Ângelo e o Espírito do Natal

O mesmo cliente, no mesmo horário, todos os dias. Ele era um homem alto, com um semblante divertido, mas sempre caminhava cabisbaixo até a loja onde eu trabalhava, como se estivesse se escondendo de algo ou de alguém. Assim que entrava, ia direto até as araras natalinas que eu havia organizado no início de dezembro, cheias de suéteres com estampas e dizeres ridículos.

Naquele dia, era a quinta vez seguida que ele aparecia na loja. O movimento não estava tão bom quanto no ano anterior, então não era difícil perceber um cliente que vinha diariamente e sempre no mesmo horário.

Minha curiosidade estava me matando. Por que ele comprava um suéter diferente todos os dias? Eu havia passado dias ensaiando maneiras de perguntar, mas naquela tarde ele me surpreendeu ao me cumprimentar pelo meu nome. Pouquíssimos clientes se davam ao trabalho de ler o crachá.

― Boa tarde, Ângelo.

Ele segurava um suéter verde-musgo e sorriu timidamente ao colocá-lo no balcão. Talvez estivesse com vergonha; afinal, aquele era o quinto suéter que ele comprava ali.

Eu tinha diversas teorias sobre o motivo das compras: uma família grande? Presentes para funcionários de uma empresa? Ele revendia as peças online por preços exorbitantes? Ou tinha um hobby inusitado de colecionar suéteres? Eram tantas possibilidades... Pelas roupas que ele usava — ternos de grife e sapatos importados —, tudo indicava que era um empresário. Dinheiro, obviamente, não era um problema para ele. Talvez fosse médico? Eu reparei em suas mãos impecavelmente cuidadas, sem cutículas ou falhas nas unhas.

Havia alguns fios grisalhos entre os cabelos castanhos, o que lhe conferia um charme especial. Fingi não notar enquanto ele tirava a carteira do bolso e pegava o cartão de crédito. Os clientes não gostavam de ser encarados.

Li o código do suéter no computador e ele, sem hesitar, disse:
― Débito, por favor.

Estendi a máquina. Enquanto ele inseria o cartão, minha mente tentava formular perguntas que desvendassem o mistério dele. Aquele cliente era o enigma do mês e meu trabalho monótono havia ganhado um objetivo extra: descobrir a verdade.

― Gosta de suéteres?

De todas as perguntas possíveis, fiz a mais ridícula. Senti-me um idiota imediatamente. Ele franziu o cenho levemente e eu me encolhi atrás do balcão, sentindo minhas bochechas esquentarem.

― Gosto.

Poucas palavras. Ele claramente não gostou da intromissão. Finalizei a compra e entreguei-lhe a sacola.

― Obrigado por comprar na nossa loja!
― Eu que agradeço, Ângelo.

Pela segunda vez ele disse meu nome. Antes de sair, leu alguns cartões de Natal no balcão e olhou para mim, como se quisesse falar algo mais. Depois, sorriu e disse:
― Até amanhã.

Então ele viria no dia seguinte. Aproveitei a deixa e tentei descobrir mais:
― Até amanhã, senhor...?

Ele hesitou, mas respondeu com um sorriso travesso:
― Nicolau. Ou Nícolas, se preferir.

Uma piada? Um nome tão natalino... Só podia ser coincidência ou uma brincadeira. Assenti com a cabeça e o vi ir embora.

🎄 🎄 🎄 🎄 🎄

Havia uma tempestade se formando. Os trovões me deixavam arrepiado, mas decidi focar no livro e no chocolate quente em minhas mãos. A loja estava vazia; o clima, pouco convidativo para clientes.

Era véspera de Natal, dia 24 de dezembro, e a cidade, pequena como era, já havia feito todas as compras necessárias.

Trabalhar ali tinha algo de nostálgico. A dona da loja, Lina, era minha amiga e me ofereceu o emprego quando abriu o negócio. Voltei para a cidade onde cresci, mas o clima daqui nunca foi tão ambíguo quanto agora.

Olhei para o chocolate quente, cremoso e doce. Por um momento, desejei estar em casa, mas logo me lembrei de que estaria sozinho, apenas com minha gata. Soltei um suspiro e provei a bebida.

De repente, a campainha da porta tocou, me assustando. A caneca quase caiu da minha mão. Olhei em direção à entrada, e lá estava ele: o cliente de sempre. Nicolau.

Ele foi direto para a arara dos suéteres, escolheu um diferente de todos os que havia comprado, e se aproximou do balcão.

―Hoje é um ótimo dia para ficar em casa ―comentou, olhando para mim e depois para a árvore de Natal iluminada.

Tive um arrepio. Era exatamente o que eu estava pensando momentos antes. Como ele sabia?

Antes que eu pudesse responder ou perguntar algo, todas as luzes se apagaram. O ambiente mergulhou num breu absoluto. Do lado de fora, a tempestade rugia com trovões e rajadas de vento. Tentei me acalmar, mas o medo do escuro, que eu carregava desde criança, voltou com força total.

Olhei pela janela, tentando enxergar algo além do contorno indistinto das casas sob o céu tempestuoso. Meu coração batia descompassado.

―Nicolau?

Senti-me ridículo o chamando pelo nome, como se estivesse falando com o próprio Papai Noel. Talvez eu devesse rir da situação, mas não consegui.

―Estou aqui ― ele respondeu, sua voz vindo de algum lugar próximo.

Foi nesse momento que percebi um ponto de luz brilhando na árvore de Natal da loja. Uma luzinha, depois outra, até que todas as luzes acenderam, iluminando o espaço com uma suavidade que parecia mágica.

Meu celular vibrou, e a tela iluminou parcialmente o balcão. Era uma mensagem da Lina:

"Ângelo, a prefeitura avisou que a rede elétrica está instável. Pode fechar a loja e ir para casa."

Suspirei. Como iria para casa naquela escuridão?

―Eu tenho um carro, posso te dar uma carona ― Nicolau disse, como se tivesse lido meus pensamentos.

Dei um pulo com suas palavras repentinas. Acendi a lanterna do celular, e lá estava ele, parado próximo à porta, segurando um molho de chaves.

―Por que eu pegaria carona com você?

―Porque é véspera de Natal.

―E? ― retruquei, ainda desconfiado.

Ele suspirou, revirando os olhos como se minha resistência fosse apenas um detalhe incômodo.

―Certamente você tem amigos ou uma família te esperando.

Aquela afirmação me deixou ofendido, afinal eu sabia muito bem que não havia ninguém, apenas a minha gata.

―E você? ― devolvi, sem esconder minha irritação. ― Não deveria estar em casa com a sua família?

Ele soltou uma risada inesperada, quase musical.

―Deveria, mas estou aqui comprando suéteres.

Tentei manter a postura séria, mas a situação estava começando a fugir completamente da normalidade. Eu precisava saber a razão daquelas compras repetidas.

―Por que compra um suéter todos os dias?

Ele sorriu novamente, e dessa vez seu sorriso pareceu mais sincero.

―Explico no caminho, pode ser?

Resisti por alguns instantes, mas sabia que não tinha muitas opções. A cidade estava escura e caminhar sozinho naquele breu era impensável. Respirei fundo, pedi uma dose extra de coragem e segui Nicolau para fora da loja. Não deveria pegar carona com estranhos, ainda mais um homem tão... esquisito. E bonito. Forcei minha mente a se concentrar em caminhar.

O vento cortante da rua me fez fechar o casaco até o pescoço. Ao olhar em volta, procurei por um trenó — afinal, com todo o clima misterioso, seria algo plausível —, mas o que vi foi uma BMW vermelha brilhando sob a luz intermitente de um poste.

―Sério? ― perguntei, arqueando as sobrancelhas enquanto ele destravou o carro, e um som de sino natalino ecoou.

―Achei apropriado ― Nicolau respondeu com um sorriso divertido.

Entrei no carro, ainda hesitante, e fechei a porta com um pouco mais de força do que o necessário. Ao sentar, notei pequenos detalhes: um Papai Noel que balançava a cabeça no painel e bolinhas natalinas penduradas no retrovisor.

Eu estava começando a achar que o universo me pregava uma peça.

Ele deu partida e o motor do carro funcionou suavemente, quase sem som. Enquanto deslizávamos pela estrada deserta, decidi tentar novamente:

―Você disse que iria explicar no caminho. Por que compra um suéter todos os dias?

―Para ver você.

Eu ri, incrédulo com aquele absurdo, e o encarei como se ele tivesse acabado de contar a piada mais ridícula do mundo.

―Você acha isso engraçado? ― ele perguntou, sem desviar os olhos da estrada.

―É difícil de acreditar. Como se eu fosse interessante o suficiente para alguém se dar ao trabalho de inventar isso.

―Você é mais interessante do que pensa, Ângelo.

Meu coração disparou. Não era só o conteúdo das palavras dele, mas a certeza em sua voz que me deixou desconcertado.

Antes que pudesse retrucar, algo estranho aconteceu. O carro parecia ter saído da estrada e estava... flutuando. E eu nem havia percebido.

Arregalei os olhos, tentando me segurar no banco. Olhei apenas para a frente, sentindo um frio subir pela minha espinha. O quão alto estávamos voando? Voando, em uma BMW! Pisquei diversas vezes e me belisquei, sentindo meu corpo inteiro esquentar com a adrenalina.

―Como... como isso está acontecendo?!

―É sobre isso que eu queria falar ― disse ele, finalmente virando-se para me encarar. Seus olhos azuis brilhavam como gelo sob o sol.

―Ângelo, há coisas no mundo que você deixou de acreditar. Hoje, quero te mostrar que o Natal ainda tem magia, mesmo quando parece impossível.

E, com essas palavras, o carro acelerou, deslizando em direção às estrelas. Eu me segurei para não gritar de horror.

O céu parecia mais próximo a cada instante, com as estrelas piscando em tons que eu nunca tinha visto antes: verdes e douradas, como se dançassem em harmonia com as luzes do carro. Por um momento, fiquei sem palavras, dividido entre o medo e o fascínio absoluto.

―O que você é, exatamente? ― perguntei, tentando manter a compostura.

Nicolau me lançou um olhar divertido, mas havia algo mais ali. Um brilho malicioso, de quem estava fazendo uma piada.

―O que acha que eu sou?

―Não sei! Papai Noel? Um lunático com poderes mágicos?

Ele riu, e o som era tão leve que por um segundo esqueci onde estava.

―Sou o espírito do Natal. Papai Noel é apenas um símbolo; a verdadeira magia está além dele. Eu ganho forma no mundo todo dezembro para lembrar às pessoas do que o Natal realmente significa.

Eu o encarei, atordoado. Nada disso fazia sentido, mas, ao mesmo tempo, era difícil não acreditar quando estávamos literalmente voando em um carro sobre as nuvens.

―Por que eu? ― perguntei finalmente, tentando ignorar o frio que subia pelo meu corpo após a adrenalina passar. ― Por que me escolheu?

Ele ficou em silêncio por alguns segundos antes de responder, sua voz mais suave agora.

―Porque você esqueceu. Esqueceu a magia, o amor... o significado desta data. Não é sua culpa, Ângelo. Mas quero que veja tudo o que o Natal ainda pode oferecer.

Suas palavras me atingiram com força. Fazia sentido. Desde que meus pais morreram na véspera de Natal, anos atrás, eu havia enterrado qualquer emoção positiva associada a essa data. Para mim, o Natal não era mais que uma obrigação comercial ou um lembrete doloroso do que eu havia perdido. Na maioria das vezes preferia ignorar qualquer comemoração.

―Não tem como mudar o que aconteceu ― eu disse, lembrando daqueles dias após as perdas, do quão sozinho e triste eu havia ficado.

―Não, não tem. Mas você pode decidir o que fazer com isso.

Antes que eu pudesse responder, o carro começou a desacelerar. A paisagem ao nosso redor mudou novamente, e quando olhei pela janela, vi algo que me fez prender a respiração.

Estávamos sobrevoando um lugar que parecia ter saído de um sonho. As árvores, cobertas de neve, brilhavam com luzes douradas. Um castelo de cristal erguia-se no centro, reluzindo sob as auroras boreais. Pequenas criaturas corriam de um lado para o outro, rindo e carregando pacotes embrulhados em papel colorido.

―Bem-vindo ao Polo Norte ― anunciou Nicolau, com um sorriso satisfeito.

O carro pousou suavemente em uma estrada que parecia feita de gelo, mas não escorregava. Ao sair do carro, o frio me envolveu, mas não era incômodo. Era como uma brisa suave e reconfortante.

―Venha ― ele disse, estendendo a mão.

Segui-o até o castelo. Dentro, o lugar era ainda mais impressionante. Paredes translúcidas refletiam luzes que mudavam de cor, como um caleidoscópio. No centro do salão principal, havia uma árvore gigantesca e de verdade, enfeitada com estrelas que pareciam pulsar como pequenos corações.

―Essa é a Árvore da Memória ― explicou Nicolau. ―Cada estrela representa uma lembrança natalina feliz de alguém.

Fiquei parado, admirando a beleza da cena, até notar algo estranho. Um dos galhos parecia murcho, com poucas estrelas brilhando.

―Esse é o seu galho ― disse ele, sua voz suave. ―Desde que você deixou de acreditar no Natal, suas estrelas começaram a desaparecer.

Minha garganta apertou. Era doloroso admitir, mas ele estava certo. Por anos, eu tinha evitado pensar em tudo que o Natal já significara para mim, tentando apagar as lembranças para fugir da dor. Mas alguém poderia me culpar por isso?

Aproximei-me do galho e toquei uma das poucas estrelas restantes. No mesmo instante, uma lembrança inundou minha mente: eu tinha oito anos, sentado ao lado da árvore de Natal com meus pais, rindo enquanto abria um presente. O cheiro de gengibre, chocolate quente, o som da música ao fundo, o calor do abraço deles... Tudo voltou com uma intensidade que me deixou tonto.

―Eu... eu pensei que essas memórias tinham desaparecido ― sussurrei, com lágrimas nos olhos.

―Elas nunca desaparecem ― disse Nicolau, colocando uma mão no meu ombro. ―Estão aqui, esperando para serem lembradas.

A dor que eu sentia parecia mais leve, como se aquele momento tivesse tirado um peso das minhas costas. Fechei os olhos e deixei as lágrimas caírem.

Quando abri os olhos novamente, meu galho na Árvore da Memória estava diferente. Estrelas começaram a brilhar novamente, iluminando o espaço ao redor.

Nicolau sorriu. Havia algo em seus olhos que eu não conseguia decifrar.

―Agora você entende? O Natal não é sobre presentes ou decorações. É sobre amor, sobre lembrar o que realmente importa, mesmo nas sombras da dor.

Eu assenti, ainda sem palavras, e ele aproximou-se. Secou minhas lágrimas com suas mãos. Meu corpo esquentou de vergonha e olhei para baixo. Ele tinha olhos muito azuis. E era muito bonito. Deus... Eu não podia pensar nisso logo após chorar com lembranças natalinas.

―Está pronto para voltar para casa?

Eu pensei por um momento e, antes que minha resposta saísse, uma ideia ousada invadiu minha mente. Olhei para Nicolau, com os olhos brilhando com a luz das estrelas e, sabendo que aquela noite já estava sendo absurda, resolvi arriscar.

―Não... Eu quero ver mais. Quero ver o Polo Norte.

Na verdade eu também queria conhecê-lo.

Minhas bochechas esquentaram com a ousadia dos meus pensamentos. Eu tinha a estranha sensação de que havia uma tensão entre nós, uma ligação estranha e intensa.

Nicolau me observou por um momento com um sorriso torto, como se tivesse lido meus pensamentos. Senti mais vergonha ainda. Eram tantas emoções em uma só noite! Logo seu sorriso se abriu de forma genuína, como se ele soubesse, em algum nível, que eu desejava isso.

―Você sabe o que está pedindo? — ele disse, seus olhos piscando com um brilho travesso. ―A noite aqui é cheia de mistérios, e nada é como você imagina.

Sem esperar uma resposta, ele pegou a minha mão e juntos começamos a caminhar, as estrelas cintilando ao nosso redor como se dançassem em nossa direção. O frio era intenso, mas não nos incomodava. A cada passo, o ar gelado parecia aquecer à medida que a proximidade entre nós aumentava. Havia uma tensão no ar, algo indescritível e palpável, como se o mundo ao nosso redor estivesse se preparando para nos envolver em algo mágico.

Chegamos a um espaço aberto, onde o vento soprava forte, mas de alguma forma a neve parecia flutuar no ar, formando redemoinhos de brilho cintilante. O cenário era como um conto de fadas, mas com uma estranha aura de mistério e encanto. O castelo de cristal estava atrás de nós, mas agora eu estava mais focado em Nicolau, que caminhava ao meu lado com uma calma serena.

―Aqui é onde você vai sentir a verdadeira magia do Natal, Ângelo. — ele sussurrou, como se falasse para si mesmo, embora estivesse claramente me convidando a sentir também.

Ele parou e me olhou, algo diferente em seu olhar agora. Não era apenas o espírito brincalhão que eu conhecia; havia uma intensidade ali, como se ele quisesse me mostrar não apenas o Polo Norte, mas uma parte de si mesmo que ele nunca havia revelado a ninguém.

Você quer me mostrar mais alguma coisa? — minha voz soou mais baixa, mais ansiosa do que eu pretendia. O ar ao nosso redor estava ficando denso, cheio de algo indefinido que se transformava em uma tensão irresistível.

Você viu apenas uma parte do que você esqueceu. As lembranças. A magia. A alegria. — Ele deu um passo mais perto, e eu pude sentir sua presença como um calor contra o frio da noite. Eu posso te mostrar o Natal como ele sempre foi para mim. Um lugar onde tudo é possível. O Natal pode ser o que você quiser. Todo ano uma nova possibilidade, basta acreditar. E querer.

Paramos perto de um poste enfeitado com luzinhas vermelhas. Perto dele, senti um arrepio de desejo. Ele sorria daquele jeito charmoso. Vi mais cabelos brancos no meio dos castanhos e notei algumas poucas rugas nos cantos dos seus olhos. Tudo nele era bonito, até mesmo aqueles detalhes da idade que chegava. Eu daria 40 anos para ele...

Fascinado com a proximidade e com a beleza dele, não percebi quando ele se inclinou ligeiramente para frente, os olhos fixos nos meus, com um brilho que fez meu coração acelerar.

A tensão entre nós era palpável, carregada de uma atração que eu não conseguia resistir e nem queria. Antes que eu tivesse a chance de recuar, ele se aproximou ainda mais e seus lábios tocaram os meus delicadamente.

O beijo foi suave no início, quase como uma promessa silenciosa, mas logo se intensificou. Eu o segurei mais forte, sentindo a dureza de seu corpo contra o meu, e a intensidade da conexão entre nós. O frio ao nosso redor desapareceu, substituído pelo calor que se espalhou pelo meu corpo, começando no ponto de contato entre nossos lábios.

Quando nos separamos, ambos ofegantes, ele me olhou com uma expressão que eu nunca tinha visto antes. Meus lábios formigavam. Era como se ele estivesse me pedindo para aceitar aquele momento, para abraçar a magia que ele estava me oferecendo. Não havia nada me impedindo, mas eu não sabia como o futuro seria.

Eu não sabia direito o que ele era também e aquilo me assustava.

―Nós temos apenas esta noite este ano, Ângelo. Mas isso não significa que não podemos aproveitar ao máximo. — Ele falou com uma voz rouca, quase um sussurro, e então estendeu a mão, como se me convidasse para algo ainda mais profundo, algo que eu não sabia que estava preparado para viver.

Fui atrás dele, minha mão firmemente segurando a sua. Ele me conduziu por uma trilha iluminada apenas pela luz das estrelas, até um pequeno lago congelado que refletia a aurora boreal. O céu estava cheio de cores dançantes, verdes, roxos e azuis, uma mistura mágica que tornava o cenário ainda mais surreal.

Aqui é onde as memórias se formam, onde tudo o que você sente pode ser eternizado. — Ele disse, parando no centro do lago. Eu podia sentir a leveza do gelo sob nossos pés, mas, ao mesmo tempo, parecia que estávamos suspensos no tempo.

―Eu nunca imaginei que algo assim fosse real. — Respondi, minha voz quase perdida na vastidão do lugar.

Ele se virou para mim, a intensidade no olhar se misturando com a suavidade de seu sorriso. Talvez eu fosse acordar no dia seguinte e descobrir que tudo isso havia sido um sonho.

―Porque você nunca acreditou o suficiente, Ângelo. O Natal não é só sobre presentes ou árvores de Natal. É sobre acreditar, sobre viver e aproveitar cada momento como se fosse único. — Ele deu um passo mais perto, tocando meu rosto com a ponta dos dedos.

O toque dele fez meu corpo estremecer. Eu não sabia o que era mais forte: a magia daquele lugar ou a atração que crescia entre nós, que me puxava para perto dele, sem que eu pudesse controlar. O frio da noite estava se tornando irrelevante. Só existia o calor do toque dele, o perfume suave de sua colônia, e a eletricidade no ar.

―Eu... — tentei falar, mas ele me silenciou com outro beijo, mais profundo, mais intenso. Ele me envolveu nos braços, e o mundo à nossa volta parecia desaparecer. O som do vento, a luz das estrelas, tudo se misturava à sensação de estar completamente envolvido por ele. Seu abraço era reconfortante, aconchegante, me senti seguro ali e a vontade de chorar voltou.

Quando nos separamos novamente, ambos respirando pesadamente, meus olhos marejados, ele sorriu, mas havia um toque de melancolia em seus olhos.

Nicolau tocou minha bochecha com a ponta dos seus dedos.

―Eu sou o espírito do Natal, Ângelo. Isso significa que sou destinado a voltar ao Polo Norte todo Natal. Mas você ainda tem muitos momentos para viver. Só espero que, quando você olhar para o Natal, lembre-se de que a magia sempre estará aqui, com você. — Ele disse, sua voz mais suave, tocando meu coração acima do casaco que eu usava.

Olhei para ele, meu coração apertado com a ideia de perdê-lo, mesmo sabendo que ele sempre faria parte de mim. Ele tinha me mostrado algo que eu nunca poderia esquecer, algo que eu precisaria carregar para sempre.

―Até o próximo Natal, Ângelo. Lembre-se de mim.

🎄 🎄 🎄 🎄 🎄

Quando entrei no carro dele para voltarmos, simplesmente apaguei.

Acordei na minha cama, com minha gata me encarando de um jeito estranho, como se soubesse exatamente onde eu havia estado. Olhei pela janela: a tempestade de neve ainda rugia lá fora, mas a luz já havia voltado.

Não podia ter sido apenas um sonho. Meus lábios ainda formigavam com a lembrança dos beijos. Meu corpo permanecia quente, e o toque dele no meu rosto ainda parecia tão real. Suspirei, frustrado.

Peguei o celular e usei a lanterna para me guiar até a sala. Lá, sobre a mesa, encontrei um presente e um cartão.

"Feliz Natal, até o próximo ano, Ângelo. Faça lindas memórias.

Nicolau"

Meus olhos se encheram de lágrimas, e lutei para não deixar que caíssem. Rasguei o embrulho com pressa, quase sem respirar. Dentro, havia um enfeite de Natal: uma bolinha para árvore que brilhava de forma mágica, quase sobrenatural.

Apertei-a contra o peito, tomado por uma mistura de alegria e alívio. Não, não havia sido um sonho.

🎄 🎄 🎄 🎄 🎄

Os meses se passaram, mas a lembrança de Nicolau permaneceu tão vívida quanto o brilho das estrelas naquela noite mágica. A sensação do toque dele, o som de sua risada, e, principalmente, aqueles beijos... Tudo me perseguia.

Passei o ano inteiro relembrando cada detalhe. E sentindo saudades, querendo reviver aquele momento. Fiz memórias, fiz amigos, celebrei cada conquista como ele havia pedido.

Mesmo assim era como se Nicolau tivesse acendido uma chama que eu nem sabia que existia dentro de mim. E, com dezembro chegando novamente, essa chama só crescia. Eu a alimentava com tensão, ansiedade e desejo.

No dia 1º de dezembro arrumei a vitrine com cuidado, enchendo-a de luzes e suéteres temáticos. A loja parecia mais acolhedora do que nunca. Mas, no fundo, sabia que estava me preparando para ele.

Dia após dia, olhava para a porta a cada tilintar da campainha, esperando ver Nicolau entrar com aquele sorriso travesso e o olhar que parecia enxergar através de mim.

Mas ele não aparecia.

No dia 23 meu coração já estava afundando em desespero. Talvez aquela noite tivesse sido um presente único, uma despedida silenciosa. E eu havia me permitido acreditar que poderia ser mais.

Foi na véspera de Natal que tudo mudou.

A loja estava vazia, o céu lá fora pesado com nuvens de neve e eu me preparava para fechar mais cedo. Enquanto desligava as luzes da vitrine, ouvi a campainha da porta soar. Senti o clima do ambiente mudar e fui preenchido por uma sensação gostosa e aconchegante.

Olhei para trás e lá estava ele.

Nicolau.

Ele estava parado na entrada, com um sorriso que era ao mesmo tempo familiar e diferente, como se carregasse o peso de um ano inteiro longe. Seu terno hoje era carmim e estava impecável. Seus olhos... Ah, aqueles olhos azuis. Não consegui conter o sorriso que surgiu no meu rosto.

―Demorou ― foi tudo o que consegui dizer enquanto me aproximava.

―Eu precisava ter certeza de que você ainda acreditava ― respondeu ele, aproximando-se devagar.

Antes que eu percebesse, estávamos frente a frente. O calor de sua presença era quase palpável, uma sensação que me fazia esquecer o frio do lado de fora.

―Passei o ano inteiro esperando por você ― confessei, minha voz baixa, quase tímida.

―E eu, contando os dias para voltar ― respondeu Nicolau, com a mesma sinceridade.

Ele ergueu a mão, e seus dedos tocaram meu rosto com uma delicadeza que me fez fechar os olhos por um instante. Quando os abri, ele estava mais próximo, tão próximo que eu senti o cheiro da colônia que ele usava.

―Não quero que isso termine aqui ― murmurei, a voz embargada pela emoção.

―Também não quero ― disse ele, antes de me puxar para um beijo.

Dessa vez, o beijo não foi breve. Foi intenso, profundo, como se ele quisesse me mostrar tudo o que as palavras não conseguiam expressar. Seus braços me envolveram e o mundo ao nosso redor desapareceu. Não havia mais loja, neve ou Natal. Só havia nós dois.

Quando nos separamos, ele encostou sua testa na minha, os olhos brilhando de um jeito quase doloroso.

―Ângelo, o que acha de me mostrar as suas tradições de Natal?

Com o coração ainda acelerado, concordei com um aceno e, sem soltar sua mão, levei Nicolau até meu apartamento. O caminho foi silencioso, mas cheio de uma cumplicidade que não precisava de palavras.

Assim que abri a porta, minha gata, Luna, veio nos receber com seu andar elegante e olhos curiosos. Ela parou a alguns passos de Nicolau, avaliando-o com aquela expressão de superioridade felina.

― Essa é a Luna ― apresentei, rindo ao vê-la inclinar a cabeça para ele, como se estivesse decidindo se ele era digno de sua atenção. ― Acho que ela gosta de você... Ou pelo menos não te odeia, o que já é um bom sinal.

Nicolau se agachou, estendendo a mão para que Luna o cheirasse. Para minha surpresa, ela se aproximou e esfregou a cabeça contra seus dedos.

― Parece que passei no teste ― disse ele com um sorriso suave, levantando-se em seguida.

Puxei-o para a sala, onde a árvore de Natal brilhava discretamente no canto. Não era grande, mas cada enfeite nela tinha um significado especial para mim. E, no topo, quase como uma estrela particular, estava a bolinha mágica que Nicolau havia me dado no Natal passado.

― Reconhece? ― perguntei, apontando para ela.

Ele ergueu o olhar, e algo em sua expressão suavizou.

― Você a guardou ― disse ele, baixinho, quase como se estivesse falando consigo mesmo.

― Claro que guardei. Foi a coisa mais especial daquele Natal.

Tirei a bolinha da árvore com cuidado e segurei-a nas mãos, mostrando-lhe como ainda brilhava de forma encantadora, como se carregasse um pedaço de magia dentro dela.

― Todo ano eu a coloco no topo da árvore. Faz com que tudo pareça mais especial ― confessei, sentindo o calor daquele momento crescer.

Nicolau olhou para mim com aquele sorriso travesso que eu havia aprendido a adorar.

― Acho que nunca imaginei que ela ficaria tão bem aí ― disse ele, aproximando-se para observar mais de perto. ― Mas agora vejo que combina perfeitamente com você... e com Luna, é claro.

Eu ri, sentindo o peito se encher de uma felicidade quase surreal. Naquele momento, enquanto ele admirava minha árvore, minha gata e a bolinha brilhante, soube que aquele Natal seria inesquecível.

🎄 🎄 🎄 🎄 🎄

Estávamos deitados lado a lado na cama, os corpos relaxados, mas as mentes presas àquela conversa que eu temia desde o começo. Nicolau traçava círculos suaves na minha mão com os dedos, como se quisesse gravar aquele toque na memória. O silêncio era pesado, quebrado apenas pelo som da neve batendo na janela.

― Meu tempo aqui é curto. Você sabe disso ― disse ele finalmente, sua voz baixa, mas firme.

Senti um nó se formar na garganta. Virei-me para encará-lo, meu peito apertado por uma angústia que eu não conseguia esconder.

― E por que tem que ser assim? ― perguntei, a voz tremendo. ― Fique. Não há nada que você possa fazer para ficar mais tempo aqui?

Ele balançou a cabeça, e um sorriso triste curvou seus lábios.

― Eu não pertenço a este mundo, Ângelo. Mas você sim. Você tem uma vida aqui, amigos, sonhos que ainda nem descobriu.

― E você? ― retruquei, lutando contra as lágrimas que insistiam em se acumular. ― Não faz parte disso?

Ele ergueu a mão e segurou meu rosto com as duas mãos, seu toque firme, mas cheio de uma ternura que fazia meu coração doer.

― Eu sempre farei parte de você ― disse ele, sua voz suave, mas intensa. ― Não importa onde eu esteja.

O relógio na parede marcava quase onze horas, e vi seus olhos desviarem por um instante, olhando por sobre o ombro, como se pudesse ver o tempo escapando por uma porta invisível.

― Prometa que viverá plenamente até nos reencontrarmos ― pediu ele, sua voz carregada de sinceridade.

― E se não nos encontrarmos de novo? ― minha voz falhou, um sussurro quase inaudível.

Ele sorriu, aquele sorriso que sempre carregava um mistério, e respondeu com uma calma que me desarmou:

― Nós vamos. Toda vez que você acreditar.

Ficamos em silêncio por um momento, o calor de seu corpo junto ao meu me ancorando naquele instante que eu queria congelar no tempo. Mas então, como antes, ele começou a se afastar. Não abruptamente, mas com uma lentidão que transformava cada movimento em uma despedida cuidadosamente medida.

Ele parou na porta, lançou um último olhar para mim e, com um sorriso que misturava tristeza e esperança, desapareceu na neve que caía lá fora.

Fiquei acordado pelo resto da noite, sentado no chão da sala, abraçado ao suéter que ele havia deixado na loja. Um presente vermelho e dourado, que parecia pulsar em minhas mãos como se guardasse um pedaço dele.

Naquele Natal, a tristeza foi substituída por algo novo. Saudade, sim, mas também esperança.

Eu sabia que, quando o inverno voltasse a cobrir a cidade com seu manto branco, Nicolau também voltaria.

E eu sabia que, quando o inverno voltasse a cobrir a cidade com seu manto branco, ele também voltaria.

Para mim.

FIM

Feliz Natal! 2024

Esta história poderá ter continuação no próximo Natal ♥ 

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