6. Os Mortos se Levantam (p.2)
Arthur bebeu mais um gole do conteúdo de um copo descartável que tinha em sua mão, e o álcool ardeu em sua garganta, e o calor imediatamente percorreu seu corpo. O cheiro era muito forte, mas ele nem fazia ideia do que estava bebendo.
— Se continuar assim, vai ser o primeiro Guardião da Fauna da história a morrer de cirrose depois de tanta bebida — disse Narcisa, se sentando ao lado dele no banco de madeira.
Arthur riu.
— Guardiões da Fauna cuidam da vida dos outros, da saúde dos outros. Não ligamos tanto assim pra nossa própria. Duvido que muitos não tenham morrido por culpa deles mesmos.
— Está tentando se matar?
— Não, mas não me importaria tanto assim se morresse.
Arthur olhou em volta. Tinha comprado bebida em um bar ali perto, mas achou lugar muito cheio, barulhento e desagradável, então pretendia se sentar na beira do mar, com sua garrafa de não-sei-o-que e um copo transparente de plástico — tentou ler o rótulo no caminho, mas no escuro e com a visão um pouco turva, não conseguiu, e desistiu de tentar.
A caminho da praia, encontrou o que parecia outro bar, mas esse fechado. As ondas quebravam ali perto, e o chão era completamente de areia do mar. Estacas sustentavam um teto de folhas de coqueiro, e as mesas de madeira tinham brancos, também de madeira. Todos fincados no chão.
Não havia nenhuma luz ali, e era um lugar perfeito para Arthur ficar sozinho. Isso se Narcisa não tivesse simplesmente se materializado ali perto.
— Se afogar no álcool não vai resolver seus problemas — ela disse.
— Se me fizer esquecer deles essa noite, já estou feliz. — Arthur despejou o restante do conteúdo da garrafa no copo. — Sabe que Zac voltou?
— Eu não tenho a menor ideia de quem seja Zac — Narcisa respondeu, balançando a cabeça e apoiando-a os cotovelos na mesa.
Arthur gargalhou. Não era tão engraçado assim, mas naquele momento parecia ser.
— Pensei que tivesse tentado descobrir tudo a respeito da minha vida antes de me enfiar em um espelho — ele disse, e viu ela sorrir satisfeita. — Zac é meu melhor amigo... — Arthur fez uma pausa. — Ou era meu melhor amigo. Eu não sei, mas ele está de volta.
— Acho que me lembro de algo a respeito disso — Narcisa disse —, mas é demais esperar que eu tenha decorado o nome dele.
Arthur olhou para o copo transparente em sua mão, que fazia barulho quando o plástico era amassado.
— Quem você estava esperando?
— O quê? — disse ela, pega de surpresa pela pergunta.
— Nenhuma barreira me impediu de entrar na casa abandonada, e quando eu cheguei você pensou que fosse outra pessoa — disse ele, surpreso com a clareza dos próprios pensamentos. — Quem você estava esperando?
— Mantenha-se entretido com Diana e não se meta na minha vida — respondeu. — Aliás, que belo show vocês deram na praia ontem a noite. — Ela deu um sorriso malicioso. — Pude assistir de camarote.
— Voyeur? — Arthur disse, se embolando com a palavra francesa. Ele gargalhou outra vez. — Decidiu parar de se meter entre Diana e eu e apenas assistir o que a gente faz?
— Digamos que algo me fez mudar meus planos. Pelo menos até o próximo século. E como você provavelmente não vai estar vivo até lá, espero que façam o que quiserem.
Arthur bebeu metade do que estava em seu copo, em seguida sorriu para ele, se lembrando de uma música.
— Diana, ooh na-na — ele cantou baixinho. — Half of my heart is in Diana, ooh-na-na.
— Metade do seu coração está em Diana? - Narcisa perguntou, traduzindo a letra da música. — E onde está a outra metade?
— Quebrada.
Narcisa virou o corpo para ele.
— Você devia ir para casa.
— Aquele lugar não é minha casa — ele terminou sua bebida, amassando o copo descartável vazio em seguida e o deixando sobre a mesa.
— Diana não vai gostar de saber que você está passeando por aí, se embebedando.
— Tenho idade suficiente pra cuidar da minha vida — ele respondeu. — Diana não tem nada a ver com isso.
Como se para provar seu argumento, no ímpeto da embriaguez, Arthur se encostou em Narcisa e a beijou. Ela correspondeu, mas em seguida tentou afasta-lo. Ao invés disso, ele começou a brincar com seu cabelo, seu pescoço.
— Por Merlin! Você consegue ser muito convincente, garoto! — Ele ouviu ela dizer perto do seu ouvido. — Por mais divertida que esteja a brincadeira, não tem jeito disso acabar bem nem pra você, nem pra mim.
— Por quê? — Ele se afastou ao perguntar.
— Porque sim, Arthur.
Ela o olhou triste antes de tocar sua testa com as pontas dos dedos. E Arthur perdeu a consciência.
***
— Certo — disse Miguel. — Aqui está bom.
— Bom pra quê? — Marina perguntou.
Tinham parado no meio do nada, a poucos metros da água do mar. Era madrugada, e apesar da tempestade forte que aconteceu a noite, agora era possível ver apenas alguns reflexos de relâmpagos ao longe.
— Vamos testar uma coisa — Miguel respondeu. — Pegue o chicote.
Ela desprendeu a arma do cinto. Ele havia insistido para que ela o levasse naquele dia, só não sabia o motivo.
— Lembra daquilo que você fez com a água? — ele disse, a segurando pelos ombros. — Vai fazer com o chicote agora.
— O quê? — Ela se sentiu confusa.
— O ponto de fusão do titânio é 1.668°C — ele informou e apertou seus ombros carinhosamente. — Você tem ideia do poder dessa arma se chegar a 1.000°C?
— Você trouxe um termômetro? — ela se espantou.
— Não, e mesmo se trouxesse, o coitado não ia aguentar — ele brincou, soltando-a.
Marina olhou para a arma em suas mãos, que brilhava mesmo no escuro, era um chicote lindo que havia ganhado de Diana ainda em Alexandria.
— E se eu desmaiar — ela olhou preocupada. — Você sabe que meus poderes tem limites.
— Essa é a vantagem do chicote. Você só vai aquece-lo e terá uma arma e tanto nas mãos — explicou Miguel. — Uma vez quente, ele vai demorar pra esfriar, e você pode apenas ajustar a temperatura periodicamente, como fazia com a água. — Ele sorriu. — E não se preocupe, se você desmaiar, eu te levo pra casa.
Tomando uma decisão, ela desenrolou o chicote, mantendo apenas o cabo em sua mão, e o segurando da maneira correta, como Miguel já havia lhe ensinado, e concentrou-se.
O fogo fazia parte dela, e a cada dia, Marina tinha mais certeza disso. O poder fluía dela com facilidade, e sem impor o limite de cinquenta graus, ela logo sentiu quando o objeto se acendeu em sua mão.
Estava quente, ela sentia, ainda que não se queimasse. A parte do chicote que estava em contato com sua mão foi a primeira a adquirir uma cor alaranjada vibrante, luminosa, e aquilo se espalhou pela arma, que não demorou a se parecer com uma imensa serpente ardendo em brasa. A luz chamava atenção na escuridão da madrugada, e iluminava o rosto impressionado de Miguel. A areia do mar que era tocada pelo chicote escurecia e soltava fumaça.
Inconscientemente, Marina moveu a mão, roçando o chicote na própria roupa por acidente. E o tecido inflamou.
Soltou a arma no chão abruptamente e bateu na chama com as mãos, tentando apagar, mas estava só piorando.
Foi puxada com força por Miguel, que a jogou no chão e encheu de areia, apagando o fogo. Mas não antes que ela o tocasse acidentalmente, enquanto ainda se debatia. E ele gritou de dor.
Miguel se levantou e correu para o mar, enfiando o braço na água, Marina o seguiu.
— O que foi? — ela perguntou confusa.
— Você me queimou.
Ela pôs as mãos na própria boca assustada, e percebeu do que ele estava falando. Elas estavam quentes, muito quentes.
— Me desculpa! — Ela enfiou os dois punhos na água, que chiaram ruidosamente.
— Tá tudo bem, relaxa — ele disse, tentando tranquiliza-la, mesmo que seu rosto ainda estivesse retorcido pela dor. — Acho melhor a gente ir pra casa.
Ele começou a se afastar do mar e Marina o seguiu, secando as mãos na própria roupa.
Miguel se sentou na areia, a uma distância segura do chicote, que ainda brilhava, porém com uma luz menos incandescente. Segurava o braço em que ela havia queimado e olhava para ele.
Marina se sentou ao seu lado.
— Tem certeza que tá tudo bem?
— Tenho, isso vai passar.
— Eu não estou falando do braço — ela disse. — Eu te conheço bem o suficiente pra saber que você não ficaria assim só por causa de um machucado.
Miguel encarou os próprios pés.
— Você só repara detalhes de mim sobre o que é menos importante.
— O que quer dizer com isso?
— Nada... — ele murmurou, ainda de cabeça baixa.
— Miguel, olha pra mim! — ela ordenou, e ele fixou seus olhos nela. — O que você quer dizer com isso?
Ele abriu a boca, como se fosse falar alguma coisa, mas a fechou em seguida.
— Diz alguma coisa! — irritou-se Marina.
Miguel virou a cabeça na direção do mar, e olhou novamente para ela em seguida. E sem avisar, ele se aproximou, inclinando o corpo em sua direção, e encostou a boca dele na dela.
Só durou apenas um momento, durante o qual Marina mal conseguia se mover. Ele logo se afastou, mas apenas o suficiente para interromper o beijo, e sussurrou:
— Agora você entende do que eu estou falando?
O coração dela saltou no peito, como o de um morto que acabava de voltar a vida, seu rosto queimou e uma única palavra saiu de sua boca:
— Chloé...— Sua voz saiu embolada, como se tivesse perdido a capacidade de falar.
Miguel deixou o corpo cair para trás, se deitando na areia e colocando ambas as mãos na cabeça. Parecia se dar conta de algo que havia se esquecido, mas como alguém pode se esquecer de que tem uma namorada? Marina não sabia.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top