruta que tenho nas mãos, ela está aberta ou está fechada?". Mas Pai também sabia do truque de Schrödinger e não tinha graça nenhuma brincar com ele.

Ludwig

"As maçãs estão apodrecendo muito rápido," concluiu Ludwig para o odor enjoativo na cozinha. Tinha uma folha de calendário rasgada ao lado da mão e uma caneta aberta, pingando tinta na madeira. "Lá se vai Outubro," suspirou, apoiando-se de volta para o assento na sala.

Em cinquenta anos a vista da janela era a mesma, exceto que os prédios ficaram velhos e a pintura não durava muito. Era a mesma coisa quando voltava os olhos para o apartamento, as lâminas de ontem e cinquenta anos atrás acumulando umas sobre as outras, esculpindo o Agora.

Quando sentia saudade, ajeitava as almofadas de modo que aguentasse horas a fio na mesma posição na cadeira, alimentando o silêncio e lembrando do Pai.

"É assim que vai acabar?" meditava. "É mesmo assim que vai acabar tudo?"

E no meio do pensamento, era tomada de uma súbita pontada ardida, quando sorria para si mesma e outra pergunta brotava: "Será que era isso que o Pai pensava tanto?"

Desejou que soubesse como perguntar algo simples, algo que tangenciava esta inquietação: Se é tudo tão complexo e intrincado, como pode o fim ser tão simples e absoluto?

Nunca alguém na rua àquela hora para que pudesse se divertir com as respostas. Nunca havia ninguém em lugar nenhum, exceto durante o trabalho e no caminho de ida e no caminho de volta. Ainda assim, era como se nunca houvesse alguém de verdade. Ludwig estava incomodada.

Investigador

Os papiloscopistas voltaram de mãos abanando. Um relatório nunca esteve tão vazio.

Thomas teve que perguntar: "Nada?!"

"Nada, chefe. Parece que a mulher evaporou dentro do próprio apartamento."

Ludwig

Havia Albert. O alemão se mudara muito novo para aquela parte do mundo com a avó; fugiam da guerra. Hoje já não restava vó alguma e era ele sozinho e a parede que o separava da teimosa Ludwig. Raras vezes, Ludwig aparecia com um ensopado de galinha e uma pergunta inquietante na boca. Queria saber quais as probabilidades de uma coisa que ele precisou pedir que repetisse por não tê-la entendido.

"Veja bem, Albert," começava ela, igualzinha ao Sr. Pai, "um cérebro é nada mais que um amontoado de partículas e memórias de uma vida até aquele determinado momento. O que parece mais razoável para você, ou mais fácil de existir, um cérebro sozinho alucinando ou o Universo inteiro?"

Brincando, Albert rebatia: "É a condição para que eu aproveite o ensopado? Devo responder a pergunta."

Ludwig

No décimo primeiro dia do mês de janeiro, quando Ludwig completaria sessenta e quatro anos, algo no ar fez com que despertasse mais cedo. Sentia-se angustiada com algo que não conseguia explicar. Deitara-se com o coração palpitando e acordara daquele jeito, respirando forte, procurando uma luz que afastasse a escuridão do quarto.

Sua saúde nunca esteve melhor, fizera questão de se consultar. Sempre levou a vida da mesma forma, sem barulho e sem problemas, e esperava que a vida lhe retribuísse o mesmo agora que se aproximava do fim. Podia ser que andava pensando muito no assunto e finalmente a mente cedera ao medo, mas não era verdade que tinha medo. Estava frustrada com o fim, mas não estava apavorada. Queria acabar logo com isso. Se estava ansiosa, era curiosidade mais do que terror.

Ainda tateando em busca do interruptor, sentiu o ouvido estalar e zumbir. Ouvira passos do lado de fora da porta, estava certa. Não estava alucinando, tinha absoluta certeza do que ouvira antes daquele zumbido insuportável: pés arrastando do lado de fora.

Tinha que conferir se a porta estava trancada porque podia ser um caso de assalto, mas não sabia para que direção ficava a fechadura se não conseguia acender a luz. Apoiando-se na parede, começou a deslizar as mãos freneticamente em busca do aparato de plástico. Era para estar bem ali, onde estava com as mãos, mas só sentia a textura da parede se andava para frente ou se andava para trás. Nem sabia mais se aquela era a parede certa. De que lado da cama havia levantado e por que a casa estava tão silenciosa de repente se já era passada da hora de os vizinhos começarem a fazer barulho?

O zumbido inexplicável se tornava cada vez mais forte conforme andava contra a parede, as mãos esticadas para frente no escuro. Tinha medo de cair, de machucar a cabeça, de não conseguir se defender. Se a luz do corredor estivesse acesa, saberia para que lado ir, mas o vão debaixo da porta era tão escuro quanto o resto do apartamento.

Os pés no chão frio fez com que Ludwig começasse a tremer. Esfregou a sola de um contra o outro e era como se estivesse passando uma pedra de gelo na perna. Resolveu ficar parada onde estava e escutar. Era o silêncio de sempre por baixo do ruído, um silêncio que pela primeira vez a deixou desconfortável. Continuou deslizando para o lado até que sentiu a textura mole do lençol no chão. Agarrou-o e subiu na cama. Ficou sentada contra a cabeceira esperando o zumbido passar.

Então ouviu algo conforme o zumbido diminuía. Era o ruído de unha arranhando a porta. Ou podia ser um inseto que ficara preso dentro do quarto e agora convulsionava contra a porta na tentativa de sair. Sabia que vinha da porta porque traçou a origem do som e se situou na escuridão, sabia onde estava e sabia onde era o interruptor. Avançou para ele, mas se deteve no último segundo, xingando baixinho. Não podia acender a luz, não podia! Em vez disso, era melhor que se arrastasse devagarinho até a porta e colasse o ouvido para entender o que estava passando.

Seus dedos encontraram o objeto metálico saindo da fechadura e lentamente ela puxou a chave de volta. Queria ver o que estava parado do lado de fora, se alguma coisa. Abaixou com dificuldade e prendeu a respiração enquanto olhava por um olho o corredor preto do outro lado. Não havia nada e o som havia parado.

Esperou um momento antes de destrancar. Estava frente a frente com a negritude silenciosa do apartamento agora, e tudo o que conseguia pensar era sobre o sonho que um dia tivera de andar pelo apartamento de noite e encontrar o Pai na janela encarando com órbitas afundadas o vazio. Estava tremendo.

"Todos os eventos são possíveis se o tempo é infinito," pensou, inquietando-se. Queria acender todas as luzes de uma vez e sair do prédio. Queria conseguir alcançar a rua a tempo de— a tempo de quê? Estava delirando.

Ligou a luz.

Investigador

O jovem estagiário voltou correndo para Thomas com os olhos arregalados. Tinha um saco plástico contendo um objeto de madeira.

"Encontrei na cozinha, chefe."

Thomas quase riu. "Um porrete?"

"Espera só para ver o relatório das digitais, chefe. Vai derrubar sua peruca."

Ludwig

Havia um homem parado no meio do corredor, de costas e imóvel. Era um brutamonte que por pouco não tocava o teto do pequeno apartamento. Vestia-se de panos imundos, sapatos pesados e carregava um porrete.

A minúscula Ludwig sentiu a cor evaporar do rosto, tornando-se frágil como um inseto. Esperava que o homem voltasse para ela para que pudesse se render, permitir que levasse qualquer valor desde que não a machucasse.

O coração reverberava com tanta força e isso ia se somando à frustração de um meio minuto quase infinito em que ela e ele estavam alinhados no corredor, sem que nada nunca acontecesse.

Quando abriu a boca para deixar a voz fininha escapar, o homem falou primeiro, ainda de costas:

"Coisas improváveis acontecerão."

Ludwig arregalou os olhos, a respiração presa.

"Você acredita nisso, Ludwig?"

Ludwig sentia que ia desmaiar.

"Como você sabe meu nome?"

O riso do homem era seco e sarcástico; era como duas pedras afiadas se esfregando debaixo da terra. O riso dele perfurou algo nela, que pressentia o pior.

"Tantos anos de vida e o mesmo medo, não é? O medo de morrer. Por que tememos tanto a morte se nem sabemos o que ela é?"

Ludwig estava com a garganta apertada, queria dizer "se veio aqui para me matar, mate logo", mas em vez disso respondeu:

"Quem teme a morte teme a incerteza do que ela é. É o não-saber que-"

"-que aterroriza mais do que a própria morte," completou, virando-se aos poucos contra a luz do teto.

Parecia um eclipse. Aquele era o homem mais feio que já tinha visto. O rosto parecia uma grande pedra derretida com dois furos para os olhos e um rasgado para a boca. Debaixo do queixo, tufos acinzentados de um pelo emaranhado faziam as vezes de algum tipo de barba. Ele tinha cheiro de matéria morta.

Ele ergueu os braços, quase frustrado, o que fez com que Ludwig recuasse um pouco.

"Os efeitos de dobrar o tempo. Mas algumas coisas são valiosas demais para não pagar o preço."

Ludwig estava calculando o tempo que levaria para chegar até a porta. Sabia que o homem avançaria nela a qualquer minuto e não teria absolutamente nada que pudesse fazer se demorasse demais.

Ela sentia que ia morrer toda vez que ele parava os olhos de bicho nela.

"Você não se lembra mesmo de mim?" ele estalou a língua. "Que pena. Ou talvez eu tenha formulado errado. Deixe-me pensar... você não me reconhece?"

Ludwig negou, o suor frio escorrendo pelas dobrinhas do pescoço.

De repente, o homem parecia interessado no apartamento. Começou a passar a mão pelas paredes e balbuciava alguma coisa consigo mesmo. Ludwig imaginou que ele estivesse conferindo a espessura para saber o quanto de barulho podia abafar.

Não teria outra oportunidade. Vencida pelo terror de uma morte violenta, deu as costas e acelerou em direção à saída. Ia conseguir a tempo, ia sair daquele apartamento, ia chegar no elevador e acionar os patrulhas, estaria a salvo em pouco tempo. Mas a gargalhada súbita dele explodiu às suas costas assim que virou, então parecia que estava correndo no gelo, ou para trás, porque seus pés se moviam, mas o chão estava duro demais e ela não ia conseguir nunca alcançar a porta daquele jeito.

Um puxão grosseiro fez com que seu corpo retornasse à posição inicial. O bafo daquele homem era como o de um milhão de maçãs podres. Estava com o corpo doendo e tão desesperada que já não conseguia ouvir nada direito.

O homem parecia bravo porque o aperto no braço só ficava mais forte. Ele olhou em direção à porta, alerta, e voltou para Ludwig com o indicador pressionado contra a boca, sinal para ficar em silêncio.

"Sempre tão teimosa, Ludwig. Se alguém souber que estou aqui, a mera visão da minha presença pode causar um desastre inimaginável. Você não quer isso."

Ludwig cerrou os dentes, demonstrando certa resistência enquanto o homem a arrastava pelo corredor e para a cozinha, onde arrastou uma cadeira e forçou Ludwig para baixo. Era fácil para ele usar a força contra ela, quase até uma piada. Ele tirou fitas dos bolsos e amarrou suas mãos ao encosto da cadeira. Ludwig tentou mordê-lo, mas a mordaça veio logo em seguida.

"Quieta!" murmurou, deixando-na daquele jeito enquanto tomava seu tempo analisando o resto do apartamento. "Você não alterou nada, hein. Está do mesmo jeito. Até parece que estamos de volta."

Até quanto tempo para que alguém notasse algo errado, pensava Ludwig. Ela não deixava mais o apartamento para trabalhar ou tinha horário para o mercado ou o correio; não, ninguém ia notar algo errado até que o cheiro do corpo morto dela alertasse a vizinhança. Não haveria ninguém que a sepultasse tampouco.

Aquelas horas eram infinitas e Ludwig passou cada segundo meditando.

Ludwig

Quando ele voltou do banheiro, que foi sozinho sem pedir direção e sem rodopiar pelo apartamento, ela desconfiou que ele sabia exatamente onde estava. O que era quase improvável de ter acontecido durante os anos em que viveu ali, já que não se lembrava nunca de ter convidado tal homem para dentro. Também não era possível que fosse um morador, ou seria mais velho que ela própria e esse não parecia o caso. Estava intrigada.

O homem logo se alojou na sala, medindo canto por canto como se tentasse reaver memórias muito antigas. Voltou a pressionar a parede em diversos cantos e a arrastar os móveis. De vez em quando Ludwig o ouvia suspirar forte, como se estivesse irritado com algo, e ela temia que ele estivesse montando alguma espécie de mecanismo de tortura. Então algo a atingiu em cheio, uma realização, que fez seu sangue gelar de imediato. Se ele era o barulho do lado de fora do quarto, por que estava parado no meio do corredor escuro quando ela o encontrou? Podia ter forçado a porta ou feito qualquer outra coisa que não ficar parado no meio corredor. Aquela não era uma atitude muito comum para um criminoso.

"Arrá!" veio do homem, tão súbito e alto que arrancou Ludwig de suas conjecturas. Ele examinava a velha cadeira do Pai com entusiasmo, como se fosse o maior tesouro na Terra.

Ludwig então usou os pés para ganhar impulso para fora das amarras, aproveitando-se do deslumbre de seu capturador. Não fazia sentido que ele a tivesse amarrado com tamanho desleixo. Era quase como se fizesse questão de tê-la livre. "É isso, ele gosta de perseguir a presa!". Estava ficando cada vez mais sufocada com aquele ar parado no apartamento.

Dessa vez Ludwig chegou até a saída e colocou a mão trêmula na maçaneta gelada quando outro urro se seguiu ao puxão de seu agressor. Ela estava prestes a colapsar de tanta agonia, e os olhos inumanos do homem perfurando seu crânio, e suas narinas abertas como se quisesse arremessá-la contra o chão. Ludwig lutou cheia de adrenalina, uma força descabida tomando conta de si, pegando-o desprevenido. Ela se soltou por alguns instantes, o suficiente para alcançar um abajur e quebrá-lo na cabeça do homem.

Atordoado, ele franziu o cenho. Ela correu para a chave na fechadura, e destrancou, e saiu trôpega na penumbra do corredor, tão rápida quanto conseguia.

Bateu em algumas portas enquanto fazia seu caminho para o elevador, olhando sempre para trás, e apertou o botão do térreo com o coração na garganta. Mas o homem estava logo atrás e ela nunca tivera nenhuma chance. Ele segurou o elevador com o pé e a arrastou de volta pelo colarinho da camisola, quase a enforcando.

Ludwig tossiu, lágrimas acumulando nos cantos dos olhos enquanto era carregada de volta para dentro do apartamento.

Investigador

Thomas colocou os óculos. Dobrou o relatório. Tirou os óculos. Encarou a equipe da Polícia Científica: "Mas que diabos é isso?!"

"Não tem nenhuma evidência além disso, chefe. Nem se sabe se o porrete teve alguma coisa a ver com o desaparecimento da senhora Ludwig."

Ludwig

"Você não entende, não é? Você nunca entendeu a dimensão. Sempre fingindo, repetindo conceitos que não eram seus. Você só se beneficia do trabalho duro dos outros, como todo mundo faz. É sempre uma quantidade mínima que salva o resto e ninguém nunca sabe. Ninguém nunca pensa."

Ele falava na sala, uma mão no queixo e outra no encosto da cadeira. Ludwig fora deixada amarrada outra vez, mas não amordaçada.

"Você realmente entende o que significa dizer que eventos improváveis acontecerão num universo de tempo infinito?"

Ludwig tinha um milhão de pensamentos inquietantes passando pela cabeça, mas todos os medos, todas as vozes, todo o caos parou de súbito, como um rio que já não tem mais água, quando o homem tomou assento na cadeira que era do Pai. Não era possível.

"Tenho certeza de que está familiarizada com a teoria dos cérebros de Boltzmann. E se não, deixe-me refrescar sua memória... " sorriu. "Entropia é uma medida do quão distante do equilíbrio um sistema está. Quanto menor a entropia, mais distante estamos do equilíbrio. E tudo nessa vida, até onde sabemos, depende do equilíbrio... equilíbrio estático, equilíbrio térmico, equilíbrio químico. E como o Universo tem essa mania curiosa de equilibrar as coisas, num sistema fechado é de se supor que a Entropia aumenta com o tempo. Simples, certo?"

Pai.

"Mas a questão é, por quê? Por que a Entropia sempre aumenta? É certo dizer que ela sempre aumenta? Boltzmann teorizou sobre isso, Ludwig. Entropia nada mais é que um estado especial de arranjo. Se esses arranjos são aleatórios, dado um intervalo infinito de tempo, não é de se supor que os arranjos num espaço limitado hão de repetir a si mesmos? Na maioria dos casos, é mais provável que os arranjos estarão organizados aleatoriamente. Mas o contrário não é impossível. Quem há de provar que num intervalo fracionário de tempo esses arranjos não convergirão aleatoriamente num estado de organização anômalo? Quem sabe, uma cadeira. Ou uma estátua. Ou um prato de maçãs."

O homem fechou os olhos, em êxtase. Ludwig tinha o coração mais acelerado que antes, mas por outro motivo. Ela via o próprio pai sentado na cadeira.

"Imagina, Ludwig, um prato de maçãs momentaneamente surgindo no espaço e quase instantaneamente se dissolvendo novamente?"

Ludwig pensou, quase que instantaneamente, na segunda lei da termodinâmica indo para o ralo. Mas o homem pareceu ter previsto isso também.

"Em larga escala, em escalas astronomicamente gigantes e impossíveis para nós, as leis que formam nosso Universo observável e que nos garantem um pouco de segurança vão para o lixo. São inúteis. E nós somos uns bobos."

Ludwig sabia sobre a teoria de Boltzmann de cor porque o Pai não se cansava de repeti-la quando abria a boca. A probabilidade de um cérebro com memórias sobre o Universo estar pairando momentaneamente no vazio do espaço, um cérebro sozinho e alucinando, era muito maior que a probabilidade de todo o Universo ter se formado exatamente como se formou.

Isso fazia da vida uma grande farsa ilusória.

O homem, que não deixou de olhar para Ludwig um segundo sequer, abriu um sorriso fraco, dolorosamente familiar, e terminou:

"Coisas improváveis acontecerão, minha filha."

Pai

Em algum momento de sua vida, Robert fez uma descoberta inimaginável. A vida não era tão simples quanto os olhos fingiam parecer.

O PhD em física, depois de um acidente traumático que lhe rendeu a morte de sua mulher grávida, encontrou consolo no isolamento de um escritório abarrotado de teorias sobre a constituição do Universo e seus paradoxos.

Nenhuma banca acadêmica deu crédito às asneiras que ele andava publicando na época, coisa de pseudo-ciência. Mas Robert era um homem marcado pela perda e pela mágoa de um acidente cuja causa fora ele mesmo.

Determinado a passar os últimos dias de sua vida se dedicando a encontrar maneiras de trazer sua amada esposa de volta, Robert teve uma revelação extraordinária.

Se o Universo tendia mesmo ao infinito em tempo, então as coisas improváveis, apesar de improváveis, estariam acontecendo em algum lugar, tão rápidas como flashes de luz. Só era necessário que ele encontrasse uma fórmula para acessar a localização e o momento em que esses eventos se dariam. Uma tarefa que quase morreu sem conseguir cumprir.

Por um erro de cálculo, Robert encontrou a solução já no leito de morte. Talvez não conseguisse salvar sua mulher, mas quem sabe não conseguisse outra coisa?

Ludwig

Pai pediu milhões de desculpas por tê-la tratado daquela maneira. Não sabia as consequências da viagem no tempo e não queria deixar brechas para fazer algo errado. Era sua única chance de ver a filha que em outra Vida havia perdido.

Ludwig estava curiosa a respeito dos cálculos que o permitiram viajar no tempo, cálculos que ele prometera mostrar assim que estivessem de volta.

"Estarei velho quando voltarmos, e você... não sei que versão tomará numa realidade em que existe. Quero que saiba que os papéis estão em minha gaveta de cabeceira, e são todos seus. Juntamente com tudo o que tenho. Amei a sua mãe e amei você antes de nascer. Saiba que se errei, errei na melhor das intenções," fungou. "Agora venha cá, vamos voltar que já é chegada a hora."

Como uma criança, Ludwig se aninhou no colo do Pai na cadeira, e fechou os olhos para renascer.

Investigador

Pela primeira vez em toda sua carreira, Thomas nunca antes presenciara um caso tão vazio de evidências. Tinha a rotina completa da senhora Ludwig em mãos, mas de nada servia se ela parecia ter evaporado no ar. Tinham um porrete de evidência, mas de nada servia tampouco. Tinham um apartamento perfeitamente em ordem exceto pela cama, que nunca fora arrumada, e pela sala, que estava em completa desordem. Nenhum sinal de luta ou sangue ou fibras de tecido.

Tinham, no entanto, uma única digital de um polegar deixado na base de um abajur. Digital que nada servia além de intrigar porque supostamente pertencia ao pai da senhora Ludwig, quem estava morto há pelo menos quarenta anos.

"Se ele não retornar dos mortos, eu sugiro que arquivamos o caso, chefe. Se alguma coisa surgir novamente, nós reabriremos."

Thomas resmungou, contrariado de não ter encontrado evidência incriminadora em parte alguma, e fechou o caso.


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