12 - A mentira pode ser doce, mas a verdade é dolorosa

Acordar ao lado de Satoru era uma sensação muito boa. Me espreguicei e olhei para ele completamente nu do meu lado e tive que me beliscar para ter certeza. Ele abriu os olhos devagar e deu um sorrisinho manhoso.

— Bom dia, meu anjo. — Ele me deu um beijo suave nos lábios.

— Bom dia...

— Vamos tomar um banho e depois tomar um café, que você acha?

— Com você? Eu topo tudo. — Ergui o edredom e vi a mancha vermelha no lençol e olhei para Satoru assustada. — Isso é... sangue?

— Isso é normal. — Ele passou a mão atrás do pescoço. — Então... era virgem mesmo.

— Não faz essa cara ou vou achar que você não gostou.

— Eu amei. É só que isso é muito importante na vida de uma mulher.

— Eu não lembro de quase nada da minha vida. Estou fazendo novas recordações. Essa vai ser a minha favorita.

Ele sorriu e me estendeu a mão. Em pouco tempo estávamos os dois no banheiro, sentindo a água quente cair sobre nós enquanto ele me beijava intensamente. Senti o azulejo frio nas minhas costas e as mãos firmes dele na minha cintura. Ele me ergueu do chão, eu entrelacei minhas pernas em volta de seu corpo e senti ele dentro de mim outra vez. Queria poder viver ali para sempre. Amar ele para sempre. Ser dele para sempre.

Eu desejei isso de todo meu coração.

Quando saímos do banho, eu vesti o roupão e sentei à mesa para tomarmos café. Ele estava satisfeito, pelo menos era o que parecia, mas também parecia tenso.

— Aki?

— Sim?

— Sobre a sua família?

Eu parei de mastigar o pão e olhei para ele meio desconfiada e depois tomei um longo gole de suco. — Eu... tenho que ir, né?

— Tem coisas que são importantes para você saber e que certamente vão te ajudar a recuperar sua memória.

— Sim.

— Do que tem tanto medo?

— Da rejeição. Você tinha que ter ouvido a voz do meu pai ao telefone.

— Seu pai? — Ele perguntou franzindo a testa. — Ele te ligou?

— Eu que liguei. Acho que ele estava em casa. Ele normalmente tá sempre viajando. Até estranhei.

— Certo... arrume suas coisas. Vou na farmácia e depois vamos até sua casa e depois vamos atrás da Sakura. Vou fazer o check-out do Hotel.

— Não fala para minha mãe sobre a gente, tá? Eu não quero deixar ela preocupada, e nem nada do tipo. Mais do que ela está.

— Sou uma ótima companhia. — Ele deu uma piscadinha.

— Eu sei. Mas ela vai dizer que fui desrespeitosa. 

— Tá bom.

Eu não queria voltar para casa. Não queria mesmo. Mas também não podia ficar a vida toda fugindo. Em algum momento, eu teria de encarar a realidade. 

Quando finalmente cheguei à rua onde cresci, a visão da casa trouxe uma onda de nostalgia e ansiedade. A fachada da casa era exatamente como eu lembrava. As paredes de madeira escura, com trepadeiras verdes e flores coloridas que começavam a desabrochar. As janelas grandes, com suas molduras brancas, estavam abertas, e eu podia ver as cortinas esvoaçando suavemente. O telhado era inclinado e pequenas flores silvestres cresciam nas bordas, trazendo vida ao cenário.

O jardim da frente, que minha mãe sempre cuidava com tanto carinho, estava em plena floração. Tulipas, narcisos e sakuras enchiam o espaço com cores vibrantes e um perfume doce que o vento espalhava pelo ar. A cerca de madeira que cercava a propriedade estava parcialmente coberta por heras.

Enquanto caminhava em direção à porta, uma mistura de emoções me dominava. Eu sentia um nó no estômago, uma combinação de medo e tristeza. Minha relação com minha família estava complicada. Cada discussão, cada olhar de desaprovação, havia se acumulado em meu coração, criando uma barreira invisível entre nós.

Respirei fundo, tentando reunir coragem para dar o próximo passo. Será que eles me receberiam de braços abertos ou com olhares de julgamento? A dúvida corroía minha mente, mas eu sabia que precisava enfrentar meus medos.

— Se quiser voltar, nós voltamos. — Satoru segurou minha mão.

— Eu consigo.

Com a mão trêmula, toquei a campainha e esperei. O som ecoou dentro da casa, e eu podia ouvir passos se aproximando. Meu coração batia descompassado, e eu me preparei para o pior. Quando a porta finalmente se abriu, vi o rosto de minha mãe, e por um momento, o tempo pareceu parar. Seus olhos se arregalaram de surpresa, e eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.

— Akira? 

— Mãe... eu... — Eu não terminei de falar. Ela me envolveu em um abraço apertado. 

— Você veio!

Eu fiquei imóvel, minha mãe estava chorando e eu não sabia como reagir. Minhas mãos paradas ao redor do corpo dela finalmente reagiram e a abracei fortemente.

— Mãe... — eu me aconcheguei naquele abraço. Sentia tanta falta dela.

— Vem! Vamos entrar! Eu fiz mocchi! Seus favoritos com recheio de geleia de morango. Fiz tempura, soba e arroz. 

Minha mãe não parecia a mesma daquele dia. Do dia da ligação. Eu olhei para Satoru que sorriu.

— Vou deixar você com sua mãe... — Eu segurei sua mão firme e praticamente implorei que ele ficasse com o olhar. — Acho que posso ficar mais um pouco.

— Fica mesmo senhor Gojo! Vou colocar um prato para o senhor. Para compensar todo o trabalho que minha filha tem te dado.

Era bom mesmo ela não saber o que eu andava "dando" para ele. Fiquei tão imersa com nossa noite que nem falei para ele sobre o sonho. Mas eu teria tempo de falar depois.

Tiramos os sapatos e entramos em casa. E pensar que há alguns meses eu estava nesta mesma casa xingando o mesmo homem por quem agora morria de amores. Eu era mesmo uma hipócrita.

Nos sentamos à mesa enquanto minha mãe colocava um prato para nós. Ela parecia tão feliz.

— Pensei que não queria me ver... — Eu comecei a dizer buscando as melhores palavras.

— Onde tirou essa ideia? 

— Quando liguei para você, outro dia... parecia que não queria falar comigo.

— É o seu irmão idiota.

— E onde ele está?  

— Na faculdade.

— Ele faz o que mãe?

— Engenharia, eu acho. Ele nunca fala desta faculdade. Às vezes acho que ele está matando aula. Nunca nem vi ele estudando. 

— E a Kaya? 

— Kaya?

— Minha irmã, mãe. 

— Ela tá viajando... — Ela parecia buscar essa informação em algum lugar de sua mente. — Arrumou um namorado em Sendai. Foi passar uns dias com a família dele. — Ela disse sem olhar para mim. Ela colocou os pratos sobre a mesa e depois começou a preparar um chá.

— E o meu pai? — Ela parou a chaleira no ar e ficou em silêncio. — Ele conversou comigo aquele dia.

— Seu pai... conversou com você?

— É mãe. Ele estava aqui, não lembra?

Minha mãe ficou séria e depois olhou para Satoru que virou o rosto. Eu percebi que ela não queria falar sobre isso e continuei comendo. Ela sentou-se junto a nós e ficou olhando para a xícara a sua frente em silêncio.

— Senhora Hatori, nós viemos para conversar. Como te adiantei por telefone, a memória da Akira está comprometida. Talvez tenha algo que possa ajudar.

— A minha também não anda boa. Vou buscar os álbuns de foto! — Minha mãe parecia estar se desviando da conversa. Como se me escondesse alguma coisa. Ela voltou algum tempo depois com vários álbuns de fotos.

Ela me entregou e comecei a folhear. Eu nem me dei conta que o cara que eu estava me relacionando estava vendo minhas fotos de bebê constrangedoras.

— Esse bebê gordinho é você? — Ele disse apontando para uma foto minha no colo da minha mãe.

— Eu era um bebe lindo, tá? Esse aqui é meu irmão.

— Vocês se parecem.

— Parecemos nada. Ele é a cara do meu pai. Por falar nele, olha meu pai. Que bonitão. Engraçado que só tem foto antiga dele aqui. Apesar que eu não me lembro bem como ele está agora.

— Ele é mesmo...

Minha mãe desviou o olhar discretamente e pegou um outro álbum e me entregou. 

— Este aqui é de quando estávamos em Tokyo. Engraçado... Não tem fotos da Kaya aqui. — Minha mãe também parecia em dúvida. Ela olhava as fotos confusa.

Eu peguei o álbum e comecei a ver várias fotos minhas com um garoto de cabelos castanhos e olhos avermelhados. Ele parecia ter a mesma idade que eu e estava em praticamente todas as fotos. Aniversário, acampamento, escola. A gente parecia ter uns 9 a 10 anos.

— Mãe, quem é esse garoto? Ele está em praticamente todas as fotos. 

— É Daisuke, era seu melhor amigo.

— Daisuke?

— Daisuke Fushi. — Minha mãe disse séria. — Vocês viviam grudados.

— Olha... — Eu mostrei a foto para Satoru que não esboçou muita reação.

— Vocês pareciam muito ligados.

— E onde ele está, mãe?

Minha mãe abaixou o olhar e depois olhou para Satoru que manteve a mesma posição. Ela olhou para mim e disse com tristeza no olhar. 

— Ele morreu num acidente, filha. Morreu ainda muito jovem.

— Como isso aconteceu?

— Eu não sei... Vocês foram brincar perto do rio, durante as férias de verão. Vocês foram para uma cabana da família dele nas montanhas. Não se sabe o que aconteceu, ele foi encontrado morto e você voltou muito machucada. Mas nunca se lembrou do que de fato aconteceu.

Eu pisquei algumas vezes. Me lembrei do sonho que tive com Satoru. Pedras, montanhas, som de rio. Eu espantei esses pensamentos e continuei a olhar as fotos.

Você prometeu...

O sussurro no meu ouvido me fez olhar para a janela. De longe vi um menino atrás do poste, tinha cabelos pretos, olhos avermelhados, pele cinzenta, encharcado de água. Daisuke?

— Senhora Hatori, poderia nos dizer como foi os dias antes do coma?

Satoru disse me tirando daquele momento. Minha mãe deu um suspiro pesado e depois fechou o álbum de fotos.

— Foram dias estranhos... A Aki nem parecia ela mesma. Estava sempre distante, irritada. Mal comia, mal dormia. E eu tentei conversar, seu irmão tentou... até que uns dias antes do coma, você deu um ataque de raiva, cortou o cabelo, brigou com todo mundo e depois subiu para o quarto e chutou a porta até quebrar. Disse que nos odiava, que queria sumir, ir para bem longe e já naquela época você falava de um gato.

— O Kurogiri? — Eu perguntei assustada.

— Não dizia o nome, mas você conversava com ele o tempo todo.

— Eu... já conversava com ele?

— Depois veio o coma... — minha mãe estava com a voz embargada. — Eu entrei no quarto porque você não levantou. Eu chamei... chamei... Mas você não acordou. Tinha um cheiro... podre no seu quarto. Pensei que estava morta... Fiquei desesperada. — Ela cobriu o rosto com as duas mãos. 

— Não precisa fazer isso mãe.

— Tá tudo bem. — Ela disse secando as lágrimas. — Chamei o médico aqui, nada. Levamos para o hospital. Nada. Daí você ficou internada. E quando pensei que não podia piorar, quando estávamos no hospital vi um homem rondando o local. Vi ele várias vezes. Cabelos pretos, olhos verdes brilhantes. Que às vezes ficavam vermelhos. Devia ter uns 30 anos, era esguio.

— Ele ficava ao redor do hospital? — Satoru perguntou cruzando os braços.

— Sim. Durante todos os meses. E às vezes, Aki.. você se levantava da cama... isso aí eu contei para o médico, nem para ninguém. Você se levantava, ia até a janela e ficava lá olhando para fora. Não dizia nada, não falava nada. Depois ia até lá e deitava-se de novo e ficava mais um tempo sem se mexer.

— Quantas vezes isso aconteceu? — Satoru perguntou sério.

— Umas três vezes.

Eu ouvia tudo incrédula. Por que ela não disse nada antes? Era o Kurogiri? O que estava acontecendo? Não fazia sentido.

— E o meu pai? — perguntei sentindo a garganta queimar. — Como ele reagiu com tudo isso?

Minha mãe encheu os olhos de lágrimas. Era difícil saber sobre o que ela estava pensando, mas acho que no fundo eu já sabia. Ela desviou o olhar para Satoru e depois olhou para mim com os lábios tremendo.

— Filha... eu juro que não queria dizer isso. A psicóloga disse para não te falar enquanto não estivesse bem 100%. Mesmo depois do coma, você não voltou ao normal. Ainda estava estranha. Você tinha se esquecido...

— Esquecido de que?

— Filha...

— De que mãe? — Dava para ouvir meu coração batendo descompassado, acelerado. — Mãe?

— Seu pai morreu... Já tem 3 anos. 

Eu senti como se o chão tivesse sumido debaixo dos meus pés. Era mentira... né? Tinha que ser.

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