3. Rumo aos Céus (p.3)

Marina brincou com a chama da vela, deixando o fogo lamber a ponta de seu dedo. Causava uma sensação engraçada.

Estavam à luz de velas depois de uma queda de energia. Miguel encontrava-se sentado do outro lado da mesa da cozinha, com o queixo apoiado nos braços, debruçado sobre a mesa. A luz amarelada da pequena chama dançava sobre seu rosto, criando a sombra seus longos cílios sobre a bochecha.

— Marina — Chloé chamou e tocou seu ombro. — Eu posso falar com você por um minuto?

Ela assentiu e as duas saíram para fora. A luz da lua era tão forte que parecia uma grande lâmpada no céu, e ela enxergava sem qualquer dificuldade. O tempo estava abafado, e o vento era uma brisa sutil, quase imperceptível.

— Aconteceu alguma coisa? — Marina perguntou e se impulsionou nos braços para se sentar em cima do muro, truque que havia aprendido com Miguel recentemente.

— Não exatamente — disse Chloé, e subiu no muro, se sentando ao seu lado.

— Algum problema?

— Talvez sim. — Ela olhou para os próprio pés, que balançavam longe do chão. — É sobre você e Miguel. Vocês tem passado muito tempo juntos e...

— E você acha que ele pode estar te traindo comigo?

— Não é isso.

— O fato de eu ter ficado amiga dele está te incomodando?

— Não, não a mim, relaxa — ela disse. — Eu não dou a mínima pro que vocês fazem ou deixam de fazer.

— Pensei que fossem namorados — Marina disse, franzindo o cenho e olhando para ela.

— Somos, mas simplesmente não se preocupe em dar muito crédito a isso.

— Como assim?

— O problema não sou eu, é Arthur — Chloé disse afinal. — Ele não tá nada bem.

— E o que isso tem haver comigo e Miguel?

— Ele está com ciúmes — disse —, mas não como se estivesse apaixonado por você. Apenas um ciúme muito parecido com o que ele sente de mim.

— Por que ele teria ciúmes?

Chloé suspirou.

— Isso é uma história de tempos.

— Bom — disse Marina —, você pode me contar.

— Eu não sei se ele, ou até mesmo eu, ou Miguel, já chegou a comentar isso, mas quando Arthur era mais novo ele tinha um amigo chamado Isac Miller, que todo mundo chamava de Zac.

— Já ouvi algo sobre isso — disse Marina —, mas prossiga.

— Depois que os pais morreram, Arthur parou de estudar por um ano, e quando voltou para o treinamento, era mais velho do que o restante da turma. O único outro aluno com a mesma idade era Zac, que não havia estudado no ano anterior por causa de uma doença.

"Acabaram por ficar muito amigos. Acontece que quando éramos crianças, eu, Arthur e Miguel brincávamos muito juntos, mas Arthur era quatro anos mais velho que eu, e cinco anos mais velho que Miguel, então conforme ele crescia, a diferença de idade ficava cada vez mais evidente.

"Zac e Arthur acabaram passando a maior parte do tempo juntos, enquanto eu ficava com Miguel. Teve uma época, inclusive, em que Arthur nem gostava muito de falar comigo..."

— Parece difícil imaginar isso — disse Marina. — Arthur é muito apegado a você.

— Sim, mas isso depois que Zac desapareceu. Acho que ele procurou alguém pra suprir a falta que ele fazia, mas ele não aceitava dividir atenção com Miguel, e foi aí que começou o problema entre eles.

— Isso explica a implicância — disse Marina erguendo as sobrancelhas e encarando o gato que passeava no muro paralelo ao que elas estavam. — Também explica o fato de Miguel frequentemente chamar Arthur de infantil.

— Ele não é a pessoa mais paciente do mundo — concordou Chloé.

— Como Zac morreu? — Marina perguntou.

— Ninguém sabe. Ele viajou para um lugar chamado Cornualha, e nunca mais voltou. Mesmo quando fizeram buscas por ele, sequer encontraram um corpo.

— Isso é terrível! — Marina a encarou horrorizada. — Alguém já pensou na possibilidade dele não ter morrido?

Chloé balançou a cabeça.

— Pra quem o conheceu, é difícil aceitar, mas depois de dois anos? Se estivesse vivo, ele deveria ter tido ao menos o bom senso de avisar. Também tem aquelas teorias que as pessoas criam de que ele poderia ter entrado no País das Fadas, mas se isso aconteceu, então ele teve um destino pior do que somente a morte. Ele provavelmente enlouqueceu e morreu por lá.

— Do jeito que você fala, a morte parece ser o melhor destino que ele poderia ter.

— Sim.

***

Zac entrou pela porta do avião se sentindo mais nervoso do que na primeira vez em que viajou sozinho pela Guarda. Certo que, racionalmente, não tinha mais o que temer. A pior parte, que era passar por toda aquela fiscalização e burocracia do aeroporto, já tinha passado. Enganara todos no caminho até ali com documentos falsos que Estela conseguiu ninguém sabe onde.

Agora sobrava relaxar e curtir a viagem, no entanto, não era algo que parecia possível.

Sentou-se em sua poltrona reservada, a do meio, e na poltrona ao lado, a da janela, já estava a passageira que o acompanharia por toda a viagem, sentada na maior tranquilidade do mundo, com fones de ouvido e digitando no celular como se não estivesse em uma imensa máquina que desafiava as leis da gravidade, pelo menos, pelo ponto de vista de Zac.

Ele começou a apertar os dedos sem parar, e não parava de tremer a perna de pura ansiedade. Suas mãos geladas não era consequência do frio, e sim do terror de voar pela primeira vez em um avião.

— Ei, cara, você tá legal? — perguntou a garota da poltrona ao lado, depois de tirar os fones de ouvido e começar a enrola-los nos dedos.

Zac assentiu, imaginando se estaria tão evidente o seu desconforto em estar ali.

— Primeira vez? — ela perguntou, e ele voltou a assentir. — Relaxa, cara, é tranquilo. Eu sou Amanda, qual seu nome?

— Isac Miller — ele respondeu —, mas geralmente as pessoas me chamam só de Zac.

— Zac — ela repetiu. — Apelido legal, bastante comum em caras chamados "Zacharias", mas chamar "Isac" de "Zac" parece um exagerado nível de preguiça. Quase não tem diferença na pronúncia!

Ele riu do comentário, considerando que já havia refletido diversas vezes antes sobre o assunto, mesmo que não fosse um tópico de extrema importância.

— Eu nem sei quando foi que começaram a me chamar assim — ele disse. — Desde sempre, eu acho. Tanto que já sou totalmente acostumado.

— Tudo bem, Zac, olha, só fica tranquilo, é sério, a viagem é de boa — Amanda disse e se recostou tranquilamente em seu acento, estado de espírito completamente diferente do dele, por mais que ela tenha tentado tranquiliza-lo.

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