09 - A realidade que você acredita
Só de pensar em ver Izumi meu estômago revirava. O que era estranho, já que quando eu forçava bem a memória, eu não conseguia me lembrar de nada. Nem do cheiro dele, nem de como era estar nos braços dele, ou do beijo, nem do cheiro dele eu me lembrava. Como era o quarto dele, se estive lá alguma vez. Eu só lembrava dele ser meu namorado e mais nada.
Eu caminhava com Satoru pelas ruas com os ombros encolhidos. Eu ajeitei o moletom azul escuro e coloquei as mãos nos bolsos olhando para o chão o tempo todo. Às vezes eu olhava de esguelha para as vitrines das lojas. Eu parecia tão feia do lado dele, as olheiras marcadas, o mesmo jeans surrado de três anos atrás, os cabelos bagunçados que estavam mais longos, mas muito longe do que eram.
Ele por outro lado estava bem vestido como sempre. Usando uma camisa branca que ele dobrou as mangas até metade dos antebraços e deixou alguns botões abertos em cima, usando os mesmos óculos de sempre, calça social e sapatos. Eu perguntei a Nobara sobre os óculos e tudo que ela me disse é que era por causa da técnica dele.
— Ver o seu ex te incomoda tanto assim? — Ele me perguntou colocando as duas mãos nos bolsos.
— Não sei... eu não sei nada sobre ele. Ele é um completo desconhecido para mim. Eu só fico com esse sentimento. De raiva, de ciúmes. Mas se me perguntar onde nos conhecemos, como nos conhecemos. Eu não sei te responder.
— Não precisava vir. Eu mesmo poderia perguntar sobre isso.
— Eu insisto. Quero olhar nos olhos dele.
Izumi morava perto da faculdade. Havia se mudado para lá para um apartamento, para morar sozinho. Na verdade havia-se as suspeitas de que a Mori estava morando com ele.
— Como a Mori e a Shizune estão? — Perguntei tensa. Tinha medo da resposta.
— Ambas estão em coma, mas pelo menos a Shizune está fora de perigo.
— Hum.
— Não precisa se sentir culpada. Logo vamos resolver tudo.
Eu queria mesmo acreditar nisso, mas toda vez que me lembrava da Shizune caída numa poça de sangue meu corpo inteiro se arrepiava. E a culpa tomava conta de mim.
Passamos lentamente pela calçada em frente à Universidade de Hokkaido, e eu senti uma mistura de tristeza e nostalgia. O campus era vasto e imponente. Haviam árvores ao longo do caminho. O prédio principal da universidade, dominava a paisagem. As paredes de tijolos vermelhos contrastavam com as janelas altas, que refletiam a luz suave do sol da manhã. A entrada principal era adornada com colunas robustas e uma escadaria larga que levava a portas de madeira maciça, esculpidas com detalhes intrincados.
Enquanto observava os estudantes entrando e saindo, rindo e conversando, senti uma pontada de dor no peito. Eu deveria estar ali, entre eles, começando minha jornada acadêmica. Mas o coma havia roubado essa oportunidade de mim. Cada passo que dava parecia mais pesado, como se a tristeza estivesse se infiltrando em meus ossos.
Parei por um momento, olhando para o emblema da universidade gravado na fachada do prédio. Senti como se uma parte de minha vida tivesse sido apagada, deixando um vazio que eu não sabia como preencher. O som distante de risadas e conversas parecia ecoar em minha mente, lembrando-me do que poderia ter sido. Respirei fundo, tentando afastar as lágrimas que ameaçavam cair. Eu sabia que precisava seguir em frente, mas naquele momento, a dor da perda era quase insuportável.
— Você queria fazer o quê? — Satoru era bem observador.
— Eu... não sei. Nem isso eu lembro.
— Vamos recuperar suas memórias e logo você poderá voltar a sua vida normal.
Paramos em frente ao prédio do apartamento de Izumi, eu sentia meu coração bater mais rápido a cada segundo. A ansiedade e o medo do que ele poderia dizer sobre meu passado me consumiam. Dei uma olhada para cima inclinando a cabeça para trás. O prédio era moderno, com uma fachada de vidro e aço que refletia a luz do sol.
Satoru conversou com alguém ao telefone e em seguida entrou. Eu o segui até portaria, onde um segurança uniformizado nos cumprimentou com um aceno de cabeça. O saguão era espaçoso e elegantemente decorado, com plantas altas e sofás de couro. Caminhamos até o elevador, eu estava tentando controlar minha respiração. Ele apertou o botão para o sétimo andar e para mim parecia que o mundo inteiro estava sobre meus ombros.
Enquanto o elevador subia, lutei para me lembrar de como era estar com Izumi. Mas tudo que vinha à minha mente era um vazio. O som suave da música ambiente no elevador parecia aumentar minha ansiedade, cada andar que passava me aproximava mais do inevitável encontro.
— Você está bem? — Satoru me perguntou notando meu quase surto.
— Não. Estou em pânico. Eu não sei nada sobre ele e mesmo assim sinto raiva.
— Não se apegue a isso. Talvez quando ele começar a falar suas memórias vão retornando aos poucos.
— Ele aceitou me ver numa boa?
— Digamos que ele tenha seus próprios interesses.
Não era por mim, obviamente. Era pela Mori. Finalmente, as portas do elevador abriram no sétimo andar. Caminhei pelo corredor silencioso, minhas mãos suando e meu coração batendo forte. Paramos em frente à porta do apartamento de Izumi, e eu senti um frio na barriga. Respirei fundo, tentando reunir coragem para o que estava por vir. A incerteza do que ele diria e a possibilidade de enfrentar meu passado me deixavam à beira do desespero. Satoru tocou a campainha, e eu estava esperando que, de alguma forma, tudo ficasse bem.
Era estranho ver ele agora. Izumi era um completo estranho para mim. Ele estava com o olhar triste, olheiras, parecia ter perdido peso. Dei uma olhada pelo apartamento. A sala de estar era espaçosa, com janelas grandes. O sofá de couro preto, elegante e convidativo, estava posicionado em frente a uma mesa de centro de vidro, onde alguns livros e uma xícara de chá descansavam.
As paredes eram decoradas com quadros minimalistas, e uma estante de madeira escura exibia uma coleção de livros e objetos pessoais, além de fotos do casal em seus momentos felizes. Era um sorriso verdadeiro. Algo que eu já tinha esquecido como era.
Estávamos sentados em lados opostos. Ele estava encostado no sofá de forma largada com a camiseta branca amarrotada e o cabelo bagunçado. Ele evitava olhar para mim, enquanto eu mantinha meu olhar fixo nele. Eu tinha esperanças de que alguma coisa viesse à minha mente.
— Obrigado por nos receber. — Satoru disse quebrando o clima tenso que havia entre nós.
— Não tem que me agradecer. Isso também virou um problema meu. — Não, graças a mim. Era sempre bom lembrar disso. — Vejo que está melhor, Akira...
— É. Estou. — Respondi secamente. Eu só sentia raiva dele e mais nada.
— Bom, como conversei com você por telefone, Izumi, eu suspeito de que o mesmo que aconteceu com a Akira, também aconteceu com a Mori.
— Eu imaginei. — Izumi tinha o semblante abatido. — Embora eu confesse que achei que fosse uma praga da Akira.
Revirei os olhos e desviei o olhar. Era óbvio que seria culpa minha, de quem mais seria?
— Certo. Você sabe me falar se aconteceu algo de estranho? — Satoru perguntou ajeitando os óculos.
— A Mori disse que estava recebendo ligações de madrugada. Mas não dizia nada. Depois, ela simplesmente dormiu e não acordou mais. Eu chamei ela de manhã como sempre fazia. Mas ela não acordou.
Eu olhei para ele com as sobrancelhas franzidas. Não vou mentir naquele momento, eu achei isso muito bom. Era como se eles estivessem pagando na mesma moeda.
— E desde então, ela não acordou mais?
— Não.
— Bom, Izumi, eu tenho mais algumas perguntas. Sobre a Akira. — Meu coração disparou quando ouvi isso.
— Tá... — Izumi desviou seu olhar para mim e depois olhou para baixo. Não havia nem vestígio de sentimento algum ali.
— Pode nos contar o que sabe sobre a Akira?
— Tem alguma coisa específica que quer saber?
— Não. A Akira perdeu parte da memória. Ela não se lembra do que viveu. Lembra de fragmentos apenas.
Izumi coçou a cabeça e depois escorou os cotovelos sobre os joelhos. Parecia buscar o que falar. Eu me perguntava o grau da insignificância que eu era para ele.
— O que eu posso dizer? — Izumi bufou e escorou de novo no sofá. — Eu não tenho muito o que dizer... Eu não sei de quase nada dela.
Foi como se tivesse acendido um pavio em mim. Um ódio latente queimando de dentro para fora. Como ele não podia saber nada de mim? Ele era meu ex-namorado. Ele dizer aquilo de mim só demonstrava o seu desprezo por mim. Eu levantei num salto e partir para cima dele, Satoru me segurou pela cintura antes mesmo que eu acertasse a cara de Izumi.
— SEU BABACA! Como não sabe nada sobre mim? Eu era sua namorada! Sou tão insignificante para você assim? É claro, né? Me abandonou por mais um ano sozinha numa cama de hospital enquanto você pegava minha melhor amiga!
— Akira! — Satoru me segurava enquanto eu tentava acertar Izumi com chutes que lutava para se defender se encolhendo no sofá.
— Izumi seu escroto! Eu te odeio!
— E-eu não sei...
— Para de falar! Se não queria mais nada comigo, por que não...
— Akira... — Eu estava com tanta raiva que não me dei conta de como Satoru me segurava. Ele me abraçou por trás, com o braço por cima do meu peito. Os lábios dele estavam próximos à minha orelha e eu podia sentir a respiração quente dele, assim como o calor do seu corpo enquanto ele me segurava. Se fosse outra circunstância eu provavelmente teria desejado que ele me abraçasse mais forte e que seus lábios encontrassem meu pescoço e que suas mãos estivessem sobre o meu seio ao invés de estar no meu ombro. Mas ali as circunstâncias eram outras e foram elas que me mantiveram firmes dentro daqueles braços. — Ouça o que ele tem a dizer.
Eu parei de tentar agredi-lo e Satoru foi me soltando aos poucos. Eu sentei diante de Izumi e arrumei os cabelos e tentei passar a postura de quem não queria matá-lo alguns segundos antes.
— Izumi, pode falar. — Satoru disse se mantendo em pé entre nós dois.
— Eu não te conheço. Tá? E não é por maldade, ou por que você não significa nada para mim. É que a Mori era sua amiga. Não eu. Ela te conhece desde que você se mudou para cá, ainda no fundamental. E vocês foram grandes amigas. Mas eu não te conheço.
— Mas a gente namorou!
— Foi um único beijo.
Eu senti meus ombros caírem lentamente e me fui me encolhendo no sofá. Todas as verdades que acreditava serem absolutas sobre o Izumi caíram por terra.
— Só um beijo? — repeti em forma de pergunta tentando entender o que tinha ouvido ali naquele momento.
— Olha... eu te conheci na escola. Mesmo ano, só que turmas diferentes. Você era da turma da Mori. Eu te achei gatinha, você era estudiosa, tinha um corpo bonito, era bem atleta. Você era bem popular... por um tempo. Daí eu me declarei, a gente teve alguns encontros e deu um beijo. Acho que foi no cinema. Depois disso você parou de falar comigo. Me evitava na escola, não atendia minhas ligações. Pouco tempo depois você entrou em coma. E eu e a Mori íamos te visitar, mas sempre tinha um primo seu que não deixava a gente subir, cercava a gente antes mesmo de entrar no hospital. Aí por fim, eu e a Mori nos aproximamos. E começamos a namorar. A culpa não foi dela, foi você que não quis mais.
Eu ouvia tudo e parecia que não estava entendendo. — Como assim? Que primo?
— Eu não sei. Pensando bem, a Mori disse que não conhecia.
— Como ele se chamava? — Perguntei confusa.
— Eu não lembro. Ele tinha cabelos pretos. Disso eu me lembro. A gente ia no hospital e ele não deixava subir. Não deixava ninguém dos seus amigos. Era praticamente só sua mãe.
Eu escorei os cotovelos sobre os joelhos e coloquei as duas mãos na cabeça. Nada mais fazia sentido. Fazia sentido eu não saber nada sobre ele. Não tinha como saber. Nós não éramos nada um do outro.
— Não conversamos sobre nada?
— Olha... a Mori me disse algumas coisas. Eu sei que você era muito popular. Tipo muito mesmo no primeiro ano. Aí ela disse que vocês foram para um acampamento de verão e de lá para cá você não foi mais a mesma. Ela não te via com tanta frequência, você não falava com ela direito. Foi como se você tivesse perdido o brilho. Eu lembro que quando fui falar com você, seu cabelo estava cortado bem curtinho e seus braços estavam enfaixados.
— E eu não falei nada sobre mim?
Izumi abaixou o olhar. Eu tinha nadado e morrido na praia. Não tinha informação, ele não me conhecia. Era estranho até para ele.
— Você estava sempre calada. Triste. Eu confesso que me assustei com sua reação de agora. Ver você agora... parece até outra pessoa. Tem brilho no seu olhar. Mas... vocês eram um grupo de 4 amigas se não me engano. Você, a Mori, a Shizune e tinha outra. Só que faz muito tempo que não a vejo.
— E você sabe o nome dela? — Satoru perguntou e naquele momento um nome veio à minha mente.
— Sakura... — Eu respondi tensa. Foi naquele momento que eu me dei conta da gravidade do problema em que eu estava.
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