Capítulo 2

NA TOCA DO LOBO

Quatro dias depois eu estava vendo os veículos saindo de Alexandria em direção ao local onde seria feito a reconstrução da ponte. Seria um trabalho longo e de formiguinha, pensei, porque os recursos eram limitados e isso alongaria o tempo que ficariam no lado de fora.

Rick me disse que estaríamos indo até Negan hoje, e ele estava com uma bandeja com um sanduíche e uma caneca de café quente na mão. Nós fomos até onde ficava a cela, que era uma das casa que tinha como utilidade ser uma espécie de depósito e no porão, era onde esse homem ficava.

Nós descemos e o lugar era meio úmido e pouco iluminado. Eu me senti mal assim que vi que o homem estava deitado na cama, mas assim que nos viu chegar, se sentou no colchão.

Ele não era nada do que pensei. Eu esperava cicatrizes e uma pessoa fisicamente terrível, mas ele não era nada disso. Ele parecia... simpático. Quer dizer, ele tinha uma pose ameaçadora simplesmente por estar atrás dessas barras e toda aquela barba e cabelo eram estranhos, mas se me perguntassem nesse primeiro momento, eu não estava com medo.

A grade da cela era alta o suficiente para que a bandeja de comida passasse por baixo e Rick passou a caneca por entre as grades.

— Não sabia que estaria trazendo as crianças para uma tour na prisão — o homem do outro lado falou. Sua voz grossa me surpreendeu, mas combinava perfeitamente com sua estrutura grande quando ele levantou e veio caminhando pacientemente até as grades.

Eu poderia falar que ele me olhou, mas estaria mentindo. Ele me analisou. Eu me senti desconfortável e evitei o olhar diretamente, esperando Rick dizer algo.

— Angela vai tomar conta de trazer suas refeições a partir de hoje — Rick disse, e sua voz era tão afiada que podia cortar o ar tenso.

— Já se cansou de me ver apodrecendo aqui, Rick? — ele sorriu. Um sorriso alinhado e branco, realmente bonito mesmo debaixo de toda aquela barba desgrenhada. Ele parecia ter a mesma idade de Rick, mas eu não tinha como saber ao certo.

Rick ignorou sua colocação.

— Espero que se comporte e não faça nada que piore as coisas para você — Rick disse e eu nunca o vi tão sério em todo tempo que o conheço.

Piorar? — Negan riu — O que você vai fazer agora, cortar minha internet?

O jeito que ele disse isso me fez querer rir, porque ele parecia ter nenhum pudor, mesmo diante da situação precária que estava.

— E você, querida? — ele se dirigiu diretamente a mim, seu sorriso sempre lá — Fala minha língua?

Então eu segurei o olhar dele, mas em seu rosto havia um olhar muito mais sombrio do que qualquer um que eu já tinha visto, ainda tão confiante quanto antes, mas com uma pitada de desesperança. Eu não gostei de como me senti.

— É só isso? — eu perguntei olhando para Rick, ignorando Negan por completo — Trazer a comida e aguentar as piadas sem graça dele?

— Basicamente — Rick concordou antes de por as mãos nos quadris e olhar para o homem atrás das grades — Se eu fosse você, me comportaria. Angela é a única daqui que não te mataria num piscar de olhos, e eu aproveitaria isso.

— Oh, Rick... eu com certeza vou aproveitar — houve aquele sorriso de novo quando ele deslizou as mãos pelas barras enquanto me olhava — Eu acho que vamos nos dar muito bem.

Eu respirei melhor quando saí de lá para o andar de cima da casa e ali Rick me deu as instruções e as chaves.

Banhos três vezes por semana em dias alternados; todas as refeições dele vinham da cozinha onde eram preparadas as comidas para o restante das pessoas que trabalhavam e ele teria café da manhã, almoço, café da tarde e jantar. Rick tentaria voltar uma vez na semana para Alexandria e caso Negan tivesse algum problema de saúde eu devia comunicar um dos médicos.

Rick também disse que uma senhora iria hoje antes do almoço cortar o cabelo de Negan e ela seria escoltada por dois homens, então eu não teria que estar junto.

— Acha que consegue lidar? — ele perguntou e eu dei os ombros.

— O que você está me pedindo não é um sacrifício e eu fico feliz em ajudar.

Não era uma total uma mentira, eu não queria estar ali, mas ficava feliz em ajudar.

— Sobre a última vez que nos encontramos — Rick começou e por mais que eu quisesse só sair para evitar essa conversa, sabia que não podia viver minha vida fugindo. Me forcei a ficar parada e ouvir o que ele tinha a dizer — Eu quero me desculpar.

— Está tudo bem.

— Não, eu quero me desculpar. Eu achei que você já estava mais... — ele parou e fez um gesto com a mão — Achei que... você já permitia essa tipo de abordagem.

— Está tudo bem — repeti, porque não sabia o que dizer. Eu odiava esse tipo de coisa, não gostava de enfrentar as pessoas e sentir minhas fraquezas expostas, mas ele continuou.

— Não quero que pense que estou tentando forçar algo...

— Porque pensaria isso? — eu o interrompi. Eu não sabia o que ele estava querendo dizer com isso. Forçar o que?

Ele deu um sorriso sem graça e passou a mão nos cabelos, empurrando-os para trás.

— Você tem razão. Eu já vou indo.

— Espera — eu disse antes que ele saísse. Rick parou e se virou para mim novamente — Vou manter tudo sob controle no tempo que estiver fora. Não se preocupe.

Rick dava a vida por esse lugar e eu queria que soubesse que eu cumpriria o que ele me delegou a fazer. Ele pareceu realmente apreciar minhas palavras, dando um passo a frente para mais perto de mim, e meu corpo gritou por espaço pessoal.

— Se precisar falar comigo, basta pedir o rádio para Eugene ou Gabriel — ele disse e eu concordei. Ele abriu a porta para que eu passasse e saímos em direção aos portões.

— Se cuide — eu disse antes que ele entrasse no caminhão onde Daryl já estava no volante.

Ele parou por um momento e então acenou uma vez com a cabeça para mim para mim antes de entrar no caminhão e partir.

Eu tinha que pegar a bandeja que estava na cela e era minha vez de lidar com Negan sozinha. Eu voltei até lá e abri a porta que dava para o porão. Acho que nunca ia me acostumar a entrar aqui, era tão decadente e a pessoa que me esperava atrás das grades parecia que não iria cooperar com nada.

— Rick pareceu se importar muito em deixar a chapeuzinho na toca do lobo.

Foi com essa frase que fui recebida quando pisei no último degrau. Ele estava sentado na cama com as costas encostadas na parede e parecia tão sutil quanto uma cobra pronta para dar o bote. Sua bandeja ainda estava no colchão, e eu decidi ignorar sua saudação anterior.

— Você pode passar sua bandeja por debaixo da grade — eu disse, mas ele continuou como estava.

Jesus.

— É, eu posso sim. Mas — ele acrescentou quando se levantou e caminhou até as barras — Primeiro você tem que me dizer o porque de Rick te colocar no lugar dele.

Eu não estava cedendo a ele de jeito nenhum. Eu apenas dei os ombros quando falei.

— Eu pensaria duas vezes antes de deixar essa louça suja atrair ratos.

Ele pareceu se divertir com isso e sorriu.

— Você realmente não vai me contar nada, não é? — ele aproximou o rosto ainda mais das grades — Acho que é por isso que Rick te colocou aqui.

— Você sabe para o que eu estou aqui, e eu agradeceria se você colaborasse — eu disse, mas ele só estreitou os olhos para mim.

Eu não gostava de como ele parecia me avaliar, como se tivesse procurando uma brecha, qualquer coisa para mexer comigo.

— Volto mais tarde para trazer seu almoço — eu avisei e me virei para subir as escadas. Pude jurar que o ouvi rir, mas não virei para ter certeza.

Quando voltei para levar o almoço, eu me surpreendi com o que vi. Ele estava totalmente diferente. Cabelos cortados e barba feita, e eu não consegui disfarçar minha surpresa. E ele percebeu.

— Olá, Angel — ele sorriu e eu senti algo estranho quando ele me chamou assim. Ninguém nunca me chamou assim e dava pra ver que ele estava tentando me deixar desconfortável.

Ele tinha um perfil forte, maçãs do rosto afiadas, olhos fundos, boca sofisticada, nada além de ângulos e planos e, de alguma forma, ainda dolorosamente suave e bonito. 

— Você tem que passar a outra bandeja para que eu te dê seu almoço — eu disse quando coloquei a bandeja com comida em cima da mesa de madeira velha que havia ali do lado de fora.

— Você sabe negociar, hein? — ele ergueu as sobrancelhas enquanto olhava com desgosto para a comida que eu coloquei na mesa — E Rick ainda diz que não estão tentando me matar.

A comida era realmente estranha, mas não era como se ele pudesse exigir.

— Vou avisar ao chef que você não gostou da comida — eu murmurei e ele sorriu largo.

Ele era bonito. Muito bonito. Eu procurei não pensar nisso quando o vi depois de todo o corte de barba e cabelo, mas não dava pra ignorar, porque ele parecia ainda mais perigoso. Ele usava calça cinza e uma camiseta da mesma cor, e eu podia ver parte de uma tatuagem em seu braço direito, enquanto o resto se escondia embaixo da camisa.

— Eu gostei de você, Angel — ele disse num tom animado antes de pegar a bandeja que ele recusou me dar pela manhã e passar por debaixo da grade.

Eu esperei ele se afastar para eu chegar perto das grades, mas ele não o fez. Rick disse que não se podia confiar nele, e eu não arriscaria.

— Acha que vou tentar algo? — ele perguntou, sabendo que era o que eu pensava.

Ele parecia querer manipular tudo o que acontecia, me empurrar para controlar quais seriam minhas reações e eu não conseguiria suportar isso.

— Eu não acho nada. Eu não te conheço — eu disse, já de saco cheio disso — Eu quero que se afaste para que eu me aproxime, assim como você sabe que tem que ser, ou eu simplesmente vou sair daqui com seu almoço — eu ameacei, meu rosto ficando quente — Eu não me importo se você come ou não, eu sequer queria estar aqui.

Ele pareceu surpreso com minha explosão e seu sorriso morreu um pouco, até ele me encarar seriamente.

— Beleza — ele disse enquanto se afastava, dando passos para trás.

Quando ele se sentou na cama eu me aproximei, tirei a bandeja e coloquei a nova. Eu não o olhei antes de sair de lá, atrapalhada demais. Eu estava odiando esse trabalho e era só o primeiro dia, e Negan não faria nada pra torná-lo mais fácil.


Eu não dormi praticamente nada nas últimas noites e hoje era um dos dias que eu tinha a tarde livre, sem nenhuma ocupação. Eu resolvi deitar após fazer uma pequena refeição de almoço, porque eu estava realmente exausta, e para minha surpresa, eu consegui dormir. Isso até que aquele pesadelo me sacudisse acordada.

Esqueça. Apenas esqueça.

Eu sentei na cama, meu coração em minha boca. Os flashes vinham à tona como uma represa quebrada e eu só podia me sentar e deixar isso me arruinar. Já estava escuro e eu senti meu rosto ardendo. Tateei até acender o abajur e caminhei até o banheiro. Quando olhei no espelho, vi que havia arranhado meu rosto enquanto dormia, bem perto da mandíbula. Eu limpei com uma toalha molhada e só então lembrei que tinha esquecido de levar o café da tarde para Negan.

— Merda — eu murmurei enquanto caminhava para fora do quarto. Já tinha passado da hora do jantar dele.

Assim como da última vez eu caminhei até a cozinha de Alexandria e a senhora que era a cozinheira estava lá. Ela não disse uma palavra quando me empurrou uma bandeja com um prato e uma caneca com água. Parecia uma mistura de comidas e era nojento como da última vez.

Eu acendi a luz fraca que havia perto da escada para que eu pudesse descer até a cela, e vi Negan deitado. Ele se sentou quando eu cheguei perto. Diferente dessa manhã, ele já tinha deslizado a bandeja do almoço por debaixo da grade quando eu cheguei.

— Achei que fosse me deixar morrer de fome — ele disse sem fazer nenhum movimento até que eu coloquei a bandeja no lugar da outra.

Eu o olhei nos olhos pela primeira vez desde que entrei e ele tinha aquele mesmo ar de sarcasmo, mas de repente seu rosto se fechou.

— O que houve com seu rosto? — ele perguntou e eu instintivamente passei a mão onde eu havia me arranhando.

— Nada.

— Isso não parece nada — ele rebateu enquanto se levantava e vinha até as barras, lentamente.

— Me arranhei enquanto dormia.

Eu não sabia por que estava falando com ele, ainda mais sobre isso, mas ele tinha um jeito de me olhar que deixava instável.

— Sonhos ruins? — ele se encostou nas grades, sequer olhando para a comida ali no chão.

— Sua comida vai esfiar — eu avisei, mas não fez diferença.

— Não é só você que passa por isso, Angel — ele disse gentilmente, como se estivesse falando com uma criança pequena. Isso deveria ter me atrapalhado, mas agora eu ainda estava na névoa do pesadelo para me ofender.

— Você também tem esses sonhos? — eu perguntei.

Porque eu estava falando disso com ele? Eu nunca disse ao médico, mesmo que ele me perguntasse com frequência, eu mentia na cara dele.

Eu estava há bons passos de distância dele, e mesmo atrás dessas grandes, parecia que nada podia contê-lo. Era estranho pensar que um homem como ele também passava por isso... por essa fraqueza.

— Sim. Mas diferente de você, eu mereço ter esses sonhos.

Seu olhar e voz demonstravam sua amargura. Eu lembrei de tudo o que ouvi sobre ele, sobre como matou e explorou pessoas, e se ele tivesse que conviver com esses pensamentos, sua mente devia ser um inferno. A minha pelo menos seria.

— Você nem me conhece. Como pode ter certeza que não mereço? — eu disse. Meu quadril bateu na mesa de madeira quando dei um passo para trás, e eu me encostei ali.

Eu não queria voltar para casa e ficar sozinha, e mesmo sabendo que não era para ficar de conversa com ele, eu continuei.

— Você merece? — ele questionou e eu dei os ombros minimamente.

— Eu não sei.

E eu não sabia mesmo. Já criei vários cenários na minha mente que me levaram a ter esses pesadelos, mas me conformei que nunca lembraria. Talvez eu não tenha sido uma boa pessoa também.

— Aposto que não merece, Angel — ele disse com voz distante. Houve um momento de silêncio e ele suspirou, balançando a cabeça — Olha, eu posso te conhecer há o que, doze horas, mas eu sei que você não machucaria alguém intencionalmente.

Ele levou a bandeja até a cama e se sentou. Eu não fiquei encarando quando começou a comer, mas decidi ficar esperando ele terminar ao invés de sair e ter que voltar.

— Você vive aqui sozinha? — ele perguntou depois de alguns minutos em total silêncio. Eu levantei meu olhar para ele, que ainda estava mexendo na comida no prato. Eu apenas assenti uma vez — Eu também — ele piscou para mim — Acho que podemos saber mais um do outro se vamos ser amigos.

— Quem disse que quero ser sua amiga?

Seu rosto se abriu em um sorriso brilhante, mais brilhante do que qualquer sorriso que eu lembrava de ter visto em minha vida.

— Vejo que minha reputação me precede.

— Você fez mesmo tudo o que dizem? — eu não pude deixar de perguntar. Eu havia falado com ele no dia de hoje mais do que falava com pessoas ao longo de um mês e pela primeira vez, eu estava falando com alguém porque queria falar. Querendo ou não, ele era intrigante.

— Porque está perguntando isso? Já não te contaram tudo o que fiz? — ele levou um pouco mais de comida a boca antes de afastar a bandeja de seu colo e colocá-la sobre a cama.

— Toda história tem dois lados — eu disse quando cruzei os braços. Ele franziu a testa, sua boca se curvando nos cantos enquanto escondia um sorriso.

— Você quer saber o meu, Angel?

Foi então que eu vi que todas as respostas que ele deu foram pra chegar nesse ponto. Ele manipulou a conversa para que chegasse aqui, onde ele ia me contar seu lado da história. Eu não sabia se isso era uma coisa boa ou não.

— Pare de me chamar assim — eu desviei o olhar do dele. Pela visão periférica eu o vi levantar e vir novamente até as grades.

— Porque? — ele questionou, mas eu estava olhando para o chão, para meus pés — Íntimo demais?

Eu senti meu rosto esquentar.

— Volto quando você terminar — eu disse antes de me virar abruptamente para sair.

— Espera! — ele pediu com uma voz erguida quando eu tinha dado um primeiro passo, e eu meio que congelei pelo tom de sua voz, implorando — Fale comigo. Eu não aguento mais esse silêncio.

Eu não quis virar porque não queria olhá-lo com compaixão, mas isso era o que eu sentia; ali estava eu, diante desse homem que causou tanta mágoa, medo e caos e estava com pena dele.

— Eu saber ou não sobre as coisas você fez não muda em nada sua situação — eu disse quando me virei novamente. Suas mãos estavam agarrando as barras, e eu notei que suas unhas eram curtas e limpas, na verdade, apesar dele ser um prisioneiro, ele era limpo.

— Você está certa, Angel — ele concordou. Eu não conseguia olhar para ele, e instintivamente, eu me encolhi e cruzei os braços — Me desculpe por insistir e ser um idiota desde que você pisou aqui.

Balancei a cabeça quando vi que ele estava falando sério. Eu vi que tínhamos algo em comum: nós dois éramos solitários. Ele por que estava aqui, realmente sozinho, e eu por não deixar as pessoas se aproximarem. De formas diferentes, mas solitários.

— Não sou alguém que goste de conversar — eu disse, porque senti que precisava me justificar.

Ele sorriu mais e foi mais expressivo e verdadeiro. Eu poderia dizer que foi o único sorriso real que ele deu desde que entrei aqui, sem provocação ou deboche. Ele era carismático, magnético, elétrico. Tantas palavras voaram pela minha cabeça para descrevê-lo, como ele podia ter algo além daquela personalidade cruel que as pessoas diziam.

— Você não precisa me temer, Angel — ele assegurou — Não precisa ter medo de mim.

Seus olhos eram de um marrom mesclado, quente e terroso e algo dentro de mim me dizia que eu podia confiar naqueles olhos.

Mas você não deve, Angela. Você sabe porque ele está sendo legal.

— Se acha que ser legal vai me fazer te ajudar a sair daqui, está perdendo seu tempo — eu avisei. Ele inclinou a cabeça para o lado, olhando para mim enquanto a luz piscou e temeu um pouco.

Minha respiração ficou presa na garganta quando os olhos dele encontraram os meus mais uma vez, e ele sorriu: amplo e encantador.

— Eu não seria idiota em pensar nisso. Pelo menos não por enquanto — ele piscou com aquele sorriso irritante.

Não concorde, isso é uma má ideia, meu cérebro me avisou.

Mas que mal ele pode te fazer? Ele está preso. Você também sabe como é se sentir sozinha...

— Tudo bem. Eu volto amanhã — eu disse com a intenção de que ele devolvesse a bandeja, mas ele continuou parado.

Eu esperei ele dizer alguma coisa, mas ele não respondeu. Em vez disso, ele continuou olhando para mim, mantendo contato visual direto que estava fazendo meu coração disparar mais rápido a cada segundo.

— A bandeja — eu sinalizei, mas ele me ignorou.

— Está me devendo o café da tarde ainda, você sabe — ele fez uma pausa, e eu sabia que ele estava preparando algum tipo de brincadeira sem graça — Poderia me trazer algo especial na próxima vez.

— Tipo a chave da sua cela? — eu perguntei e ele riu, um som bonito e alegre, novamente.

— Não acho que faria isso por mim agora. Estava pensando em algo mais simples, como uma fruta.

Isso me fez sentir mal. Eu vi a comida que era destinada a ele e não era a mesma que as outras pessoas comiam. Eu lembrava de poucas coisas do meu tempo lá fora, e uma delas era de sentir muita fome. Eu engoli essas lembranças e acenei com a cabeça.

— Vou ver o que posso fazer — eu disse e com isso ele se virou, andando até a cama e trazendo a bandeja com ele.

Ele a deslizou para fora, se afastou e eu a peguei.

— Espero que tenha uma boa noite de sono, Angel — ele disse quando eu fiquei de pé.

Ele sabia que esse era um assunto delicado, porque ele falou com uma voz cautelosa. Eu decidi não comentar sobre isso.

— Boa noite — eu disse antes de sair.

Eu não consegui dormir muito naquela noite. Só o pensamento que amanhã eu teria que visitar o doutor Levi para mais uma sessão de mentiras me deixava ansiosa.

Às vezes, desejava que alguém me visse como realmente sou e não tentasse me concertar. Eu gostaria de encontrar um pouco de consolo, uma conexão real com apenas uma pessoa. Por outro lado, tinha pavor da mesma perspectiva. Realmente, no final, eu gostaria de sentir alguma coisa e saber que a emoção era realmente minha, ao invés de viver evitando.

Agora que penso nisso, são os escudos que me fazem sentir oca. Não quero sentir tudo, então acabo sem sentir
nada. Meus escudos são meu santuário e minha prisão.




Perdão pela demora, pra quem quer saber o que rolando eu expliquei tudo no meu mural. Beijos e até o próximo


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