2. Alexandria (p.1)
Arthur acordou cedo, como de costume e foi para a cozinha preparar o café da manhã. Lívia ainda dormia em sua cama. Na noite anterior, após discussões inúteis e sem sentido, e de um jantar constrangedoramente silencioso, Arthur cedeu-lhe sua cama e dormiu ele próprio no chão, coisa com a qual já estava acostumado, por sempre dormir ao ar livre com seu cavalo.
De início, achara a garota uma graça, mas agora já se perguntava por que ela era tão irritante. Ele ainda não havia conseguido convence-la a ir de bom grado. Por algum motivo desconhecido, Lívia protestava, dizia que não queria ser levada para um lugar desconhecido. Não que isso fosse o impedir de leva-la a força — e a levaria mesmo que para isso precisasse arrasta-la até Alexandria. Não podia abandonar Lívia sozinha no meio de uma floresta, por mais que a garota estivesse agindo tão estúpida e irritantemente.
Nesse momento, ele estava arrumando suas coisas, o que, se tratando de Arthur, consistia em jogar tudo de qualquer jeito dentro da mochila. Foi quando percebeu que estava sendo observado por um par de olhos azuis.
— Bom dia — disse Lívia.
— Bom dia — respondeu ele secamente, até mais do que pretendia.
— Você parece irritado.
— Jura? — Perguntou sarcástico, desviando o olhar. — Bom, e então, Anjinho, já decidiu se vai pra Alexandria?
— Sim — respondeu Lívia, em um tom levemente entristecido.
— Sim, você se decidiu. Ou sim, você vai?
— Sim, eu vou com você — respondeu e Arthur reprimiu um suspiro de alívio. Sair arrastando Lívia até Alexandria, além de desagradável, chamaria atenção indesejada. Era melhor que ela fosse por vontade própria. Olhou-a e viu que sua expressão era uma mistura de tristeza e determinação. — Eu pensei, e você tem razão. Eu estou sozinha aqui, não tenho ninguém, não tenho uma casa, não tenho nada. O melhor que eu posso fazer é ir pra um lugar onde existem outras pessoas como eu. Talvez seja a hora de eu descobrir quem eu sou, quem foram meus pais, se eu tenho uma família. Está na hora de parar de me esconder do mundo.
* * * * *
Andaram em direção ao lago, Lívia, Arthur e Sir. Lancelot. Arthur trazia apenas sua mochila nas costas. Lívia não trazia nada, não tinha nada e continuava pegando as roupas largas e masculinas de Arthur emprestadas.
Ela observou o garoto por um momento, tinha o mesmo ar despreocupado de quando o viu pela primeira vez, mas agora ele tinha arrumado o cabelo. As roupas também eram mais bonitas, antes estavam sujas e amassadas, agora uma camisa branca e calça jeans. E ele pareceu perceber que Lívia o fitava.
— Algum problema? — perguntou ele.
— Nenhum, você só tá diferente... Mais bonito assim.
— Eu não estou bonito, eu sou — respondeu sorrindo e lhe dando uma piscadela charmosa.
— Você é muito presunçoso — acusou Lívia. — Onde está a modéstia?
— Deve estar perdida na minha mochila.
Lívia segurou o riso.
— Guarde a ironia na mochila também...
— O quê? — espantou-se Arthur. — eu não sou irônico... Ok, as vezes eu sou um pouco... — ele riu. — Você está começando a fazer eu me contradizer.
— Essa sua mochila cabe tudo mesmo?
— Não sei, mas se tem limite nunca atingi.
— Por que não me carrega ai dentro?
Arthur olha pra ela incrédulo.
— Essa mochila não pode carregar pessoas... E você morreria asfixiada...
Lívia fez beicinho.
— Que pena.
— Preguiçosa — resmungou Arthur.
— O quê?
— Nada... Chegamos!
Lívia reconheceu o lago, era o mesmo que passava perto da casinha de sua tia, e que por vezes havia brincado com as águas quando treinava o que aprendia em seus livros.
— Presta atenção no que eu vou te dizer — disse Arthur em um tom sério, segurando seus ombros e a virando de frente pra ele —, estamos indo um pouco mais cedo do que o normal, eu planejei isso. Você vai ter que fazer tudo o que eu mandar e nos vamos ter que andar rápido. Ok?
Lívia o olhou confusa por um instante, mas respondeu em seguida.
— Certo. Mas por que?
Arthur tencionou o maxilar.
— Ninguém pode te ver, não por enquanto — respondeu e Lívia estava pronta pra questionar, mas Arthur a interrompeu. — Depois eu te explico, mas por enquanto, vai ter que confiar em mim. Você confia?
Ela assentiu. Esperava não se arrepender.
Arthur respirou fundo e soltou seus ombros, em seguida ergueu sua mão.
— Me de sua mão e não me solte por nada. Não vou deixar nada acontecer com você, eu prometo.
Lívia segurou firme a mão de Arthur e ele segurava Sir. Lancelot com a outra mão.
— Vamos entrar no lago. Não tenha medo — tranquilizou Arthur.
Lívia sorriu para ele.
— De água eu não tenho medo.
Então entraram.
Foram andando em direção ao meio do lago. De início a água batia a altura de seus tornozelos, e em poucos passos já estava na cintura. Arthur andava com os olhos fechados e movendo os lábios velozmente, mas sem emitir qualquer som, formando palavras que Lívia não conseguia identificar. Logo, a água já alcançava seu pescoço, então, ela fechou os olhos, prendeu a respiração e mergulhou.
Lívia sentiu sua mão doer quando Arthur a apertou com força.
O que aconteceu em seguida foi que não havia mais nada sob seus pés, e juntos começaram a afundar feito chumbo. Sentiu uma forte correnteza tentar afasta-la de Arthur, mas desesperadamente, ela apertou a mão do garoto mais forte, mantendo se presa nele.
Já estava começando a se sentir sufocada quando a água se acalmou e ela sentiu o fundo do lago novamente sob seus pés. Arthur a puxou rapidamente para frente e eles emergiram.
— Anda rápido — ordenou Arthur puxando-a pela mão pra fora da água.
Lívia tropeçou e quase caiu, mas se equilibrou e apertou o passo para acompanhar Arthur. Somente nesse momento ela notou que eles não saíram do mesmo lago onde entraram — nem mesmo estavam no mesmo lugar.
Não havia o amontoado de árvores, mas sim casas. Umas grandes, outras pequenas, pintadas em cores vivas. Construídas ao longo de uma rua de paralelepípedos e iluminadas por postes de luz. No momento, portas e janelas estavam fechadas e não havia ninguém na rua. E não era pra menos, ainda estava consideravelmente escuro, o sol ainda nascia longe, pintando o céu com o laranja da aurora.
— Se você está se perguntando porque saímos de dia e chegamos de madrugada, é porque o fuso horário é diferente. Enfim, bem vinda a Alexandria — disse-lhe Arthur —, mas agora não dá pra ficar admirando, precisamos chegar em casa.
Os dois correram pela rua até uma grande casa com três andares, que contornaram sorrateiramente até os fundos. Haviam estábulos onde Arthur deixou Sir. Lancelot, acariciando-o como forma de despedida.
— Vamos entrar pela porta dos fundos — informou Arthur com a voz baixa. — Não faça barulho.
Lívia o seguiu para dentro da casa em silêncio e subiram escadas até o segundo andar. Estava escuro, e era difícil não tropeçar, mas a garota estava se esforçando, até que, acidentalmente, um dos seus pés bateu em um dos degraus da escada devido as botas grandes de Arthur. Bateu o joelho em um degrau acima e gemeu de dor. Arthur imediatamente ajudou a se levantar, tampando sua boca com a mão e sussurrou em seu ouvido.
— Cuidado.
Chegaram ao fim da escada, seu joelho doía cada vez que seu pé tocava o chão, mas seguiram por um corredor ainda mais escuro do que o restante da casa até que Arthur parou e pegou alguma coisa na mochila.
Aparentemente, era uma chave, que ele usou para abrir uma porta e puxou Lívia para dentro.
Arthur trancou novamente a porta, e após um som de clique, uma luz iluminou o quarto, fazendo seus olhos arderem. Quando se acostumou com a luz, viu que o quarto era perfeitamente limpo e arrumado.
— Precisa continuar falando baixo — disse Arthur começando a remexer em um guarda roupa de madeira no canto, derrubando peças de roupa no chão. Seu cabelo preto estava molhado e grudado em seu rosto. Suas roupas pingavam água. — Daqui a pouco minha irmã vai chegar e eu vou pegar roupas emprestadas pra você, mas por enquanto, vai ter que usar mais das minhas. Está com frio?
Lívia olhou para si mesma. Estava completamente molhada, seus cabelos embaraçados em um tom mais escuro que o normal, as roupas emprestadas de Arthur grudavam em sua pele e, realmente, estava com frio.
Voltou o olhar para o garoto e assentiu. Ele já tinha uma muda de roupas em sua mão, a qual lhe ofereceu.
— Tem um banheiro ali — disse entregando as roupas e apontando para uma porta no canto. — Tome um banho e troque de roupa, antes que fique doente.
Lívia acenou com a cabeça e foi em direção ao banheiro, mas Arthur a interrompeu.
— Espera, onde você se machucou quando você tropeçou na escada?
Lívia assentiu e puxou a perna da calça até acima do joelho, que tinha uma marca vermelha e estava dolorido.
— Aqui – indicou ela.
Arthur abaixou-se e passou os dedos sobre a pele, como havia feito quando curou sua dor de cabeça, e novamente, a tanto a dor como a vermelhidão desapareceram.
— Novinho em folha — disse ele.
— Obrigada — agradeceu e foi tomar banho.
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