20 - Em que acreditar?
A sensação de ser puxada foi uma das piores que tinha sentido. Meu corpo estremecido inteiro e a sensação de cair a força em cima do meu próprio corpo. Acordei puxando o fôlego com força lutando para respirar.
— Onde você pensa que estava indo? — Kyo, não... Kurogiri... me puxou pelo cabelo e ficou me olhando com ódio, sussurrando entre os dentes.
— Para bem longe de você...
— Não vai a lugar nenhum! Não sem mim.
— O que fez com meu irmão?
— Perguntas demais!
A porta se abriu rapidamente e a enfermeira apareceu na porta. Ele segurou meu braço com força e sussurrou. "sua mãe está a um estalar de dedos de distância.". Eu entendi que tinha que ficar quieta embora a vontade fosse de gritar.
— Bom dia. Tudo bem, Akira?
— Ela tá bem sim. Teve uma crise nervosa. Na verdade, eu queria levar ela para casa.
A enfermeira piscou umas duas vezes. Dava para ver que ela estava desconfiada. Mas ele dizia ser da família.
— Eu vou chamar o médico então. Já volto.
Ela saiu sorrindo forçadamente e no momento que ela fechou a porta ele se virou para mim. Havia ódio em seu olhar.
— Vamos ter que sair daqui. Ele me puxou para si e me segurou firme no colo, mesmo comigo me debatendo o tempo todo. Se levantou devagar e foi até a janela, tirou os sapatos e pulou para cima do outro telhado e foi saltando de um telhado para o outro.
Eu estava desesperada. Eu podia chamar a Kageba, mas eu temia pela vida da minha mãe e das pessoas ao redor do hospital. Quando ele saltou num dos becos da rua principal, ele parou bruscamente.
— Estava me perguntando quando você ia aparecer... veio mais rápido do que imaginei... Satoru.
Eu virei o rosto rapidamente e olhei para ele praticamente implorando por ajuda. Ele estava sério, muito mais sério do que eu já tinha visto até ali.
— Solta ela.
— Não. Ela me pertence!
Foi rápido. Satoru se aproximou dele num piscar de olhos, deu um empurrão forte nele e me puxou para si. Kurogiri foi arremessado a 3 metros de distância e caiu em cima de uma lixeira. Satoru me segurava firme pela cintura. Kurogiri ergueu o corpo e ficou olhando para nós com ódio.
— Ganhou por enquanto... Mas eu vou voltar. — Ele sumiu na escuridão e o medo tomou conta de mim outra vez.
— Minha mãe!
— Ela está num lugar seguro.
Eu o abracei forte e chorei como nunca tinha chorado antes agarrada a ele com força me desabando em lágrimas. O que estava acontecendo? Por que comigo?
— Eu... tô tão feliz em te ver... — Eu disse ainda abraçada ao seu corpo.
— Vem, eu vou te levar para a escola para a Shoko dar uma olhada em você.
A vitória parcial não me dava alegria. A sensação dele aparecer a qualquer momento e em qualquer forma me deixava em pânico. Ele me levou para a escola e me deixou na enfermaria sendo cuidada pelo Shoko. A minha perna melhorou quase que instantaneamente com a técnica dela. Queria ter esse dom. Eu teria fugido correndo da primeira vez.
Depois fui para o quarto para descansar um pouco. Mas eu não preguei o olho. Pelo menos recebi visitas.
— Menina, pensei que não ia te ver nunca mais. — A voz de Nobara me deu alegria. Ela e Maki entraram com algumas sacolas de doce.
— Tava onde hein, Akira?
— Uma longa história.
— A gente tem tempo. — Nobara sentou-se na cadeira ao lado da minha cama e Maki puxou uma outra cadeira que ficava diante de uma mesinha.
Eu senti que precisava contar toda a história por mais absurda que parecesse. Mas diferente do que imaginei, não havia dúvida no olhar delas. Elas pareciam acreditar em mim de fato. E isso me deixava feliz.
— Estranho... — Maki disse pensativa. — Essa sua maldição tá parecendo um espírito rancoroso, do tipo obsessor.
— E o que eu faço para me livrar disso?
— As memórias são cruciais. Se você baixar a guarda, sem saber a origem, não poderá se livrar dele. Vai ver foi até por isso que ele roubou suas memórias. Ele pode ser o espírito amaldiçoado de alguém que você conheceu ou até mais que isso.
— Como o que?
— Pode ter sido amaldiçoada por um objeto. — Maki disse ainda pensativa.
— Tá explicado porque o sensei Gojo tá no seu caso. É de nível especial.
Eu forçava a mente, mas não me lembrava de nada. Nada que pudesse ajudar. Apenas o nome: Daisuke Fushi. Eu balancei a cabeça tentando não pensar em nada disso e foquei na conversa com Maki e Nobara.
— E os meninos?
— Estão numa missão. — Nobara disse abrindo uma embalagem de mochi.
— O Itadori e a Nobara estão namorando.
— Maki! — Nobara disse e logo suas bochechas ficaram vermelhas. — A gente tá só se conhecendo.
— Vocês combinam...
Maki olhou para mim e ergueu uma sobrancelha e depois deu um sorriso malicioso. — Não ouviu meu conselho, né?
— Eu? Do que está falando? — Despistei sentindo o queimar das bochechas.
— Eu avisei que ele tinha uma fama ruim.
— Ele disse alguma coisa?
— Eu só joguei verde... — Maki abriu um sorriso debochado. Eu tinha caído feito uma pata.
— Espera! Você deu uns pega no professor? — Nobara disse surpresa.
Eu soltei um suspiro pesado. Parecia estar escrito na minha testa. — É... meio que isso.
— Eu te avisei que ele não presta. Eu nunca vi ele levar mulher nenhuma a sério. Nem o Megumi que foi praticamente criado por ele. Fora as vezes que as mulheres veem ele na rua e ele finge que nem conhece e elas saem chorando. Ou ele manda um: "eu não te prometi nada.".
— Eu vou ter que entender isso em algum momento. — Respondi cabisbaixa. Embora minha mente e meu coração estivessem gritando. Como se eu já não tivesse problema o suficiente.
— Ele gosta mesmo é daquele amigo cabeludo dele que por sinal também é um gato. Até achei que eles eram um casal. — Nobara disse com um olhar que me deu medo de perguntar em que ela estava pensando.
— É outro sem vergonha! — Maki rebateu.
Eu ouvi as duas conversando e minha mente pensava mais em Kurogiri do que em qualquer outra coisa. Eu queria me livrar dele. Entender o que havia acontecido. Os meus sentimentos por Satoru tinham que ser deixados de lado. Mesmo que doesse no lugar mais profundo da minha alma.
Ouvi o abrir da porta e a imagem da minha mãe surgiu e a sensação de alívio tomou conta de mim.
— Mãe!
— Vamos, Nobara! — Maki disse se levantando. — Tchau Akira!
— Tchau meninas, obrigada pela visita. — Eu me levantei e dei um abraço apertado na minha mãe. Queria ficar ali para sempre. Minhas lágrimas molharam a blusa dela e eu chorava de soluçar.
— Fiquei tão preocupada... — Ela disse também chorando.
— Me desculpa, mãe. Vem, senta aqui.
Ela sentou-se na cadeira ao meu lado. Ela parecia tão abatida. Eu senti lá no fundo do meu coração tudo aquilo que aconteceu. Ela não tinha culpa de nada.
— O senhor Gojo mandou me buscar logo que você desapareceu.
— Ele já desconfiava? — Ela desviou o olhar. — Mãe, precisa me contar tudo, por favor.
— Eu não sei de muita coisa.
— Sabia que meu pai era um Feiticeiro?
— Sabia.
— Como ele morreu de fato?
— Uma missão... Ele foi atrás de uma moça que alegava que os pais haviam a amaldiçoado. Ele morreu lá em combate. Mas o senhor Gojo suspeita ser a mesma maldição que está te atormentando.
Eu senti um calafrio percorrer meu corpo. — Que?
— Minha memória também não está das melhores. O que levou o senhor Gojo a acreditar ser a mesma maldição.
— Meu irmão?
— Eu desconfiei dele. Já faz um tempo que ele tem agido estranho. Quando perguntava sobre a faculdade, sempre tinha uma desculpa. O senhor Gojo pediu que investigassem e não havia faculdade nenhuma.
— E minha irmã?
— Nunca teve uma irmã. Eu não tenho nenhum registro, nem foto.
— Isso é pior do que eu pensava. E o acidente? Tive lembranças de um acidente.
— A família Fushi tinha uma cabana nas montanhas. Pareciam tão felizes. Você e seu irmão foram para lá, mas daí aconteceu uma explosão perto do rio. Quando os bombeiros chegaram, a família estava morta na cabana, você, Kyo estavam feridos e Daisuke... estava morto. Você nunca se lembrou sobre o que de fato aconteceu. E seu irmão começou a agir estranho desde aquela época.
Tudo parecia se encaixar, mas ainda faltavam peças nesse quebra-cabeças. — Isso tudo parece tão estranho. E o que aconteceu quando meu pai morreu?
— Bom... eu tive muitas dificuldades. Depois você entrou em coma e tudo ficou ainda pior. Eu tive que ficar com você o tempo todo.
— Mas como você fez, mãe? Normalmente não há necessidade de que fique o tempo todo no hospital.
— Eu ia todos os dias e passava a noite com você, durante o dia um feiticeiro ficava na porta para te proteger. E às vezes à noite também.
— Por que? Já desconfiavam do Kurogiri?
— Em partes sim, mas foi um pedido dele.
Eu encarei minha mãe com as sobrancelhas franzidas e fiquei um tempo em silêncio pensativa. A quem minha mãe se referia? — Quem mãe?
— Ele pediu para não te contar.
— Mãe, por favor. Eu preciso saber de tudo.
— O Senhor Gojo bancou tudo. O hospital, as despesas de nossa casa. Tudo.
— E meu irmão?
— Ele sumiu por um tempo e depois voltou todo estranho. Ele não aceitava a ajuda do senhor Gojo, eu disse que não tínhamos opção, aí ele... saiu de casa e sumiu por um bom tempo.
— Como o Satoru soube sobre meu coma.
— Eu liguei para ele. — Minha mãe me dizia desconcertada. Dava para ver nos olhos dela toda a tensão em falar sobre aquilo.
— Eu não estou entendendo mais nada.
— Ele sempre se dispôs a ajudar. Principalmente depois da morte de seu pai. Afinal, ele também é um feiticeiro. Quando você entrou em coma, eu liguei para ele. Chegou aqui praticamente no mesmo dia. Ele ficou aqui ao seu lado por um bom tempo, tentou trazer você de volta, trouxe outros feiticeiros para ajudar, mas infelizmente não conseguiu trazer você de volta.
— Por que, mãe? Para que ele precisa fazer tudo isso? — Eu disse sentindo meu coração cada vez mais acelerado. Eu sentia tantas coisas ao mesmo tempo que nem ao menos sabia distinguir.
— Eu disse a ele que você era muito jovem, que tinha só 17 anos naquela época, e ele já era um homem de 26 anos. Mas parecia ser um homem decente.
— Jovem... para quê, mãe?
— Para namorar, filha. Uma semana antes do coma, ele veio até nossa casa com você. Ele me pediu permissão para te namorar.
— Que? — Todas as minhas convicções caíram por terra. Nada do que eu achava ou acreditava fazia mais sentido. Ele tinha sido apagado da minha mente? O que significava tudo aquilo? Eu sentia como se o mundo inteiro estivesse pequeno demais naquele momento. Tantas coisas escondidas de mim, tantas mentiras. Tudo parecia tão irreal. Que no fim... eu só desejava ter simplesmente desaparecido deste mundo.
— Filha... eu não quis mentir para você. Foi um pedido dele. Quando você voltou do coma e não se lembrava de nada, eu liguei para ele, mas ele pediu que não contasse sobre vocês. Que seria muita bagunça para sua mente.
— Quando ele foi à nossa casa naquele dia...?
— Eu que liguei.
— Por isso nem hesitou em me mandar junto com ele.
— Filha... eu também não queria nada disso. Eu juro para você. Ele pediu e eu deixei. Vocês pareciam se gostar. Quando você começou a agir estranha, eu entrei em contato com ele. Mas aí já era tarde demais. Ele ficou genuinamente preocupado com você.
Eu me levantei da cama sem nem me importar com a calça de moletom cinza e a camiseta branca e segui para fora do quarto. Minha mãe se virou preocupada:
— Onde você vai, filha?
— Tomar um ar.
Era informação demais para um dia só. Eu descobri que meu irmão não era meu irmão, que a irmã que tive nunca existiu, que meu pai estava há 3 anos morto e o cara que eu pensei ter conhecido esses dias estava pedindo permissão para namorar comigo. Sem contar no gato que era um obsessor, e o ex-namorado que eu só tinha beijado uma vez. Tudo era confuso demais. Eu mal conseguia respirar direito. Saí dos dormitórios andando devagar e sem rumo. Nem me dei ao trabalho de calçar os sapatos. Eu só queria... andar. Ir para bem longe de toda aquela bagunça.
— Onde você vai? — A voz de Satoru me fez parar onde estava, mas eu não quis olhar para ele. Ainda estava processando tudo que tinha descoberto.
— Não vou fugir...
— É bom mesmo.
— Minha mãe já deve ter te contado, imagino. Ela te conta tudo, né?
Ouvi ele se aproximar devagar. Eu sentia meu coração bater tão forte que parecia que ia sair pela boca. Ele tocou meus ombros devagar e me virou para ele. Estava sem os habituais óculos, olhando para mim com aqueles olhos azuis. Como pude esquecer? Aquele olhar que me derretia inteira.
— Precisamos conversar. — Ele disse sério.
— Você sabia de tudo? Esteve comigo no coma, esteve comigo antes? Por que eu não me lembro de nada?
— Sim, é tudo verdade.
— Como? Você morava em Tokyo e eu em Hokkaido, quando aconteceu? Eu tinha 17 anos! E... você lembrava de mim criança? Você é algum tipo de pervertido?
— Calma... Vamos sair daqui... — Com o teletransporte, tudo ficava mais fácil. Em questão de segundos estávamos na sala de um apartamento.
— Onde estamos?
— Meu apartamento.
— Pensei que morasse na escola.
— Eu preciso de um lugar para quando quero ficar de boa.
— E trazer mulheres? — Eu disse cruzando os braços. Ele se aproximou de mim e me pegou no colo. — O que está fazendo?
— Vai lavar esses pés.
— E você? Tá de sapatos!
— Não estou encostando no chão.
— Só tem gente maluca na minha vida!
Ele me colocou sentada na banheira e com delicadeza molhou meus pés com o chuveirinho. Em seguida ele tirou os próprios sapatos e aí realmente o vi tocar o chão. Ele voltou depois já calçado com a pantufa e me entregou outro par de pantufas que ficavam enormes nos meus pés. Pelo menos não eram de alguma mulher. Eu nem sabia porque tinha tantos ciúmes.
— Vem, vamos conversar.
— Sobre o que? É só me responder as minhas perguntas.
— Não quer saber quando começamos? — Ele disse, me olhando de forma despretensiosa.
Eu levantei meio desconfiada e o segui. Eu queria saber de tudo. Preencher todas as lacunas da minha mente. Dependendo do que ele dissesse talvez fosse o sinal para eu desistir dele de uma vez, mesmo que meu coração dissesse o contrário.
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