8. Solstício de Verão (p.3)

Zac o olhou surpreso. Como Delwen podia não querer ir embora?

— Você prefere estar preso aqui? — perguntou Zac.

— É pouco provável que me deixem preso aqui para sempre — ele respondeu, e ajeitou sua postura, apoiando-se na parede com um pouco mais de dignidade. — Devem me oferecer para a grande fogueira, para purificar minha alma antes que Gwyn e a Caçada Selvagem levem-na.

— Você prefere a morte do que o mundo humano — Zac disse sua constatação em voz alta. — Por que você odeia tanto o meu mundo?

Algo faiscou dentro dos olhos de Delwen, e não passou despercebido por Zac.

— Por que é de lá que eu venho — ele respondeu. — Pois foi lá que eu nasci e cresci.

Zac o olhou com espanto. Aproximou-se para sentar ao lado dele, na esperança que ele contasse mais.

— Sou filho de uma humana, e jamais conheci meu pai. — Delwen contou, e parecia estar revirando memórias dobradas e guardadas no fundo do baú de sua mente. — Acho que minha mãe foi sequestrada e trazida pra uma das festas, eu não sei, ela nunca me contou. Sempre fui uma criança estranha, pelas características físicas, e até mesmo minha mãe me lançava olhares tortos quando ela achava que eu não estava olhando.

“Eu vivia em um país frio na Europa, Romênia, e eu usava o clima como desculpa para nunca tirar uma touca que eu usava para esconder os cabelos e as orelhas. Ainda assim, eu sabia que era diferente não só por fora, mas por dentro também.

“Eu tinha um jeito diferente, e as pessoas aceitaram isso, assim como aceitaram meus olhos de cor estranha, que eu não podia esconder, e durante minha infância, eu vivi sem grandes dificuldades entre as outras crianças. É claro que meus olhos sempre foram motivo de estranheza, mas piorou quando eu cresci.

“Eu passei a ver as garotas de um jeito diferente, do mesmo jeito que meus amigos. Eu os ouvia comentar sobre elas, as vezes coisas ridículas e imaturas, típicas da idade. Mas diferentemente dos meus amigos, eu não reparava só em garotas, porque eu também gostava de garotos.

“Não demorou para que as pessoas percebessem isso sobre mim, e ainda que elas não me dissessem diretamente o quanto me achavam estranho, eu percebi quando elas se afastaram. E eu via como me lançavam olhares tortos quando elas achavam que eu não estava olhando.

“Minha mãe, que era minha única família, me condenava, meus amigos e todos os que eu conheciam faziam o mesmo. Eu me isolei. Podia haver alguém que seria meu amigo apesar de tudo, mas se essa pessoa existiu, eu não deixei que ela se aproximasse.

“Me tornei uma pessoa desprezível, pois é isso o que o seu mundo faz. Eu ia atrás de garotas e as seduzia quando eu ainda era muito jovem, pois assim meus supostos amigos não me condenavam por gostar de garotos. Na verdade, essa história logo foi esquecida, encoberta pela minha nova fama. Afinal, tudo não havia passado de um equivoco, não é? Não era possível que me interessasse por garotos e ficasse com tantas garotas. Humanos são muito estúpidos.

“Eu os odiava, odiava minha vida. Odiava minha mãe, e a cada dia eu via que o sentimento era recíproco. Ela nunca me quis, cuidava de mim por obrigação, eu era só a lembrança de uma noite que ela desejava esquecer, e que destruiu sua vida da mesma forma como condenou a minha.

“Acontece que um dia eu acabei encontrando com uma garota diferente. Ela era diferente dos humanos, mas igual a mim. Ela me disse o que eu era, e me convidou para o que ela me prometeu que seria a melhor noite da minha vida. Ela me trouxe para o País das Fadas, e eu jamais fui embora depois disso. Quanto mais eu aprendia sobre esse lugar, mais eu me dava conta de que eu pertencia a ele.

“E é por isso que, se preciso for, eu prefiro morrer aqui, do que voltar ao seu mundo”

Zac apenas ouvia em silêncio enquanto ele falava, e assim que Delwen terminou, ele simplesmente não sabia o que responder.

— Você consegue me entender? — perguntou Delwen esperançoso.

— Sim — respondeu Zac com sinceridade —, mas os humanos não são de todo ruins ou bons.

— Assim como as fadas. — Delwen deu de ombros. — Tento ser o melhor dos dois.

Zac baixou a cabeça.

— Eu... não quero ir embora e deixar você aqui...

— Fique então. — Delwen segurou suas mãos com carinho. Sua pele estava áspera agora, mas seu toque não deixava de ser suave e amoroso. — Fique comigo. Refaça seu acordo com a Rainha, proponha que ela me liberte para vivermos aqui.

Zac balançou a cabeça veementemente.

— Eu não sei se eu posso — ele apertou a mão de Delwen, buscando um pouco de apoio. — E desconfio que Aine tem outros planos para mim...

— Planos?

— Eu ainda não sei ao certo, ela me disse que viria conversar comigo.

Zac o olhou com atenção. Delwen estava pensativo, e ele tentou imaginar como ele teria sido quando mais jovem, lidando com problemas injustos, sofrendo pela falta de amor da própria mãe. E agora, era ele quem o estava rejeitando, apenas provando que os humanos são tão ruins quanto Delwen pensa. Pois sim, Zac se considerava humano em alguns aspectos, desde a conversa que tivera com Jack.

— Eu senti muito a sua falta — disse Delwen, o despertando de seus pensamentos.

Ele fixava seus olhos amarelos em Zac, olhava-o esperançoso. Delwen estava sendo orgulhoso por medo de ser rejeitado, medo de ser abandonado. Era fácil compreender agora por que ele havia demonstrado tanto ciúme em relação a Arthur quando soube que Zac o estava procurando. Ainda que, diferente dos humanos, as fadas não costumassem se casar e formar família, Delwen havia sido educado entre humanos, e ele queria um relacionamento. Ele queria um namorado, e agora que tinha um, temia perde-lo.

Delwen não queria se sentir sozinho outra vez, mas estava com medo de se magoar. Zac podia imaginar o esforço que ele estava fazendo para conseguir admitir que sentira falta dele, e foi por isso que ele o puxou para perto, e o abraçou apertado.

— Eu também — respondeu. — Eu estive muito preocupado.

— Eu não quero que você vá embora — Delwen disse, mas Zac não respondeu. Não podia e nem sabia o que responder agora.

***

Arthur estava sentado em um sofá de uma sala que parecia vagamente familiar, mas não se lembrava de como tinha ido parar ali. No canto, havia um homem de costas, e ao que parecia, estava servindo para si mesmo uma bebida no bar.

Era negro, alto e muito bem vestido, e antes que ele pudesse se virar, Arthur já o havia reconhecido.

Morselk.

— Não tenha medo — ele disse com sua voz forte, enfim voltando-se para Arthur e bebendo um gole do que se parecia com uísque. — Não posso te tocar.

— O quê? — Arthur falou, agarrando-se ao braço do sofá, como se isso desse-lhe alguma segurança.

— Você está dormindo, em algum lugar, e, para sua sorte, não sei onde. Enquanto isso, eu estou em minha casa, em Alexandria. — Ele gesticulou ao redor para provar o que dizia e bebericou seu uísque mais uma vez. — Eu estou na sua mente com ajuda de um feiticeiro. Você deve se lembrar dele, Airan Dufenald.

— Eu me lembro — respondeu Arthur carrancudo, insatisfeito de ter Morselk dentro de sua cabeça. — Mas por que, exatamente, você está fazendo isso?

— Eu tenho uma proposta para você. — Ele caminhou, se aproximando. Morselk sentou-se e apoiou o cotovelo no braço da poltrona. — Você está com meu filho.

— Ele não é um refém — rebateu Arthur. — Sinto decepciona-lo, mas Miguel está conosco por vontade própria. Ele descobriu o monstro que tem como pai.

Uma sombra de raiva passou sobre o rosto do Anjo de Terra, mas ele riu em seguida, e tomou mais um gole de sua bebida.

— Eu admiro sua coragem. — Morselk apontou para Arthur com uma falsa descontração. — É admirável a sua capacidade de passar por cima dos próprios medos. Gosto de você, garoto, seu maior defeito é apenas estar contra mim.

— O que pra você é um defeito, pra mim tá mais pra qualidade — ele respondeu. — Eu simpatizaria com qualquer um contra você. Dá pra simpatizar até com seu filho, mesmo que Miguel e eu nunca tenhamos sido chegados.

— Petulante — resmungou Morselk, apoiando seu copo vazio sobre a mesa de centro. —  Jamais seremos aliados, de qualquer maneira, então vamos à proposta que tenho para te fazer. — Ele sorriu, e Arthur não gostou. — Você está com meu filho, e eu estou com seu irmão. Dean o nome dele, não é? — Arthur arregalou os olhos em surpresa. — Acho que a melhor coisa para ambos é fazer uma troca.

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