Capítulo 1 Parte 1 (rascunho)

 "O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente..."

Mário Quintana.


A Côte d'Azur era um dos lugares mais belos da Europa. Situada às margens do Mediterrâneo e também conhecida por Riviera Francesa, abrigava pontos turísticos maravilhosos onde se encontravam as cidades de Nice, Cannes e Saint-Tropez.

Naquele momento, Arthur caminhava à beira mar, em Cannes, apreciando a praia de águas transparentes e muito calmas ao seu lado. Ele ainda não havia almoçado e o atendente do hotel indicara um restaurante de frutos do mar muito famoso e não muito longe de onde estava, mas não tinha pressa de chegar lá. Parou, virado para o mar, e observou com prazer, inspirando profundamente. Por bem dez minutos os olhos percorreram todo o horizonte das águas tão calmas que mais pareceriam um lago e não o Mar Mediterrâneo.

Deu um sorriso leve e retomou a sua caminhada, indo para o restaurante que era bem à beira da praia, como se invadisse as suas areias. Arthur conhecia muitos lugares lindos, em especial praias, mas tinha uma predileção toda especial por aquela região, apesar de ter viajado por diversos locais, alguns até muito mais bonitos, como uma ilha na África que era deslumbrante, a ilha de Inhaca, entre tantos outros espalhados pelo mundo.

O restaurante era do tipo rústico, feito em madeira e vidro, com algumas mesas ao ar livre, cada qual com um grande guarda-sol. Várias palmeiras de diversos tamanhos faziam a paisagem bem agradável. Ele subiu no grande estrado de madeira que era o piso externo e, como havia algum vento apesar do calor ameno, foi para o interior do restaurante, sentando-se em uma mesa junto à grande janela que dava para o mar. O garçom apareceu e Arthur pediu uma abertura, acompanhada de vinho, um tinto seco de sabor médio.

Enquanto petiscava, ficou apreciando a paisagem e relaxando. Alguns turistas passavam ao acaso e dois ou três sentaram-se nas mesas de fora tomando aperitivos, em geral vinho, champanhe ou cerveja. Foi quando ele viu a mulher aproximar-se do restaurante. Era de uma beleza invulgar e trouxe-lhe fortes lembranças da juventude, lembranças essas embotadas há mais de vinte anos, mas jamais esquecidas. Ela era relativamente alta, talvez pouco mais de um metro e setenta, com rosto angular e os olhos amendoados eram cor de mel. O nariz era fino, de feições perfeitas; os lábios levemente carnudos, embora sem excessos, eram do tipo que despertava desejos de beijar. Tinha os ombros nus, acariciados pelos cabelos castanho-claros, ondulados. A blusa, sem mangas, mostrava um busto muito bem feito e, para complementar o vestuário, usava uma bermuda simples e de bom gosto, acompanhada de um par de rasteirinhas de praia. Embora não fosse fácil de se notar, uma vez que enganava muito, ela devia estar na casa dos quarenta anos. Arthur suspirou fundo, perante tamanha perfeição e beleza. Fechou os olhos, lembrando-se dos seus dezesseis anos quando conheceu uma menina muito parecida com ela, uma garota linda de morrer e que encontrou por acaso para descobrir, depois, que eram quase vizinhos. Não ficou mais do que quinze segundos de olhos fechados perdido nessas lembranças; mas, quando os abriu, ela não estava mais na entrada e sim sentada em uma mesa quase que à sua frente, tão perto que sentiu o seu perfume, suave e de excelente gosto.

Ao vê-la bem mais de perto, começou a achá-la demasiado parecida com a garota que conheceu na adolescência, sentindo o coração acelerar um pouco. Era um misto de emoções; saudades, tristeza e até amor. Ela conseguira despertar todo um conjunto de sentimentos e Arthur teve muita vontade de a conhecer melhor, observando-a com atenção, porém discrição. Uma parte dele começou a cogitar a hipótese de a garota ser a sua primeira namorada, tamanha a semelhança, mas não queria por tudo a perder com uma confusão tola.

O restaurante tinha pouca gente e um atendente apareceu de imediato, sorrindo para a mulher, na sua opinião perfeita e deslumbrante apesar de mais velha.

Ela correspondeu ao sorriso e começou a falar em inglês, solicitando as sugestões da casa. O funcionário deu um sorriso amarelo e encolheu os ombros em uma negativa, fazendo sinal para um outro, que se aproximou:

– Eu não falo inglês, só alemão, Não entendo absolutamente nada do que essa beldade diz – afirmou o funcionário, preocupado. – Será que você pode dar uma ajuda?

François é quem fala inglês, mas ele está doente – respondeu o colega, olhando para a cliente e apreciando a sua beleza. – Eu só sei italiano e espanhol. E agora?

A mulher desistiu e fez um aceno com a cabeça, levantando-se para sair. Nesse momento Arthur deu-se conta que talvez nunca mais a visse, mas era a oportunidade perfeita para a conhecer, uma vez que falava muitos idiomas e levantou-se, sorrindo e dizendo em inglês:

– Desculpe a minha intromissão, mas o funcionário que fala inglês, segundo eles, está doente. Se não for incômodo, eu posso ajudá-la com a tradução porque sou fluente em francês.

Alegre, a mulher sorriu e fez um gesto de assentimento com a cabeça, dizendo:

– Obrigada pela ajuda. O hotel tinha informado que este é o melhor restaurante da região em termos de frutos do mar e eu ia ficar muito decepcionada se não conseguisse experimentá-lo.

– Aceita o meu convite para se juntar a mim? – perguntou, apontando o lugar à sua frente.

– Obrigada – voltou a dizer, sentando-se com ele. – Eu estava mesmo meio perdida. Que sorte que o encontrei.

Mudando para o francês, Arthur disse aos garçons:

– Ela vai almoçar comigo para eu ajudá-la com o pedido e já chamo vocês. Enquanto isso, tragam um cálice para servi-la de vinho.

Eles fizeram um aceno, satisfeitos, e retiraram-se enquanto a senhora observava o interlocutor. Ela gostou da sua aparência. Devia ter um metro e setenta e cinco, cabelos quase loiros, cara limpa com olhos penetrantes e másculo. Notou também que tinha um físico atlético. A voz era agradável e ela podia jurar que já o ouvira antes. Na verdade, ele era o exato ideal de homem para a moça.

– Que sorte que tive em conhecê-lo – repetiu. – O meu nome é Laura Evans, mas pode me chamar apenas de Laura. Pelo seu sotaque, eu diria que é britânico.

– Olá, Laura, sou Arthur Lancaster e também pode me chamar apenas de Arthur; soa mais agradável. Quanto à sua observação, sim, o meu sotaque é britânico, de Londres. Deseja algo em especial? – perguntou, pegando o cardápio e traduzindo os diversos pratos, ajudando-a com o pedido e aproveitando para pedir o dele, também.

Depois, enquanto comiam, tiveram uma conversa agradável, apesar de superficial. Ao fim de algum tempo, a moça olhou com atenção para ele e perguntou:

– Sabe, você me parece conhecido. Sinto que já o vi mais de uma vez! Esteve alguma vez em São Francisco?

– Estive na Califórnia umas quantas vezes em um ou outro congresso e São Francisco foi uma das cidades que conheci, mas nunca fiquei por muito tempo. Em geral, ia para Los Angeles.

– Congresso, é? – perguntou, curiosa. – De que tipo?

– Redes neurais, inteligência artificial, essas coisas. É a minha especialidade.

– Isso é muito interessante – comentou Laura, fascinada. – É cientista e trabalha com isso?

– Sim, sou pesquisador e professor da universidade de Oxford, mas acabei de me demitir. Decidi tirar umas longas férias. Então você é da Califórnia? – perguntou, apesar de notar que o sotaque ela era mesmo de lá. Isso fez com que se desse conta de que a moça não poderia ser a sua primeira namorada. Mas, por coincidência, além da semelhança física enorme, a moça chamava-se Laura, o mesmo nome da mãe da Anna, a sua adorada Anna que nunca mais viu.

– Pode-se dizer que sim – respondeu ela, sorrindo.

O telefone tocou, interrompendo o par e a moça viu a foto de uma mulher lindíssima, talvez na casa dos vinte anos.

– É a minha filha – comentou, pegando o aparelho e atendendo. – Com licença.

Para espanto da mulher, ele começou a falar um idioma muito estranho, mas que até poderia lembrar o russo; tratava-se, com certeza, de uma língua eslava, mas não foi capaz de identificar. Quando desligou, Laura perguntou, muito curiosa:

– Desculpe, mas você fala quantos idiomas?

– Onze – respondeu rindo. – Tenho muita facilidade e gosto de aprender.

– Caramba! – exclamou a mulher, impressionada. – E que língua é essa?

– Polonês. A minha falecida esposa era neta de imigrantes poloneses e eu aprendi com ela. Daí, ensinamos a nossa filha desde que nasceu pois é uma herança cultural muito legal. Ela também fala bastantes idiomas, um dom que herdou de mim.

− Sinto muito pela sua esposa.

– Obrigado. E você, Laura, faz o quê em São Francisco?

– Sou editora de moda e também estou de férias, infelizmente no fim delas. Mas eu ando pensando em mudar de ramo, talvez procurar algumas raízes. Há algum tempo, recebi uma proposta tentadora em New York. Entretanto, ainda não me decidi. Como a minha mãe mora lá e anda muito sozinha, estou tentada a aceitar pois tenho medo que lhe aconteça algo, apesar de ainda ser relativamente nova.

– Isso é muito bom – comentou Arthur, tomando um gole de vinho e virando o rosto para o mar. – De certa forma, acho que também pretendo algo do gênero, voltar às raízes. Foi por isso que me demiti.

– Pretende ir a algum lugar em especial, Arthur?

– Acho que vou visitar alguns países e, depois, passar uns tempos com a minha filha até me decidir, uma vez que não a vejo faz uns anos, algum tempo depois que a minha esposa faleceu. Eu criei uma inteligência artificial e ando alimentando-a com todo tipo de informação. Por isso as minhas viagens atuais, mas isso é um projeto pessoal.

– Que legal – disse Laura, muito curiosa. – Deve ser um desafio e tanto, ensinar uma máquina a pensar.

– É, sim. E você, tem ideia do que pretende fazer já que disse que ia mudar?

– Trabalho no mundo da moda há demasiado tempo, desde que me formei na UCLA – explicou, encolhendo os ombros −, mas recebi uma proposta de uma editora, só que é com literatura. Como eu gosto muito de ler, estou pensando em aceitar até porque eu iria interagir com autores e gosto muito de ter contato com pessoas, sem falar, como disse antes, que a minha mãe mora em Nova York.

– Sério? – Arthur sorriu. – Eu também gosto muito de ler. Os meus gêneros preferidos são ficção e fantasia, mas também curto um bom romance.

– Eu também – afirmou Laura, alegre. – É por isso que estou seriamente tentada a aceitar a oferta da editora, mas, primeiro, quero aproveitar as minhas férias porque faz tempo que eu não parava e tirava um tempo para mim.

– É importante – concordou Arthur, convicto. – Por ser cientista, praticamente nunca paro, nem mesmo nas férias da universidade. Se não nos cuidarmos, acabamos por ter uma estafa ou algo pior. Felizmente, eu gosto muito de esportes e mantenho o corpo em forma, mas não foram dois nem três colegas meus que tiveram problemas de saúde por excesso de trabalho.

– Você parece gozar de ótima saúde – comentou Laura, dando uma geral nele de forma disfarçada.

Arthur gostou de ser observado pela mulher por quem caiu de amores. A conversa estava agradável e a comida era maravilhosa. Após aquele comentário, o cientista sorriu e olhou nos seus olhos, deliciado com tanta beleza.

– Sou forçado a dizer que você também está em perfeita forma física, Laura.

– Quando eu era adolescente, conheci um garoto por quem me apaixonei muito. Ele gostava de correr e fazia isso todos os dias. Então, eu também comecei a fazer o mesmo, em especial quando nos separamos porque os meus pais mudaram para Nova York. Eu me sentia perto dele, quando fazia isso. Não me lembro mais do seu rosto porque fiquei sem as lembranças que tinha, sem falar que faz demasiado tempo, mas confesso que nunca esqueci dele. De qualquer forma, peguei gosto por isso e corro todos os dias, além de exercícios de ginástica, após correr.

– Engraçado, eu também comecei a correr bastante jovem...

A conversa continuou bem agradável e Arthur começou a desejar aquela mulher que lhe despertava tantas lembranças e conflitos interiores. Quando se deram conta, já haviam terminado e também passou-se quase metade da tarde. Laura olhou para o relógio e fez sinal ao garçom, dizendo:

– Infelizmente, preciso de ir porque assumi um compromisso, mas agradeço muito pela ajuda inestimável, Arthur.

– Ora, quem agradece sou eu por ter tido uma companhia tão formosa e agradável! – exclamou ele, fazendo sinal ao funcionário para trazer a conta. – Confesso que já estava cansado de andar por aí sozinho, apesar de não me importar muito com a solidão.

Laura riu e Arthur pegou a conta da mão do garçom, acrescentando:

– Você é minha convidada, então não se preocupe com a conta. – Entregou o cartão de crédito ao sujeito e sorriu para a mulher. – Faço questão.

– Nesse caso, não me resta fazer nada a não ser agradecer muito, Arthur. Proporcionou-me uma tarde maravilhosa.

Na porta despediram-se e Arthur ficou triste ao observar a mulher afastar-se. Suspirou e foi na direção oposta, colocando um par de óculos escuros e os fones de ouvido. Enquanto caminhava devagar, pensava nela e deu um novo suspiro. Afinal, ele deixara a oportunidade ir e provavelmente não a veria de novo, uma vez que não estava nos seus planos ir aos Estados Unidos, sem falar que seria bem difícil encontrar uma pessoa no meio de trezentos milhões. Isso fez com que se sentisse idiota, mas é um tato que ele não sabia grande coisa da garota. Ela não usava aliança pois isso foi uma das primeiras coisas que verificou. A verdade era que devia ter tentado algo para se aproximar dela, tamanho foi o desejo que sentiu. Ele impressionava-se muito com a semelhança ela com a Anna. Se ela fosse brasileira, apostaria que era a ex-namorada.

― ☼ ―

UCLA, universidade da Califórnia em Los Ângeles. N. A.

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