PRÓLOGO
ASTERIN SALVATORE
Parei no começo da escada sentindo meu estômago doer, minha pele parece rasgar a cada passo que dou, cada osso do meu corpo parece se quebrar e perfurar minha carne. A ardência do meu rosto não para, o sangue escorre do ferimento da minha bochecha e testa, a falta de sangue me causa tontura. O mundo ao meu redor parece girar para me derrubar, meus dedos agarram ao corrimão para manter meu corpo instável em pé, e não rolar degraus abaixo e acabar me ferindo mais com o impacto com o chão.
A casa parece ranger em êxtase por ver a perseguição que ocorre, as paredes escuras e desgastadas pelo tempo me prendem nessa caçada que pode terminar com meu corpo estirado pelo chão sem vida ou minhas mãos algemadas novamente. A escuridão contorna meu corpo e observa cada lugar machucado, cada corte superficial e profundo, ela me engole internamente, mas agora, ela me quer por completo. Quer se deliciar com o sangue de um Anjo, com o sangue que muitos consideram como lenda e sagrado.
—Minha flor! — ouvi a voz grossa e horripilante soar entre as paredes, grunhi em desprezo descendo a escada, lutando para não desmaiar e cair nas mãos do homem que me persegue, de não fraquejar e voltar para o quarto onde estava trancada. — Você sabe que não pode fugir de mim, eu irei te achar. — outra vez a voz chegou aos meus ouvidos, mordi os lábios apertando mais minhas mãos na minha barriga, tentando manter fechado o grande ferimento que ganhei na minha fuga.
Ergui os olhos para a parede cheia de quadros antigos, os rostos pintados e tirados fotos, parecem me olhar e me julgar de todas as formas possíveis, parecem querer pular para fora das telas e me agarrarem. Respirei fundo tentando achar um pouco de ar, mas parece uma missão impossível… O ar está denso, meu corpo está ficando frio com a falta de calor daquela casa, meus pés se arrastam pelos degraus e minhas mãos escorregam pelo corrimão deixando um rastro de sangue.
—Merda! — resmunguei quando finalmente cheguei ao piso do primeiro andar, mas meu corpo fraquejou e foi de encontro ao chão frio, meus olhos correram para a escada que tem uma sombra grande no seu final, a única coisa que brilha ali é a lâmina da foice que ele carrega nas mãos, o casaco preto que usa o camufla com a escuridão. — Crusmus! — grito, usando o resto da minha forças. A sombra desce um degrau da escada, minha respiração aumenta temendo que o feitiço foi fraco demais para derruba-lo e possa refletir em mim e me matar. — Crusmus.. — me rastejei até a porta que está entreaberta, a luz da lua adentra a casa sorrateiramente, uma brisa fresca me atingiu no chão e parece querer me acalmar do pesadelo que estou tendo. Meus fios caíram em frente ao meu rosto e fecharam minha visão, joguei minha cabeça para trás, mas antes que eu pudesse estender a mão até a porta, pude ouvir a voz do homem.
—Te peguei! — as mãos grandes agarraram meus pés com força, meu corpo foi puxado contra o chão de madeira, gritei sentindo seus dedos penetrarem nas feridas no meu calcanhar. Meu corpo foi virado com força, o rosto masculino preencheu minha visão, o sorriso no canto dos seus lábios é sóbrio. Ele quer me matar, quer cortar minha carne mais vezes, me torturar por horas seguidas e não parar. — Eu disse que iria…
Um grunhido de dor irrompeu sua garganta, suas mãos foram a sua barriga e o sangue passou a jorrar dali. Um arrepio percorreu meu corpo ao notar que o feitiço deu certo.
Os olhos verdes saíram da sua barriga coberta por líquido vermelho e pararam em mim, eles começaram a perder sua tonalidade verde e adotaram uma cor vermelha, o sangue passou a escorrer como lágrimas, seus joelhos se chocaram contra o chão com força. Os gritos de dor que soam da sua garganta fizeram meu corpo se aliviar.
—Eu vou te matar! — berrou tentando me olhar, mas o sangue toma a sua visão com esplendor, as linhas vermelhas trilham um caminho pelas suas bochechas e respingam em gotas no chão que a pouco fui arrastada. — Cadê você, Mirael?! — a raiva pingava da sua boca, um amargo se formou na minha boca com o citar desse nome. Grunhi em dor me erguendo com dificuldade, apanhando em mãos a foice que ele usará minutos antes para me torturar, para fazer os cortes em meu corpo e causar o grande buraco no meio da minha barriga que vaza sangue quando tiro as mãos.
Segurei firmemente o cabo de madeira em minhas mãos, posso sentir a alma de cada ser que foi morto por ela gritar, gritar por justiça, para o homem que cortou suas cabeças ter a sua cortada, que ele sinta o desespero que elas sentiram. Ergui a foice no alto, acima da minha cabeça, meu corpo luta para se manter em pé, meus braços se esforçam para não caírem e derrubarem a arma, o ferimento na minha barriga parece parar de latejar para o ato que estou prestes a fazer. Respirei fundo, o cheiro da raiva e medo parece pairar no ar, o silêncio da casa nos cerca e todos os fantasmas param para admirar a morte de um Ceifador, o homem que acha que tem direito de ceifar vidas. Hoje, nessa noite onde a lua tem a sua primeira fase, onde o dia está frio, seu julgamento chegou. Ele morrerá por algo que ele usou para matar.
—Hoje é a sua vez de ser ceifado! — gritei em fúria. Meus braços caíram, a lâmina da foice brilhou rapidamente com a luz da lua que passava pelas brechas da casa. Com uma força descomunal, o ferro deslizou pelo pescoço do Ceifador, sangue esguichou para todos os lados e me acertou em cheio, meus braços, mãos, pernas e rosto foram cobertos pelo líquido pegajoso e que tanto odeio. Os olhos verdes permaneceram abertos, a cabeça escorregou do pescoço e caiu no chão, o grande pedaço de carne e ossos rolou pelo chão e bateu contra uma parede, um barulho oco ressoou pela casa velha e antiga. O mundo pareceu voltar a girar novamente, barulho de animais voltaram a soar do lado de fora, os barulhos da casa rangendo voltaram como se fossem palmas pelo assassinato cheio de vingança.
Deixem minhas pernas cederem, meu corpo caiu no chão, mas o alívio que se espalhou por mim não me fez sentir a dor.
Uma risada alta escapou da minha garganta, algo que para muitos seria assustador por ter acabado de matar uma pessoa, mas eu? Bom, eu não faço parte desses muitos e acabei de fugir de um assassino que mata a quem salvou minha raça.
A escuridão me tomou como uma sala sem portas e nem janelas quando tem suas luzes desligadas, nenhum foco de luz, só eu. Meu corpo relaxou, posso sentir o latejar a ferida em minha barriga, os cortes espalhados pelo meu corpo se curarem. Mesmo entrando em um estado onde ficarei horas apagada, a mercê de todos, mas meu corpo e mente não relutam.
A escuridão não durou muito, uma luz branca me atingiu com força, me cegou me impedindo de ver o que é que seja que se aproxima. Pude ouvir seus passos suaves, a criatura que se aproxima não me passa medo, ela nunca me passa.
—Nos encontramos novamente. — abri os olhos notando que a escuridão não me toma mais, e sim a luz, tudo à minha volta é branco, a sensação de estar aqui é ao contrário de estar na escuridão. Eu sinto medo, medo de não voltar para o mundo real e me perder na tranquilidade que esse lugar trás.
—Sempre nos encontramos, basta você estar à beira da morte. — a mulher que eu mesma criei, indagou e soltou uma risada. Os fios ruivos estão soltos atrás das suas costas como sempre, o vestido branco que ela usa marca cada curva do seu corpo, mas é transparente o bastante para poder ver o que qualquer homem pagaria para observar um um bar qualquer. Suas aréolas marcam no tecido branco, a transparência nos deixa ver sua “área sagrada” como ela mesma apelidou.
—Tenho que te tirar da minha mente. — resmunguei me aproximando da ruiva que levantou uma das sobrancelhas, os olhos violetas se fecharam por alguns instantes, a boca rosada se entortou e ela riu. Estava pensando em como eu sou idiota.
—Eu sou sua única amiga, Star.
—Você é uma loucura da minha cabeça.
—Continuo sendo sua única amiga. — retrucou e me puxou para um abraço, seus braços me apertaram fortemente. Mesmo não podendo sentir nada, o calor dos seus braços, cheiro ou seu amor, eu retribuí. Sempre fazia aquilo, de uma certa forma eu sentia um conforto único. Mas o medo ainda latejando no peito. — Você sentiu medo, Star.
—Eu sempre sinto medo, Pandora! — me afastei olhando para minhas roupas que estão ensanguentadas, não sinto o ferimento doer, mas sinto que ele se cura aos poucos e irá demorar muito para a finalização do processo.
—Mas não como agora, você estava sentindo medo de morrer e não encontrar o seu Grimm. — confessou e o cenário à nossa volta mudou, um rosto se refletiu pelas “paredes” do lugar onde estamos.
Nick Burkhart.
—Sentiu medo de não encontrar o Grimm que você acabou de proteger matando aquele Ceifador. — um sorriso se esboçou em seus lábios, os olhos violetas olharam para o lados, os braços se abriram e ela girou mostrando o rosto que eu fui apresentada poucos dias atrás.
—Será que ele irá me aceitar? — perguntei sentindo meu peito apertar, mesmo não o conhecendo direito, mesmo nunca ter falado com ele, meu coração se afeiçoou a ele, os Grimm criaram esse poder sobre determinados Anjos.
As lembranças vagas do Grimm vieram à minha cabeça. O homem que encontrei anos atrás veio a minha cabeça, o jeito que ele me acolheu e cuidou de mim, as manhãs que era acordada e mandada para a escola… Ele morreu, não pude salvá-lo, mesmo que fosse impossível. Adrien morreu de velhice, nunca pude impedir isso… Humanos envelhecem muito mais rápido que os Anjos, eles tem um prazo feito de vida, podem morrer por um mero respirar de ar… Gostaria de ser humana, de saber que irei morrer antes ou depois da pessoa que amo, que tenho garantia de não ficar por mais de cem anos em um mundo onde a crueldade tem seu lugar reservado no pódio. Adrien… o Grimm me adotou como sua filha, cuidou de mim e de Seth até a sua morte. Ele morreu e pediu para nenhuma lágrima escorrer pelos nossos olhos, que encontrássemos um Grimm que nos faria sentir proteção, afeição, que mataria para nos manter seguros, não que nos mataria para salvar a própria pele.
Esses Grimm's realmente existem?
—Está na hora de acordar, Asterin Salvatore. — a voz doce soou perto do meu ouvido, ergui os olhos e olhei para trás, Pandora se afasta e sorri.
—Te vejo em outros momentos fracos. — sorri doce me lembrando que não demoraria tanto.
—Tem certeza que iremos nos reencontrar? Você é forte, sempre foi, eu sou apenas alguém que te ama e sempre irá te amar… Eu te amo em todos os universos e vidas, te amo mil milhões!
Abri os olhos sentindo meu peito apertar, toquei meu rosto sentindo lágrimas escorrerem pelas minhas bochechas, um soluço involuntário escapou da minha garganta como se eu tivesse chorado por minutos sem parar.
Respirei fundo controlando as lágrimas que escorrem dos meus olhos. A fraca luz que passa pelas brechas da casa, atingem meu corpo, o mundo se ilumina do lado de fora.
Uma parte minha morreu dentro daquela casa, uma parte desapareceu por anos.
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