Capítulo 2 - Sonho
Senti meu corpo flutuar, um frio na barriga e então senti-me repousar em algo macio, de repente, acordei assustada, pois havia barulho de pássaros. Estava escuro demais para ver qualquer coisa. Perguntei-me onde estava. Toquei o lençol sedoso sobre o qual estava e senti cheiro de flores, forcei a visão, porém nada consegui ver.
Então me sentei e abracei os joelhos. Devo estar sonhando, pensei. Belisquei meu próprio braço e senti a dor. As horas passavam, enquanto eu escutava os mais variados sons provindos de locais ocultos ao meu redor, não voltei a deitar, tive medo de com isso acabar adormecendo, ou pior sendo atacada por algum animal selvagem.
Conforme o tempo passava lembrei-me de todos os meus piores medos, das muitas surras que levei ao longo dos anos em que estive no orfanato. Dos hematomas para os quais minha resposta era sempre: eu caí.
A morte de Laura, que acontecera a pouco mais de um ano e lágrimas percorreram meu rosto, lembrar que a pouco mais de um ano ninguém mais questionava meus hematomas, ou perguntava se eu queria outro livro. Chorei como uma criança naquela noite escura, sem saber onde estava. Chorei por todas as vezes que engoli o choro. Chorei por não ter uma família e por minha terrível maldição.
Quando o dia começou a clarear, sequei as lágrimas do rosto e comecei a vislumbrar a beleza do lugar onde me encontrava. Olhei ao redor tentando ver cada detalhe daquele belo lugar e a tristeza desapareceu, senti que este lugar era mágico.
Havia árvores de cerejeiras, de muitas cores, suas pétalas caíam como neve pela floresta onde estava. Girei a cabeça e a joguei para trás inúmeras vezes, observando a grandiosidade do lugar. Fiquei de pé e recolhi a seda roxa na qual estive sentada e percebi que haviam juntado pétalas embaixo do lençol, isso explicava o conforto que a cama improvisada tinha, as borboletas multicoloridas voavam em volta das cerejeiras.
Meus pés descalços tocavam o chão frio. Ainda em meio a minha inquietude observei em volta me perguntando como fui parar ali e onde exatamente era ali.
- Não se assuste Bella. – Disse uma voz feminina atrás de mim. Virei-me.
Deixei a seda que estava em minha mão cair e fiquei de boca aberta encarando a mulher que estava em minha frente, com sua pele pálida, ela usava um vestido roxo que parecia feito com pétalas de flores; alça ao redor do pescoço e caimento perfeito até os pés descalços; asas, cabelos e olhos em um tom quase negro de tão roxo. Os braços da fada estavam passando por aberturas entre o vestido e um tecido esvoaçante ao lado do corpo, pedras em um tom mais claro do lilás cravejavam o busto do vestido. Havia estampas de caules de plantas ao longo da saia.
- Oh meu Deus! – Exclamei. – Eu estou sonhando, será que estou em coma, é difícil dizer, não me lembro de ter sofrido algum acidente. Você é uma fada, mas é tão alta. – Tentei pensar, contudo a fada a minha frente sorriu, um riso gracioso, que me fez parar de pensar e focar nela.
- Eu me chamo Dália e não, você não está sonhando, nem está em coma. E devo dizer que nunca vi você falar tanto.
- Como assim? Você é o que? Minha fada madrinha?
A reação da fada foi rir e levantar um voo baixo, no entanto não me pareceu que ela estivesse rindo de mim por pura maldade, ela parecia simplesmente achar graça da situação, meus ombros relaxaram e eu parei de tremer, minha mente pareceu estar momentaneamente em paz, olhei ao redor mais uma vez, as pétalas das cerejeiras caiam ao chão.
- Não Bella, eu sou apenas uma fada e você está no nosso reino. Bem-vinda a Sakuraqueen. – Disse ela com um gesto indicando o lugar ao nosso redor.
- Como vim parar aqui?
- Assim. – A fada pôs as mãos, uma sobre a outra e as afastou, entre suas mãos estava uma espécie de espelho com o vidro roxo, através dele pude ver a parte externa do orfanato.
Processei as informações e fiz outra varredura da área, vi um beija-flor azul-turquesa que estava tomando néctar em uma das flores. Ao meu olhar ele parou e me encarou antes de se virar e voar para longe. Minha imaginação não é tão criativa assim, pensei.
- Eles não gostam de ser observados enquanto se alimentam. – Disse a fada da qual eu quase havia me esquecido, o portal em suas mãos desaparecera.
- Por que eu estou aqui? – Ela parou de sorrir.
- Preciso que você venha comigo. Ver a nossa monarquia. Tem uma razão para você estar aqui, mas eu não posso te contar, só eles podem. – Dália parecia medir suas palavras.
- Por que eu iria com você? Nem conheço você.
- Bella, eu vi o seu sofrimento, estive com você muitos dias. Quando eu não estava lá, havia outro de nós. Se você não vier comigo, para onde vai? Voltar para aquele lugar?
Olhei ao redor outra vez, seja lá onde eu estivesse, desejei não estar mais naquele orfanato, à única pessoa que sentiria minha falta lá, estava morta, os outros pensarão que fugi. Enquanto media minhas opções percebi o quanto eu queria seguir a fada. Imaginação ou não, não havia razão para retornar, nada naquele orfanato era importante para mim, eu sempre desejei uma vida com magia...
- Essas roupas não são um tanto estranhas, para conhecer uma monarquia? – Perguntei olhando para meu pijama surrado.
- Você pode ter razão. – Disse ela.
Então pegou o tecido que estava no chão e fez uns gestos com as mãos depois passou meu braço direito por um buraco e enrolou o resto em meu corpo, então eu estava com um vestido roxo de um ombro só.
– É mais fácil fazer roupas para pessoas que não tem asas. Você está pronta?
Suspirei. Meu corpo tomado pela empolgação e o medo.
- Que outra opção eu tenho?
- Nenhuma. – Disse a fada. – Não se preocupe vou estar com você o tempo todo.
Caminhei seguindo a fada que estava voando a poucos centímetros do chão por entre as árvores. Ela estava em um silêncio misterioso, o vento soprou fazendo o vestido improvisado colar em meu corpo. Observei a fada com mais atenção e vi suas orelhas pontudas.
A floresta estava ficando mais fechada, já não havia algo que eu pudesse chamar de trilha, nesse momento desejei profundamente ter sapatos, assim não teria que ficar tomando cuidado com possíveis espinhos no chão.
Dália me olhou confusa com meu jeito desengonçado de andar. Aparentemente, a fada nunca se preocupou com espinhos. Lancei-lhe um olhar de raiva.
- Por que você está andando assim?
- Espinhos. Eles podem furar meus pés.
- Ah! Tinha esquecido que você não voa. – Ela sorriu como se pedisse desculpas.
- Você pode fazer sapatos para mim ou coisa assim?
- Vou afastar as plantas do caminho. – Disse ela. E com um gesto de sua mão, as ramas espinhosas saíram do caminho, formando uma trilha.
- Obrigada. – Falei, continuei a caminhar pela trilha seguindo-a, me sentia cansada, meu rosto suava e meus pés doíam por caminhar pisando em pedras. Mesmo as pétalas de cerejeiras, não eram suficientes para me dar certo conforto.
Eu já nem sabia quanto tempo caminhei. As cerejeiras ficaram para trás e começaram a surgir árvores incrivelmente altas, havia lanternas penduradas à frente do que imaginei que fossem casas, feitas com madeira, janelas arredondadas telhados do que me pareceu ser palha à distância. As casas estavam penduradas nas árvores.
- Quantas fadas vão estar nessa reunião?
- A maior parte da população do nosso reino. Alguns tinham trabalhos a fazer e não puderam comparecer, mas a maioria estará presente.
Engoli em seco e ergui os olhos mais uma vez para as casas, meu coração batia forte contra o peito. Enquanto estava desnorteada em meio à visão daquele lugar nas alturas, a fada pousou no chão a minha frente e me encarava como uma professora prestes a dar instruções de uma aula diferente.
- É aqui em baixo que teremos nossa reunião, achamos que seria pouco educado carregar você até lá em cima, além disso, há algumas fadas não poderiam participar e tudo que será dito, é do interesse de todos. – Dália explicou. Assenti e finalmente desviei a os olhos do alto e encarei o lugar a minha frente.
Havia uma casa aqui no solo, as fadas estavam todas de pé, havia fadas mulheres e homens, de várias cores, algumas cores tão lindas e que eu nunca vi antes no meu mundo, todos eles de pé. No entanto, tinha uma mesa semicircular com dez fadas sentadas, dessas, seis eram homens e quatro mulheres. Essas fadas tinham olhos, cabelos e asas negras, assim como suas roupas.
Tive aquele velho receio, as pessoas costumam associar bruxos e criaturas das trevas a roupas pretas, particularmente, sempre que imaginei as fadas, nunca tinha passado pela minha cabeça fadas assim.
Ao nos aproximarmos Dália se curvou para eles e olhou para mim pelo canto do olho, tomei aquilo como aviso e curvei-me desajeitada, não tive coragem de erguer a cabeça, temi os olhos de todos mais do que qualquer coisa em minha vida.
- Seja bem-vinda Annabella. – Disse uma das mulheres, ela estava com uma tiara prateada cujos detalhes pareciam plantas trançadas, a coroa alongava-se para o alto e dava a sensação de poder aquela criatura, sua voz era melódica e os traços de seu rosto eram bem acentuados. – Eu sou a rainha do povo das fadas. Meu nome é Amélia. É um grande prazer recebe-la em Sakuraqueen.
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