3. Apenas Uma Chance (p.1)
Miguel encarou a blusa feminina que havia sido delicadamente esticada sobre sua cama. Como aquilo havia ido parar ali?
Por mais que se esforçasse, não conseguia ter sequer a menor ideia de quem poderia ser sua dona. Tinha a certeza absoluta de que não era algo que Chloé usaria, então de quem era?
Segurou a peça entre os dedos, sentindo o tecido molenga e escorregadio. Aproximou a blusa do rosto, mas o único cheiro que tinha era o de sabão.
Desistindo de tentar se lembrar, Miguel a colocou outra vez sobre a cama.
Duas batidinhas rápidas na porta fizeram com que Miguel parasse o que estava fazendo para atendê-la.
— Seu pai me pediu pra te entregar isso.
Uma caixa foi empurrada em sua direção por uma garota que Miguel nunca tinha visto antes, e a primeira coisa que chamou sua atenção foram os cabelos, presos em milhares de tranças finas num tom de rosa neon, e unidos no topo da cabeça em um imenso coque. Sua pele era negra, tinha um nariz empinado e a boca grande. Sobrancelhas grossas e arqueadas chamavam atenção sobre os olhos, que eram castanhos e com cílios muito pretos.
Como todos os Anjos, ela era absolutamente linda.
— Quem é você?
Ela pestanejou, um pouco confusa, e ergueu uma das sobrancelhas.
— Dandara — ela respondeu, como se fosse óbvio. — Eu estou trabalhando pro seu pai como estagiária na área administrativa, não lembra? Nos encontramos mais cedo.
Miguel corou um pouco. Não lembrava de tê-la visto nunca em sua vida.
— Só por curiosidade — Miguel escancarou a porta e indicou a própria cama com a mão livre. —, essa blusa por acaso é sua? Está no meu quarto e não faço ideia de onde veio.
Ela comprimiu um sorriso.
— Não, mas talvez você tenha aproveitado bem a viagem, Miguel — respondeu ela, e deu-lhe as costas antes que ele pudesse entender do que ela estava falando.
— Que viagem? — questionou a si mesmo, enquanto fechava a porta, levando a caixa do novo celular consigo.
***
Diana deslizou o os pés para dentro das sandálias e as abotoou manualmente. Ainda tinha um pouco de tempo sobrando.
Consultou as horas na tela do celular, e faltava pouco para as onze da noite. Com alguns passos, ela se aproximou do maior espelho em seu quarto, que tinha uma moldura de madeira escura e ficava pendurado em uma parede, apenas afim de conferir o resultado de sua aparência.
Havia escolhido um tradicional vestido vermelho, cuja saia era feita de tecido fino e ligeiramente transparente, que escorregava à partir de sua cintura até abaixo do joelho, enquanto a parte superior se franzia próxima ao pescoço e era amarrada em um delicado laço em sua nuca, de modo que seus ombros e suas costas estivessem nus — que ficaram ainda mais visíveis, pela decisão da feiticeira de prender os cabelos em um coque alto.
Sem muita demora, ela deixou o quarto. Antes de sair, seria bom falar com Zac e Chloé.
Acabou os encontrando na sala de estar. Chloé havia cochilado no sofá, e deitava-se muito torta sobre ele. Próximo a ela, Zac havia apoiado o cotovelo no braço de uma poltrona, e olhava um ponto fixo na parede, pensativo.
— Eu estou de saída — informou Diana em um tom de voz baixo. Não havia razão para acordar Chloé. — Reforcei os feitiços em torno da casa apenas por precaução, mas vocês estão seguros aqui.
— Tudo bem, acho que a gente se vira por algumas hor... Uau! — Zac havia virado em sua direção, e os olhos dele a examinaram da cabeça aos pés. — Você está bonita.
Embora não desejasse demonstrar, Diana ficou satisfeita com o comentário.
— Obrigada — respondeu ela. — Eu estou indo, boa noite.
Zac assentiu.
— Boa noite.
Diana saiu de casa e andou por alguns metros para longe. Os feitiços que pusera nela não permitiriam que nem mesmo a própria feiticeira entrasse ou saísse por meio de mágica, então era preciso afastar-se do perímetro de proteção ao redor dela.
Estava pronta para se transportar para o local da reunião, quando ouviu o celular tocar dentro da pequena carteira que trazia consigo, pendurada em seu ombro por uma longa alça.
— Alô?
— Minha irmã? Recebi seu e-mail — Narcisa riu do outro lado da linha. — Como está nossa mãe?
Diana ignorou a brincadeira.
— Como está Arthur?
Um silêncio tomou conta da ligação por alguns momentos.
— Ele desapareceu — respondeu Narcisa afinal.
— O quê?! — Diana quis quebrar o telefone. — Mas que...! Como isso aconteceu? Cadê o irmão dele? E Miguel?
— Onde você está, Diana? — ela perguntou.
— Em Alexandria. Estou indo pra uma reunião de feiticeiros. Airan foi assassinado.
— Não acredito — disse Narcisa, indignada — que eu não fui convidada!
— É lógico que eles não iam te convidar, você não mora aqui — evidenciou Diana. — Sabe como as coisas funcionam.
— Eu vou mesmo assim, e então aproveitamos para discutir as coisas que aconteceram. Onde vai ser?
— Na casa de Gerald Hedwig.
— Ah, é lógico que ele ofereceria a casa como local da reunião, aquele exibido — reclamou Narcisa. — Chego lá em breve.
A ligação foi encerrada, e assim que Diana guardou o celular outra vez, apenas desapareceu no ar.
***
Arthur acordou com uma vontade tão grande de fazer xixi que chegava a doer. Havia sido uma luta conseguir abrir os olhos, já que os cílios superiores e inferiores pareciam ter se grudado completamente, mas quando enfim pôde olhar em volta, não enxergou muita coisa.
Um pouco de luz entrava pela fresta entre as partes da cortina da janela, apenas o suficiente para perceber que estava em um quarto. Com dificuldade, ele ergueu o corpo e se sentou. Estava se sentindo mole, e enfraquecido.
Ele olhou ao redor. Não era muito grande, e pela quantidade de coisas penduradas nas paredes, também não era nenhum exemplo de organização.
Arthur escorregou os pés para fora da cama, tomando coragem para tentar ficar de pé. Toda a energia parecia ter se esvaído de seu corpo, e cada movimento dava a impressão de que seria o último que ele conseguiria.
Não se arriscou a andar por conta própria até a porta, então buscou logo a parede para se apoiar. Seus pés se embolaram em um tapete no chão e por pouco não caiu.
Seus dedos envolveram a maçaneta e a giraram, mas estava trancada.
Arthur encostou a testa na madeira da porta, e cochilou ainda de pé, espantando-se quando suas pernas cederam, e seus joelhos foram de encontro ao chão.
Ele gemeu com a dor e tentou se ajeitar, sentando-se com as costas escoradas na parede ao lado.
Seus olhos se fecharam outra vez, sem que ele pudesse controlar, e menos de um segundo pareceu passar-se até que o barulho da porta sendo destrancada o espantasse novamente.
A lâmpada do quarto acendeu, e Arthur precisou usar as mãos para cobrir os olhos. Estava tão claro que doía.
— Você tá bem? — perguntou alguém, falando em inglês. Não conseguia enxergar quem era, e não reconhecia a voz.
— Não — respondeu Arthur, embora sua voz mal tenha saído. Estava rouco e com a boca seca.
Ele experimentou descobrir os olhos devagar. Precisou mantê-los semicerrados, mas já conseguia distinguir um pouco mais de sua visão.
Havia um rapaz agachado em sua frente. Tinha cabelos escuros, a pele muito clara e um rosto que Arthur nunca havia visto antes.
— Vem, deixa eu te ajudar. — O estranho enfiou os braços por debaixo dos dele e o puxou para cima, o ajudando a se levantar.
— Eu preciso ir ao banheiro — disse Arthur, cujo corpo só permanecia de pé pois o rapaz o segurava.
— Te ajudo a chegar lá.
Ele segurou Arthur pelo lado direito e o escorou enquanto andava. Atravessaram um segundo cômodo, que parecia ser uma sala, para chegar até o banheiro.
— Você precisa...?
— Eu me viro.
— Certo, não tranque a porta — orientou o rapaz.
Precisou de muita força de vontade para não simplesmente desabar no chão do banheiro, e assim que saiu de lá, segurando-se na porta ao andar, viu o estranho contornar o balcão que separava a cozinha da sala e ir ajudá-lo. Ele o segurou pelo braço e o apoiou até chegar ao sofá.
— Quem é você? — Arthur quis saber. Não fazia a menor ideia de onde estava.
— Meu nome é James Grant — respondeu ele, voltando à cozinha. Arthur viu ele servir café em uma caneca de porcelana.
— E como eu vim parar aqui?
— Antes de responder, acho que mereço pelo menos saber seu nome, já que agora você sabe o meu.
James se encaminhou até ele, e ofereceu a caneca. Arthur a aceitou e bebeu um pequeno gole. Ele não sabia se o rapaz era confiável, então optou por mentir.
— Clay Jensen — respondeu ele, torcendo para que James não fosse um fã de séries, porque foi o primeiro nome que veio a sua cabeça, e no mesmo instante que disse, soube que havia sido uma péssima escolha.
A outra opção era Harry Potter, que parecia bem pior.
— Tentaram te matar, eu te tirei de lá e te trouxe pra minha casa. Você não se lembra de mim?
Arthur balançou a cabeça, negativamente, e bebeu um segundo gole de seu café.
— Bom, você já acordou algumas outras vezes — contou ele. — Em uma delas, vomitou sangue no meu tapete, e nas outras, sempre me dizia um nome diferente de protagonista de filme. Aliás, me dizer que se chama Percy Jackson foi inacreditável. Então, por favor, qual seu nome de verdade?
Ele engoliu em seco.
— Arthur Paeon.
— Tudo bem. — James puxou o celular do bolso. — Me dá só mais um minuto pra eu ter certeza de que esse não é o nome de outro personagem...
— Não, é sério — disse Arthur. — Esse é meu nome mesmo.
— Certo, Arthur, você chegou aqui muito machucado, com cortes pelo corpo inteiro. Sendo assim, minha próxima pergunta é: — James respirou fundo e inclinou a cabeça para o lado. — Por que diabos seu corpo se cura tão rápido? O que, exatamente, você é?
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