11. Entre Versos e Estrofes (p.2)

Lívia passou o dia desinquieta, pensando no que Arthur tinha pra falar, e já era noite quando ele chegou com a irmã.

Olhando pela porta enquanto eles entravam, viu clarões de relâmpagos, iluminando o céu noturno à distância.

Eles entraram e se acomodaram no sofá da sala, onde Diana já aguardava, girando o vinho dentro de uma taça cristalina.

Ela e Arthur mal se olharam, como se ignorassem intencionalmente a presença um do outro — e Lívia achou isso péssimo.

— Tente não desperdiçar meu tempo — ela disse ainda com os olhos na taça. Ela bebeu um gole. — Diga o que sabe.

Contragosto, Arthur tirou o celular do bolso e começou a ler o que parecia uma estrofe de uma poesia.

Delacroix, lago onde os anjos maus banham-se em sangue,
Na orla de um bosque cujas cores não se apagam
E onde estranhas fanfarras, sob um céu exangue,
Como um sopro de Weber entre os ramos vagam;

Em algum momento, Diana pareceu subitamente interessada e fez sua bebida desparecer no ar, enfim encarando Arthur.

Muitos são, os que desejam tirar-lhe a vida — Diana recitou. — e a eles não posso nomear. Mas digo-lhe que são anjos caídos, que no Delacroix estão a se banhar. — Ela suspirou e Lívia estava admirada que ela tivesse decorado o que os centauros disseram. — A referência é a mesma. Onde leu isso?

— Ouvi de uma amiga em Nova York — respondeu ele, e Lívia achou que soava como uma provocação. Estavam se comportando como duas crianças birrentas.

— Mas a situação acabou se tornando um pouco mais complicada do que esperávamos — disse Chloé, falando pela primeira vez desde que chegou.

— Por que? — foi a vez de Lívia perguntar.

— Miguel nos ouviu conversando — disse Arthur —, e disse que sabe onde fica o Delacroix.

— Mas ele só vai contar se a gente disser pra ele porque nós queremos saber — completou Chloé para Lívia. — Ele sabe que tem haver com você ou Diana. E com os centauros.

— Como ele soube disso? — perguntou Diana, massageando a têmpora com os dedos da mão direita, ao mesmo tempo em que um trovão soou alto lá fora, como se para expressar a irritação da feiticeira.

— Ele nos ouviu conversando atrás da porta — respondeu Arthur e ergueu as palmas das mãos em defesa. — E nem me culpe, não fazia ideia que ele estava lá.

Os instantes que se seguiram foram de um silêncio incômodo, em que Diana parecia raciocinar algo. Chloé, que estava recostada no sofá, puxava os fios de cabelo curtos na nuca, olhando para o nada. E Arthur estava claramente desinquieto, apertando os dedos das mãos.

— Eu preciso pensar — disse Diana finalmente, distraindo Lívia de suas observações.

— Por que não contamos a ele? — Lívia perguntou.

Mas Diana balançou a cabeça.

— Não dá pra fazer tudo como Miguel quer. Ele está jogando com as armas que têm. Se seguirmos as regras dele, logo logo ele vai ter a gente na mão.

Um relâmpago iluminou as janelas e mais um trovão soou lá fora, dessa vez mais forte.

— Eu sinto muito —  disse Arthur de cabeça baixa, com a atenção ainda nas próprias mãos. — Ele não devia saber sobre nada, desde o início.

Chloé pigarreou.

— Lívia, podemos ir no seu quarto? — ela perguntou, já se levantando. — Queria te mostrar uma coisa.

Lívia assentiu e elas saíram juntas.

— Não tem nada pra me mostrar, né? — perguntou assim que fechou a porta.

— Nada — confirmou ela, já sentada na cama.

— Só queria deixar eles sozinhos.

— Garota esperta.

* * *

— Não precisa se culpar — disse Diana assim que as duas saíram.

Arthur levantou a cabeça pra olha-la.

— Tem certeza? — ele perguntou em um tom ácido. — Da última vez que nos falamos, você me ameaçou no caso de eu fazer algo que pudesse prejudicar ela.

Nesse instante, veio mais um clarão e outro trovão em seguida.

— Eu não queria ter dito aquilo — disse ela, o encarando com seriedade.

Uma chuva forte começava a cair lá fora, e dentro de casa a calor estava quase o sufocando. Pelo menos achava que fosse o calor.

Passou a mão pelo rosto, estava suando. Com a raiva que sentia quando chegou se esvaindo, Arthur sentou-se no sofá, ainda que na ponta oposta à feiticeira.

— E o que a gente faz agora? Não dá pra continuar de onde parou.

Ela sorriu levemente e se levantou, vindo se sentar perto dele.

— Não dá? — ela perguntou se encostando no braço dele. Foi como se algo que andasse apertando sua garganta afrouxasse de repente. — Sinto muito pelo jeito como falei com você ontem.

— Ontem — ele repetiu para si mesmo. — Parece fazer mais tempo.

Ela balançou a cabeça assentindo, que estava apoiada no ombro dele. Uma mecha de cabelo solta de sua trança roçou em seu pescoço, fazendo-o se encolher com as cócegas.

— O que foi? — ela perguntou preocupada, se desencostando dele.

— Nada — disse ele balançando a cabeça e a puxando de volta em um abraço. — Senti sua falta.

— Eu também — ela suspirou. — Agora temos um problema pra resolver. Não consigo tirar isso da minha cabeça.

Arthur olhou para fora pela janela. Chovia muito, e os barulhos dos trovões acompanhavam os flashes dos relâmpagos. Mas ele mal dava atenção.

— Você sempre tem a solução. É a pessoa mais inteligente que eu conheço.

Ele sentiu quando ela riu.

— Então encontrei alguém à altura. Vai ser difícil dobrar Miguel.

— O que acha que ele faria se ele soubesse que Lívia na verdade é Marina Ignis?

— Contaria ao pai, que enviaria um bando de Anjos pra cá e nós estaríamos mortos em cinco minutos. — falou ela taciturna, como se não fosse uma hipótese terrível.

— Isso não seria nada bom.

— Você acha? — brincou ela se levantando e se afastando dele.

— O que foi?

— A posição não tá muito boa, o pescoço começou a doer.

— Quer ir pro quarto?

Ela assentiu e eles subiram as escadas juntos. Enquanto Diana trocava de roupa no banheiro, Arthur ficou de frente a uma das grandes janelas, afastando a beira da cortina pra espiar lá fora.

A chuva estava cada vez mais forte, e a agua embaçava o vidro. A cada relâmpago, conseguia enxergar o jardim da casa, uma horta e o grande campo que ficava a distância da casa.

A lua não era visível, escondida pelas nuvens, que transformavam o céu em um imenso negror.

Um clarão muito forte o fez fechar os olhos, e um segundo depois, um grande estrondo o estremeceu.

— Saia da janela e feche a cortina — ordenou Diana as suas costas. Quando ele soltou a cortina e se virou para olhar, viu que ela estava sentada na beira da cama, trançando os cabelos. — Está muito barulho — disse fazendo uma pausa e abanando os dedos como se espantasse uma mosca, deixando um rastro de fumaça vermelha no ar. Imediatamente, todo o barulho da chuva e dos trovões cessou, fazendo com que um zumbido invadisse os ouvidos dele — melhor assim — e voltou a torcer as mechas com habilidade.

Diana amarrou a ponta do cabelo e se deitou na cama, entrando debaixo do lençol.

— Você não vem? — ela perguntou, e Arthur deu de ombros antes de descalçar os tênis e se livrar do jeans.

— Acho que você devia chamar Miguel pra conversar — disse Arthur puxando o lençol por cima de si. — acho que se alguém consegue enrolar ele, só pode ser você.

— Pode ser. Acha que Chloé poderia dizer pra ele vir aqui amanhã?

— Creio que sim.

— Peça para ela amanhã então, por favor.

Ele assentiu.

— Claro.

Diana levantou a mão no ar, e com um pouco de magia, ela apagou as luzes do quarto.

— Você é muito preguiçosa. — comentou ele.

— É o mais fácil — justificou-se ela. — Boa noite, Arthur.

— Boa Noite, Diana — ele disse, e sua mão escorregou pela cintura dela, em um gesto tenro inconsciente.

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