Capítulo 2 parte 1 (rascunho)
"A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo."
Mário Quintana.
Arthur acordou bem cedo, como era seu hábito, e colocou um traje para exercícios. Desceu para a rua e começou a correr no calçadão da beira da praia, felicíssimo. Isso refletia-se na música romântica que ouvia, uma melodia antiga, mas muito apreciada e a sua cabeça só tinha espaço para uma pessoa: Laura. Ele precisava de a conhecer melhor e não apenas por aqueles poucos dias pela frente. Com isso, concluiu que talvez fosse interessante mudar um pouco dos seus planos e ir para os Estados Unidos passar uma temporada. Contudo, não desejava comprometer o treinamento da sua Inteligência Artificial e isso envolvia passar por alguns países da Ásia. Com essa situação, decidiu aguardar para ser o quanto de reciprocidade havia nos sentimentos da mulher.
Lana não se manifestava porque sabia que ele não gostava de ser interrompido enquanto corria. Uma hora depois, voltou para o hotel e tomou banho, preparando-se para descer até ao restaurante e sentindo-se ansioso. Na hora marcada, já estava lá, aguardando por ela que não aparecia. Ao fim de meia hora foi à recepção e chamou o atendente.
– Por favor, o senhor pode me informar o apartamento da senhorita Laura Evans? – pediu, gentil. – Nós marcamos de tomar café agora, mas ela ainda não desceu.
O homem foi ao computador e digitou o nome dela. Pouco depois, virou-se para o cliente e perguntou:
– Posso saber o seu nome, por gentileza?
– Arthur Lancaster, amigo.
– Senhor Lancaster, a senhorita Evans fez o check out às duas horas da madrugada, mas ela deixou uma mensagem para o senhor. – Virou-se e pegou um envelope pequeno. Ele estava bastante manchado e o homem disse, um pouco sem jeito. – Peço desculpas pelo estado da mensagem, mas um cliente provocou um acidente pouco antes do funcionário da noite guardar o envelope. Infelizmente, a senhorita Evans já tinha ido e não foi possível solicitar uma nova cópia.
Triste, o cientista pegou o papel e leu o que conseguiu da mensagem:
"Querido Arthur:
Tive que voltar para os Es... ...dos
porque, infelizmente,... ...leceu.
Me ligue, meu núme... 0.
Não me esqueça.
Com amor Laura..."
Com um suspiro triste ele guardou o bilhete no bolso e foi tomar café sozinho, enquanto dizia para si mesmo:
– Parece mesmo com a Anna, mas pelo menos esta me deixou um recado antes de sumir.
Sabia que não lhe dariam o número dela por questões de segurança, motivo por que nem mesmo tentou pedir. Na mesa, comeu sem apetite, sentindo pela primeira vez em cinco anos uma solidão que não desejava. Nesse momento o telefone tocou e ele atendeu a filha:
– Oi, Karol, tudo bem contigo?
– "Pai, por que a tua voz está tão triste?"
– Deixa quieto, meu amor, que demoraria para explicar.
– "Hum, isso tem cheiro de mulher" – afirmou a filha, rindo.
– Pior que tem, mas ela desapareceu no ar. É complicado de explicar. Tá tudo bem contigo?
– "Quando tu vens para cá?"
– Ainda vou demorar, meu amor, pretendo passear um tempo. Acho que vou conhecer o leste asiático, já que nunca estive lá.
– "Tá, pai, mas vê se te cuidas. Te amo!"
– Também te amo, coração. Tchau.
Arthur desligou o telefone e ficou pensando nela, no dia anterior. Depois, o seu pensamento recuou cerca de vinte e poucos anos, para a sua juventude nos melhores anos que viveu; mas, também, quando sofreu uma das maiores, senão a maior, decepção da sua vida...
― ☼ ―
Era o início das férias de Dezembro e o pai de Arthur disse, quando o viu entrando na sala:
– Filho, faz as tuas malas para sairmos amanhã cedo. Vamos passar um mês e meio com os teus tios em Niterói. Eles convidaram a gente para os festejos de fim de ano. O avião decola às onze horas, logo temos que estar no aeroporto antes das dez. Não deixes todo o trabalho para a tua mãe, tá?
– Beleza, pai – disse Arthur, colocando os tênis de corrida no chão e calçando-os. – Estou de saída para correr e, na volta, faço isso. Vou adorar mudar de ares por uns tempos, ainda mais com este calor.
O jovem Arthur correu durante uma hora e, a seguir, praticou um pouco de artes marciais, que também gostava muito. Terminou, voltou para casa e tomou um banho. Ao acabar de secar o corpo, olhou-se no espelho, avaliando-se a sim próprio. Tinha um metro e setenta e o corpo bem musculoso, mas sem ser exagerado. Os cabelos eram muito claros e lisos, quase loiros, e os olhos eram cinzentos, profundos e com olhar marcante. Apesar dos dezesseis anos, quase dezessete, não tinha muita barba e isso incomodava-o um pouco. Por outro lado, ele sentia-se seguro porque notava com clareza que as garotas da escola viviam dando em cima dele, independente de ser imberbe ou não. Pensou na viagem e achou uma ótima mudança de ambiente. Naquele ano tinham ficado em Porto Alegre, em vez de terem ido para a praia, sem falar que as praias do Rio de Janeiro eram muito superiores, muito mesmo. O tio morava em Niterói em uma casa bem à beira do mar, na verdade um condomínio com praia particular. Além disso, tinha os primos, um casal. Marcus era quase três anos mais velho, mas ambos davam-se muito bem, e Mariana tinha apenas um ano a mais, os dois muito próximos. Sentia-se feliz em revê-los. Terminou de se arrumar e foi fazer a mala. Como podia lavar a roupa por lá, já que era na casa dos tios, não planejava pegar muitas coisas. Bastava algumas roupas de correr, talvez um quimono de kung-fu, já que ambos os primos também lutavam, na verdade toda a família, e podiam treinar juntos. Além disso, escolheu algumas roupas normais além das de praia. Como passaria lá o natal e ano novo, também selecionou um vestuário adequado para as duas ocasiões. Depois, foi jantar e aproveitou para dormir cedo.
― ☼ ―
O avião pousou no aeroporto do Galeão bem na hora prevista, coisa um tanto rara.
Embora em Porto Alegre estivesse muito quente, perto de quarenta graus, o Rio passava por uma onda de calor bastante intensa e Arthur agradeceu aos deuses pela casa dos tios ser à beira da praia, havendo sempre uma brisa fresca. Assim que saíram do desembarque, depararam-se com eles, aguardando. A tia aproximou-se e abraçou Arthur, dizendo:
– Nossa, meu querido, você está enorme e muito bonito. Também, acho que não nos víamos faz pouco mais de dois anos!
– Oi, tia, a senhora também continua muito bonita – afirmou, beijando-a e retribuindo o abraço carinhoso. – Acho que só perde para a minha mãe, se bem que eu sou suspeito para falar.
Ambos riram e a tia foi abraçar o irmão, enquanto o tio batia nas costas do sobrinho, sorridente.
– Então, meu jovem, agora você está um homem e, pelo jeito, vai dar trabalho para as garotas, muito trabalho mesmo. Como vai o Wing Chun? Acha que já pode comigo?
– Bah, Zé – arrematou o pai do rapaz, rindo com vontade. – Nem te mete a besta de o enfrentar a menos que estejas com vontade de apanhar muito. Eu levo a pior com o Arthurzinho e tu não é páreo para mim.
– E os meus primos, tio, onde andam?
– Marcus foi acampar com os amigos e só volta início de janeiro – disse o tio, sorridente. – A Mariana está em casa e não veio para não ficar apertado no carro. Disse que ia fazer uma surpresa para ti. Passou a semana toda falando nisso. Acho que ela tá com saudades.
– Também tenho muitas saudades deles, tio...
– Vamos para o carro, gente, que aqui tá um calor danado – disse a Sara, a tia e irmã do pai do Arthur que era amigo de infância do cunhado.
O grupo seguiu para o carro e, pouco tempo depois, já estavam na linha vermelha que, naquele horário, tinha muito pouco movimento. Não demorou muito, e entraram na ponte Rio-Niterói. Arthur, que gostava muito do Rio de Janeiro, aproveitava para curtir a paisagem da baía da Guanabara, tirando várias fotos com o telefone.
– Tchê – disse o pai, curioso –, quê que tu tem na cabeça para tirar tanta foto da mesma coisa e algumas delas nem têm graça?
– Já te falei uma vez, pai – respondeu Arthur sério –, eu sempre uno o útil ao agradável. As fotos que não ficarem boas eu deleto, mas sempre posso ter alguma ideia para uma história. Gosto de escrever.
– Hum, será que o meu sobrinho querido vai acabar na academia brasileira de letras? – perguntou Sara, divertida. – Vou querer uma cópia autografada, viu?
– Combinado; mas, por enquanto, estou apenas aprendendo. Tenho lido bastante a respeito. Só tem um detalhe. Isso é um hobby. Eu vou trabalhar com robótica e inteligência artificial. É o que mais me atrai.
– Mudando de saco para mala – disse José Otávio, o tio do jovem –, sabem aquela casa no fim da praia e que esteve fechada por alguns anos?
– Aquela, duas casas depois da tua, bem perto das rochas, a última casa, né? – perguntou Tanira, a mãe de Arthur. – O que tem ela, além de ser linda demais?
– Essa mesmo.
– Aquela casa é mesmo muito linda – comentou o jovem, lembrando-se. – Até parece as casas de cinema. Sinceramente, já pensei em comprá-la para mim. Afinal, a minha parte da herança dá até para bem mais de uma casa daquelas...
– Linda é a filha do casal que vive lá – comentou José, interrompendo o sobrinho. – Linda de morrer; deslumbrante. Ela deve ter a sua idade, Arthur. Mariana tentou fazer amizade, mas a menina não foi nada receptiva. Eles são bastante reclusos e apenas a garota aparece de vez em quando, sempre lendo algo perto do mar. Ricardo, tens que ver como a menina é linda. A Mariana é lindíssima, mas essa garota extrapola tudo o que eu já vi!
– O senhor é suspeito, tio, muito suspeito – comentou Arthur, rindo.
A conversa seguia pelos mais diversos assuntos até que chegaram a casa. Assim que o carro parou e saíram de dentro, a porta de acesso da garagem para o interior da residência abriu-se e Mariana apareceu, toda sorridente. Com um grito bem alegre ela correu e abraçou forte o primo, que quase perdeu o equilíbrio com o ímpeto da garota.
Após corresponder ao abraço, Arthur disse, espantado:
– Bah, guria, tu andou tomando chá de taquara? – deu uma risada alegre e continuou. – Se bem que tu tás gata pra mais de metro. Tava com saudades!
– Somos dois e você também está lindo de morrer. – Riu e acrescentou, maldosa. – Agora não pode mais me chamar de nanica porque eu devo ter uns poucos centímetros a mais que você.
– Nanica é pra sempre, minha linda Nanica – disse Arthur esfregando o cabelo da prima.
Mariana afastou-se e abraçou os tios, sorridente.
– Entrem, fiz uma surpresinha para o Arthur, mas é pra vocês também. Devem estar com fome!
– Só pode ser lagosta – comentou Arthur, alegre –, adoro lagosta!
– Desmancha prazeres – resmungou a prima, fazendo beicinho. – Não faço mais nada para você.
– Desculpa – disse Arthur, abraçando-a de lado e beijando o seu pescoço, safado. – Vou fazer de conta que não sei nada.
– Só vou deixar passar porque tô com muita saudade e você tá super gato – afirmou a Mariana, rindo.
– Tu também tá muito gata, guria, gostosa pra mais de metro. Sorte tua que és minha prima, senão... – murmurou no ouvido dela e a garota caiu na risada.
Após largarem as malas nos quartos de hóspedes, sentaram-se à mesa e comeram as iguarias que a Mariana fez. Depois, enquanto os pais conversavam na varanda do terraço tomando vinho, os dois primos foram caminhar na beira da praia. Arthur estava com uma bermuda simples e camiseta branca, enquanto a Mariana também usava uma camiseta branca e um calção de brim, muito curto e justo. De mãos dadas, caminhavam e conversavam bastante, colocando mais de dois anos de conversa em dia. E Arthur, claro, aproveitava para tirar fotos de tudo, em especial da prima, provocando-a com brincadeiras, algumas safadas e levando um ou dois tapas no lombo.
Chegaram ao fim da praia, onde um morro de rocha granítica avançava sobre o mar. Arthur gostava de subir por ali e ir para o topo do pequeno elevado que formava um planalto, já dentro do mar por quase sessenta metros e a uns trinta de altura. Ali, a vista era linda, com a cidade do Rio ao fundo e alguns pequenas ilhotas perto. O mar estava um pouco agitado e as ondas batiam na pedra, trinta metros abaixo, levantando a espuma branca por alguns metros. O acesso até ali era um pouco perigoso para quem não estava habituado, mas tanto a garota quanto e primo faziam aquilo desde criancinhas. Ambos eram muito ágeis e não se intimidavam com os perigos, até porque não eram tantos, apenas bastando ter muito cuidado.
― ☼ ―
Na última casa, a que os tios haviam falado, uma moça observava o casal sem ser notada porque estava no estrado da piscina, que era quase três metros acima da areia. A casa era grande e ficava em um pequeno planalto entre três e cinco metros de altura da praia. Uma escada de madeira envernizada dava acesso até lá e, em um dos lados, outra escada, essa de concreto, seguia para a área de serviço, que era nos fundos da casa, de frente para a rua. Junto à piscina, havia um quiosque grande com churrasqueira e uma pequena cozinha. Ao fundo, um janelão de vidro de lado a lado, mostrava duas salas. A maior era a sala de estar e a menor era de mídia, com home theater e tudo o resto que era necessário para um excelente ambiente de cinema. Para os fundos vinham a sala de jantar, sanitários, cozinha e área de serviço. Os dois andares superiores eram feitos de quartos todos suítes com janelões de vidro que davam, cada qual, para uma varanda muito espaçosa.
Ela estava sentada em uma das várias espreguiçadeiras e tinha um tablet nas mãos onde lia algo, mas sentia-se bastante entediada e aproveitou a distração para olhar ambos. Observou com atenção o rapaz que estava com a vizinha, uma linda loira de feições perfeitas e olhos cinzentos.
Naquela distância não era possível ver detalhes, mas o garoto, loiro e de corpo musculoso, parecia ser lindo demais. Pela primeira vez desde que foi para aquela cidade ela sentiu interesse por alguém, se bem que nunca saía. O irmão daquela moça também era lindo, mas não lhe despertou nenhum interesse, embora ele tivesse tentado aproximações de várias formas. Curiosa, pousou o computador de mão no colo e ficou mirando os dois com bastante atenção.
Ambos escalavam as rochas sem qualquer dificuldade e foram para a borda, um lugar um tanto perigoso e intimidador pela imponência, onde ela nunca teve coragem de ir.
Ele tirou algumas fotos e ficaram quase cinco minutos conversando. A moça, Mariana se não lhe falhava a memória, abraçou o rapaz pela cintura e ele beijou-a no rosto. Eles não pareciam namorados, mas eram muito íntimos. Curiosa, continuou observando.
Pouco depois, eles desceram e foram pela areia, parando junto a uma árvore que ficava exatamente em frente da casa da moça. O rapaz tirou uma foto dela e a garota fez uma pose bastante sensual, provocando-o. Ele tirou mais algumas e falou algo que a fez bater nele, mas estava rindo. O jovem desviou-se sem dificuldade e ela ficou na frente dele, fazendo pose de luta. O garoto riu e colocou o telefone no bolso, ficando em posição de defesa. A vizinha atacava de forma selvagem, mas, por mais que tentasse, nunca conseguia passar pela barreira dele e ela lutava muito bem, pelo que notava. Era como se as suas mãos e pés estivessem em todo o lugar ao mesmo tempo. Nesse momento, ele atacou e a garota caiu, mas o jovem aparou a sua queda puxando-a para si. Rindo, Mariana abraçou-o e deu-lhe uma rasteira, caindo ambos no chão, ela por cima, imobilizando-o e rindo. A garota não conseguiu ver mais detalhes porque, do jeito que caíram, ficaram ocultos pelo tronco da árvore, que era largo.
― ☼ ―
– Continue assim que quem vai se aproveitar de você sou eu, meu gostosão – disse Mariana rindo e lascando um beijo no primo, enquanto se esfregava de leve nele.
– Para com isso, maluquinha. Tu és minha prima!
– Caraca, primo não é irmão!
– Mas é quase isso, Nanica.
Mariana beijou-o de novo, daquela vez com vontade, e levantou-se, rindo.
– Acho que é um pouco da saudade e você ficou irresistível. Outra hora conversamos a respeito. Afinal, não foi a primeira vez que beijei você.
– Mas antes tínhamos quatorze e quinze anos – respondeu Arthur, rindo.
– Grande coisa, e também tínhamos mãos muito atrevidas, especialmente as suas – comentou a prima, rindo.
– Tu ficavas provocando e não sou de ferro, vamos?
Voltaram a caminhar, batendo nas roupas para tirar a areia. Deram-se as mãos e retornaram para casa, ficando de conversa. Quando o sol baixou, Arthur subiu para o quarto e trocou de roupa, colocando um calção para correr. Devido ao calor e por correr na beira da praia, decidiu não usar camiseta nem tênis, colocando apenas protetor solar.
Aquela enseada tinha cerca de oitocentos metros e ele optou por correr seis vezes de lado a lado.
Começou indo para a direita, o trecho mais longo e, quando chegou ao fim, retornou. Corria com os fones de ouvido e bem desligado, não prestando atenção a nada a não ser o caminho. Ao chegar às rochas, deu meia volta e foi para o segundo trecho, sempre mantendo um ritmo constante, mas um pouco puxado, o que demonstrava que ela não era um simples corredor casual, sem falar que a sua respiração estava calma, dando a entender que ele aguentava bem mais do que aquilo.
― ☼ ―
Check out é a saída de um hotel (termo universal). N. A.
Wing Chun, um estilo de kung-fu muito eficaz e famoso.
Chá de Taquara – Termo usado no Sul para dizer a alguém que cresceu muito e rápido demais, pois a taquara é muito alta.
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