19 - Projeção Astral
Acordei atordoada num quarto de hospital, o cheiro de desinfetante e o som distante de máquinas me cercavam. Olhei ao redor, tentando entender onde estava. Uma enfermeira se aproximou e disse gentilmente:
— Tente se mexer pouco, você está segura agora.
— Onde estou? — perguntei, a voz fraca.
— Você está no Hospital Central de Hachioji, próximo ao Monte Odake — respondeu ela, com um sorriso tranquilizador.
— Eu preciso ir — insisti, tentando me levantar, mas a dor me fez desistir rapidamente.
— Você precisa descansar. Antes de qualquer coisa, deve ligar para alguém. Tem algum familiar que possamos contatar? — perguntou a enfermeira, preocupada.
— Não, não tenho ninguém — respondi, sentindo um nó na garganta.
A enfermeira me olhou com compaixão e disse:
— Tudo bem, vamos cuidar de você. Mas, por favor, descanse um pouco. Você passou por muita coisa, aqui é o Minano Hospital, sou a enfermeira Shin. Qual seu nome?
— Eu... — Não podia dizer. Estava com medo e desconfiada de todos. — Não me lembro.
— Tá, descanse.
Assenti, sentindo as lágrimas começarem a escorrer. Não tinha celular, nem número de ninguém de cor, não estava com meus documentos e para piorar o risco de Kurogiri aparecer era grande demais.
Daisuke Fushi
Qual seria a conexão com Kurogiri? Isso martelava a minha mente sem parar. Eu tinha que sair dali. Eu tinha que fugir dali, nem sabia quanto tempo estava naquele lugar. Tirei o lençol de cima de mim e vi a perna enfaixada. Ajeitei a camisola hospitalar e me sentei na cama tentando apoiar o meu pé no chão.
Quando firmei meu corpo para levantar, mas a dor na perna me fez cair no chão. Eu ouvi passos vindo do lado de fora, a enfermeira conversava com alguém.
— ... Ela diz que não se lembra do nome, mas pelas descrições parece ser a moça que o senhor mencionou. Ela veio para cá quando a resgataram do monte Odake na noite passada.
Meu coração começou a acelerar. O medo de ser Kurogiri me consumia. Ele tinha me achado? Iria me prender de novo? Eu apoiei meu corpo sobre os cotovelos. A cabeça zonza, a perna ainda mais dolorida, as queimaduras, embora leves, incomodava muito. Olhei para a janela, me arrastei até lá e me escorei na poltrona, erguendo com esforço numa perna só. A janela não estava trancada, mas estava no quarto andar. Eu não iria sobreviver aquela queda. Mesmo assim, era melhor do que ficar presa de novo.
Ouvi o destrancar da porta, eu subi na poltrona e passei uma perna enquanto a outra latejava de dor. Era só pular...
— Akira! — Eu me virei na mesma hora e senti meu coração aquecer com uma sensação de alívio.
— Kyo? — Eu confesso que não imaginei meu irmão ali naquele momento, mas fiquei muito feliz em vê-lo. Senti uma sensação de alívio.
— Conhece ele, moça?
— Sim, ele é meu irmão.
Kyo correu até mim na janela e me ajudou a descer. — Vem, desça daí.
Kyo me pegou no colo e me levou até a cama e ajeitou o travesseiro. Eu olhei para ele sorrindo para mim e fiquei o observando por alguns instantes. Ele parecia um desconhecido para mim. Eu não sabia mais nada dele e mesmo assim ele estava ali me ajudando.
— Não se mexe, pode piorar a perna. Não chegou a quebrar, mas está com o osso trincado.
— Como descobriu que eu estava aqui?
— Eu estava na cidade. Aí soube que você estava desaparecida e saí a sua procura. — Eu olhei bem para ele, tinha algo nele que me parecia... diferente.
— O Satoru ligou para minha mãe?
— Ligou. — Ele disse se sentando na poltrona ao meu lado.
— Você sabe quem é ele?
— Ele não é seu professor? A mamãe contou para mim.
— E por falar nela, quando ela vem?
— Eu vou ligar para ela ainda. Acabei de te encontrar.
— Entendi...
— Soube exatamente o hospital. É muita sorte, né? — Eu disse franzindo a sobrancelha.
— É muita sorte mesmo.
— Pensei que estivesse com raiva de mim.
— É só que você disse coisas ruins para a mamãe. Mas somos irmãos e eu te amo.
— Também te amo.
— Eu vou ver com a enfermeira como está a sua situação, se já pode ganhar alta e já volto.
— Tá bom. — Eu vi ele se levantar e seguir até a porta. — O Satoru?
Ele parou bruscamente e perguntou sem olhar para trás. — O que tem ele?
— Ele disse alguma coisa? Quando ligou para a minha mãe?
— Só que você tinha optado por fugir e que você não é mais responsabilidade dele.
— Entendi. — Eu respondi cabisbaixa. — Eu acho que perdi meu celular. Aliás, você não me perguntou o que aconteceu comigo. O que eu estava fazendo lá...
Ele hesitou e virou o rosto lentamente me olhando por cima dos ombros. — Você já tem tantos traumas, Aki. Eu não queria te forçar a nada.
— Entendi.
— Eu já volto.
— Tá.
Esperei ele sair e me sentei na cama de novo. Eu levantei com dificuldade e segui escorando nas paredes até a porta e abri uma fresta. Não havia ninguém do lado de fora aparentemente. Eu tinha que dar um jeito de sair dali.
Eu respirei fundo, tentando acalmar meu coração acelerado. A dor na perna era intensa, mas a vontade de escapar era maior. Olhei ao redor do quarto, procurando algo que pudesse me ajudar. Não havia nada.
Com cuidado, abri a porta um pouco mais e espreitei o corredor. Ainda vazio. Saí do quarto, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Cada passo era uma tortura, mas eu não podia desistir agora.
Cheguei ao final do corredor e vi uma escada que descia para o andar de baixo. Descer aquelas escadas seria um desafio, mas eu não tinha outra escolha. Segurei o corrimão com força e comecei a descer, um degrau de cada vez, tentando ignorar a dor lancinante.
Quando finalmente cheguei ao andar de baixo, ouvi vozes vindo de uma sala próxima. Me escondi atrás de uma coluna e espiei. Duas enfermeiras estavam conversando, mas não consegui entender o que diziam. Esperei até que eles se afastassem e continuei meu caminho, procurando uma saída.
Finalmente, vi uma porta que dava para o exterior. Meu coração deu um salto de esperança. Com todas as forças que me restavam, corri até a porta e a empurrei. A luz do sol me cegou por um momento, mas eu continuei andando apressada, mancando, lutando contra a dor, sem olhar para trás.
— Ei! Espera! Volta aqui moça! — Dois enfermeiros me viram. Eu comecei a andar mais rápido ainda mancando. Eu não iria muito longe daquele jeito.
Rapidamente um deles me alcançou. Eu tentei fugir, mas a dor na perna só piorava.
— Por favor! Eu preciso ir!
— Não moça, precisa se recuperar.
— Não! Me deixa ir!
Um dos enfermeiros me jogou sobre os ombros e me levou até a portaria e me colocou numa cadeira de rodas e me levou de volta para o hospital. Kyo veio correndo na minha direção.
— Akira! O que você fez? Estava... Fugindo?
— Eu quero ver a minha mãe e... o Satoru.
— Aki, tem que se preocupar com você primeiro. Eu já liguei para a mamãe, não vai ter jeito de ela vir ainda, mas eu vou levar você pra casa. Já o Satoru... Ele não quer saber de você.
— Quero ouvir isso da boca dele.
— Tudo bem... mas talvez você se decepcione... vou continuar tentando falar com ele.
A enfermeira empurrou a cadeira conversando com Kyo. Ele disse que eu tinha passado por muitos traumas e pediu para ter paciência. Eles me levaram de volta ao quarto. Ele se aproximou de mim e me deu um beijo na testa.
— Vai ficar tudo bem, tá? Vou falar com a enfermeira para deixar eu te levar para casa.
Eu senti meu lábio tremer e senti uma sensação nauseante. Eu olhei para ele com as sobrancelhas franzidas. — Você... não é meu irmão...
O sorriso dele sumiu do rosto e sua expressão amena se transformou. Seus olhos antes verdes como os meus ficaram avermelhados e ele deu um sorriso fino.
— É uma garota esperta... — Ele escorou o braço em cima da minha perna machucada e senti uma dor horrível. — Mas você não pode fazer nada...
— Como... me achou?
— Segui seu rastro e aproveitei que a velha moribunda está fraca.
— E o que vai fazer comigo, Kurogiri?
— Você é minha. Não vai a lugar nenhum sem mim. Com a perna desse jeito não vai nem ali na esquina e não se esqueça da sua pobre mãe.
— E o meu irmão?
— Chega de conversa.
— Kurogiri! Meu irmão?
Ele não me deu ouvidos e virou as costas. Eu tinha que fugir dali. Olhei para janela e a ideia mais absurda veio à minha mente.
— Kageba?
O espectro da velha surgiu diante de mim. Estava tão fraca que sua imagem mal podia ser vista. — Não posso te ajudar com muita coisa. A última batalha que tive com ele me deixou muito fraca. Mas se for da sua vontade, eu farei.
— Eu preciso ver o Satoru, falar com ele. — Eu disse sussurrando.
— Não sabe o número de cor?
— Não tenho lembranças do dia anterior, quem dirá isso.
— Pode usar projeção astral... Eu posso guiar você para que não fique perdida e te proteger de espíritos malignos durante a travessia.
— Eu aceito.
— Teremos riscos.
— Prefiro isso a ficar aqui com ele.
— Então, feche os olhos e concentre-se. Vou puxar você.
Fechei os olhos, tentando ignorar a dor e o medo. A voz de Kageba era um sussurro distante, mas eu me agarrei a ela como uma tábua de salvação. Senti uma leveza tomar conta do meu corpo, como se estivesse flutuando. Quando abri os olhos novamente, estava em um lugar completamente diferente.
O hospital havia desaparecido, e eu me encontrava em um campo vasto e nebuloso. Kageba estava ao meu lado, sua forma espectral mais definida agora.
— Siga-me, Aki. — disse ela, começando a flutuar pelo campo. Eu a segui, sentindo uma estranha mistura de medo e esperança.
Enquanto caminhávamos, sombras escuras começaram a se formar ao nosso redor. Kageba estendeu a mão, criando uma barreira de luz que mantinha os espíritos malignos afastados.
— Não temos muito tempo. — ela disse, a voz tensa. — Precisamos ser rápidas.
Acelerei o passo, e de repente senti Kageba me segurar pelo braço e estávamos flutuando por Tokyo.
— Como achar ele numa cidade tão grande?
— Concentre-se nele, na sua energia.
— Eu não sei sentir nada disso!
— Pense na energia como fios coloridos.
Eu fechei os olhos e me concentrei. Quando os abri vi uma infinidade de fios de cores vibrantes. Eu mentalizei a energia de Satoru. Era uma energia quente, vibrante. Vi uma linha espessa de cor azul clara extremamente brilhante.
— Ali! — Apontei para a frente e seguimos a linha até o monte Odake onde eu estava. Ele conversava com Ijichi. Eu me aproximei devagar, eles poderiam me ver naquela forma, eu torcia para isso. Fiquei atrás de uma árvore enquanto eles conversavam bem onde antes tinha a cabana que agora estava totalmente queimada cercada de fitas amarelas.
— Nem sinal dela? — o som era abafado, mas ainda dava para ouvir.
— Não, a cabana queimou completamente, mas não há sinais de ninguém na cabana.
— Deu para ver o incêndio da escola jujutsu. Eu vim o mais rápido que pude, mas não encontrei ela. — A voz dele era de preocupação, estava mesmo me procurando.
Kageba me deu um empurrão. — Precisa se apressar. Se Kurogiri desconfiar, ele te acorda e aí te puxa de volta. Ou as criaturas pegam você.
— Certo. — Eu me aproximei mais. — Satoru!
O som parecia abafado do meu lado também. Ele continuava conversando com Ijichi.
— Peça para ver com os bombeiros se resgataram algumas vítimas e... — Ele parou de falar e olhou por cima dos ombros. Eu continuava a chamar o nome dele.
— O que foi? — Ijichi perguntou.
Satoru tirou a venda e olhou na minha direção, mas parecia ainda não me ver. Ele estreitou os olhos e pude ver suas pupilas brilhando.
— Akira?
— Ela tá aqui? — Ijichi disse apavorado.
— Espera. — Satoru ergueu a mão para que Ijichi parasse de falar e continuou me olhando, dessa vez para meus olhos. Ele estava me vendo, finalmente. — Onde está?
— Num hospital. Minano Hospital.
— Ele tá com você?
— Sim!
— Está ferida?
— Perna machucada. Vem rápido!
Senti algo me puxar. Olhei para trás e a corrente que me prendia ao meu corpo estava esticada. Eu só senti o puxão de volta. Kurogiri tinha descoberto.
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