3. Eu me lembro
" Eu não me importo com quem você é, se você tocar com sucesso a música do meu coração então eu vou amar você" - Dandelion
Eu me lembro da primeira vez em que eu te vi, ou quase isso. Lembro de pensar que aquela turma de desconhecidos no primeiro ano do ensino médio era estranha, mas também me lembro de achar graça no seu sobrenome, igual ao do meu pai. Eu te chamava de primo por causa disso, mas nunca fomos próximos de fato. Passamos mais de um ano nos falando muito pouco, ou quase nada. Éramos praticamente estranhos, mas às vezes você me abraçava de manhã quando eu te encontrava encostado na mureta em frente a nossa sala no segundo andar. Seu abraço era tão bom. Seu toque era macio e seu corpo encaixava no meu, nossos corações próximos sem ao menos perceber a intensidade daquilo.
Eu me lembro da primeira vez que eu segurei a sua mão, quando eu briguei com meus amigos e começamos a andar juntos, mais de um ano e meio depois de nos conhecermos. Fomos muito mal na prova de física, você andava cabisbaixo entre mim e seu amigo quando fomos buscar um livro de física de partículas na biblioteca do campus. Eu segurei sua mão e disse que tudo iria ficar bem, que aquela prova não significava nada. A prova podia não significar, mas o gesto significou. Eu pude ver em seus olhos que algo aconteceu quando eu entrelacei meus dedos nos seus. Eles eram compridos, com pequenos calos do violão na ponta, mas a palma era macia em contato com a minha.
Eu me lembro da primeira vez que você me encantou, deitado no meu colo na frente do campo de futebol falando tão animado sobre uma série que eu nunca iria assistir, mas eu prestava atenção em cada palavra. Eu sempre prestava atenção em tudo que saia dos seus lábios, cada detalhe, sua empolgação quando falava de algo que gostava capturou meu coração e enquanto voltava para casa naquela tarde eu me perguntava o que era aquilo que eu sentia quando tocava em você e ouvia sua voz.
Eu me lembro do nosso primeiro beijo, atrás das cortinas depois da peça da nossa turma. Antes da peça, os meninos debochavam de você por não ter uma namorada e eu disse que a partir daquele momento, até o fim da peça, estávamos namorando. Você ficou vermelho e segurou minha mão com força, eu segurando a sua também. Parecia que não ia soltar nunca mais. Eu não queria que soltasse. Quando a peça terminou, fomos para trás das cortinas e nos abraçamos, então você olhou em meus olhos naquela meia luz cor de âmbar e encerrou a distância que havia entre nós dois Meu corpo inteiro se derreteu naquele momento enquanto eu passava os dedos pelos seus cabelos, prolongando os segundos o máximo possível. Eu não consegui esquecer aquele beijo quando toda a turma foi tomar sorvete depois da apresentação, todos cochichando sobre nós dois. Quando eu cheguei em casa, havia uma mensagem sua, um texto gigante que me fez sorrir enquanto eu lia você, nervoso, dizendo que havia gostado do beijo e querendo entender o porque de eu ter ficado tão sem jeito.
Eu fiquei sem jeito porque naquele momento, depois de muito tempo, alguém roubou o meu coração.
Eu me lembro dos dias que decorreram a peça. Sua mão encaixada na minha e seus lábios encontrando os meus timidamente quando nossos amigos escapuliam de propósito para ficarmos sozinhos. Nós dois sentamos no banco da praça do campus e conversamos sobre o que iríamos fazer. O problema é que nós dois éramos tão confusos, mas eu sentia que você tambem sentia algo. Resolvemos ficar juntos, sem rótulos, sem nomes, e ver no que ia dar. Mas não agíamos exatamente assim.
Eu me lembro de não nos separarmos mais, das nossas conversas intermináveis sobre o universo, filosofia, sobre as verdades do mundo e o que queríamos da vida e para a vida. Você sempre queria entender as mulheres eu eu te explicava o melhor possível( nem as mulheres sem entendem). Quando não estávamos nas aulas, ou aprendendo sobre quarks e energia escura, você tocava violão em qualquer lugar em que conseguíssemos sentar. Sua voz era incrível. Você cantava Morena, Djavan, Caetano Veloso e eu, uma soprano meio desafinada, tentava te acompanhar. Nossas voz se enroscavam no ar cantando There's Nothing Holding me back e tudo parecia perfeito, até mesmo o dia que a amiga da sua avó nos viu juntos no ônibus voltando para casa.
Mas eu me lembro quando meu ex se sentou ao meu lado na aula de programação, falando sobre os nove meses em que ficamos juntos. Nós havíamos terminado do nada e sem muita explicação, ele dizendo que não me beijaria nos próximos dois anos, chegando a apostar nisso. Teria sido melhor se ele tivesse ganhado a aposta, pois no dia em que cheguei atrasada na aula, eu estava com meu ex.
Eu me lembro de quando saí com meu ex no meio da aula de química. Você nos encontrou subindo a escada e ficou calado, minha amiga falando mais que o normal pelo clima que se instaurou no grupo. Nós dois não estávamos com exclusividade, mas eu não tinha certeza se era por minha causa que você estava daquele jeito até quando ficamos na sala depois da aula e você me contou que sabia que não estávamos juntos, mas sentiu ciúmes dele. E eu entendia, mas naquele momento eu senti um peso enorme no peito.
Eu me lembro de te esperar até as dez da noite naquele dia e termos conversado sobre o que aconteceu. Resolvemos continuar e fechar o relacionamento. Você balançava meu coração e naquela mesma semana tanta coisa aconteceu. Nós viajamos com a turma para outro estado e era tão bom dormir ao seu lado no ônibus, sua mão na minha, você cantando Perfect ao meu lado enquanto o ônibus sacudia e nós dois fazendo brincadeiras idiotas e rindo, bebendo Coca-cola e comendo chocolate. Nós havíamos ido na loja no dia anterior e você exagerou na comida, enchendo o carinho de besteiras que nós comemos todas. Ainda me lembro de mexer com você pedindo um marshmallow e você respondendo que na volta a gente comprava. Nunca chegamos a comprá-lo.
Não deu tempo de comprarmos mais nada.
Eu me lembro daquela noite. Na volta da viagem estava escuro, todas as luzes desligadas e todos no ônibus dormiam, menos nós. Nossas respirações ofegantes e suas mãos nas minhas costas, na minha pele, seu beijo no meu pescoço e clavícula. Quando eu deitei ao seu lado, com a cabeça no seu peito, os meninos tocando Shape of You ao fundo, você sussurrou que eram momentos como aquele que te deixavam confuso e que você não era bom. Eu não entendi o que você quis dizer com aquilo naquele dia.
Mas depois eu entendi.
Eu me lembro dos dias depois que voltamos, nós dois cheios de prova por um par de semanas. Você foi ficando cada vez mais estranho até o dia em que eu te pedi para me dizer o que estava acontecendo. Você prometeu me dizer no dia seguinte e eu sabia que as coisas iriam mudar dali pra frente. Eu tinha medo, mas realmente mudaram.
Eu me lembro quando terminamos e você perguntou se eu estava bem e eu fingi que sim. Eu ri e disse que tudo estava bem, que poderíamos ser amigos normalmente. Fingi que estava tudo bem enquanto você ensaiava para a apresentação daquela sexta-feira, tocando Xote da Alegria na arquibancada. Meia hora depois eu estava no banheiro do ginásio chorando como nunca pensei que iria chorar por alguém na minha vida. Eu apenas não conseguia parar. Não havia como. Quando eu pensava que estava quase parando, eu voltava a derramar lágrimas. Minha amiga tentou me consolar, em vão. Então meu ex apareceu, quando já estávamos no laboratório. Eu contei a ele o que estava acontecendo e ele me levou para a aula depois de me fazer enxugar o rosto. Nos sentamos na sua frente e quando você me olhou ele me beijou. Não era seu beijo. Não era suas mãos no meu cabelo. Toda a turma nos encarou e você também. Depois disso, meu ex abriu o carro do pai dele e tirou uma garrafa de uma vodca de maracujá. Estava quente e desceu ardendo pela garganta. Eu e ele seguimos pelo trilho do trem para pegar um ônibus e eu te avistei no restaurante do outro lado, almoçando com minha melhor amiga. Eu sei e sabia que vocês não estavam juntos, mas eu senti, depois de muitos anos, ciúme de alguém. Ciúme de você.
Eu me lembro de como eu vomitei por causa daquela ressaca e de como eu dormi por horas, ouvindo meus pais sussurrando do lado de fora do quarto escuro. Eu me lembro de ter levantado na manhã seguinte como se tivesse levado um tiro. Meu coração doía, era quase uma dor física. Eu mal olhei para você naquele dia e nos que se seguiram. Eu estava de coração partido. Eu fiquei com meu ex, mesmo sentindo sua falta. Eu te queria de volta. Mas você não iria voltar. Eu não te chamei no Whatsapp ou no Hangouts, muito menos no Instagram. Nossos dias juntos não foram postados, então nas redes sociais era como se nós nunca tivéssemos acontecido. Quando começamos a ficar, você me deu um pirulito de chocolate que trouxe de uma fábrica quando viajou, amarrado com uma fitinha verde. Amarrei a fita no meu pulso, ela foi a única coisa que restou de nós além das mensagens trocadas e das horas de sono que não voltam mais.
Eu me lembro de quando entramos de férias e no último dia do ano eu cortei a fitinha verde na noite da virada, jogando-a da sacada e a deixando ser engolida pela escuridão junto com as lágrimas que caiam do meu rosto copiosamente. Meu coração estava e ainda está. destroçado. Passei as férias inteiras sem ter notícias suas e aos poucos foi se tornando mais fácil te esquecer, mas sempre tem uma música ou um poema que me lembre você. Nos quatro meses depois do nosso término eu beijei outros rapazes, conheci pessoas, assisti filmes e fui a festas, mas sempre faltava algo. Faltava você. Faltava você falando sobre física e matemática ou sobre um projeto de java que eu não entendia bem sobre o que era. Faltava você jogando basquete no ginásio. Faltava você beijando meus lábios e dizendo que eles tinham gosto de framboesa. Faltava seus olhos, seu toque e sua presença. Você era uma luz que não havia em mim e que se foi cedo demais. Eu fiz um perfil de poesia no Instagram e a maior parte deles é sobre você, não que eu fosse te admitir isso. Foram madrugadas te escrevendo em versos, tentando tirar você de mim enquanto os outros garotos me chamam para ir ao cinema,mas a última vez que eu fui ao cinema foi com você, aquele filme horrível em que dividimos pipoca, a sala vazia naquela sexta-feira a tarde. Eu sentia falta da sua voz afinada tocando a música que tocava meu coração e até hoje não sei se você realmente cantou ela para mim.
Eu me apaixonei por você de uma forma irremediável e insistente.
E eu me lembro de quando nos vimos novamente, meses depois, na volta às aulas. Eu cortei o cabelo, você deixou o seu crescer. Quando meu olhar te encontrou tudo aquilo que nós vivemos passou bem diante dos meus olhos em alguns segundos. Tudo. Era como voltar para casa depois de uma longa viagem. Então seu olhar encontrou o meu. Tudo que eu tentei fingir que não existia, todo o sentimento que tentei aplacar durante meses, estava ali novamente. Eu já não queria mais estar com qualquer garoto, meu corpo não queria. Todo meu ser queria você. Eu ignorei a sua presença até nos esbarrarmos na porta e termos nos falado timidamente, sobre como foi as férias e sobre como estávamos. Eu disse que estava bem, mas eu sabia que estaria melhor com você. Depois de alguns dias, não tivemos uma das aulas e ficamos conversando na mureta em frente a nossa sala, seu braço encostado no meu. Você ainda sorri do mesmo jeito e ainda tem o pescoço sensível, que arrepia sua pele facilmente sob meu toque. Estávamos perto. Perto demais.
Quando você foi embora naquele dia, você sorriu e pegou na minha mão.
Como nos velhos tempos.
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