AU REVOIR - com Voisard e Camille

História de Red

Eram 10h50 de uma noite de terça-feira, 15 de agosto de 1963.

— Depressa, Camille! — disse Voisard.

Sua assistente pessoal, Camille Casavant, o conduzia pelas ruas de Marselha e Voisard não escondia a ansiedade.

— É isso aí, Camille: Cours Saint-Louis. Você lembra o número da casa?

— 52, onde estão aqueles dois carros de polícia, senhor.

— Quem chamou a polícia?

— Jacques Moreau, vizinho da vítima. Foi ele quem encontrou Gabrielle morta. — Naquela noite, ao preparar o jantar, Jacques contou aos policiais que estava sem sal no saleiro. Então ele foi pedir um pouco de sal a mulher que vivia no apartamento de baixo, Gabrielle Monet. Ele bateu na porta duas vezes — percebeu a porta ligeiramente destrancada — entrou e viu ela...

Agora era Voisard quem olhava para a mulher deitada no chão da sala de estar. O peito sangrava bastante. Parecia ter sido golpeada no coração.

Os olhos verdes de Gabrielle encaravam Voisard. Seu rosto estava pálido; os cabelos eram longos e escuros.

— Coitadinha. — murmurou Camille.

O médico da polícia chegou e foi examinar o corpo da vítima.

A residência tinha sido dividida em dois apartamentos: o térreo era de Gabrielle Monet; Jacques Moreau ficou com o andar de cima.

Voisard e Camille subiram para falar com ele.

Jacques estava sentado de costas para a lareira. Era um jovem de vinte anos; alto, cabelos encaracolados e sujos, mas era bem bonito. Ele disse que havia terminado a faculdade de História mês passado, porém ainda não havia conseguido um emprego.

Enquanto falava, seus dedos se moviam o tempo todo — dedos curtos, gordos e bastante sujos.

Jacques disse que saiu para beber com os amigos durante a noite. Não havia deixado o bar de Duval na Rue du Tapis-Vert até que este fechasse às 11 da noite. Aí voltou para o apartamento de Gabrielle. Jacques já havia contado à polícia o resto da história.

— Você dormiu com alguma mulher hoje à noite? — perguntou Voisard.

— Sim. — Ele olhou para o chão.

— Teremos que saber o nome dela — minha assistente irá checar. O que você pode nos dizer sobre Gabrielle Monet?

— Ela esteve no Collège Des Chartreux uma vez — estudando Literatura Francesa. Acho que tinha um emprego.

— Você a conhece bem?

— Não muito bem.

Voisard e Camille desceram as escadas e voltaram ao apartamento de Gabrielle. O médico da polícia ainda estava na sala de estar, examinando o corpo da vítima, então eles aproveitaram para investigar os outros cômodos.

Não tinha muito o que ver no quarto. O armário continha suas roupas e alguns sapatos. Na mesa ao lado da cama havia um relógio, uma caixa cheia de joias e um livro velho. O título do livro era: Construindo uma boa narrativa de suspense. Voisard o abriu na página onde o marcador tinha sido deixado pela última vez.

As seguintes frases foram grifadas de caneta preta: "É claro que o escritor fará uso de pessoas reais e eventos de sua própria experiência, mas a estes ele acrescentará os imaginários, o que dará à sua narrativa um poder especial."

O médico apareceu na porta e Voisard quis ouvir sua opinião.

— Era uma faca afiada, penso eu. Muito sangue, como você pode ver. O tempo da morte foi provavelmente a três horas atrás. Sete horas, oito horas da noite? Eu poderei te dar um tempo mais exato depois.

***

Já era quase meia-noite quando a polícia levou o corpo de Gabrielle embora.

Camille saiu para verificar a história de Jacques e questionar os vizinhos sobre o passado de Gabrielle Monet, e agora o próprio Voisard estava sozinho, olhando em volta da sala onde a moça foi assassinada.

Depois de muito procurar, encontrou um folheto e vários cartões postais.

O folheto anunciava um concurso de literatura — uma espécie de competição voltada ao suspense, organizada pela Universidade de Marselha. Tinha um endereço no verso e Voisard anotou. Ele ainda pegou todos os cartões postais e olhou um por um. Apenas um deles, a foto do Cairo, possuía uma mensagem:

"Cairo é quente e desagradável.

Sinto sua falta."

- DG.

Parecia a escrita de um homem. No chão, ao lado da mesa, havia algumas pilhas de revistas que não pareciam muito interessantes. Tinha também algumas estantes de livros, com livros de poemas dentro delas. Voisard notou um de seus favoritos. Ele tirou e outro cartão postal caiu para fora. Tinha uma fotografia de Lima, Peru. Na parte de trás, havia duas linhas de um poema:

"Tão longe está você, amor,

E o mar entre nós dois."

A escrita era a mesma do cartão do Cairo.

Camille voltou ao quarto um pouco mais tarde e leu em seu caderno:

— Gabrielle Victorine-Monet, 25 anos; vem de Paris; ambos os pais mortos, sem irmãos ou irmãs; diplomada em francês no Collège Des Chartreux; trabalhou por um tempo no departamento de Ciências Naturais da Universidade de Marselha; está neste apartamento há quase oito meses.

— Interessante! Agora eu gostaria que você examinasse aquilo — Voisard apontou para as pilhas de revistas e saiu para almoçar.

Camille ainda estava trabalhando quando Voisard voltou.

— Encontrou alguma coisa?

— Apenas um anúncio de emprego naquele jornal ali — apontou. — vaga de faxineira... está marcado de caneta preta.

— Ótimo. Eu tenho coisas para averiguar, deixo você terminar com as revistas.

Voisard se lembrou da competição de histórias de suspense. Decidiu ir para o endereço indicado no folheto. Pegou um táxi e quando chegou, descobriu que era a casa do presidente da Associação dos Escritores de Marselha.

— Ainda não recebemos muitas histórias; ainda falta um mês para a data de encerramento do prazo — ele disse. — Estes são os nomes dos escritores.

Mostrou uma lista de treze nomes. Gabrielle Monet não estava entre eles.

— Claro que alguns não usam seus nomes verdadeiros... Gostaria de ver o endereço deles?

Ele deu outra lista a Voisard e voilà! Lá estava: (52) LLEGABRI TENOM, Marselha, Cours Saint-Louis.

— Você pode me dar o número 52, por favor? ...LLEGABRI TENOM... GABRIELLE MONET...

Voisard percebeu que os dois nomes eram compostos das mesmas letras!

Quando Voisard retornou ao escritório, havia uma mensagem do médico da polícia: ele havia descoberto que Gabrielle esperava um bebê fazia seis meses, mas Voisard tinha outras prioridades.

Sentou-se na poltrona e começou a ler a história de LLEGABRI. Enquanto lia, lembrou das palavras do livro de dicas que encontrou ao lado da cama: "O escritor usará pessoas e acontecimentos reais... e adicionará os imaginários..."

A história foi claramente digitada:

Au revoir por LLEGABRI TENOM

ᐃ ᐃ ᐃ

Eu vi o anúncio no jornal... Faxineira; precisava trabalhar cinco manhãs por semana.

"Escreva para a Judith Gautier, 8 Boulevard d' Athènes, Marselha."

Bom, por que não? Eu precisava da grana, ainda mais agora que esperava um bebezinho.

Escrevi para a Sra. Gautier(assinando a carta em nome de Deodora Girardot em vez do meu nome real, Madeline Fontaine); ela telefonou, pedindo para ir vê-la.

Peguei um ônibus para a Boulevard d' Athènes e encontrei o número 8. Era uma casa antiga, com um jardim bem cuidado. A Sra. Gautier não sorriu quando me viu, apenas me levou para a cozinha e ofereceu uma xícara de café.

— Você quer que eu limpe toda a casa?

— Não, você não precisa limpar o escritório do meu marido pois ele está no exterior... Ele está dando uma série de palestras na América do Sul.

Ela me levou até a porta da frente e se despediu.

Trabalhei oito horas por semana naquela casa. A sala mais difícil de limpar era o escritório do Sr. Gautier. Era na parte de trás da casa, construída no jardim. Cada superfície da sala, até o chão, estava coberta de pilhas de livros e papéis.

No meio da manhã fui até a cozinha para preparar o café. Do lado de fora da janela, vi o rapaz que às vezes vinha trabalhar no jardim. Levei minha xícara de café até a janela, convidando-o a se juntar a mim. Ele entrou. Era bonitinho — exceto pelas mãos, com aqueles dedos curtos e gordos. Perguntei o quanto conhecia a Sra. Gautier.

— Muito bem! — Ele sorriu, como um homem que guarda segredos.

Em casa, resolvi escrever uma carta para o meu amado — dizer-lhe que era o pai do meu filho. Pedi que lembrasse de sua promessa de largar sua mulher e casar comigo. Dirigi a carta para Boulevard d' Athènes. Eu queria que a esposa lesse — a senhora Gautier o abriria, eu sabia, antes de chegar a ele. Ela reconheceria a escrita.

No dia seguinte, tive que ir ao hospital para ser examinada, tinha que ter certeza que meu bebê estava bem. Tive que esperar muito tempo, então comecei a pensar. Pensei em uma boa maneira de acabar com o casamento de Charles Gautier — eu poderia matar a Sra. Gautier! Seria fácil — eu tinha um plano!

Na quinta-feira seguinte recebi duas cartas. A primeira foi do hospital. O bebê estava bem. O carimbo na segunda carta era de Lima. Foi do pai do meu filho.

"Não seja idiota. Você não vai ter esse bebê. Eu pagarei pela operação, e eu não quero mais ver você."

O dia seguinte, sexta-feira, seria o último dia como faxineira, e naquela manhã finalizei os preparativos. No começo, pretendia matar apenas a Sra. Gautier; mas agora eu decidi incluí-lo também no pacote.

No sábado recebi uma carta da Sra. Gautier.

"Querida Madeline Fontaine, ah sim, eu sei o seu nome verdadeiro! Meu marido me contou tudo sobre você. Você deve ser muito burra. Eu só queria saber por que diabos você veio até aqui. Agradeço a carta que você escreveu para o meu marido(acabei de fazer uma cópia dela), pretendo terminar meu casamento e me casar com outra pessoa. Meu advogado me informou que sua carta será muito útil para conseguir o divórcio."

Naquele sábado à meia noite, entrei pelo jardim da frente e esperei até que a luz do quarto da Sra. Gautier se apagasse. Eu sabia que tanto ela quanto seu amante estavam lá, porque vi duas figuras atrás das cortinas.

Depois de mais uma hora, caminhei silenciosamente para a porta do escritório. Avistei uma grande pilha de papéis próximos a escrivaninha, acendi um fósforo e o empurrei pelo carpete até que as fagulhas tocassem os papéis. Eles começaram a queimar imediatamente. Haviam mais papéis ao lado deles e logo aqueles estavam queimando também.

Corri para longe. A cinquenta metros de distância, pude ver que o céu atrás da casa estava cinza; mas não fiquei o bastante para observar.

ᐃ ᐃ ᐃ

Camille entrou no escritório do detetive Voisard pouco antes das quatro horas.

— Não há muito a dizer, senhor.

Voisard pegou a história de Llegabri Tenom e mostrou para Camille.

— Olha Sr. Voisard, eu não acho que seja uma história boa, mas isso pode nos dar algumas pistas.

— Eu quero que você leia ela inteira — você pode comer um sanduíche enquanto lê.

Camille retornou meia hora depois.

— Bem, há muitas pistas, senhor, porém acredito que os nomes sejam falsos.

— Provavelmente, mas você pode checar. Telefone para todas as universidades da França e pergunte os nomes dos homens que deram palestras recentemente na América do Sul.

Camille saiu. Voisard foi para casa descansar.

Na manhã seguinte, Camille vos disse que não havia ninguém.

— Talvez devêssemos tentar entender o motivo do crime. E sobre o que Llegabri Tenom estava tentando nos dizer — tentando contar a si mesma — na história que escreveu para o concurso. Vamos pensar na situação dela. Ela tinha um emprego, porém perdeu. Agora não tinha mais nenhuma fonte de renda. Ela conhece um homem e se apaixona por ele. Ele é casado — mas ele diz a ela que vai levá-la para algum lugar, e ela acredita nele. Então, por acaso, ela encontra um anúncio que sua esposa colocou no jornal. Vai até lá — mesmo estando com ciúmes. Depois o marido muda de ideia e a deixa. Agora ela odeia os dois e quer matá-los, mas ela não quer matar o pai de seu filho. Então, em sua história, ela muda as coisas e dá à esposa dele um amante, e mata os dois. Agora o marido está sozinho e ela espera reconquistá-lo, porém o marido da vida real quer romper com Llegabri. Ele quer manter tudo em segredo. Ele vai vê-la, mas ela não fará o que ele quer. Ela diz que vai contar a todos sobre o bebê. Ele perde a paciência e depois a esfaqueia.

— Quem a esfaqueou? — Perguntou Camille.

— Sim, quem? Eu não sei.

Voisard parecia zangado, contudo havia algo que Camille queria pedir a ele.

— Eu espero que você não se importe, senhor, mas... Eu poderia ir para casa na hora do almoço? É que a parede da minha cozinha está em um estado terrível — parece que sofreu de um terremoto — e pedimos para alguém vir e ...

Voisard a interrompeu imediatamente.

— Camille, minha amiga, você descobriu a resposta! Agora eu entendo tudo... Tudo!... Sim, é claro que você pode ir para casa!

II

Camille voltou com a notícia de que a sua casa não ia cair, Voisard também parecia alegre. Na mesa à sua frente havia alguns cartões postais do apartamento de Gabrielle. Ele pegou.

— Pista número um e dois: Cairo e Lima. Todos os lugares onde houve terremotos recentemente. Pista número três, o fato de Gabrielle ter trabalhado no Departamento de Ciências Naturais. Eu devia estar cego para não ter pensado nisso antes! Então, telefonei para o secretário do Departamento de Ciências Naturais e perguntei qual dos seus membros estava dando palestras na França recentemente. Ele pensou por um momento e disse que um dos membros havia acabado de voltar de uma visita de seis semanas à Lima, onde um grupo de cientistas de todo o mundo discutiam...

— Terremotos! — vibrou Camille. — Qual é o nome dele, senhor?

— As iniciais D.G batem. É o Dr. Daniel Garnett, morador de Aubagne.

***

— Por que você acha que ele fez isso? — Perguntou Camille, enquanto se dirigiam para Aubagne.

— O Garnett? Bem, ele tinha um motivo plausível. Esperava ser o chefe do departamento, mas Gabrielle iria estragar tudo.

Quando chegaram à casa do Dr. Garnett, atravessaram o jardim e bateram na porta da frente.

A porta foi aberta por um homem de cerca de quarenta anos; magro e com cabelos grisalhos.

— Dr. Garnett? Voisard mostrou-lhe o distintivo.

— Sim. É melhor você entrar.

Ele os conduziu a uma sala de estar. Sentaram-se e Voisard começou a fazer perguntas. Garnett falou devagar e sem demonstrar medo. Sabia que Gabrielle Monet falecera, ele leu no La Marseillaise. Sim, eles foram amantes; Gabrielle queria que ele deixasse a esposa e fosse morar com ela. Também contou sobre o bebê, mas ele não acreditava. Sua esposa sabia de tudo isso. Na verdade, Gabrielle conseguira um emprego de faxineira em sua casa enquanto ele estava fora e tentou minar a relação entre ele e a esposa.

— Dr. Garnett, onde você e sua esposa estavam na terça à noite?

— Eu estava na América do Sul.

— Você pode provar isso?

Garnett foi até uma mesa perto da cadeira de Camille, onde havia um envelope ao lado de uma fotografia de casamento.

— Aqui estão meus documentos de viagem. Como você pode ver, voltei ontem à tarde. O avião pousou às 4h15. Peguei o ônibus para Marselha e cheguei aqui às 6h45. Deve ser fácil de checar. Já a minha esposa, Antonielle Garnett, foi a uma festa com uma amiga. Ela me disse que pegou o trem às 12h e 20 e chegou em Marselha às 11 da noite. A amiga dela mora aqui do lado, na verdade.

O detetive acenou para Camille, que partiu para interrogá-la.

Voisard estava sentado no carro quando Camille se juntou a ele.

— Ele está certo. Ela voltou aqui depois da hora do assassinato, então ela não pode ser a assassina.

— E não pode ser o Dr. Garnett, pois ele estava na América do Sul.

Voisard não parecia preocupado com isso.

— Tem algo que eu tenho que te dizer, senhor. Ontem, quando conversamos com Jacques Moreau, ele falou que esteve com a namorada a noite toda. Você me pediu para conferir a história dele. Jacques me disse que eu a encontraria na biblioteca da cidade. Ela estava lá e eu a interroguei. Disse que se chamava: Diane Adevenue. De fato passou toda a noite de terça com Jacques. O senhor viu a foto do casamento na mesa do Dr. Garnett, não é?, porém não estava perto o suficiente para reconhecer os rostos. Eu a vi ontem, na biblioteca da cidade. Diane Adevenue é Antonielle Garnett!

Voisard não parecia tão surpreso quanto Camille esperava.

— E penso que o jardineiro da Sra. Garnett era Jacques — provavelmente Gabrielle contou a ele sobre o trabalho lá — e Jacques caiu na conversa, apaixonando-se pela Sra. Garnett.

— Exato! Ela disse que queria terminar o casamento e se casar com ele. Ela sabia que o marido e a faxineira eram amantes — o marido lhe dissera. Mas agora a faxineira afirma que está esperando um bebê. O pai não é Daniel Garnett, e sim...

— Jacques Moreau! — vibrou Camille.

— E Jacques foi ver Gabrielle no domingo à noite — e ela se recusou a fazer o que ele queria — então ele a assassinou.

— Hoje cedo, pedi que a polícia levasse Jacques para a delegacia.

— O que fez você ter certeza que o assassino é o Jacques, senhor?

— Uma coisinha bobinha, na verdade. Quando vi Jacques pela primeira vez, notei suas mãos — percebi os dedos curtos e gordos, E então, nesta manhã, reli a história de Gabrielle — e ela fala sobre as mãos do jardineiro, "com seus dedos curtos e gordos."

— Mas tem outra coisa, Camille. Muitas vezes, o responsável pelo assassinato é a própria pessoa que encontra o corpo.


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