Angel's Land
- Era para o caminhão de mudanças ter chego antes da gente, onde eles estão?! – Minha mãe olha o relógio no seu pulso, impaciente.
- A senhora está certa, mas foi como disse ontem: não adianta nada ficar reclamando. – Falo sem me importar muito com a situação. - Vamos colocar as malas dentro de casa.
- Para que? – Ela pergunta visivelmente irritada. – Até para arrumar as roupas que trouxemos, precisamos dos guarda-roupas que estão com eles.
- Sendo assim, vamos procurar algum lugar para almoçarmos. – Meu pai dá a ideia.
- Não podemos, Richard. Se o caminhão chegar enquanto não estivermos, eles só vão vir amanhã.
- Então vamos pedir para entregar aqui... – Meu pai é cortado pela mamãe
- E como vamos comer se não temos nem MESA?! – Minha mãe fica numa linha tênue entre falar alto e gritar.
Suspiro e deixo minha mãe a ponto de ter um colapso com o meu pai tentando acalma-la, enquanto dou uma volta pela casa. Até então eu só a tinha visto por fotos.
Como a casa está literalmente vazia, não tem muito o que olhar, mas claramente os cômodos são todos grandes, com belos lustres. A casa tem um design meio clássico, porém com um toque de modernidade, o que a torna...chique? Elegante? De certa forma isso não me interessa muito, desde que a casa seja confortável para mim está ótimo, nem precisa ser grande.
Após uma rápida olhada pelos cômodos da casa, vou para a parte que me interessa mais no momento: o jardim. Ao chegar nos fundos da casa me deparo com uma linda visão repleta de vários tons de verde e um céu incrivelmente ensolarado com poucas nuvens. Começo a andar completamente deslumbrada com a bela floresta repleta de árvores longas e flores de variadas espécies até encontrar uma trilha tão longa que não consigo enxergar o final ao longe. Olho para traz pensando se é realmente uma boa ideia me afastar de casa e seguir uma trilha numa floresta que nunca explorei e não sabia dos perigos, porém repentinamente escuto uma voz doce e serena de uma mulher.
"Celene, Celene"
O nome parecia ecoar pela floresta. Conforme eu andava para a minha esquerda a voz parecia se distanciar e ao andar pelo sentido oposto a voz se aproximava, sendo exatamente o caminho da trilha. Como se estivesse sendo controlada, perco domínio do meu corpo e mente, sentindo-me atraída por uma forte vontade de seguir a tal voz.
Ao final da trilha há um amplo campo, porém deserto. A voz parecia estar mais perto e clara, me permito continuar seguindo a voz até chegar à maior árvore das redondezas, ao pé da mesma tinha um amontoado de folhas, galhos e pedras, por um breve momento penso que é uma cova rasa. Me arrisco a mexer no monte, onde me deparo com um buraco com tamanho suficiente para uma pessoa passar e uma escada de madeira adentra-a.
"Celene, Celene"
Continuo ouvindo a voz e assim que coloco meu pé no primeiro degrau da escada, o meu telefone começa a tocar. Tiro o celular do bolso e vejo o nome "Mamãe" estampado na tela. Como se tivesse visto um fantasma, uma adrenalina sobe pelo meu corpo e rapidamente começo a tampar o buraco do jeito que estava, deixando-o para trás conforme corro em direção a minha casa.
Distante de onde eu estava, vejo a silhueta da minha mãe olhando para um lado e para o outro. Assim que ela me vê, vem correndo em minha direção.
- Onde você estava? Porque não atendeu as minhas ligações? – Ela segura meus braços firmemente.
- Eu estava apenas conhecendo as redondezas...
- Sozinha?! Você não conhece esse lugar, e se acontecesse alguma coisa com você?! – Ela me sacode, depois me abraça aliviada.
Meu pai se aproxima claramente mais calmo que sua esposa.
- Você poderia pelo menos ter nos avisado, filha.
- Senhor tem razão. Me desculpa, papai. Me desculpa, mamãe. – Abraço-a e logo vamos para casa.
*Horas mais tarde, a noite*
- Eu estava com a mínima esperança que ainda hoje nos conseguiríamos terminar com a mudança. – Me jogo na primeira cadeira que vejo, completamente esgotada.
- Também queria, mas "tá" foda. - Meu pai reclama.
- Que isso? – Mamãe chama a atenção do seu marido. – Mais respeito dentro de casa.
- Eu queria ir logo amanhã à universidade. – Mudo de assunto.
Posso até parecer chata, mas não consigo fingir que estou pouco empolgada para nova fase da minha vida, na verdade estou muito empolgada. Economia era um curso que eu gostava de fazer, talvez até me desse bem, mas não era um curso que de fato eu me identificava. Vasculhar o passado e descobrir nossa verdadeira historia é minha verdadeira paixão, mesmo que agora meu foco seja a intrigante lenda de Angel's Land.
- Você pode ir. Seu pai e eu terminamos a mudança.
- Tudo bem, então. Sobre o jantar, já podemos pedir alguma coisa? Tenho certeza que ninguém vai querer cozinhar.
- Claro que não – Minha mãe responde. – Eu estava pensando em pedir uma pizza para comemorarmos nossa primeira noite na casa.
Meu pai e eu concordamos com a ideia. O único homem da casa decidiu fazer o pedido enquanto eu ia tomar banho e a mamãe descansar um pouco.
Enquanto isso, o acontecimento de hoje a tarde não saia da minha cabeça. Quem era Celene? De quem era a voz que eu havia escutado? Que lugar era aquele? Alguém com certeza visitava aquele lugar, só uma pessoa poderia fazer aquele monte. Com certeza queriam esconder aquele lugar, mas o que de fato há lá? Porque uma voz vinha de lá? São tantas perguntas sem respostas... Eu preciso investigar mais a fundo.
-
Um pouco mais de um mês se passou desde a primeira e ultima vez que eu havia adentrado a floresta atrás de casa e visto o buraco. Os dias tinham sido extremamente corridos, já que algumas questões haviam ficando abertas em Old Port e era necessário meu retorno, como trazer todos os documentos necessários para a minha ingressão na Universidade de Angela, buscar coisas que ainda tinham ficado na casa, resolver os últimos pontos da venda de nossa antiga casa e, entre outras coisas. Mudar de cidade não é nada fácil, porém finalmente chega meu primeiro dia de aula e abrisse as portas para o árduo caminho para tornar-me uma grande arqueóloga, aquela que finalmente descobrirá os mistérios de Angel's Land.
- Bom dia, amados pais. – Desço as escadas, empolgada.
- Lindo dia, não é querida? – Mamãe responde-me servindo a mesa.
- Bom dia, filha. – Papai me olha por cima do seu jornal. – Finalmente o dia que você estava esperando chegou.
- Sim, hoje é o inicio de uma linda jornada. – Me sento à mesa. – Novos objetivos, novas amizades e quem sabe um novo amor.
Meu pai se engasga com seu café e começa a tossir. Meio atrapalhado, ele pega o lenço que está ao seu lado e limpa a boca.
- Que? – Meu pai me olha surpreso - Amor?
Minha mãe se aproxima e senta a mesa.
- Você esta certa, querida. Mesmo eu achando que você deveria ter continuado economia, você tem que pensar assim mesmo. A vida lhe guarda muitas coisas boas. - Ela me proporciona o abraço mais gostoso do mundo: confortável e carinhoso.
- Você concorda com ela? – Meu pai parece não concordar com as palavras de sua esposa.
- É claro que eu concordo, você acha que ela deveria está sofrendo por Sam ainda?
Eu sabia que esse nome ia vir à tona uma hora ou outra.
- A questão não é essa, mas você acha que está preparada, Charlotte?
- Papai, pare de preocupar-se. Não é como se eu já estivesse gostando de alguém. São apenas suposições, é algo que pode acontecer e não sei quando. – Passo geleia de amendoim no pão e dou a primeira mordia, aproveitando cada segundo do sabor que preenche minha boca.
- Você sabe que só estou preocupado com você, não quero que sofra mais.
- Não quero filosofar a essa hora da manhã, mas todos estão fadados a passar por situações em que iremos sofrer e amar alguém é como uma faca de dois gumes. Haverá horas em que todo mundo estará bem e feliz, porém também terá momentos em que haverá brigas e ai você irá sofrer. Faz parte da vida, papai.
- Às vezes eu acho que sou uma criança e a Charlotte é a minha mãe tentando me explicar coisas sobre vida. – Ele fala meio decepcionado.
- A verdade é que temos uma filha inteligente. – Minha mãe ri.
Olho o relógio no meu pulso e vejo que já são 8h30.
- Bom, eu não quero me atrasar para o meu primeiro dia de aula, então já vou indo.
- Você tem razão, nós já vamos também. A gente te deixa na universidade.
Todos pegam as suas pastas e mochilas, preparados para mais um dia de trabalho, ou no meu caso, preparada para o primeiro dia de aula.
Para uma cidade que não é capital, ela tem uma grande Universidade, com os mais diversos cursos e com um campus digno das maiores universidades do país, muito grande e bonito. A universidade é muito conhecida no país e em questão de alguns anos se tornou uma das mais procurada por quem quer um ensino superior. Ao entrar no prédio A, no qual me disseram que ocorreriam as aulas do curso de arqueologia no dia que me matriculei, me deparo com um quadro cheio de nomes e no topo escrito "calouros". Passando os olhos rapidamente por alguns quadrados com nomes, vejo o nome "Charlotte Miller", do lado vejo o número e o andar da sala.
Ainda faltando 15 minutos para a aula começar, chego à sala quase cheia, com algumas cadeiras vagas, entre elas eu escolho uma que fica logo na primeira fileira perto da porta. Muitas vozes e risadas preenchem a sala, deixando-me curiosa por ser o primeiro dia de aula e normalmente achar que seria um ambiente mais calmo com umas ou outras pessoas conversando, mas pelo visto as pessoas dessa cidade são muito mais receptivas e comunicativas do que eu esperava. Olho para a pessoa atrás de mim e vejo uma jovem de cabelos loiros curtos com a cabeça para baixo lendo um livro, então decido não atrapalha-la, no meu lado esquerdo vejo um grupinho de três meninas escandalosas rindo alto a ponto de algumas pessoas ao redor a olharem com cara feia.
"Realmente, existe todo tipo de pessoas" - Penso.
O som das vozes acabam quando a porta da sala faz um ruído, indicando que alguém tinha chego ou saído. A imagem de um senhor com os cabelos grisalhos e um sorriso simpático no rosto aparece na sala.
- Bom dia, alunos. Vejo que estão animados hoje, espero que essa animação dure até o final do curso.
Escuto algumas pessoas balbuciando "bom dia", alguns cochichos e alguns simplesmente ficam calados.
O senhor pigarreia e volta a falar:
- Eu sou o Sr. Querubim Owen. Podem me chamar de Sr. Owen, professor Owen ou usarem o nome "Querubim" mesmo.
"Eu entendo que essa é uma cidade que tem uma conexão com anjos, mas será que todos os moradores tem nome de anjo?" - Indago-me suspicaz.
- Sou o professor de Introdução a Arqueologia de vocês. Eu irei quebrar todos os mitos e dizer exatamente do que se trata a arqueologia.
E assim a aula continuou por mais duas horas com o professor Querubim. Foi uma aula bem didática e nem um pouco cansativa, a metodologia do professor é muito boa.
- Para finalizarmos a aula de hoje eu pedi para um aluno no último ano de arqueologia vir conversar com vocês e lhes contar um pouco sobre que vocês podem esperar do curso.
Rapidamente o clima da sala ficou pesado. Um homem jovem, aparenta ter seus 25 anos, muito sério a ponto de parecer irritado, entra na sala. Ele é alto, muito branco, quase pálido, tem cabelos negros como a noite e a cor dos seus olhos... É uma cor que eu nunca tinha visto antes, parece ser castanho, mas tem uma pigmentação avermelhada, é como se fosse um tom de vinho.
- Apresente-se, Matthew.
- Bom dia a todos, me chamo Matthew O'Brien.
Matthew pega todos da sala de surpresa ao bater sua pasta com força à mesa, estranhamente consigo ouvir alguns suspiros vindo do fundo da sala.
- Eu vou dizer logo uma coisa pra vocês, isso vale principalmente para os curiosos, para os estrangeiros. – Seus olhos passam por todos os alunos até chegar a mim e se fixarem. Aquele olhar irritadiço me arrepia, deixando-me encabulada e um pouco irritada também. – Se para vocês Angel's Land é só uma historia e pretendem agir com total desrespeito com os moradores e sua cultura, é melhor vazarem daqui. Angela é a casa das pessoas que moram aqui, é uma cidade muito amada pelos seus moradores, é o local onde os seus antepassados viveram. Angela é uma cidade que tem muita coisa para contar e mais ainda ser descoberto, tem sua cultura, sua culinária, sua religião e doutrina, se por acaso vocês pretendem simplesmente ignorar tudo isso e passar por cima de tudo e todos apenas para descobrir a "verdade" – Matthew usa os dedos indicadores para fazer as aspas. – podem ter certeza que vou fazer cada um de vocês se arrependerem de terem vindo pra cá.
Murmurinhos começam a surgir
- Nós já haviamos conversado sobre isso, Matthew. – Sr. Querubim reprova a atitude do jovem assustador. – Acalme-se.
- Peço desculpas pelo Matthew. Ele não passou por experiências muito boas com outros historiadores e arqueólogos em relação a nossa cidade. – Sr. Querubim se direciona a turma.
Após essa péssima primeira impressão que o jovem rapaz deixou em todos os alunos, ele começou a falar sobre o curso e suas variadas vertentes, tanto dentro da faculdade quanto no mercado de trabalho e sobre as oportunidades que a universidade dá para os alunos de arqueologia. Tenho certeza que mesmo após Matthew ter contado todas as vantagens do curso, ainda haverá gente que irá desistir, graças as suas ameaças.
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