Capítulo VIII - A propriedade dos Denver
Lilly tinha dificuldade em esconder o sorriso. Embora tivesse dormido o mínimo para que não se atrasasse para o chá que marcara com Heather, e ainda estivesse minimamente apresentável, a garota ainda conseguira cobrir as olheiras com maquiagem, e a alegria em seu rosto servia como distração para qualquer um que olhasse para ela. Tivera de entrar pelos fundos e, talvez por pura sorte, não acordou ninguém, nem mesmo quando a escada rangeu sob seus pés.
- Aproveite o dia. – A mãe lhe disse logo depois de dar-lhe um beijo na testa. Na saída em direção à rua, a garota ouviu os passos abafados e pesados de seu pai descendo os degraus, o que a fez se apressar ainda mais, fechando a porta atrás de si logo em seguida.
A carruagem já está ali, com a insígnia da família Denver estampada em sua porta, o cocheiro pisava sobre os cascalhos da rua e o cavalo tinha um pelo tão escuro quanto os cabelos da garota. Ele a ofereceu ajuda para entrar e Lilly impulsionou o corpo para dentro, sentindo o ar um nível mais abafado do que o exterior quando o criado fechou a passagem atrás dela.
- Meu Deus, Lilly, você não dormiu nada?
Aparentemente, seu sorriso e maquiagem não eram tão bons para os olhos detalhistas de Heather Fetherstone.
- Há muito que eu devo lhe contar. – Disse enquanto os eixos da carruagem rangiam conforme o cocheiro gritava num instante, anunciando sua partida.
Ao longe, ela podia sentir o pai observando-a por entre uma fresta das pesadas janelas, olhos semicerrados, forçando a vista enquanto Célia dizia:
- Por Deus, William, não consegue deixar de ser você mesmo nem por um segundo?
O pai fechou as cortinas enquanto bufava zangadamente, o rosto vermelho enquanto caminhava até a esposa, sentada na sala de jantar, onde os novos criados aguardavam por suas ordens. Até então, já havia uma pequena broa de milho em seu prato.
- Onde ela está indo? – Perguntou o homem, apoiando as mãos sobre a mesa, batendo-as e fazendo a madeira tremer.
- William...
- Eu te fiz uma pergunta.
A mãe, vencida e desistindo de uma briga pela manhã, respondeu:
- Ela está indo para o chá da tarde com a senhorita Fetherstone, não se lembra?
- Deveria?
- Sim. – A mãe bateu as mãos contra a mesa, imitando o marido. – Se quer demonstrar o mínimo de interesse pela segurança dela, então sim, ou só se preocupa com nossa filha quando o que ela faz afeta a sua companhia?
Naquele instante, Célia preparou-se para um tapa, o rosto já doendo antes mesmo do tabefe, que nunca chegou, pelo contrário, foi descarregado contra a louça de porcelana que havia em sua frente, os estilhaços surgindo quando o prato se chocou contra a parede. A nova criada esquivou-se e, com um grito súbito, arregalou os olhos.
- Cale a boca e limpe isso! – Ordenou ele enquanto voltava para seu escritório, as mãos esticando as barras do fraque.
Mas Lilly estava longe e não soube de nada daquilo. No momento, preocupava-se apenas com o chacoalhar da carruagem conforme as rodas passavam por cima de rochas que não deveriam estar na estrada, mas sim ao seu arredor, como uma espécie de decoração antiquada que indicava um caminho um tanto sinuoso até a propriedade dos Denver, e também com a expressão mais do que surpresa, beirando a indignação, que Heather tinha em seu rosto assim que ela terminou de contar o que acontecera na noite anterior.
- Você o beijou?
Lilly fez que sim.
- Lilly Talbot, quem é você? – A amiga chafurdou-se no acolchoado do assento, as mãos sobre o colo enquanto os cabelos moldavam o rosto redondo.
- Não haja como se nunca tivesse feito isso.
- Ainda não!
- Mas o August...
- Educado demais para isso. – Reclamou ela, fitando além do vidro da carruagem, assistindo os vastos campos pelos quais elas passavam. – Mas não o culpo. E, talvez, até goste disso. – Os olhos da garota voltaram-se para Lilly. – Mas me diga...como é?
- O beijo?
- Não, colocar um corset. Claro que é o beijo! – Retorquiu com sarcasmo e Lilly lhe respondeu com os lábios colados em um sorriso acanhado, o rosto tornando-se quente subitamente enquanto lembrava das mãos dele percorrendo seu corpo, a cintura moldada em seus dedos enquanto suas línguas se tocavam.
- Foi...bom.
Heather pareceu decepcionada.
- Jura? É só isso o que tem a me dizer?
- E o que exatamente eu deveria lhe contar?
- Lilly, eu não quero somente a história, eu quero saber o que você sentiu. Ele te beijou, caramba! – Heather bateu as palmas das mãos contra seus joelhos. – Desculpe, mas não é como se isso acontecesse todo dia.
E a garota, antes de responder, apenas deu de ombros.
- Não sei se consigo descrever. Foi como se...o ar parasse por alguns instantes, temeroso de estragar o momento. Como se o peito desatasse em chamas e ao mesmo tempo não ardesse enquanto nossos lábios se tocavam.
- Isso foi bem...
- Ridículo?
- Intenso. – Corrigiu Heather com o erguer do indicador, como uma professora que corrige a garota que não se senta com a postura ereta. – Diria até mesmo que está apaixonada.
E então Lilly corou.
- Eu disse que o amo, Heather.
A amiga pareceu empalidecer conforme a carruagem chacoalhava e fazia a curva na estrada de terra, adentrando a área mais ao norte.
- Ele também disse que te ama, não foi? Eu vejo isso nos seus olhos.
Acanhada, a garota colocou os fios do cabelo atrás da orelha e sorriu na direção de seu colo.
- E eu só recebo uma carta. – Reclamou a amiga, parecendo afundar ainda mais no assento conforme as camadas de seu vestido azul amontoavam-se sobre seu corpo baixinho.
Assim que entraram em seu transporte excessivamente caro e elegante, a garota Fetherstone disse que aquele fora um charme a mais imposto a elas através de uma carta escrita por August Denver, numa letra cursiva digna de apreciação. A garota não pôde deixar de compará-la aos garranchos de Lucian Campbell, tão mal escritos na carta guardada, agora, numa das gavetas de sua penteadeira.
- Ao menos a caligrafia dele é excelente. – Lilly brincou e Heather deixou uma risada curta escapar de sua garganta.
Enquanto subiam uma pequena elevação de terra e as rodas da carruagem pareciam ranger com o peso delas, a garota pensou, com a mão direita servindo de apoio para seu queixo e os olhos fitando a vista tão ensolarada, que havia aceito a proposta de Lucian, e seu coração parecia mais do que satisfeito, já que iria encontra-lo todas as manhãs na boulangerie e ainda por cima iria ler o livro do eu lírico apaixonado. Ela o entendia mais do que nunca. Mas com o trepidar da carroça, todos os riscos vieram à sua mente. Seu pai poderia descobrir, puni-la até o dia em que se casasse, garantindo que ficasse trancada em seu quarto como uma das personagens de um livro que lera uma vez. Lilly não duvidaria que ele fizesse isso, até mesmo sabia dos seus espiões particulares, fossem da polícia, fossem pequenos vendedores. Assobiavam o que quer que William Talbot quisesse como gaivotas grasnadoras, ansiosas por peixes. Mas Lilly pouco se importara sobre o que ele faria a respeito dela. Lucian era sua verdadeira preocupação. O que seu pai poderia fazer com ele? Enquanto repassava a conversa, entre seu pai e Sebastian, que ouvira escondida atrás da porta, a garota ressaltou em sua mente o fato de Lucian já ter trabalho para a companhia de sua família. E William o havia demitido por motivos que ela ainda desconhecia, mas a garota imaginava que talvez o tivessem desagradado por demais. Então, o que ele seria capaz de fazer se soubesse do que aconteceu na noite passada?
Uma pedra maior do que as outras fraquejou a roda da carruagem e lançou Lilly para a direita, o rosto quase batendo contra o vidro enquanto seu braço era comprimido pelo peso de seu corpo, despertando-a de seus pensamentos.
- Ele é um rapaz excepcionalmente perfeito, Lilly! – Heather, aparentemente, já havia superado o fato de nunca ter ido além do toque dos lábios de seu amado sobre as costas de sua mão e, agora, exaltava todas as vantagens explicitas em August, desde seus cabelos tons de terra molhada até sua profunda personalidade. – Tão educado, gentil...
- Com grandes propriedades. – Caçoou a garota, não conseguindo se conter.
- Lilly! – Heather riu, seu corset, um tom mais escuro do que o saião do vestido, contraindo suas costelas, pressionando-as contra seu diafragma, o que dificultava sua respiração, mesmo que breve e sucinta.
- Sabe que é verdade.
- Não me casaria por dinheiro.
- Desde que sua mãe não ouça... – Lilly riu novamente, seu rosto esquentando conforme a carruagem diminuía a velocidade. – Acho que já estamos perto... – A animação em sua voz diminuiu.
- Obrigado por me acompanhar, Lilly. – Heather tocou a mão da garota, inclinando-se no assento, como se aquilo fosse acalmá-la. Pensar em Lucian, apesar dos possíveis futuros imprevistos, era tão reconfortante e libertador; pensar no que poderiam fazer juntos era ótimo, mas manter-se presente naquele exato momento, imaginando as mãos de Gayle vindo em sua direção, já embrulhava seu estômago.
- É claro... – A amiga forçou um sorriso enquanto ouvia o relinchar do cavalo ao parar na frente da propriedade.
Era uma construção imponente, ela tinha de admitir, construída há mais de vinte e cinco anos com uma fonte preparando todas as suas expectativas para o interior da casa. Na estátua, um anjo tenta acertar, fervorosamente, o coração de uma mulher com seios desnudos, que sorri ao mesmo tempo que tenta correr, um vaso em suas mãos do qual corre uma fina corrente de água cristalina, o pórtico logo atrás já exibindo a riqueza da família, com seus adornos feitos em mármore.
- Sejam bem-vindas à propriedade Denver, senhoritas. – O cocheiro disse assim que abriu a porta, estendendo sua mão coberta por uma luva cinza para que elas apoiassem o seu peso enquanto desciam, os pés tocando pequenos cascalhos. Heather desceu primeiro e tapou a luz do sou que incidia com sobre seu rosto colocando a mão direita para cima. Logo depois, Lilly desceu e o vestido arrastou-se para fora da carruagem, que voltou a andar, indo em direção ao estábulo da família.
Depois de ficarem sozinhas, de frente para tamanha exibição de dinheiro, elas caminharam até a porta da mansão, feita em verniz com arabescos góticos. August e Gayle Denver estavam ali, as mãos atrás das costas e os ombros retos, cartolas pretas em suas cabeças enquanto uma gola branca tocava seu queixo, os fraques escuros perfeitamente alinhados no corpo, os coletes cinzentos por baixo e os queixos erguidos. Lilly respirou profundamente antes de olhar para eles, segurando a barra de seu vestido, indo atrás de Heather, evidentemente muito mais animada, enquanto subiam a escadaria principal e adentravam a sombra do pórtico.
- Senhorita Fetherstone – August a reverenciou, a cartola deixando sua cabeça e sendo colocada embaixo do braço esquerdo, revelando seus cabelos castanhos iluminados pela luz do sol daquela manhã.
- Senhor Denver. – Heather respondeu, excitada e alegre pelo cortejo, as mãos apanhando o tecido de seu vestido azulado enquanto cruzava as pernas. Ela estava apaixonada, assim como Lilly.
Sempre lhe falaram que ela era uma garota observadora, perspicaz, detalhista...demais. O demais sempre acompanhava qualquer tipo de elogio, revelando uma imperfeição naquilo que era falsamente considerado perfeito. Ela é linda, a maioria dizia, mas em algum momento da conversa, conseguiam encaixar aquela palavra odiosa. Todos têm a quantidade exata do que realmente é em seu ser, nada é, de fato, demais. Lilly franziu o cenho e ergueu o olhar assim que Heather pigarreou. August estava se reverenciando, mostrando cordialidade. Apressada, Lilly cruzou as pernas e demonstrou respeito, o vestido em tons de amarelo, recheado de rosas vermelhas bordadas em suas extremidades, sendo agarrado por seus dedos delicados, a pele de seus braços roçando contra a renda da manga enquanto ela voltava a se endireitar, os cabelos caindo sobre os ombros.
- Irmão, não dirá olá para as moças? – August indagou, olhando para seu semelhante, que se recusava a sustentar um contato visual formal. Queria ter ações de um homem, mas a mente era de apenas um garoto. Talvez esse seja o problema de muitos dos rapazes. Crescem no meio das pernas – às vezes nem tanto assim -, e esquecem de crescer na mente.
- A ideia imprudente de trazê-las aqui fora sua, meu irmão. – Gayle direcionou seus olhos esverdeados para Lilly, as palavras ardilosas bem direcionadas. – Não partilho de seu pensamento de boas-vindas.
Heather colou seu corpo no da garota, tocando sua mão, entrelaçando seus dedos, mostrando que estava ali, junto a ela.
- Então para que esperou junto a mim, irmão? – August não elevou o tom de sua voz, mas havia algo na intensidade de suas palavras que certamente mudara, assim como o erguer de uma de suas sobrancelhas tão bem desenhadas.
- Para ver se eu viria, senhor Denver. – Lilly se antecipou, observando Gayle fechando seu rosto. Se ele queria enfrentá-la, então ela também o faria de queixo erguido. – Acredito que seja a minha presença aqui que perturbe os pensamentos de seu irmão. – As palavras afiadas voaram na direção do pescoço do irmão mais velho. – Não que ele já não seja altamente complexado com o questionamento de todas aquelas vozes em sua mente.
Lilly soltou sua mão das de Heather, seu vestido bordado arrastando-se atrás de seu caminhar, raspando sobre o mármore da entrada, ditando seus passos. Ela passou por August, parando na frente de seu irmão. Gayle ergueu seu olhar, mantendo um contato visual direto com os olhos provocativos de Lilly, mas não sendo firme o bastante para tê-lo por mais de alguns segundos.
- As vozes na sua cabeça se chamam pensamentos, senhor Denver. – Caçou ela, um sorriso atrevido no canto de seu lábio direito, tentando imaginar o que Lucian pensaria se a ouvisse retrucar daquela maneira. Provavelmente ele iria rir. Ele tinha um humor peculiar. – Sei que não está tão acostumado com a presença deles. É perfeitamente compreensível, no seu caso.
Heather riu, mas conteve-se, levando sua mão sobre a boca para esconder seu riso, porém, ao observar a expressão satisfeita de August, ela relaxou e deixou que seus ânimos, junto às regras de etiqueta, suavizassem enquanto apanhava o braço dele.
- Acredito que devemos entrar. – August anunciou enquanto as faíscas ainda voavam entre os olhos de Lilly. – Não concorda, senhorita Talbot?
- Sim, é claro, é uma ótima ideia. – Lilly apoiou a mão sobre o colo do vestido e desviou de Gayle, girando nos calcanhares, a barra da saia seguindo seu movimento e cobrindo os sapatos lustrosos do irmão, que permaneceu imóvel mesmo depois deles terem entrado, as pilastras do pórtico servindo como sua única companhia.
- É de meu pensar que as senhoritas sejam apreciadoras de chá. Estou correto?
- Sim, senhor. Adoramos chá. – Heather sorriu enquanto caminhavam para dentro, a boca um tanto seca enquanto imaginava se aquele seria o dia em que dariam o primeiro beijo. Queria sentir o frio da barriga de Lilly. Queria sentir o queimar do amar por entre seu corpo, que desata num toque dos lábios.
O interior da mansão fazia jus à sua imponente entrada. O piso, assim que o convidado caminhava para além da porta, era feito de mármore branco, o que refletia sua própria imagem, uma espécie de espelho opaco, que deixava suas formas embaçadas, como se fossem desenhadas pela visão de um bêbado errante. Havia duas escadas nas duas paredes principais, que guiavam para os quartos da família Denver, os quais se encontravam numa plataforma elevada feita de verniz e que poderia ser alcançada se você subisse seus vinte degraus perfeitamente alinhados. Olhando para a direita, era possível ver uma sala de jantar impecável, com seu lustre de mais de mil pérolas decorando de forma sublime o ar luxuoso e ostentoso que a família desejava criar. Mas, se olhasse para a esquerda, teria uma vista da sala de leitura, muito valorizada por August. As mãos de Lilly suaram, desejando apanhar aqueles livros e mergulhar em suas páginas velhas e amareladas, um mar de tinta negra que era capaz de deixar a alma da garota tão branca quanto as nuvens daquela tarde.
August as guiou pelos corredores largos da casa, os quais tomavam forma pelas paredes forradas de um tecido vinho até sua metade, de onde começava a decorrer uma tinta branca de aparência fresca, que servia como uma espécie de fundo para os diversos quadros pendurados.
- Vejo que é um apreciador de arte, senhor Denver. – Lilly parou e observou uma pintura de um homem alto, musculoso, corpo desnudo, de costas para o espectador, fitando o sol de um amanhecer numa colina verdejante, as formas de suas coxas cobertas por um lenço discreto. O calor daquela obra flutuou pelo ar até atingir a garota.
- Na verdade, minha mãe apreciava muito estes quadros. – Ele ressaltou sem parar seu caminhar, acariciando a mão de Heather enquanto falava, a pequena mulher sentindo suas bochechas esquentarem. Lilly continua caminhando, cabeça baixa enquanto fitava o chão, agora feito de madeira. – Chegamos, senhoritas.
Os olhos da garota se iluminaram ao ver o grandioso jardim daquela casa, com uma fonte cinzenta assim como a da entrada, alguns pássaros paravam sobre a borda arredondada, bicando a água, jogando-a contra seu corpo com seus bicos nervosos para se refrescar. Um deles passou voando diretamente contra a cabeça de Lilly, o que a fez se abaixar.
– Perdoe-me pelos pássaros, senhorita Talbot. – August desculpou-se, embora não houvesse nada que pudesse fazer. – Mas minha mãe nunca achou certo ferir os animais. – Bom, talvez ele soubesse o que fazer, afinal ao passar por um dos corredores, Lilly não pudera deixar de notar a coleção de armas expostas numa prateleira protegida por uma tela de vidro.
- Não há problema algum. – Ela sorriu enquanto andava na direção de uma mesa de metal, pintada de branco, colocada sobre a grama fofa que acolheu os pés dela com suavidade, os pequenos saltos encaixando-se perfeitamente. – Na verdade, aprecio muito os pássaros.
- Ah...sim? – August franziu o cenho antes de estalar os dedos, chamando por um homem esguio e sisudo que Lilly não percebera que estivera ali. Novamente, a perfeição nas roupas se fizera presente, desta vez no serviçal. – Pode trazer-nos o chá, Steve.
- Sim, meu senhor. – O homem respondeu, suas sobrancelhas grossas e grisalhas sem se movimentar. Lilly não pôde deixar de compará-lo a um personagem de um livro que lera certa vez, escondida em meio a madrugada, em seu quarto, lendo sobre um homem que perdera sua humanidade, tornando-se uma espécie de sugador de sangue horrendo. Ela baixou os olhos quando ele retornou, temendo que ele pudesse ler seus pensamentos, mas a figura esguia estava focada demais em carregar aquilo que trazia nas mãos enrugadas.
O teapot no qual o chá viera era feito de cerâmica, com arabescos em prata decorando suas extremidades, enquanto algumas flores dominavam o resto do corpo do objeto, com sutileza em seu tamanho, e fumegava pelo seu bico de cisne, espirais de fumaça entrelaçando o ar ao seu arredor e subindo até perderem-se de vista.
– Servida, senhorita? – Indagou o velho mordomo, seus olhos sendo mais dóceis do que Lilly imaginara. Tons de chocolate. Assim como os de Lucian. Ela disse que sim e, em poucos segundos, o líquido fumegante já estava pronto para ser colocado em seus lábios, tendo sido misturado com uma dose de leite e um fio de mel, que August disse ter sido cultivado pelos apicultores da família.
Ela ergueu a pequena xícara até a altura dos lábios, o líquido quente e seu aroma adocicado encantando o corpo dela enquanto seu sabor invadia seu paladar. Não havia nada tão bom quanto chá quente e leite fresco. A harmonia dos contrastes. A garota fechou os olhos por alguns segundos e pensou em como apreciar cada momento estava lhe fazendo tão bem. Lucian lhe ensinou isso. O local não precisa mudar, para que seja perfeito. O modo como você o enxerga é que pode te surpreender.
Satisfeita com o novo gosto em sua boca, Lilly abriu os olhos e olhou na direção de Heather. A amiga estava feliz, com um sorriso que ia de um canto ao outro de seus lábios, o olhar brilhando enquanto fitava August, que falava com tamanho controle, como se soubesse exatamente o que dizer e quando dizer, tornando tudo ainda mais agradável.
– Lilly? – Chamou Heather, atraindo a garota para a conversa deles. – Você está bem?
O breve momento de devaneio talvez não tivesse sido tão breve quanto ela pensara.
– Estou, é claro... – A garota sorriu, percebendo que havia ficado encarando o pequeno pão doce que estava na sua frente, num prato de cerâmica sobre uma toalha branca, que cobria a mesa. O velho mordomo estava ao seu lado, perguntando se desejava um pouco de geleia de amora para acompanhar o doce. Ela aceitou, incerta do que fazer por um momento, retomando os pensamentos logo que August retomou a fala:
– Chegou à minha atenção uma carta particularmente interessante outro dia, senhorita Fetherstone.
Heather franziu o cenho enquanto colocava um pequeno pedaço do pão doce em sua boca, o açúcar que havia sobre a massa grudando sobre seus lábios. O homem deteve-se por um momento, esticando seu polegar e limpando as extremidades dos lábios finos da garota. Lilly a assistiu corar tanto quanto cobre em brasa.
– So-Sobre o que era? – Ela indagou por entre um gaguejar ao acabar de engolir, seguindo as regras de uma boa dama. Não coma muito. Ouça mais do que falar.
– Um baile... – Ele começou. Lilly arregalou os olhos e sentiu seu coração parar. – Um baile feito pelo senhor William Talbot.
Heather olhou para Lilly, que tentava engolir novo goles do chá, mas que agora, com aquela maldita frase dita, pareciam serragem em sua boca e tornavam-se intragáveis. Ela deixou a xícara de lado.
– Perdoe-me por isso, senhor Denver. – Foi a única coisa que conseguiu escapar dos lábios da garota Talbot, tão impassíveis que conseguiam esconder a dor que ela sentiu em seu coração. O que tivera fora um sonho perfeito demais, e aquela era a realidade. O baile ainda ia acontecer. Ela ainda seria forçada a casar, de fato. – Meu pai...acredita que seja melhor que eu arranje um marido o mais rápido possível.
- Então...não devo ir à recepção de seu pai?
Lilly tentou sorrir, mas os lábios falharam. O pai, aparentemente, havia enviado o convite para toda a alta sociedade. As chances de impedi-lo agora eram praticamente nulas.
– Na verdade, sua presença seria muito apreciada. – Respondeu com cordialidade, afinal, estava nas propriedades dele e Heather seria eternamente grata pela oportunidade de poder passar uma noite inteira com August Denver.
– Nesse caso... – Ele recomeçou, mas Heather o interrompeu num súbito momento.
- Você irá? – No instante em que perguntara, percebeu o quanto havia sido rude, as mãos suando sob seu colo enquanto virava seu rosto na direção do de August. – Desculpe-me.
– É claro que irei. – Ele sorriu para ela enquanto os cabelos caíam sobre a testa. – Mas somente se você for a minha companhia. – August inclinou seu rosto, segurando sua mão e beijando-a com delicadeza.
*Heeeey, sei que esse capítulo foi um tanto monótono, mas achei melhor deixar as coisas mais...leves antes do próximo capítulo he he, se preparem.
*Como sempre, se gostaram, não se esqueçam de votar e, quem sabe, até indicar a um amigo!!!! Vejo vocês em breve!!!
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