22 - Jogo de Tabuleiro

Olhos vendados, tampões de ouvido. Parecia estar sendo sequestrada, mas na verdade estávamos indo ao encontro de Sakura. Eu senti alguém segurar minhas mãos e me guiar para fora do carro e andamos uma distância considerável.

Alguém tirou meus tampões de ouvido e pude ouvir o som de pássaros. Em seguida retirou a venda. Vi Satoru diante de mim sorrindo, a claridade me incomodou um pouco, mas logo pude ver onde estava. Uma residência no meio do nada. Só havia árvores e muito silêncio.

— Vamos, ela está lá dentro.

Dei uma boa olhada na casa. Sempre fui observadora. A parte de fora da casa era encantadora e serena, perfeitamente integrada à natureza ao redor. A residência estava situada em uma clareira, cercada por árvores altas e frondosas que ofereciam sombra e um ambiente fresco. O jardim era bem cuidado, com flores coloridas e arbustos podados, criando um cenário acolhedor e vibrante.

A fachada da casa era de madeira, com um acabamento rústico que combinava com o ambiente natural. Havia uma varanda espaçosa na frente, com cadeiras de balanço e uma pequena mesa, ideal para relaxar e apreciar a tranquilidade do lugar. O telhado de telhas vermelhas contrastava com o verde das árvores, dando um toque pitoresco à construção.

Ao lado da casa, havia um caminho de pedras que levava a um pequeno lago. O som suave da água corrente e o canto dos pássaros criavam uma atmosfera de paz e isolamento. Ela queria mesmo se isolar do mundo.

Entrei na casa com Satoru ao meu lado. O interior de uma residência tradicional. Ao entrar, fui recebida pelo genkan, uma área onde os sapatos são deixados antes de adentrar o espaço principal. O piso era coberto por tatami, esteiras de palha de arroz.

As paredes eram formadas por shoji, painéis deslizantes feitos de papel translúcido emoldurado por madeira. No centro da sala, havia um chabudai, uma mesa baixa onde nos sentamos em almofadas zabuton para tomar chá e conversar. Em um canto da sala, um tokonoma exibia uma bela pintura e um arranjo de flores ikebana, destacando a apreciação pela arte e pela natureza.

Sakura estava nos aguardando. Eu me lembrava parcialmente dela. Seus cabelos ondulados e de cor caramelo, eu sabia até a cor da tinta que ela usava. O nome obviamente tinha sido tirado junto com as memórias, mas a sensação de saber eu sentia.

Os olhos grandes e amendoados, sempre esguia, usando um vestido florido de um tecido leve e fluido. Ele tinha um fundo branco com delicadas flores em tons de rosa, azul e verde. O corte do vestido era clássico e elegante, com mangas curtas e um decote em V que destacava seu pescoço gracioso. A cintura era marcada por uma faixa de tecido do mesmo padrão floral, que acentuava sua silhueta esguia. A saia do vestido era levemente rodada, caindo suavemente até um pouco abaixo dos joelhos, conferindo um ar de leveza e movimento a cada passo que ela dava.

Os detalhes eram sutis, mas encantadores: pequenos botões de madrepérola decoravam a frente do vestido, e uma delicada renda branca adornava a barra e as mangas, acrescentando um toque de sofisticação. Sakura parecia uma visão saída de um jardim em plena primavera, irradiando alegria e serenidade.

Não era de se estranhar de forma tão elegante. Ela queria ser estilista. Provavelmente já estava estudando. Eu sabia disso também. Ela deu um sorriso tímido e caminhou até mim olhando para fora o tempo todo.

— Aki... — Ela mantinha as mãos na frente de seu corpo. — Estou tão feliz em te ver.

— É Sakura, né? Lembro vagamente de você.

— Ele não ia deixar você se lembrar mesmo. Vem... vamos sentar e tomar um chá.

Sakura me guiou até a mesa de madeira rústica. Sentamos em almofadas confortáveis ao redor do chabudai, e o aroma do chá verde fresco encheu o ar, trazendo uma sensação de calma.

— Aki, sei que tudo isso deve estar sendo muito confuso para você — disse Sakura, enquanto me oferecia uma xícara de chá.

Eu a observei atentamente, tentando puxar pela memória qualquer fragmento que pudesse me ajudar a entender melhor. Sakura parecia tão familiar, mas ao mesmo tempo, como uma estranha.

— O que você quer dizer com "ele não ia deixar você se lembrar"? — perguntei, mas já sabia a quem ela referia.

Sakura trocou um olhar significativo com Satoru antes de responder. Ele se levantou ao perceber que ela se sentiria mais à vontade se ele não estivesse lá e sentou-se no jardim ainda olhando para nós, mas mantendo uma certa distância.

— Kurogiri. — Ela disse quando ele se afastou.

— Imaginei. — Levei a xícara à boca e fiquei olhando o jardim à nossa frente. — Éramos amigas?

— Eu, você, Mori e Shizune. Inseparáveis. — Ela pegou uma caixa que estava ao seu lado, abriu e começou a tirar várias fotos. Parecíamos felizes. Fotos na escola, no shopping, na praia. Ela olhou para Satoru e depois olhou para mim com um sorrisinho.

— Reencontrou seu anjo. Isso me deixou muito feliz.

— Eu... descobri recentemente que a gente meio que já se conhecia.

— Fomos eu, você e Mori para Tokyo. Saímos escondidas dos nossos pais inventando um passeio de escola. Ficamos de castigo depois, mas você voltou tão feliz que valeu a pena. Você só falava nesse tal anjo desde que nos conhecemos. Que tinha salvado a sua vida.

— Eu o chamava de Anjo? Isso é meio brega.

— Anjo da escuridão. Você dizia que ele estava perto de você nos momentos mais sombrios. E você se apaixonou mesmo por ele. Tinha dado seu primeiro beijo e seus primeiros amassos. — Ela riu de mim e pude sentir as bochechas queimarem.

— Nossa! Eu não parecia ter muito juízo.

— Nenhuma de nós tinha. A gente só não contava que ele ia se irritar tanto. Eu era apaixonada pelo seu irmão. Mesmo ele sendo bem mais novo. Eu estava esperando o momento certo para me declarar e eu sentia que ele gostava de mim também. Mas... — Ela franziu a sobrancelha e ficou pensativa antes de continuar. — Ele demorou a voltar para casa. Disse que tinha ido numa loja que ele gostava do outro lado da cidade. Quando ele voltou eu tinha certeza que não era o Kyo. Seus olhos pareciam um poço escuro e fundo. Não tinham mais o mesmo brilho de antes.

— Isso foi... antes do coma?

— É. Você já tinha dado um gelo no Izumi, Satoru já tinha conversado com a sua mãe. Vocês iam mesmo começar a namorar. Mesmo que seu anjo não tenha me deixado muito segura. Porque ele não parece ser o tipo de cara que entra num relacionamento. Mas um coração partido era fácil de curar. Mas o que o Kurogiri fez... não.

— Ele matou o Kyo? — Eu disse lá do fundo da garganta.

— Sim... Mas a gente não sabia. Você estava investigando a morte do seu pai há bastante tempo, tinha muitas suspeitas. Uma delas era de que o seu amiguinho que havia morrido há muito tempo, naquele trágico acidente, tinha virado um tipo de espírito vingativo...

— Daisuke Fushi.

— Esse mesmo. Você já não se lembrava do acidente e tudo parecia confuso para você. Mas o Kyo... disse que a gente tinha que relaxar um pouco com toda essa baboseira. Trouxe um jogo de tabuleiro, com um gato... preto. E não tivemos a prudência de ao menos ter medo. Nós jogamos, Aki. E você perdeu... Não que eu ache que você fosse ganhar. — Ela abaixou a cabeça. Dava para ver o quanto aquilo machucava.

— Sobre o que era o jogo exatamente?

Ela se levantou e caminhou batendo o pé no chão até achar uma tábua solta e levantar a madeira do piso e tirar uma caixa embalada num plástico preto. Ela desembalou todo o pacote e uma caixa de madeira dobrável surgiu. Havia desenhos por toda a caixa e era possível sentir uma pressão vindo dele.

— Onde conseguiu isso? — Satoru se aproximou de nós claramente preocupado.

— Este foi o jogo que jogamos naquela noite. — Sakura disse receosa.

— Jogaram este jogo?

— Sim.

— Que jogo é esse? — perguntei tensa.

— Hitori Kakurenbo... — Satoru disse franzindo o cenho. — Conte como era o jogo.

— A gente usa uma boneca ou objeto inanimado para invocar um espírito vingativo, e o jogador deve se esconder dela. Nós usamos o boneco do gato preto.

Eu me levantei da cadeira no mesmo instante e senti um calafrio percorrer meu corpo inteiro. A mesma sensação que tive quando acordei no labirinto. A de estar se escondendo.

— Temos que queimar este tabuleiro! — Satoru disse pegando o objeto das mãos de Sakura. — O boneco do gato? Está aqui?

— Não. Estava com a Aki.

— Merda! Temos que encontrar e destruir. — Satoru disse destruindo a caixa.

— Satoru? E a Sakura? — Perguntei com lágrimas nos olhos.

— Vou pedir que dois feiticeiros vigiem a casa dela. Mas você terá de voltar todo o trajeto com os olhos vendados de novo. Eu acredito que seja lá qual foi o pacto que você fez com ele sabe de tudo que você vê e ouve.

Eu estava beirando o desespero. O sofrimento parecia não ter fim. Mesmo quando eu parecia finalmente descobrir toda a verdade.

— Ok... — Eu caminhei até Sakura E lhe dei um abraço apertado. — Por favor, fique bem.

— Você também, Aki.

— Eu não tenho minhas memórias, mas sei que você é muito importante para mim.

(...)

Fizemos todo o trajeto de volta comigo vendada. Quando dei por mim estava no templo de Geto. Eu sentia uma sensação ruim o tempo todo. Como um mau presságio. Satoru conversou um tempo com Geto e logo em seguida eles vieram até mim.

— Aki... — Satoru começou a dizer com as sobrancelhas franzidas. — Vamos ter que trazer ele à força.

— Como assim?

— Um feitiço de invocação. — Geto disse se aproximando, seus olhos brilhando com uma intensidade sombria. Ele estendeu a mão, revelando um pergaminho antigo, coberto de runas que pareciam pulsar com uma energia própria.

— Este feitiço é antigo e perigoso, Aki. — Satoru advertiu, sua voz grave. — Precisamos de sua ajuda para realizá-lo.

Eu engoli em seco, sentindo um calafrio percorrer minha espinha. — O que exatamente precisamos fazer?

Geto abriu o pergaminho, revelando símbolos complexos e intrincados. — Precisamos recitar estas palavras enquanto desenhamos o círculo de invocação. Isso trará Kurogiri até nós, mas ele não virá de bom grado.

Satoru começou a desenhar o círculo no chão, enquanto Geto murmurava palavras em uma língua antiga. O ar ao nosso redor começou a vibrar, e uma sensação de opressão tomou conta do templo.

— Aki, fique dentro do círculo e não saia, não importa o que aconteça. — Satoru instruiu, seus olhos fixos nos meus.

Eu assenti, meu coração batendo acelerado. Quando o círculo foi completado, Geto ergueu as mãos e recitou a última linha do feitiço. Uma luz intensa explodiu do centro do círculo, e uma figura sombria começou a se materializar.

— Ele está vindo... — Geto sussurrou, seus olhos arregalados de expectativa.

A figura de Kurogiri emergiu da luz, seus olhos brilhando com uma fúria incontrolável. Ele olhou diretamente para mim, e eu senti um medo profundo e primitivo.

— Como ousa? — A voz de Kurogiri ecoou pelo templo, carregada de poder e ameaça.

Antes que eu pudesse responder, uma sombra se moveu atrás de Kurogiri, algo que não deveria estar ali. Uma presença ainda mais sinistra e desconhecida se revelava, e eu soube naquele momento que nosso problema estava apenas começando.

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