Capítulo Quinze
Victor Decker:
— Você vai servir o rei sombra — Puck declarou, sua voz agora repleta de ameaça, e eu gritei de dor quando ele apertou meu braço com mais força.
— Por favor, pare! — Implorei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Puck, por favor!
— Diga que será leal ao rei — Puck murmurou com uma voz pesarosa. — Diga que virá comigo, jure pelo seu nome verdadeiro.
Olhei profundamente nos olhos verdes de Puck e, ali, vi a pulseira do meu avô brilhando em seu pulso. Seu olhar, no entanto, carregava menos alegria do que da última vez que o encarei.
— Puck, você não precisa fazer isso — implorei novamente. — Isso não é você.
Ele não respondeu, apenas apertou meu braço com mais força, fazendo meu corpo vibrar de dor.
— Puck, eu sei que você está aí dentro — ignorei a dor latejante em meu braço. — Lute contra essa magia das sombras.
Ele aproximou seu rosto ainda mais do meu, e pude ver a angústia em seu rosto delicado.
— Me perdoe! — Puck murmurou e inclinou a cabeça para me dar uma cabeçada.
Fechei os olhos, esperando o impacto, mas então comecei a sentir o ar ao meu redor ficando mais frio. Abri os olhos novamente e percebi que havia ficado tão absorvido em Puck, e ele em mim, que não percebi a presença de várias figuras de armadura nos cercando, lanças e espadas apontadas em nossa direção. Seus olhos verdes brilharam com esperança, e seus lábios se curvaram em um sorriso doloroso, mesmo enquanto ele mantinha seu aperto em meu braço.
— Você chegou a tempo, garoto-gelo — Puck disse, virando a cabeça de lado. — Como estão Meghan e Kierran?
Foi então que percebi que Puck estava lutando contra o controle de alguma forma, lutando para ser ele mesmo.
— Solte-o, Goderfellow! — Uma voz ecoou. — Não percebe que ele está ferido!
Puck me soltou, e eu pude ver que a pulseira em seu pulso estava brilhando em azul, embora um pouco apagada.
— Agora é hora de tomarmos nossa decisão, garoto-gelo — Puck disse, voltando-se para um rapaz de cabelos negros e olhos azuis como um dia de nevasca.
O rapaz olhou para Puck de forma estranha e depois para mim.
— Por que trouxe um humano aqui? Pretende matá-lo? — O rapaz questionou, suspeitoso. — Sem deixar testemunhas.
Seu olhar se fixou em Puck por um momento mais longo, como se sentisse que algo estava errado. Foi o tempo suficiente para Puck avançar, tirando uma adaga negra com uma pedra vermelha de sua manga.
Não era a mesma adaga que ele havia dado em troca da pulseira, mas sim uma adaga sinistra.
O rapaz convocou uma adaga de gelo, preparando-se para o embate, e Puck o empurrou para trás. Puck parou a poucos metros do rapaz, e pude ver suas feições retornando ao normal, enquanto as veias negras em seu pescoço desapareciam gradualmente. O rapaz de cabelos negros notou a mudança e hesitou por um momento.
— O que está acontecendo com você, Goderfellow? — O rapaz perguntou, confuso.
— Nada... — Puck murmurou, sua voz sumindo por um instante. Em seguida, ele jogou a adaga sinistra para longe e olhou para mim. — Protejam-no! Não venham atrás de mim!
Ele apontou na minha direção e, em um piscar de olhos, transformou-se em um grande pássaro, alçando voo pelos céus noturnos. A última coisa que caiu dele antes de desaparecer foi uma única pena negra.
Mais uma vez, eu havia perdido Puck.
***********
O rapaz, de cabelos desgrenhados e olhos vivos como estrelas, ficou imerso na contemplação do céu por alguns minutos antes de se aproximar de mim, sua presença anunciada pelo suave murmúrio das folhas sob seus pés. Seu rosto expressava preocupação genuína quando ele finalmente quebrou o silêncio.
— Como está se sentindo? — Ele perguntou, seus olhos se fixando no meu braço e nas costas, que exibiam feridas preocupantes. — Parece que você levou uma surra.
Era um encontro inesperado naquele lugar misterioso e sombrio. Enquanto ele me questionava, ele fez um gesto para que uma das figuras encapuzadas que o acompanhavam se aproximasse, emanando uma aura de mistério e magia.
— Quem é você? — Indaguei, sentindo uma inquietude crescente enquanto observava os soldados que se aproximavam e cercavam nossa pequena reunião.
O jovem se apresentou com um sorriso sincero e uma voz que ecoava com um toque de encanto.
— Me chamo Ash — disse ele, revelando apenas o suficiente para me deixar curioso. — Agora, por que um humano como você está aqui em Wyldwood, seguindo Robbie Goderfellow? E, já que estamos trocando perguntas, quem é você?
Os soldados, sombrios como sentinelas da noite, mantiveram-se próximos, como se protegessem um segredo valioso.
— Sou Victor Decker — respondi, me apoiando em um dos cavaleiros de ferro que estavam ao meu redor, buscando algum conforto em meio àquele ambiente estranho. — Mas, por favor, explique o que é Wyldwood.
Ash fez uma pausa dramática, seus olhos verdes reluzindo com uma mistura de fascínio e advertência.
— Wyldwood é o território neutro, lar das fadas selvagens. Aqui, nas palavras dos humanos, todas as apostas estão fora! — Ele falou, sua expressão revelando uma mistura de desgosto e apreensão. — Você pode topar com um bando de sátiros que nos faria dançar até a exaustão, antes de nos submeter a um destino terrível, ou uma matilha de lobos que nos dilaceraria em pedaços. De qualquer maneira, não acho que você queira se aventurar por aqui sozinho.
As palavras de Ash ecoaram em meus ouvidos, deixando-me desconfortável com a realidade sombria do lugar.
— Mas todas as fadas não são iguais? — Arrisquei uma pergunta, sentindo-me vulnerável sob o olhar crítico de todos eles. Uma risada suave e coletiva escapou deles, envergonhando-me ainda mais.
Ash explicou pacientemente, enquanto os outros continuavam a rir.
— Claro que não! — Disse ele, com um sorriso gentil. — O Nevernever pode ser o lar de todas as fadas, mas está dividido em territórios, ou, mais tecnicamente, cortes. A Corte Seelie, também conhecida como a Corte do Verão, é dominada por Oberon e Titânia, enquanto o território Unseelie, a Corte do Inverno, é governado por Mab. Quando você está sob o domínio de uma dessas cortes, normalmente é proibido causar tormento, mutilação ou morte a outras fadas sem a permissão de seus governantes.
Meus olhos se fixaram em Ash, notando que ele usava uma armadura de ferro, o que parecia contraditório.
— Você é uma fada e está usando uma armadura de ferro? — Perguntei, confuso.
Ele deu de ombros, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
— Ah, isso é porque existem fadas que podem manipular o ferro agora — explicou Ash. — Mas vou contar mais sobre isso na presença da minha rainha, Meghan Chase, e sua esposa. E você, meu caro, nos contará o que aconteceu com Goderfellow.
Assenti com a cabeça, permitindo que um dos cavaleiros de ferro me carregasse enquanto outro pegava a adaga que Puck havia jogado de lado e a guardava em seu cinto. A jornada estava apenas começando, e eu estava prestes a adentrar um mundo onde a magia e os segredos eram tão reais quanto as sombras que nos cercavam em Wyldwood.
************
Caminhamos junto aos cavaleiros, cada passo nos afastando ainda mais da densa floresta que havíamos deixado para trás. Enquanto emergíamos do emaranhado de árvores, me deparei com uma majestosa ponte de ferro que ligava o nosso ponto de partida a uma terra feita inteiramente desse material industrial. Um zumbido distintivo encheu o ar, forçando-me a olhar para o céu. Lá, pairando no firmamento, vi um par de criaturas aladas, longas e segmentadas, oscilando graciosamente em nossa direção, suas asas estendidas como uma dança coreografada no ar.
Respirei fundo, tentando conter o medo que se infiltrava em meu peito. As criaturas, de aparência híbrida entre uma asa-delta e uma libélula, com olhos bulbosos de inseto e seis pernas de cobre que se agarravam habilmente às partes salientes do corrimão da ponte, pareciam inquietantemente estranhas. Seus corpos, finos e reluzentes, contrastavam com as asas que se assemelhavam mais às de morcegos do que às de insetos, projetadas para planar com graça em vez de acelerar. Além disso, elas ostentavam hélices em suas extremidades traseiras.
Ash, percebendo minha inquietação, apontou para as criaturas com um sorriso matreiro e disse:
— Estes são os planadores. Tudo o que você precisa fazer é se aproximar deles, estender os braços, e eles se acomodarão em você. Você os guia movendo suas patas dianteiras e distribuindo o peso do corpo.
Arqueei as sobrancelhas com incredulidade diante da aparente simplicidade do processo, e ele riu baixinho, como se estivesse se divertindo à minha custa.
— Vamos lá, você verá! — Disse um dos cavaleiros, incentivando-me.
— Usamos essas criaturas para chegar rapidamente ao castelo de ferro — explicou Ash. — A pé, seria um longo trajeto.
Assenti com a cabeça, dirigindo-me com cautela às criaturas. Levantei os braços e, poucos momentos depois, senti as pernas articuladas das criaturas agarrarem minhas roupas enquanto uma delas rastejava sobre minhas costas. Fiquei surpresa ao constatar que algo tão grande pudesse ser tão leve.
Cerrei os dentes, tentando não me mexer enquanto as patas das criaturas se flexionavam sob mim, criando uma espécie de suporte. Acima de mim, as asas zumbiam e se agitavam, prontas para o voo, mas, estranhamente, não nos movemos.
Arrisquei um olhar para baixo, encarando a vertiginosa queda, e meu estômago deu voltas tão intensas que temi vomitar a qualquer momento.
— Você terá que se inclinar para a frente — explicou Ash, tentando ser prestativo. Eu teria revirado os olhos se não estivesse tão apavorada para fazer qualquer movimento.
— Sim, estou quase lá — murmurei, fechando os olhos e tomando respirações profundas e curtas para me preparar para o salto. Aquilo era completamente diferente de qualquer experiência que já tivera. — Ok — sussurrei, buscando coragem.
— Três, dois, um! — Anunciou um dos cavaleiros.
Nada aconteceu. Minha mente ordenava que eu pulasse, mas meu corpo resistia. Hesitei na beira da ponte, o vento chicoteando meu cabelo, e a náusea tomou conta de mim.
— Não sei se consigo fazer isso — admiti, enquanto o planador emitia um zumbido impaciente. — Ei, não me julgue. Como eu saberia se isso é... Ah!
Algo me cutucou por trás, o suficiente para me desequilibrar e me fazer cair da ponte. Gritei como se estivesse em uma montanha-russa, mergulhando para frente com toda a força. Por um momento, não consegui abrir os olhos, convencida de que estava prestes a enfrentar minha morte iminente. O vento uivava ao meu redor, ensurdecendo-me enquanto parecia que eu estava indo direto para o abismo.
Então, o planador se inclinou para cima, nivelando-se conforme captava as correntes de ar. Meu coração acalmou gradualmente, e meu aperto nas patas do planador relaxou um pouco. Abri os olhos com cautela e observei o cenário se desenrolar diante de mim. A vista do Nevernever, com suas vastas extensões de ferro brilhante, era impressionante a essa altura. O vento assobiava em meus ouvidos e chicoteava meu cabelo, mas o medo havia desaparecido.
Experimentei puxar uma das patas dianteiras do planador, e ele respondeu imediatamente, virando na direção desejada. Puxei a outra pata, fazendo-o deslizar na direção oposta, sentindo uma empolgação crescer dentro de mim. Eu queria ir mais rápido, mais alto, desafiar outros grupos de criaturas em uma corrida até o sol. Como poderia ter sentido medo disso antes? Era incrivelmente fácil e emocionante! O planador pareceu zumbir em resposta, como se compartilhasse meu entusiasmo.
— Parece que você está curtindo! — Ouvi a voz de Ash, e ele apareceu ao meu lado.
— Adorei! — Respondi, sorrindo. — Não precisava me empurrar. Teria conseguido sozinha!
Ash deu de ombros de maneira debochada, e eu o ignorei.
****************
Levou um período considerável, talvez uns bons quinze minutos, até que a visão diante de meus olhos se revelasse por completo. O horizonte aberto, pontuado por picos de ferro, paredes de vidro que reluziam sob o sol e muralhas de pedra maciça, culminou em um espetáculo deslumbrante: um castelo majestoso. Os planadores pairaram graciosamente até pousarem suavemente em um amplo pátio.
A criatura, finalmente, soltou meu braço com um gesto gentil. Com olhos arregalados, observei o esplendor do lugar. Os detalhes ornamentais nas paredes de vidro capturavam a luz de maneira hipnotizante, enquanto os desenhos intrincados nas pedras contavam histórias de séculos passados.
Antes que eu pudesse articular qualquer comentário sobre a magnificência do local, uma porta maciça se abriu com um rangido majestoso, revelando uma entrada majestosa. De lá, emergiram duas figuras impressionantes.
Uma jovem loira de beleza cativante, vestindo calças jeans e uma camisa branca, caminhava ao lado de um jovem de cabelos brancos e olhos da mesma tonalidade, ambos emanando uma aura de autoridade. Cada um dos cavaleiros de ferro que nos acompanhavam se curvou diante deles com profundo respeito.
Ash falou. — Kierran.
As palavras de Ash quebraram o silêncio, e ele se aproximou, com uma reverência respeitosa.
Meus olhos se fixaram em Meghan, a jovem loira, cuja presença exalava um poder e magnitude indescritíveis. Instintivamente, inclinei a cabeça em respeito, reconhecendo sua importância.
Uma voz curiosa ecoou de algum lugar atrás de mim.
— Quem é ele, pai? — Era Kierran, o jovem de cabelos brancos, que agora me observava com curiosidade.
Ash assumiu uma postura séria, sua expressão refletindo a gravidade da situação.
— Sobre isso precisamos conversar. Trouxe notícias da patrulha.
Meghan, após me analisar rapidamente, dirigiu seu olhar de volta para Ash.
— Quais notícias? — perguntou ela, com um toque de ceticismo absoluto em sua voz.
Ash suspirou profundamente antes de responder.
— As sombras pegaram Goderfellow — ele declarou solenemente.
A incredulidade absoluta se refletiu no rosto de Meghan.
Vamos conversar na sala de reuniões", ela ordenou com determinação, antes de voltar seu olhar para mim.
— Mas antes disso, será melhor levar nosso convidado para se arrumar.
Todos ao redor assentiram, e eu sabia, sem sombra de dúvida, que algo verdadeiramente perigoso estava se desenrolando no reino de Nevernever.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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