09|Julie e Julieta

aviso de gatilho: menstruação 

se você se sente mal lendo esse tipo de conteúdo, me manda mensagem na dm para eu dizer o que aconteceu no capítulo :)

Digo tranquilamente que existem dias que minha irmã fica extremamente insuportável. Hoje é um desses dias. Não sei o motivo do drama e sinceramente, nem quero saber.

— Frida! Para! Meu Deus! O que 'tá acontecendo com você? — Exclamei para a minha irmã, segurando o telefone da casa no alto da minha cabeça. São onze horas da manhã de uma segunda-feira e ainda estou vestindo pijamas. Tenho que sair em meia hora e estou em cima do sofá tentando impedir minha irmã de subir também, que não consegue, pois, estou bloqueando-a com o meu pé. Aqueles anos de ginástica rítmica estão finalmente sendo úteis para algo.

— Quero falar com a mamãe! Me dá o telefone, Ursula!

— Mamãe está no trabalho e não dá para falar com ela agora! Fala comigo, Frida.

— Eu quero falar com a mamãe.

— Vai continuar querendo.

Minha irmã respira fundo e solta o ar devagar.

— Eu menstruei. É um saco.

Faço uma careta de pena para Frida e desço do sofá.

— E por quê você não quis falar sobre isso para mim? Eu também menstruo.

— É estranho. — Ela admite. — Achei que eu fosse sentir alguma coisa antes, mas só acordei com meu lençol sujo e com dores. Parece tão insignificante.

— Não é. Quer dizer, isso vai acontecer pelos próximos quarenta anos e vai ser um inferno. É uma coisa que muda a sua vida. As pessoas vão sempre tentar justificar suas emoções com o fato de você estar hormonal e vão ter horas que você vai desejar desaparecer da face da terra de tanta dor por causa das cólicas. Vão ter dias, que não importa o que você queira vestir, vai escolher não usar branco ou roupas claras porque mancha e pode aparecer. Tem dias que vai te pegar de surpresa. Tem dias que vão ser a desculpa perfeita para não sair de casa e assistir um filme romântico enrolada em um monte de cobertores para chorar horrores. — Digo. — Olha, Frida, é normal. Quer dizer que você é uma moça agora.

— Você soou igual à tia Carla. "Você é uma mocinha agora, Fridinha, parabéns!" — Frida fala e eu rio. — Parece o tipo de coisa que ela falaria para mim.

— Mas é verdade. Não vou dizer parabéns porque menstruar é a pior coisa que o ser-humano decidiu fazer. Só não é nada que um pouco de buscopan e maratonas de filmes do Nicholas Sparks não resolvam. Muita besteira também. Chocolate liberado por quatro dias seguidos, não é maravilhoso?

Minha irmã sorri e eu sorrio também.

— Sobe e coloca um absorvente. A gente tem que sair em dez minutos, eu ainda 'tô de pijama e meu cabelo está todo estranho.

— Ele 'tá natural e maravilhoso. Você devia deixar assim mais vezes. Sem contar que sua raiz 'tá começando a aparecer, se seu cabelo ficar cacheado, esconde.

Faço uma careta para Frida e procuro um espelho para ver meu cabelo caótico. Ele está arrepiado e bem cacheado, quase como o da minha mãe e irmã. Pego uma mecha e estico, para ver minha raiz marcada da última vez que pintei.

— Frida. — Chamo minha irmã. — Quanto tempo nós temos para chegar na escola?

Ela corre para a cozinha e se estica na porta.

— Nós deveríamos estar lá faz dez minutos.

Suspiro e jogo minhas mãos para cima.

— Foda-se, nós vamos chegar atrasadas. E usar a desculpa do "problema de garota". Misógino e transfóbico, porém real. Aproveita enquanto você pode usá-lo. Corre lá em cima e pega o creme de cabelo da mamãe, uma escova e água.

— Escova não. — Frida me interrompe, fazendo uma cara feia. — Vai parecer que você foi eletrocutada. Vai na mão mesmo.

O que pareceu uma eternidade depois (quinze minutos), estava pronta, cacheada e vestida de vermelho. Saímos de casa correndo e chegamos atrasadas no colégio. Deixei Frida no prédio dela e corri para o meu, tropeçando no meu tênis toda hora, por conta das pedras e dos buracos no chão.

Bati na porta da sala de biologia e a professora me olhou com uma cara feia. Dei um sorriso sem graça e sentei no meu lugar de sempre, do lado de Francesca e perto de Athena e Ofélia, tentando não fazer mais barulhos do que já causei.

Peguei meu caderno e uma caneta, tentando anotar o que estava no quadro, mesmo sem entender nada do que estava escrito.

Francesca deslizou um pedaço de papel para mim e abri com cuidado para ver o que estava escrito.

"o que aconteceu?" — estava escrito de caneta azul. Peguei uma caneta colorida e escrevi, depois deslizando o papel de volta para a garota do meu lado.

"minha irmã, meu cabelo, um grande drama que me atrasou por vinte minutos a mais do que eu esperava"

Francesca riu baixo, colocando uma sequência de pontos de interrogação no papel. Peguei a caneta colorida de novo e expliquei:

"minha irmã menstruou, fez um drama danado que nos atrasou e não deu tempo de arrumar meu cabelo direito, então levei mais tempo tentando ajeitar meus cachos."

Ela riu de novo e sibilou algo do tipo "Seu cabelo ficou lindo assim."

Uma batida seguida de três estalos soou atrás de nós e Francesca bateu na mesa com sua caneta duas vezes.

Peguei a caneta e o papel de novo e perguntei o que foi esse código morse destorcido. Ela virou para trás, apontando com os olhos cor-de-mel para Athena e Ofélia. Virei devagar, vendo os dois escondendo outro pedaço de papel entre o estojo e um sorriso exagerado dos dois, nada verdadeiro. Me estiquei para pegar, quase caindo da cadeira e ler o que era.

Meu esforço físico foi em prole de nada. Estava em italiano e eu não entendi uma palavra. Passei para Francesca que leu, com uma expressão de pena.

— Ofélia pediu por um absorvente. E eu não tenho nenhum, merda. — sussurrou para mim, frustrada. Uma lâmpada deve ter acendido em minha mente quando lembrei que minha mãe me fazia levar trezentos tipos diferentes de absorvente na minha mochila "só por precaução". Me abaixei no bolso da minha mochila e vi que tinha sobrando.

— Fala que eu tenho um monte aqui. Não sei qual é melhor para ela.

Ela hesitou em dizer algo e em seguida, seu rosto parecia ter levado uma pontada.

— Não é para ela. — explicou em um sussurro.

Para quem mais seria entã... Ah.

Olhei para trás, deslizando minha necessaire no chão, em direção à Athena, que pegou com o pé e levantou até onde ele alcançava. Sorri em solidariedade e voltei a prestar atenção na aula.

O alarme da sala tocou, anunciando o intervalo entre aulas. Emprestei minha jaqueta para ele amarrar na cintura e Athena correu para o banheiro com o absorvente em sua mão.

— Valeu. — ele disse, depois de voltar. Athena ajeitou seu cabelo castanho ondulado, tirando-o do rosto e dos olhos castanhos.

— Tenho sobrando. Não foi nada. — sorrio, simpática. Que situação.

Não sei o que dizer ou como agir depois disso. Das vezes que tentei dizer algo, nada saía, então ficamos em um silêncio constrangedor até Ofélia interferir e quebrar o gelo.

— Então. — diz. — Você tem alguma coisa na semana que vem? Ou, sei lá, esse fim de semana?

— Ah é! Tem a mostra de cinema, não é? — Athena exclamou. — Melhor semana do ano.

Levanto uma sobrancelha, curiosa.

— O que é isso?

— É uma semana inteira de filmes em céu aberto. — Francesca explica. — São todos os clássicos do cinema italiano e é basicamente um drive-in, mas nós ficamos na praça da cidade. O fim de semana são os dias com observação ao céu de madrugada e na segunda-feira nos deixam faltar aula para dormir. — diz, levantando um sorriso de todos que estavam presentes. Sorri animada também. — Ou seja, a melhor semana do ano.

— Isso é incrível! — bradei alegre e o resto da turma se animou também. Fomos para a outra aula quando o alarme tocou e conversamos sobre irmos juntos para a mostra. 

Esbarro com Catherina no caminho para o teatro e não consigo evitar a cara feia. Foi sem querer, mas acho que ela viu. Passo direto.

— Ursula! Espera! — a ruiva pede, alcançando meu passo. — Podemos conversar?

— Sobre...? — pergunto, sem interesse. Catherina respira fundo e ajeita sua blusa de flanela no corpo.

— Sobre eu ter sido totalmente babaca aquele dia. Estou me desculpando com todo mundo do teatro. — diz, de cabeça baixa. Continuo quieta. — Tem umas coisas acontecendo em casa com os meus pai, e não tenho com quem falar. Eu fico cansada e estressada e desconto em outras pessoas. Foi mal.

Ótimo, outra sáfica com problemas com o pai. Que nem eu. "Nós garotas, temos que nos unir". Não posso dar às costas.

— Você pode conversar comigo. Também tenho alguns problemas e sei lá, podemos se ajudar, né? — falo, e Catherina franze em um sorriso.

— Obrigada. — ela para e olha para mim. — Ei, talvez nós possamos sair mais tarde? Reclamar da vida juntas?

— Hoje eu não posso, tenho que buscar minha irmã. Mas amanhã? Te dou meu número, qualquer coisa. — Ela me entrega o celular e salvo meu número. Entramos no auditório juntas. Sento na cadeira mais próxima da saída e Catherina senta várias  fileiras atrás de mim, esperando o resto do grupo chegar também.

Athena e Ofélia chegam e logo após, Francesca e Bianca também.

— Chego com roteiro e os papéis divididos! — Ariana exclama, abrindo a porta do auditório dramaticamente, balançando os papéis em sua mão no ar. Rio da cena e olho para trás, alcançando olhares com Catherina. — Ursula, você é a Julieta e Francesca é Julie. Parabéns meninas!

Uau, parece que eu sou a protagonista de um livro. Isso foi muito fácil. Talvez eu só esteja com a sorte do meu lado. Os que estavam ali começaram a aplaudir, e acho que vi Catherina aplaudindo também, do fundo do auditório. Dou um sorriso involuntário olhando para a ruiva.

Acho que nunca parei para notar que ela é bonita, mesmo que de longe. Cat tem um rosto um pouco oval e um nariz pequeno e arrebitado. Seus olhos são médios e bem esverdeados, como uma dessas colinas de Villa Bella, que contrastam muito com sua pele branca e cabelos alaranjados como fogo. Ela sempre está vestida de uma forma simples, cheia de flanelas e calças jeans.

Volto minha atenção à nossa professora, distribuindo o resto dos papéis e entregando os roteiros. Meu celular vibra, e olho para a mensagem de um número desconhecido. 

É a Cat. Valeu pelo apoio. Te vejo amanhã. 

Frida reclamou o caminho todo de volta para a casa. Combinamos de assistir algo juntas e paramos em uma delicatesse para comprar chocolate e todas as besteiras que ela queria.

— Devíamos assistir um filme, não acha? — pergunta, espalhada no sofá. — Escolhe aí.

Penso em algo apropriado pro momento.

Diário de uma paixão? — digo, olhando para ela. Roubo um pouco de pipoca do balde do lado dela.

— Por quê? Para você ficar babando na Rachel McAdams em roupa vintage? — questiona levantando uma sobrancelha e eu rio.

— É claro. Diário de uma paixão é o filme perfeito de TPM. Romance, Ryan Gosling, drama e final trágico para chorar. — explico e ela morde um pedaço do chocolate. — A não ser que você não esteja na vibe de chorar.

— Você, de todas as pessoas na face da terra, chora com Diário de uma paixão? — Frida reclama, rindo de mim.

— Você chora com Frozen. Não me julgue.

Eu, não te julgar? Você também chora com Divertidamente! — minha irmã diz e eu jogo pipoca nela. — Ei! Agora precisa de mais pipoca! E a gente nem começou a assistir nada. Você que derrubou, você que pega mais.

Suspiro e me arrasto para fora do sofá, jogando o cobertor na minha irmã. Frida me xinga e vou para a cozinha para fazer mais pipoca.

Enquanto espero estourar, ouço um barulho do lado de fora, vindo da porta dos fundos. Olho pela janela.

Ai. Meu. Deus.

Minha mãe aos pegas com algum cara aleatório. Me afasto dali correndo, com nojo daquela imagem, que provavelmente vai ficar marcada na minha mente por um longo tempo. Mamãe abre a porta da cozinha e me olha de forma estranha. Continuo boquiaberta, mas mamãe fecha a porta atrás dela bem devagar. Espero por uma explicação. 

— Você não viu nada. 

oi amoress, espero que tenham gostado desse cap!! n tivemos mts surtos agr, mas acho q a partir do próximo cap vcs podem começar a me odiar um pouco rsrs 

enfim, bjss, até o próximo cap!!!

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