8. Fantasmas do Passado (p.2)
— Eu escondi Alice durante gravidez e mais alguns dias depois que você, Lívia, nasceu. enfeiticei uma casa próxima à praia, não muito longe daqui. Alice amava o mar — Diana suspirou. — Foi ai que ouvi comentários sobre os Anjos estarem organizando buscas por ela. A ordem era Alice ser levada para julgamento e matar Marina no ato. Tive que agir na hora. Chamei meu noivo, na época, que era o único além de mim e do pai de Marina que sabiam sobre Alice. O nome dele era Vicente. Eu e ele fomos ate a casa e junto com Alice combinamos o que seria feito. Por hora, Alice iria para uma cidade pequena, no Brasil, litoral do Rio de Janeiro enquanto Marina ficaria com sua avó materna biológica, Belinda. Na noite em que ela foi assassinada — raiva passou pelos olhos da feiticeira enquanto ela falava —, eu me encontrei com ela e peguei o bebê para levar para Belinda enquanto ela correu para a floresta pra se encontrar com Vicente, que a levaria pro Brasil. Eu gastei toda minha magica pra levar Marina ate a casa de Bela e voltar. Lembro de ter me materializado no ponto da floresta onde sabia que Vicente e ela se encontrariam. Eu estava completamente exausta e me apoiei em uma árvore onde havia uma faca presa, como se tivesse sido arremessada. Me preocupei imediatamente e foi aí que vi os dois. Me lembro que estava escuro, mas a lua clareava o suficiente para ver Alice jogada no chão enquanto Vicente tinha uma espada apontada para seu coração, mas eu nem tive tempo de fazer nada.
— Diana engoliu em seco e Arthur notou que seus olhos pareciam marejados. — Vicente a perfurou e ela morreu ali enquanto eu, fraca, só podia gritar. Quando Vicente me ouviu ele puxou a espada de volta e olhou pra mim assustado. Sem nem pensar, arranquei a faca que havia visto presa na árvore e a arremessei direto no coração — contou ela, com uma expressão que parecia uma mistura de nojo e ódio guardado por muitos anos. — Ele não esperava por aquilo e não usou magia pra desviar. Então ele morreu ali. Eu fui até Alice, mas não tinha mais o que fazer. Imediatamente pensei em mim mesma, como fazer pra não ser relacionada com as mortes? Foi aí que percebi o que Vicente havia feito. Ele era feiticeiro, como eu, poderia tê-la matado com magia, mas eu descobriria e terminaria com ele. Apesar de tudo, acho que Vicente me amava. Então usou a espada, que faria parecer que ela havia sido morta por outros Anjos, que geralmente são os que são treinados pra usar esse tipo de armas e outras. Eu tive sorte por estar sem magia. O fato de eu tê-lo matado com uma faca retiraria todas as suspeitas de qualquer feiticeiro. Eu só precisei arrancar a faca do peito dele e correr para casa. Sobre a outra pessoa que eu disse que sabia, que era William, o pai de Marina, ele foi encontrado morto alguns dias depois que a noticia da morte de Alice e do feiticeiro Vicente Bacco. Meu nome nunca foi relacionado com Alice e Marina. Mas não foi só isso. Eu nunca mais fui a mesma depois da morte deles,
Então procurei os centauros, que me deram um novo nome. Eu me chamava Louise Agnes, mas Louise morreu no momento em que as duas pessoas que eu mais amava no mundo morreram. Uma morreu por eu escolher mal em quem confiar, a outra eu matei com minhas próprias mãos. A partir dali eu sou Diana Ishtar. Ninguém jamais me relacionou com Alice. Após a morte de Vicente, eu era apenas a feiticeira que iria se casar e fatalmente perdeu seu noivo, a feiticeira que havia ficado tão traumatizada com a perda do amor de sua vida que havia mudado o próprio nome, na esperança de deixar a dor para trás. Eu passei os anos seguintes cuidando de Lívia à distancia. E o resto da história vocês conhecem.
Quando Diana terminou de falar, Arthur estava chocado com o fato da feiticeira ter tido um noivo e tê-lo matado.
— Como pôde suportar tudo isso durante todos esses anos? — Lívia perguntou, ela parecia mais impressionada do que assustada.
Diana sorriu tristemente.
— Louise não pôde, ela era fraca, então morreu. Diana é a parte de mim que é forte o suficiente para isso.
Inesperadamente, Lívia levantou-se e abraçou Diana ainda sentada, carinhosamente, fazendo Arthur se sentir intrometido, como se estivesse invadindo a privacidade delas.
Arthur forçou o café frio que restava garganta abaixo e levantou-se do seu lugar.
Diana levantou os olhos na direção dele imediatamente.
— Indo a algum lugar? — perguntou ela com o cenho franzido. Lívia a liberou do abraço e encarou também.
— Preciso encontrar Chloé. Acho que vou convida-la para ir ate Nova York comigo fazer umas pesquisas, estamos nos esquecendo de que precisamos descobrir sobre Delacroix.
Diana assentiu e se levantou.
— Eu te levo ate a porta. — disse ela, e Arthur estranhou. Ela olhou para Lívia e a beijou no rosto. — Espere aqui, e termine seu café. Já volto, tenho mais uma coisa para conversar com você.
Ela acompanhou Arthur até a porta, mas não a abriu. Ao invés disso, o empurrou com força contra a parede, com a mão aberta sobre seu peito. Arthur pensou que ela era mais forte do que parecia, até notar a luz vermelha que escapava da palma de sua mão.
— Não faça eu me arrepender de confiar em você — alertou ela assustando Arthur. — Você não vai gostar das consequências.
— Eu nunca pensaria em uma coisa dessas. — respondeu ele, e segurou o pulso dela com firmeza, mas sem machucar, e ela permitiu que ele a retirasse do próprio peito. Diana não o havia imobilizado, como Airan fez na biblioteca, e Arthur torceu pra que isso fosse um bom sinal. — Nunca poderia fazer algo que machucasse qualquer uma das duas.
Diana inclinou a cabeça para o lado e deu um sorriso divertido.
— Bom. Muito bom — disse ela, e o beijou suavemente, deixando Arthur atordoado com a mudança súbita na situação.
— Foi só por isso que me trouxe aqui? Pra me ameaçar e ter certeza de que eu estou do lado de vocês?
Ela sorriu.
— Na verdade não. Vai a Nova York, não é?
Arthur assentiu.
— Foi o que eu disse na cozinha.
— Preciso que compre uma coisa pra mim. Na verdade não exatamente pra mim, preciso que compre algo pra Lívia.
* * *
Lívia pôs a xícara de café na boca, mas o líquido estava frio, e ela odiava café frio.
Ela girou o conteúdo dentro da xicara, com a cabeça inclinada e os cotovelos apoiados sobre a mesa, analisando pensativa.
O café era liquido, feito de água.
Ela colocou a xicara na mesa e apontou o dedo indicador para ela. Levantou o dedo manipulando o líquido para fora dá xicara. Moveu o indicador, formando um círculo no ar e apontando de volta para a xicara. O café seguiu o movimento e por fim mergulhou de volta na xicara.
Lívia sorriu. Isso era fácil, costumava brincar assim quando era criança.
Uma ideia surgiu em seus pensamentos. Até agora, desde que descobriu que era metade Anjo de Fogo, ainda não havia testado o que poderia fazer. A não ser, é claro, no dia anterior, durante a visita de Miguel, quando fez aparecer faíscas nas pontas dos dedos para parecer convincente, mas isso não era nada.
Não poderia ser tão difícil.
Concentrou-se e abriu a palma da mão sobre a xicara, tentando faze-la ferver, e ela conseguiu. Não levou mais do que alguns segundos até que as primeiras bolhas começassem a subir do fundo da xicara para a superfície.
— O que você está fazendo?
Ela não viu quando a madrinha chegou. Diana falava com um tom taciturno de mera curiosidade, mas Lívia estava tão concentrada que se assustou, pulando na cadeira e o acidentalmente fazendo o café chiar e virar vapor, subindo para o ar até desparecer completamente.
— Impressionante — elogiou Diana se aproximando da mesa para sentar-se de volta em seu lugar. — Já tinha feito isso antes?
Lívia balançou a cabeça negativamente.
— Não, nunca tinha pensado em testar.
— Sério? — perguntou Diana surpresa se sentando na mesa. Lívia notou que ela trazia um objeto prateado comprido nas mãos, e o girava distraída. — Nunca teve curiosidade sobre o que seus poderes são capazes de fazer?
— Sobre água sim — respondeu Lívia. — mas nunca pensei a respeito do que posso fazer sobre fogo. Digamos que eu tenho tido mais coisas pra pensar desde que descobri que sou... — ela hesitou. — desde que eu descobri o que eu sou.
Diana ergueu as sobrancelhas.
— Você é híbrida. Tem vergonha disso?
Lívia inspirou antes de responder.
— Eu não sei — ela disse afinal. — talvez todo esse ódio que vocês dizem que os Anjos tem de mim tenha algum fundamento. Olha pra você. Você é uma feiticeira, é orgulhosa disso. Arthur e Chloé parecem amar ser quem são. Miguel parece ter profundo orgulho de ser Anjo de Terra. E eu? Sou uma espécie de aberração. Vocês nem tem um nome pra mim e para os do meu tipo, generalizam todas as misturas como "Híbridos". E eu sei sobre híbridos em geral. Eu nem posso ter filhos, não é? Sou uma coisa estranha, uma...
— Nunca mais repita isso. — interrompeu Diana. — Você é híbrida, sim, mas você não precisa da aprovação de ninguém. Você é o que você é. Não abaixe a cabeça pra pessoas que agem como se fossem superiores a você. As pessoas rejeitam o que dá medo a elas. Por todo o mundo, as pessoas são rotuladas por sua cor, religião, sexualidade, condição social e milhares de outras coisas ridículas. Você é Marina Ignis, a filha do fogo e da água. Você têm o sangue da mulher mais corajosa que eu conheci em todos os anos em que estive viva. Orgulhe-se do que você é. Veja isso. — Diana colocou sobre a mesa o objeto metálico que estava segurando. Era comprido e fino como uma faca e sem um cabo, mas apenas a ponta parecia ser afiada. — É uma faca de arremesso — explicou ela —, mas não qualquer faca de arremesso. Essa é a faca que perfurou o coração do assassino da sua mãe. Vicente pensava exatamente como você estava falando. Ele queria se livrar de você. — Ela pegou o objeto sobre a mesa e estendeu para Lívia, que o aceitou. — Guarde com você. Pra se lembrar de ser forte, nem que seja pra honrar tudo que Alice fez por você. Quanto aos seus poderes. — Ela sorriu, parecendo relaxar um pouco. — Acho que esta na hora de aperfeiçoa-los. E talvez algum treinamento de armas também caia bem. — Diana agora parecia estar verdadeiramente animada. — Descanse por hoje, tem o dia todo pra você. Amanha vamos treinar.
Lívia refletiu por um minuto.
— O dia inteiro pra mim?
— Sim.
— Bom, então acho que queria te pedir um livro emprestado.
Diana franziu o cenho.
— Qual?
Lívia sorriu.
— Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda.
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