15 - Rainha da impulsividade

Eu ouvi o som de gotas caindo. Acordei com um sobressalto, sentindo o coração bater acelerado no peito. Olhei ao redor e percebi que estava em um lugar completamente desconhecido. As paredes estavam cobertas de mofo, e o cheiro de umidade era sufocante. O quarto parecia abandonado há muito tempo, com móveis quebrados e poeira acumulada em cada canto.

Levantei-me lentamente, tentando entender onde estava. A última coisa de que me lembrava era a discussão acalorada com Satoru. As palavras duras que trocamos ainda ecoavam na minha mente. Em um impulso, fugi com Kurogiri, buscando um refúgio para minha confusão e tristeza.

Ali, sozinha naquele quarto sombrio, o medo começou a tomar conta de mim. Eu senti um nó se formar na garganta. A sensação de estar perdida e desamparada era esmagadora. Tentei abrir a porta, mas estava trancada. O pânico começou a crescer dentro de mim. 

— Kurogiri! — chamei, minha voz tremendo. — Onde você está?

De repente, uma sombra se moveu no canto do quarto. Meu coração quase parou quando vi Kurogiri emergir das sombras, seu olhar sério e preocupado.

— Você está bem? — ele perguntou, aproximando-se de mim.

— Onde estou?

— Num lugar seguro.

— Por que a porta está trancada? — Perguntei dando um passo para trás.

— Não precisa ter medo. Está segura aqui. — Kurogiri tinha os olhos vermelhos agora. Seu cabelo estava ainda mais longo do que eu me lembrava. Diferente de antes, eu não parecia segura e confortável ao lado dele. Eu estava tensa.

— Claro. — Eu olhei ao redor do quarto e depois tateei pelos bolsos do moletom. — Viu meu celular?

— Você não precisa de celular. 

— Eu quero falar com a minha mãe.

— Ela mentiu para você. Todos eles mentiram. — Ele disse me encarando sério, eu engoli seco e me sentei na cama ainda desconfiada. 

Kurogiri se aproximou lentamente, seus olhos vermelhos brilhando na penumbra do quarto. Ele se ajoelhou na minha frente, segurando minhas mãos com firmeza, mas de maneira gentil.

— Eu sei que é difícil de acreditar, mas estou aqui para te proteger — ele disse, sua voz suave, mas carregada de urgência. — Há coisas que você ainda não entende, mas prometo que vou te explicar tudo.

Eu puxei minhas mãos de volta, sentindo a desconfiança crescer dentro de mim. — Explicar o quê? Por que eu deveria confiar em você agora? Todo mundo diz que você é mau.

Kurogiri suspirou, passando a mão pelo cabelo. — Porque eu sou o único que pode te ajudar a descobrir a verdade. Satoru e os outros... eles têm segredos que você nem imagina.

— Que segredos? — perguntei, minha curiosidade lutando contra o medo. — Já não basta tudo que ele já fez?

Ele hesitou por um momento, como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas palavras. — Segredos sobre quem você realmente é. Sobre o seu passado. Sobre o seu pai.

Aquelas palavras me atingiram como um golpe. — O que meu pai tem a ver com isso?

— Você ouviu... seu pai era um Feiticeiro. Você não quer saber como ele morreu de fato?

— E se eu não quiser saber? — minha voz saiu mais fraca do que eu pretendia.

— Você precisa saber — ele insistiu, seus olhos fixos nos meus. — Porque sua vida depende disso.

— Meu pai teve um infarto.

— Isso foi o que lhes disseram. E veja só, aquele homem que te conhecia, sabia sobre seu pai, sua mãe foi cúmplice.

— E minhas memórias?

Ele se aproximou de mim e tocou meu rosto. — Eu as roubei.

O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado de tensão. Eu engoli em seco e olhei ao redor mais uma vez, não tinha saída, janelas e porta trancadas. Meu olhar encontrou o dele que parecia sério, olhando friamente para dentro da minha alma.

— Por que? Roubou parte de mim!

Kurogiri manteve o olhar fixo no meu, mas agora havia uma frieza calculada em seus olhos. — Eu fiz isso para te proteger, mas também para garantir que você fizesse o que eu preciso.

— Proteger de quê? — perguntei, minha voz tremendo. — O que poderia ser tão terrível?

Ele deu um sorriso frio, quase cruel. — Há forças que você não entende, forças que querem te usar. Mas eu também tenho meus próprios planos para você.

— Que planos? O que vai fazer comigo?

— Você precisa pensar, Aki. Fiz tudo para te proteger! E você age com essa ingratidão! EU TIREI VOCÊ DE LÁ! 

— Roubou as minhas memórias!

— MEMÓRIAS TRISTES E DOLOROSAS! Você estava infeliz, Akira! Eu salvei você! E agora porque encontrou aquele cara, acha que não precisa mais de mim! 

— ERAM AS MINHAS MEMÓRIAS! VOCÊ NÃO TINHA ESSE DIREITO!

Ele segurou meu rosto apertando minhas bochechas com os dedos. — Você me chamou, lembra? Pediu ajuda e eu fui ajudar. Como eu faço todas as vezes. Só porque tem ele agora acha que não precisa de mim? Ele não quer você, queria só arrancar o seu cabaço e te deixou! Sua mãe mente para você, seu irmão, sua irmã, ninguém quer você! Seus colegas de classe te odeiam! Não tem lugar para você, se não for comigo!

Ele soltou meu rosto que já doía onde ele apertava. Eu chorava sem parar. Onde eu tinha errado? Confiei nele na hora do desespero, e agora estava ali à mercê dele.

— Devolva minhas memórias... — Disse com a voz trêmula.

— Nunca. Não precisa delas. Vai fazer memórias novas, comigo...

— Eu preciso saber quem sou. Preciso me lembrar. Por favor.

Seus olhos vermelhos brilhavam na penumbra do quarto, e um sorriso enigmático surgiu em seu rosto. Sem uma palavra, ele se virou e começou a caminhar em direção à porta.

— Kurogiri, espere! — gritei, minha voz cheia de desespero. — Você não pode me deixar aqui!

Ele parou por um momento, a mão na maçaneta, mas não se virou para me encarar. — Você vai entender tudo em breve — disse ele, sua voz fria e distante. — Até lá, fique aqui e pense sobre o que realmente quer.

Com essas palavras, ele sumiu nas sombras. O pânico começou a crescer dentro de mim. Corri até a porta e tentei abri-la, mas estava trancada. Bati na madeira, gritando por ajuda, mas não houve resposta. As paredes cobertas de mofo pareciam se fechar ao meu redor, e o cheiro de umidade se tornou ainda mais sufocante.

Sentei-me no chão, abraçando meus joelhos, enquanto lágrimas escorriam pelo meu rosto. A sensação de estar perdida e desamparada era esmagadora. Eu não sabia em quem confiar, e a única pessoa que poderia me dar respostas havia me deixado sozinha.

Queria ver Satoru. Eu ainda estava com raiva dele, mas queria que ele me abraçasse forte naquele momento e sentir os braços dele me envolvendo. Deitei na cama e chorei. Não devia ter chamado Kurogiri.

Merda! Eu e minha impulsividade.

A tristeza profunda me envolveu como um manto pesado enquanto me lembrava de tudo que havia perdido quando Kurogiri roubou minhas memórias. Fragmentos de momentos felizes, rostos familiares e risos compartilhados estavam agora envoltos em uma névoa impenetrável. A dor de não conseguir me lembrar de detalhes importantes da minha vida era esmagadora.

Satoru. A falta que ele me fazia era como uma ferida aberta que nunca cicatrizava. Eu me lembrava vagamente do calor dos braços dele ao meu redor, da segurança que sentia quando ele estava por perto. Agora, tudo o que restava eram sombras e um vazio que parecia crescer a cada dia.

Sozinha no quarto, chorei silenciosamente, as lágrimas escorrendo pelo rosto sem controle. A sensação de desamparo era sufocante. Levantei-me de repente e corri até a porta, batendo com força, gritando por ajuda. Mas a única resposta era o eco da minha própria voz. Tentei girar a maçaneta, mas estava trancada. Desesperada, corri até a janela e olhei para fora, mas a escuridão lá fora parecia tão impenetrável quanto a que sentia dentro de mim.

Quando estava prestes a desistir, exausta e sem esperança, ouvi uma voz familiar. 

— Parece em apuros, menina.

— Kageba? — sussurrei espantada. — Eu estou sonhando? — Olhei ao redor preocupada. — Você nunca apareceu assim do nada.

— Está em apuros. Eu tenho que aparecer... Eu disse que ele era perigoso.

— Eu não sei mais o que pensar.

— Então se salve sozinha. — Ela se sentou na cama e ficou lá me olhando debochada.

Eu soltei um suspiro pesado e levei as mãos à cabeça. — Meu pai era um Feiticeiro, Satoru não quer nada comigo. Kurogiri roubou minhas memórias, eu não tenho amigos, machuquei pessoas. Eu não sei o que fazer!

— Tem que tomar as rédeas da sua vida. Chegar até Sakura antes dele e deixar que ela conte tudo para você. De como chegou até lá.

— Você tem que me contar! Se era meu poder devia saber!

— Eu não posso! Você fez um pacto com ele, lembra?

— Lembro! Mas o que eu posso fazer?

— Eu posso tentar te ajudar.

— Não me venha com mais pactos. Já estou escaldada.

— Então se vire. E se tiver de planejar algo... — Ela parou bruscamente o que dizia e me olhou séria. — Ele sabe que estou aqui.

— Merda! O que eu faço?

— Se me quiser de volta, vamos ter que renovar nosso pacto. 

— Estou cheia disso! — Disse apertando os punhos. — Tá! Como? 

— Repita as palavras com as mãos espalmadas juntas uma na outra na horizontal para frente e faça assim com os dedos. Chama-se manipura mudra. — Ela fez o gesto com as mãos. — Vai dizer: Chi, Kiiro, interia, yakedo, Ririsu. Conseguiu gravar?

— Sim!

— Assim que puder, estarei pronta!

Não deu tempo de falar mais nada, Kurogiri surgiu das sombras no mesmo instante. Ele olhou para mim com os olhos vermelhos brilhantes e franziu o cenho.

— Com quem estava falando?

— Ninguém.

— Aquela velha estava aqui? Eu tentei tirar ela de você, mas parece que o vínculo de vocês é bem forte.

— Não tem ninguém aqui. — Eu disse encolhendo os ombros.

— Ah... — Ele ergueu uma sacolinha. — Trouxe comida e água. Deve estar faminta.

Eu dei um sorriso forçado e aceitei a refeição. Sentei-me na cama e ele ficou em pé ao lado da porta. Se estivesse fraca eu não poderia fazer nada. Ele trouxe oniguiri, suco de maçã e alguns bolinhos. A sacola era de uma loja de conveniência de Tokyo o que me levava a crer que talvez eu ainda estivesse lá. Mas considerando o poder dele, eu poderia estar em qualquer lugar do Japão.

— Quando eu vou poder sair daqui? — Eu disse olhando para ele de soslaio.

— Quando você entender que tudo que fiz foi por você!

— O que você é, exatamente?

— Sou seu familiar.

— Não. Você não é. Familiares não roubam memórias e nem sequestram as pessoas a quem tem vínculo.

Ele deu um murro na parede que quase abriu um buraco. Eram paredes de concreto, e mesmo assim ela quase se quebrou com o golpe que ele deu. Seus olhos pareciam ainda mais brilhantes e ele rosnou de raiva.

— Por que? Eu faço tudo por você! E você quer ir para longe de mim! Tudo porque ele pode tocar em você e eu não? 

Eu respirei fundo, tentando manter a calma diante da fúria de Kurogiri. Seus olhos vermelhos brilhavam intensamente, refletindo a raiva que ele sentia.

— Não é isso, Kurogiri. — Eu disse, tentando escolher as palavras com cuidado. — Eu só quero entender o que está acontecendo. Por que você está fazendo isso?

Ele se aproximou, sua presença sombria preenchendo o quarto. A tensão no ar era palpável.

— Eu já disse, tudo que faço é por você. — Ele repetiu, sua voz carregada de emoção. — Você não entende agora, mas um dia vai entender.

Eu olhei para ele, tentando encontrar alguma verdade em suas palavras. Mas tudo que eu via era um abismo de mistério e dor.

— E se eu nunca entender? — Perguntei, minha voz quase um sussurro.

— Vai ter que entender, Akira, porque se você não for minha, não vai ser de mais ninguém.

Enquanto Kurogiri falava, uma onda de arrependimento e medo tomou conta de mim. Eu o observei, impotente, enquanto ele desaparecia nas sombras mais uma vez. Se eu pudesse voltar atrás, teria ouvido Satoru. Ele sempre me avisou sobre os perigos de confiar cegamente em Kurogiri.

Agora, ali sozinha, com a escuridão se fechando ao meu redor, eu tinha certeza de que minha vida estava por um fio. Cada decisão que eu tomava parecia me levar mais fundo em um abismo de incertezas e perigos. Eu precisava encontrar uma saída, mas o caminho parecia cada vez mais sombrio e incerto.



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