Capítulo 6 (rascunho)

 "Andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos."

Clarice Lispector.


Arthur abriu os olhos e notou que estava em uma cama de hospital. Aos poucos, a memória dos acontecimentos recentes voltou e ele tentou sentar-se, mas a dor intensa no peito não lhe permitiu. Isso fê-lo pensar que deveria estar morto, mas não estava. Um tiro no peito quase à queima-roupa não era brinquedo, mas ele estava vivo. Tentou mais uma vez mudar de posição e soltou um gemido de dor. Logo a seguir, uma enfermeira apareceu no seu ângulo de visão, ajudou-o a se ajeitar e disse, falando em inglês americano:

– Acalme-se, doutor Lancaster. O senhor está vivo por um capricho único do destino, um verdadeiro milagre muito raro de acontecer, mas foi ferido com uma gravidade severa.

– Onde estou? – perguntou Arthur, falando devagar e com alguma dificuldade em respirar. – Quanto tempo passou?

– Passaram dois dias e meio e está em um ambulatório da embaixada dos Estados Unidos. Não se preocupe que o seu governo já foi avisado e estiveram aqui para o ver. A sua filha apareceu aqui ontem e já sabe que está fora de perigo, então apenas descanse bastante para se recuperar. Juro que nunca acreditei em milagres, mas agora acredito.

– Por favor – pediu, estendendo a mão e sentindo-se exausto –, dê-me o meu telefone. Preciso de ligar para a Laurinha e dizer que estou vivo. Ela deve estar aflitíssima e muito preocupada!

– O senhor terá de arrumar outro telefone, doutor Lancaster – disse o médico, entrando e mostrando o aparelho dele. Havia um buraco de bala bem no meio. – O seu telefone salvou-lhe a vida. Quando o terrorista atirou, a bala perfurou o aparelho e foi desviada, além de ter perdido bastante energia cinética. Por três milímetros o seu coração não foi atingido de forma fatal; entretanto, o senhor teve uma lesão perigosa no pulmão. Felizmente, ficará cem por cento curado, mas levará algum tempo. Por questões de segurança, foi noticiada a sua morte de forma a não haver represálias dos terroristas contra a sua família. O governo britânico esteve aqui e aprovou a nossa decisão. Com isso, um caixão vazio já saiu daqui com destino a Londres. A sua família veio para cá atrás de si e aguardam a sua melhora. A sua filha está no hotel e vamos avisá-la que recuperou a consciência.

– Não, não, de novo não – murmurou em português, deixando cair uma lágrima enquanto tentava se levantar, apesar das dores intensas. – Agora como vou encontrá-la, como vou conseguir explicar isto?

O médico notou a agitação do paciente e injetou algo na corrente snaguínea, fazendo Arthur cair na inconsciência. Assim que viu todos os sinais vitais normais, virou-se para a enfermeira:

– Deve voltar a si em duas ou três horas, informe a filha dele – ordenou. Olhou de novo para o herói anônimo e acrescentou. – Pobre homem, eu não queria estar na pele dele. Por causa disso, poderá ser perseguido por terroristas e até ver a família destruída, se descobrirem a verdade.

― ☼ ―

Arthur abriu os olhos e viu que alguém segurava a sua mão. Virou o rosto e reconheceu a filha. Ela tinha o ar preocupado, mas sorriu, quando o viu desperto.

– Oi, minha filhinha – disse, em português. – Acho que te dei um grande susto, não é?

– Oi, pai – respondeu Karol, sorrindo mais. – Susto é apelido e não foi só em mim. A prima Mariana quase teve um infarto e não parava de tremer, quando viu as notícias; chorava feito uma desesperada, e eu também. Ela está no hotel, mas, em breve, deverá chegar aqui. Me diz uma coisa: quem é uma tal de Laura Evans?

– Onde ouviste isso? – perguntou o pai, ficando sério e triste.

– Falaste várias vezes esse nome enquanto dormias, pai – explicou Karol, abanando a cabeça. – Estou aqui faz quase uma hora e meia. Então, quem é ela?

– Laura é uma mulher deslumbrante que conheci em Cannes. É americana e tornou-se minha namorada há alguns dias. O problema, anjo, é que acho que a perdi pela segunda vez e talvez nunca mais a encontre de novo.

– Como assim?

Arthur contou-lhe sobre o telefone ter sido destruído. Além disso, para evitar que os terroristas o perseguissem no futuro, foi dado como morto, coisa que a filha já sabia. A conclusão mais lógica era que ela nem tenha tentado saber dele.

– Então, tu tens que ficar bom logo para procurá-la em Nova York, pai...

A porta abriu-se, interrompendo ambos, e um homem entrou seguido de mais dois seguranças muito bem armados. Ele sorriu para Arthur e fez uma mesura. Falando com sotaque carregado, disse:

– Doutor Lancaster, eu estou vivo graças a si e precisava de lhe agradecer pessoalmente antes de retornar para o meu país. Sou Benjamin Breuer, primeiro ministro de Israel. Sinto muito que tenha sido ferido de forma tão severa por minha causa e não tenho palavras para expressar a minha profunda contrariedade.

– Pode falar em hebraico, Excelência, que eu domino seu idioma com fluência – disse Arthur, fazendo um aceno. – Não precisa de agradecer. Eu jamais me perdoaria se não tivesse ajudado o senhor, sabendo que conseguiria neutralizar os terroristas. Sem falar que a blindagem do seu carro não aguentaria o impacto direto da bazuca.

– E fala com perfeição, doutor, parabéns – replicou o político. – Desde já, quero lhe deixar um convite para conhecer Israel como convidado especial do governo.

O ministro trocou uma série de gentilezas para as quais Arthur não tinha qualquer interesse, apenas respondendo com cortesia, mas a sua cabeça estava muito longe dali, a muitos milhares de quilômetros para o oeste. O seu pensamento estava tão ausente que seria incapaz de relatar a conversa que tiveram, se lhe perguntassem. Quando o israelense saiu, ele fechou os olhos e ficou calado por um bom tempo. A filha, sabendo do ocorrido, deixou-o em paz, ficando apenas a segurar a sua mão.

Não demorou muito e a porta abriu-se mais uma vez, mas para deixar entrar Mariana cujo olhar estava demasiado aflito. Ela quase correu até ao primo e abraçou-o com cuidado. Arthur sorriu e disse:

– Oi, Nanica, que cara é essa? – perguntou, debochado. – Achavas que te livrarias de mim fácil assim, guria?

– Você ainda mata todos nós do coração, Arthurzinho. Os seus pais chegam hoje de noite porque não conseguiram um voo. Você tem ideia da sensação que é vê-lo lutando com um bando de terroristas e ser baleado no final? Quando você caiu no chão eu quase caí junto, seu diabo!

– Fui baleado por causa desses soldados americanos. Eu estava prestes a matar o último terrorista quando eles apontaram as armas e mandaram parar. Eu notei que atirariam em quem se mexesse e soltei a faca. Aí o sujeito atirou em mim. Culpa desses idiotas!

– Mas o que deu em você de lutar contra esses caras? – insistiu a prima, ainda indignada com a situação. – Os soldados americanos que os enfrentassem!

– Eu não pretendia enfrentá-los, meu anjo, mas quando vi o cara com a bazuca reagi porque não ia dar tempo dos soldados agirem. Desculpa pelo susto, só que eu não podia ficar omisso, sabendo que os podia impedir. Mesmo tendo o prejuízo que tive.

– Que prejuízo, seu maluco de pedra? – perguntou a prima, achando que ele estava meio maluquinho. – Por acaso você acha que aquilo era alguma negociação para falar em prejuízo.

– Deixa pra lá que não quero falar disso, Mariana. Vem cá, quando será que posso ter alta? Não gosto de ficar em cama de hospital!

A filha e a prima caíram na risada, apesar de ainda estarem um pouco nervosas.

― ☼ ―

– "Avó" – disse William ao telefone e muito preocupado. – "Eu contatei a universidade de Oxford para ver se conseguia alguma informação sobre o namorada da mãe. O professor Arthur Lancaster era a maior sumidade do mundo em Inteligência Artificial e o pessoal lá está de luto até agora, tamanha era a importância dele. Mas a questão é que eles não sabem grande coisa. Tudo o que souberam me dizer é que se demitiu alguns meses atrás, mas ele comentou com um colega que estava a trabalhar em um novo projeto, só que ia passar uns tempos com a filha que vive em outro país. Infelizmente, esse cientista não se lembrava qual. Tentei falar com alguma autoridade britânica, mas eles não dizem nada, nem mesmo falam do corpo do doutor Lancaster ou do enterro. Disseram apenas que o caixão chegou de avião no dia seguinte e a família cuidou de tudo. Recusaram-se a informar sobre a família por segurança contra os terroristas. Pela deferência que tinham ao falar do doutor Lancaster, ele devia ser uma verdadeira lenda no meio deles. É até estranho imaginar que um cientista de meia idade, sendo uma sumidade como ele era, pudesse ser um exército de um homem só. Eu vi as gravações da luta contra os terroristas e nem acreditei nos meus olhos. E a minha mãe?"

– Ela está em depressão profunda, querido, mesmo depois de quase dois meses. Vai trabalhar apática, volta e se tranca no quarto, praticamente não come, não diz nada e fica horas olhando a tela do telefone ou as fotos deles em Istambul. A tua mãe perdeu a esperança e a vontade de viver. Não sei o que eu faço. Quanto à filha, ela disse que o namorado falava em polonês com ela, logo talvez a moça viva na Polônia.

– "Eu vou entrar de férias semana que vem e pretendo pegar a mãe e levá-la para algum lugar. Talvez para Londres de forma a ter uma ilusão de procurar por ele."

– É possível que seja uma ótima ideia fazer isso, meu querido – disse a avó, séria. – Parece uma crueldade do destino. Ela estava bem como eu não via há muitos anos. Só a vi feliz assim uma vez. Isso não precisava de acontecer, definitivamente não precisava.

– "Bem, vó, preciso desligar. Beijo."

– Tchau, querido neto. Cuide-se.

― ☼ ―

O avião pousou no Galeão e Arthur desceu com a família. Por conta do estado dele, foi levado em uma cadeira de rodas e não gostou nada de parecer um inválido, reclamando sem parar em especial quando a prima debochava, apoiada pelos pais e tios. Quando chegou a Niterói, foi direto para o quarto e pediu para não ser incomodado porque desejava dormir um pouco.

Na sala, os pais conversavam com a neta.

– Há algo de muito errado com o Arthurzinho, Karol, muito mesmo. Ele tenta esconder da gente, mas está com uma depressão bastante forte. Eu só o vi assim uma vez, quando ele tinha dezessete anos e foi separado da Anna. E o pior é que ficou desse jeito até conhecer a tua mãe. Olha que isso demorou mais de ano. Alguma coisa de grave aconteceu com ele.

– Vô, ele me contou o que aconteceu e entendo perfeitamente essa depressão. O pai conheceu alguém muito especial para ele, mas, por causa do atentado, perdeu o contato dela.

– Como assim!?

– O telefone estava no bolso interno do blazer. Quando o terrorista baleou o pai, acertou o telefone, que ficou destruído.

A neta contou toda a história e os avós ficaram calados, ouvindo e absorvendo.

– Bem, minha filha – comentou o avô, pensativo –, se bem conheço o teu pai, e conheço muito bem, ele vai ficar assim até melhorar fisicamente; depois, vai procurá-la. O melhor que tu podes fazer é dar apoio incondicional e esperar, pois acho que é a única forma de ele sair desse estado. Com os recursos que ele deve possuir, acredito que encontrará essa tal Laura. Sinceramente, espero que encontre. Eu não gostaria de o ver de novo daquele jeito. Para ele ter ficado assim, ela devia ser realmente muito especial.

– É, vô, eu sei – respondeu a neta com um suspiro triste. – Depois da morte da minha mãe ele não fazia nada a não ser trabalhar feito um louco. Desde as últimas conversas ao telefone ele parecia tão bem, tão mais leve. Bem, agora só nos resta esperar e ter um pouco de fé.

Algumas horas depois, a meio da tarde, Arthur levantou-se e foi para a piscina, sentando em uma espreguiçadeira e olhando para o mar. O seu pensamento estava longe, mas, ao mesmo tempo, estava ali naquela praia, junto àquela árvore bem em frente à sua casa, a casa que foi do seu primeiro e maior amor. Sentia o vento frio do mar carregado com o cheiro de iodo e maresia e o farfalhar suave das folhas da árvore em frente à casa.

A sua memória trouxe a imagem de dois jovens correndo ali, alegres e felizes. Pensava na Anna, como tantas vezes fez. Ele estranhava como vinha tendo esses sentimentos com tanta frequência. É verdade que nunca deixou de se lembrar da Anna nem deixou de pensar nela, mas era diferente do que ocorria naquele momento. O mais provável era que fosse pelas coisas em comum com a Laura, mas ainda assim achava estranho, depois de tantos anos, sem falar que sempre que pensava em uma, pensava na outra. Levantou-se devagar e entrou em casa, andando apoiado pela bengala.

― ☼ ―

Os dias foram passando devagar e Arthur mantinha-se sempre calado e pensativo. Quando precisava de falar com alguém da família era quase sempre monossilábico e nem mesmo a Mariana conseguiu arrancar muitas palavras dele. Os pais ficaram apenas uma semana e voltaram para o Sul, combinando com a neta que voltariam se fossem necessários.

Arthur melhorava rápido e, uma semana depois, já estava caminhando rápido na beira da praia. O pulmão cicatrizara e agora precisava e recuperar a força total. Na segunda semana, começou a correr devagar e, no final, fazia alguns exercícios de Wing Chun, ajudado pelos primos que viviam na casa ao lado dos pais deles, mas na direção oposta à do Arthur. Um mês depois, ele já se sentia muito melhor... fisicamente. Era sexta-feira e disse para a filha:

– Vamos ao shopping comer qualquer coisa que eu preciso de um telefone novo.

Ambos foram jantar e, na volta, Arthur sentou-se no seu escritório, observando o computador fechado, computador que não usava há mais de um ano. Abriu a tampa e ligou-o, aguardando que o sistema entrasse. Enquanto isso, pegou o telefone novo e conectou o cabo de dados, ligando ao aparelho. Colocou os óculos de realidade ampliada e ativou a conexão com a IA, que apareceu na tela e em realidade ampliada.

– Oi, Lana.

– Oi, amor, estava sem saber o que fazer. Vi as notícias e tinham dito que tu morreste. Isso fez com que eu tivesse pensamentos estranhos e acho que entendi finalmente o que é tristeza, pois sinto que agora estou bem ao te ver.

– Fizeram isso para me proteger a mim e à minha família dos terroristas. Lana, preciso que me faças um favor enquanto eu ainda me recupero: tenta encontrar quantas "Lauras Evans" existem nos Estados Unidos. Foca a busca em São Francisco e Nova York. Depois, tenta obter para mim os nomes e endereços de todas as editoras de Nova York. Eu sei que vai ser difícil, mas a minha vida, sem ela, não tem mais significado. Em breve, iremos aos Estados Unidos.

― ☼ ―

O aeroporto JFK, no Queens em Nova York era um dos mais movimentados do mundo, sempre cheio de gente. O avião de Arthur pousou e ele foi um dos primeiros a descer, em especial por não levar nada a não ser uma pequena mala de mão. Enquanto caminhava para a saída não teve a felicidade de ver a sua adorada Laura e um homem jovem entrando em um portão de embarque a apenas dez metros dele.

Uma vez na rua, pegou um táxi e foi para um hotel em Manhatan, deixando a bagagem por lá. A seguir, munido do telefone e dos óculos de realidade virtual, saiu, falando em polonês para não ser entendido. No Brasil, ele já havia ligado para todas as setenta e duas "Lauras Evans" que encontraram, mas nenhuma delas era a sua namorada. Por isso, agora ia ver as editoras todas.

– Lana, apresenta na tela a primeira editora.

Logo depois apareceu uma lista no ar, lista essa que se ampliou e foi para a primeira empresa.

– Ordenei a procura por distância de modo a otimizar o nosso trabalho de busca – disse a IA. – Essa editora fica aqui pertinho. Segue a seta.

Logo surgiu uma seta à sua frente e ele foi andando. Ao chegar à primeira editora, identificou-se e pediu ajuda para localizar Laura. Eles foram muito gentis, mas ela não fazia parte do quadro de colaboradores. Agradecendo, o cientista foi para a rua e, incansável, seguiu para a próxima empresa.

Quando o horário comercial terminou, Arthur tinha visitado seis editoras, mas nenhuma delas tinha uma Laura Evans no quadro funcional. Foi para o hotel e jantou por lá mesmo. Recolheu-se cedo e, às cinco da manhã, já estava de pé, preparando-se para correr no Central Park. Laura gostava de correr, segundo ela mesma dissera, então o local mais provável era lá, mesmo sendo esse um parque enorme. Por duas horas ele correu e passou por muitas pessoas que faziam o mesmo, mas nenhum deles era a sua querida namorada. Frustrado, voltou para o hotel, tomou um banho e foi procurar nas editoras de nova York. Em uma delas Laura estaria trabalhando e Arthur encontrá-la-ia nem que precisasse ficar um mês à procura.

― ☼ ―

O avião corria pela pista já com a roda dianteira no ar, seguido logo das outras. A viagem para São Francisco era longa, uma vez que atravessaria o continente de costa a costa, mas Arthur não se importava. Tempo era o que ele mais tinha. A sua busca em Nova York não dera resultados. Com certeza uma das editoras mentira para ele, ou então Laura jamais trabalhara em uma, mas ela não tinha motivos para o enganar.

Assim que o avião pousou, Arthur seguiu o mesmo ritual: foi a um hotel, jantou e descansou, já que era de noite. De manhã cedo, após a sua corrida matinal, ele tomou café e foi atrás das editoras. Teve sorte na terceira.

– Sim, senhor Lancaster, Laura Evans trabalhou conosco por vários anos, mas demitiu-se há alguns meses para trabalhar na costa leste. Ela disse que a mãe precisava dela – comentou a funcionária.

– Por acaso tem o endereço dela?

– Sinto muito, mas ela não deixou o novo endereço; entretanto, posso fornecer o antigo. Talvez algum vizinho possa ajudá-lo.

– Eu agradeço imenso – disse Arthur, mais aliviado.

Na posse do endereço entrou em um táxi e foi direto para o prédio. Era de dois apartamentos por andar e tocou no vizinho.

– "Sim?"

– Boa tarde, eu me chamo Arthur Lancaster e sou muito amigo da Laura, sua vizinha, mas soube que ela se mudou e não tenho nada dela, nem endereço nem telefone. Poderia me ajudar?

– "Sinto muito, senhor Lancaster, mas este apartamento era da minha mãe que faleceu mês passado. Eu me lembro da senhorita Evans, mas não tenho nenhuma informação sobre ela. Mais uma vez, sinto muito."

– Obrigado. As minhas condolências pela sua mãe – disse Arthur, beirando o desespero.

– "Obrigada, senhor Lancaster, boa sorte."

Arthur tentou todos os apartamentos. Mais dois vizinhos eram conhecidos, mas não tinham intimidade alguma com ela.

De ombros caídos, Arthur retornou para o hotel e comprou uma passagem para o Rio de Janeiro no primeiro voo do dia seguinte. Mais abatido ainda do que estava quando veio para os Estados Unidos, ele entrou em casa e trancou-se no quarto sem falar com ninguém, nem mesmo com a filha.

Preocupada, Karol deu-se conta que tudo deu errado e o pai não logrou localizar a namorada. Parou em frente à porta do quarto e ergueu o braço para bater, mas hesitou. Olhou para a frente, como se estivesse vendo através da madeira maciça, analisando o pai.

Soltou um suspiro profundo e deu meia volta, deixando o pai a sós. Ela sabia que, com o pai, não era bom forçar a barra. Caso a depressão dele aumentasse, pediria ajuda à tia-avó, que era psiquiatra, ou chamaria os avós.

A prima Mariana estava sempre por perto e ajudava-a. Ao contrário da Karol, a prima era sempre alegre e brincalhona, como se isso pudesse contagiar Arthur. Ela amava muito o primo para desistir dele e Karol era muito agradecida.

― ☼ ―

Laura e o filho retornavam para casa, quando ele comentou:

– Mãe, eu acho que esta história toda está mal contada. Eu vi o vídeo e aquele homem era uma máquina de combate sem par, um verdadeiro exército de um homem só. Bem sei que ele foi atingido, mas também foi levado muito rápido e o consulado dos Estados Unidos sempre tem tudo preparado para qualquer tipo de emergência. Sinceramente, tenho a nítida impressão de que ele não morreu.

– Não sei, filho, a verdade é que ele já teria me ligado, se estivesse vivo, como fez todos os dias antes de ser atingido – argumentou a mãe, deprimida. – O negócio é voltar ao trabalho e superar tudo isto. Só queria saber por que motivo tenho tanto azar nos meus relacionamentos.

– Podem ter ocorrido diversos fatores para ele não ter ligado, mãe: ele pode ter ficado impossibilitado por algum tempo, perdido o telefone durante a luta, sei lá. Olha, mãe, deixa uma fresta de esperança porque eu acredito que ele pode estar vivo e sabes que a minha intuição é boa.

– Queria poder acreditar nisso, meu amor, mas perdi a fé. Vamos para casa que tenho que dormir um pouco. Amanhã preciso de voltar a trabalhar.

― ☼ ―

Era o quarto mês desde a fatídica tarde em Istambul. Laura tentava levar uma vida normal, mas não era mais capaz de sorrir ou aparentar alegria. Continuava muito eficiente no seu trabalho só que não parecia mais a mesma pessoa. Os colegas acabaram sabendo do ocorrido e eram amigos e corteses, tentando ajudar a aliviar o fardo da moça. Naquela manhã, entrou na editora, abatida como sempre desde o ocorrido com Arthur. Subiu para a sala da chefe e bateu à porta.

– "Entre!"

Ela entrou e sentou-se na cadeira em frente à mesa.

– Olá, Martha – disse de forma mecânica. – Voltei um dia mais cedo e já mandei a entrevista para a edição.

– Caramba, Laura, tu ainda não estás nada bem – disse, ao ver as olheiras da moça. – Tira uns dias para descansar!

– Isso não vai mudar com mais uns dias, Martha – retrucou a subordinada, com voz baixa. – Só mudaria se os mortos ressuscitassem! Eu decidi que o trabalho pode ser o melhor remédio para mim, então gostaria de uma tarefa bastante difícil.

– Pode ser o melhor remédio sim, Laura, mas também pode ser o teu fim. Que tipo de trabalho queres?

– Quero entrevistar o Malga.

– Mas, Laura, isso não é um trabalho difícil, isso é um trabalho impossível! – exclamou ela. – Esse homem não dá entrevistas para ninguém, nem mesmo no país dele!

– Pois eu quero tentar.

– Muito bem, se isso vai te ajudar a melhorar, eu autorizo a viagem, mas acho que vais perder o teu tempo.

– Vou conseguir – insistiu, decidida. – E vou tentar obter a representação das publicações dele nos países de língua inglesa.

– Seria maravilhoso se conseguisses. Bem, passa na Agnes para ela providenciar tudo para a tua viagem. Eu vou mandar um e-mail autorizando.

– Obrigada, Martha. Vou levar a minha mãe e o meu filho junto, mas eu mesma pagarei as despesas deles.

– Tá bom, mas guarda todos os recibos que, se conseguires a representação com esse escritor, eu pago tudo e ainda te dou um prêmio bem gordo.

― ☼ ―

Energia Cinética é a energia do movimento que é dada pela metade do produto da massa do objeto pelo quadrado da velocidade. Resumindo, quando um objeto perde energia cinética, perde velocidade. N. A.

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