08| Beijos do tipo filmes de romance
"Eu sou apenas um tolo
Um tolo apaixonado por você"
- Elvis Presley
Eu estava pronta para sair. Não acreditei o quão rápido sábado chegou e quão rápida eu fui me arrumando. Me olhei no espelho uma última vez para checar se estava tudo em ordem.
Gostava do jeito que aparentava. Coloquei um vestido amarelo florido e solto de meia-manga, pois eu sei que venta bastante em Florença e calcei um par de tênis marrons para combinar com a jaqueta da mesma cor. Por fim, amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo, por ser mais prático. Respirei fundo. Estava mais que pronta.
Depois de quarta-feira, passei o resto dos dias evitando Ursula e qualquer conversa que poderia surgir entre nós sobre a minha porta da frente. Talvez fosse completamente infantil, mas eu não estava pronta para encarar alguém que eu mal conheço e em menos de uma semana me levou à loucura, no melhor sentido possível.
Mas somos amigas apenas. Amigas.
Saí do meu quarto com a minha bolsa e mandei uma mensagem para Nina, dizendo que já estava a caminho. Dei de cara com Nico e Capri rindo de algo sem-graça, como sempre. A noiva do meu irmão (e eu não acreditava que ela já era aquilo) usava um vestido vermelho de colar quadrado, decotado na altura dos seios. Capri segurava uma taça de vinho tinto quase na metade e ocasionalmente balançava seu cabelo preto cacheado que batia nas suas costas. Sua pele amarronzada refletia a luz do sol e ela falava com meu irmão, que ria com ela.
Eles pareciam apaixonados, e aquilo era muito estranho. Nico não era assim.
— Onde você vai, Francesca? — A voz doce da cacheada me pega no flagra, tentando sair sem que eles notassem. Congelei e virei devagar com um sorriso falso em meu rosto. — Está linda!
— Obrigada. 'Tô indo para Florença com algumas amigas. Uma delas acabou de chegar em Villa Bella e não conhece nada da Itália. — Respondo, caminhando em direção à porta da frente.
— Que legal! — Ela exclama, virando seu corpo para a minha direção e eu estranho seu tom animado. Capri nunca fala comigo, por quê ela quer falar agora? — Posso te perguntar uma coisa, Francesca?
— Claro. — Digo, com a mão na maçaneta redonda.
— Queria saber o que você acha de ser minha madrinha de casamento. Com as outras. Acho que seria uma boa oportunidade para nos aproximarmos.
Paro para pensar e ajeito minha mochila nas costas. Eu não preciso daquilo. Não preciso me aproximar da Capri porque ela vai embora em menos de três meses depois que eles se casarem. Sempre é assim, não será diferente agora. Meu irmão é uma versão italiana do Ross Geller.
— Eu tenho que ir. Vou me atrasar.
Saio pela porta, deixando meu irmão provavelmente bravo e sua noiva sem entender nada. É mentira, eu estou quinze minutos adiantada, mas quero fugir daquela conversa desnecessária e aproveitar a caminhada até a casa de Ursula e da Nina.
O sol brilha forte acima da minha cabeça, iluminando o dia e me aquecendo. Florença tem o clima perfeito: Sol e vento no mesmo dia. A caminhada pelas colinas de Villa Bella é uma das minhas coisas preferidas. A brisa na cara, sol ardendo nas costas e a vista estonteante da praia do Viareggio, com o farol do porto Bello, bem longe daqui.
Não muito longe, claro. Seria impossível aproveitar o verão se a praia fosse longe.
Peguei meu celular, para ver se uma das meninas me mandou mensagem e Nina diz que vai se atrasar por causa do primo, Mateo.
Já conheci o garoto uma vez. Ele veio para Itália no ano passado, por conta da mãe problemática ou algo assim. Seu cabelo está sempre com uma cor diferente e ele parece gostar de Harry Potter, pelo quanto que fala disso. Quando eu contei que nunca havia lido os livros, ele nunca mais falou comigo sobre isso.
Apesar disso, ele é legal. Para alguém da idade dele. Acho que Mateo é mais novo do que nós, com catorze anos e pouco. Eu tenho dezesseis e a pessoa mais nova no nosso grupo, é a Ofélia, com quinze.
Decido que vou passar pela casa de Ursula primeiro, já que quando a loira diz que vai demorar, é porque ela vai nos atrasar uns quarenta minutos no mínimo. Nina é um estereótipo de loira que gosta de rosa. Chega a ser engraçado.
Bato à sua porta, esperando qualquer coisa menos o que estava à minha frente. A garota segurava o gato preto no colo e estava apenas com uma toalha enrolada em seu corpo. Seu cabelo platinado estava arrepiado e molhado, quase começando a cachear. Arregalo meus olhos, sem querer e sinto meu rosto enrubescer totalmente. Quero me enfiar debaixo da terra depois disso.
Ursula está com um sorriso confuso em seu rosto.
— Eu estou atrasada? — Ela pergunta, um pouco atordoada. Me distraio totalmente. — Francesca?
— Não! Eu que 'tô adiantada. Precisava sair de casa antes que a noiva do meu irmão me abraçasse ou algo assim.
Ursula ri e entra na casa de novo, me convidando para entrar também e sentar em algum lugar. Ela coloca o gatinho no chão e por um momento, sua toalha cai um pouco, deixando uma parte do seu busto exposto. Olhei para longe e me amaldiçoei por escapar o olhar, mesmo que rapidamente.
— Ursula. — Ela levanta a cabeça com uma expressão confusa. — Sua toalha.
A garota olhou para baixo e prendeu a toalha com seu braço.
— Ah. Vou ao banheiro colocar o sutiã. Se você quiser ficar no meu quarto, é subindo esse andar, na última porta à direita. — Ursula diz, andando até a escada e subindo, sem nem se importar se a única coisa que a cobria quase caiu.
Meu Deus. Eu vou me perder nessa garota.
Segui suas instruções e fui até seu quarto. Havia uma penteadeira perto da janela que ficava perto da sua cama e todo o quarto era coberto de armários em tons neutros. Não tinha nada a ver com ela. Era totalmente vazio.
Tropecei em algo e caí sentada na cama. Olhei para baixo e vi uma caixa de papelão.
Ah.
Peguei meu celular e fiquei respondendo mensagens até Ursula aparecer no quarto, quase totalmente vestida. A garota estava apenas de calças jeans e usava um sutiã roxo. Seu cabelo platinado foi alisado e um pouco ondulado, provavelmente com uma prancha de calor. Ela caminhou até o armário para pegar uma blusa e colocou uma camiseta colorida, um pouco mais larga do que ela. Ursula fez um nó no pano que sobrou da peça, acinturando seu corpo e seu tronco, e pegou sua bandana vermelha no gancho ao lado da porta, amarrando-a em sua cabeça.
— Leva uma jaqueta. Venta muito em Florença e você não é Scarlett O'hara para ser levada pelo vento. — Aviso, num tom brincalhão, provavelmente para esconder o quão nervosa eu estou.
— Pelo menos eu não estou vestida em cortinas. — Ela brinca, pegando um casaco em seu armário e saindo do quarto. Vou atrás dela, levando minha mochila e descemos as escadas, conversando.
Antes de sair, uma voz madura chama Ursula e a menina vai atrás.
— Você 'tá linda, minha filha, aproveita o passeio. Toma cuidado, ok? — A mulher diz. Ela está na bancada da cozinha, tomando uma xícara de café. Seu cabelo encaracolado e castanho caíam em cascatas pela sua pele bronzeada, vestida em um terno azul e uma saia lápis preta. Ela olha para mim, e consigo ver a semelhança dos olhos castanhos, de Ursula e da sua irmã mais nova também. — Oi. Não sei quem é você, mas gostei do seu vestido.
Faço uma expressão confusa e Ursula vira os olhos para a mulher, como se mentalmente pedisse para que ela se calasse. A garota se aproxima de mim, para me trazer mais perto das duas.
— Mãe, Francesca, Francesca, Priscila Williams, minha mãe. — Ela diz, gesticulando com as mãos. Priscila abre um sorriso para mim e eu digo que é um prazer conhece-la. Trocamos gentilezas e ela me corrige por chamá-la de senhora Williams.
— Ah, e filha! Se Megan te ligar, atende. — Priscila chama-a, antes de sairmos.
— Não, obrigada. — Responde, com um certo tom de deboche. Priscila respira fundo.
— Ela começou a me ligar, Ursula. No trabalho. Por favor, ok?
Ursula revira os olhos e diz adeus à mãe.
— Nós buscamos Nina ou Nina nos busca? — Ela perguntou assim que chegamos do lado de fora da sua casa.
— Nós buscamos. Nina e Mateo, lembra? — Digo. — Quem é Megan?
— A esposa modelo e socialite de trinta anos do meu pai. A mais recente, desculpa. — Ursula responde, com a fala carregada de sarcasmo. — Não deve ser nada importante, e se fosse, não é como eu me importasse. Não falo com ela ou com meu pai há muito tempo.
— Desculpa. — Solto, me arrependendo de ter perguntado.
— Você não precisa se desculpar por fazer perguntas. Eu realmente não me importo. — Ela responde, um pouco mais distante do que antes. Paro de fazer perguntas, mas fico incomodada com aquilo. — Agora eu fui grossa, me desculpa. É que ela tenta demais.
— Capri também tenta demais. Eu não acho que ela precisa, se nem vai ficar por tanto tempo. É sempre assim mesmo. — Falo, um pouco cabisbaixa. Ursula sorri, em empatia, fazendo um leve cafuné na minha mão. Sinto meu rosto esquentar, mas ignoro.
— Megan quer sempre me levar para compras, manicure, cabeleireiro e coisas assim. Perdi a quantidade de vezes que eu inventei uma desculpa qualquer para fugir da sua necessidade sufocante de se aproximar de mim. — Ela diz, olhando para baixo.
Dou uma risada sem humor. Sei como ela se sente, pois, sinto o mesmo.
— Capri também é assim. Agora a pouco, ela me perguntou se eu gostaria de ser madrinha do casamento deles, com as amigas dela. — Digo, um pouco desacreditada. Apenas por quê?
— Você não gosta dela, ou algo assim? — Ursula pergunta.
— Não é que eu não goste dela. Eu só não gosto que ela está sempre tentando ser maternal. Eu tenho mãe, mesmo que ela não se importe com as minhas conquistas tanto como as do meu irmão. Capri não precisa fazer isso.
— Talvez ela queira te ter como irmã. Ou fazer coisas de irmã com você, pois as duas serão parentes em breve. Vou te dizer, ter pessoas para contar assim, são a melhor coisa que você pode conseguir.
— Acredite, eu não preciso de outra irmã. Rosetta já existe para isso. E Nico é um inferno de pessoa. — Admito, com um ar de humor na minha fala. Os dois são infernais, quem eu estou tentando enganar?
— Você diz isso quando eu tenho mais de cinco irmãos por parte de pai. — Responde, rindo. Faço uma careta sem querer e ela ri ainda mais. — Sério! Dois do primeiro casamento dele, um do segundo, a Frida e mais duas desse mais recente!
— Dio Mio!
Nina demorou tanto tempo para se arrumar que decidimos nos encontrar na estação de trem. Pedi um cappuccino de chocolate enquanto esperava minha amiga chegar com seu primo. Tínhamos criado um roteiro para o dia: Galleria Degli Uffizi, para vermos a exposição que eu mencionei na outra semana, Duomo, pois é um clássico e assistir o pôr-do-sol na Ponte Vecchio. Ursula sentou em um banco da estação e ficou fazendo rascunhos das pessoas que passavam por ali. A estação de trem de Villa Bella é uma das mais antigas da Itália, e até hoje mantém todos os aspectos que tinha no século em que foi construída: Era toda trabalhada em mármore, com alguns relevos nas paredes. Um lustre antigo estava pendurado no teto do local, e parecia estar ali apenas para enfeitar, pois, as luzes naturais daquele dia entravam pelas janelas de vidro.
O dia ficou mais nublado do que quando saímos, e isso me preocupou um pouco. Ainda assim, estava quente.
Nina chegou na estação, arrastando seu primo pela mão. Não era difícil de achar a garota na multidão da ferroviária, pois sua roupa em tons rosados e o cabelo azul do garoto se destacavam. Ela estava com o cabelo preso em um rabo de cavalo, com metade solto em seu vestido rosé.
— Oi, meninas! — Ela nos cumprimenta, forçando um sorriso. — Mateo, larga o celular e dá oi para as minhas amigas!
O garoto levanta o olhar para mim e acena com a mão, voltando a mexer em seu telefone. Mateo veste uma camiseta vermelha e branca com listras e um short bege simples. Seu cabelo azul desbotado é meio cacheado e dá para ver um pouco do castanho original. Seus olhos esverdeados às vezes escapam para ver a prima irritada ou Ursula sentada no banco, enquanto desenha. Mateo não para de mexer nos óculos redondos, que me lembram da vez que ele ficou desacreditado quando disse que não tenho interesse em receber uma carta para Hogwarts.
— Eu vou tirar o seu telefone se você continuar com a cara enfiada nele e não dizer nada, garoto. — Ela avisa para seu primo, que bufa e coloca o celular no bolso. — Obrigada.
— Oi. — É a única coisa que ele diz.
Ursula levanta a cabeça do caderno de desenho e se levanta, indo falar com Nina e seu primo. Diz oi para os dois fica olhando em volta da estação, como se tivesse absorvendo tudo aquilo.
— Já compraram os tickets? — A loira diz, depois de um tempo em silêncio.
Aceno com a cabeça que sim. E vou para onde Ursula está.
— Ei. Nós vamos entrar. Quer alguma coisa antes de ir? — Pergunto para ela. Ursula prendeu uma parte de seu cabelo e colocou a jaqueta, apenas subindo um pouco as mangas na altura do antebraço. Ela parece lembrar de algo.
— Sim. Onde foi que você comprou aquele cappuccino?
— Ali. — Respondo, apontando para a cafeteria da estação. — Você quer que eu peça alguma coisa?
— Não precisa. — Diz com um sorriso leve. — Ah! Como que diz bom dia em italiano?
— Buon giorno. Ou ciao. Mas é ciao é mais um "oi".
— Certo. Já volto.
Ela vai até a cafeteria e pede um chá, conversa rapidamente e sai de lá com o copo. Tudo isso em italiano.
— Você sabe pedir chá, mas não sabe dizer bom dia? — Pergunto, surpresa, quando ela volta.
Ursula dá uma risada baixa, tomando um gole pequeno do copo e me responde:
— Prioridades, Francesca. — Responde, tomando um gole do chá e olhando para mim, com um leve sorriso.
— Ei, pombinhas! — Nina nos chama. — Vamos!
— Onde você disse que nós estávamos, Francesca? — Nina pergunta. Ela tem certeza que saímos do caminho. Eu não vou admitir que nos perdemos, nem que me obriguem. Até porque nós não estamos perdidas.
— San Giovanni! — Exclamo.
— E isso deveria ser...? — Ursula questiona, com o copo de chá vazio em sua mão.
— Perto de tudo. Perto do Duomo e da Galleria. E da festa que estamos levando meu primo. — A loira responde. — Mateo, você vai se atrasar para a festa, e eu sinceramente não vejo problema nisso. Chegar atrasado é chique.
— Não é não, Nina. — O garoto responde, olhando para o celular. — E nós estamos na paralela, atrás da San Giovanni. — Ele diz, mostrando o celular com o mapa aberto. Nina e Ursula suspiram, aliviadas. — Se virarmos naquela rua, chegamos na San Giovanni. — Mateo aponta para a rua atrás de nós. Viro e estreitando meus olhos, consigo ver a abóbada do Duomo, suspirando aliviada, como as meninas fizeram segundo antes. — Vocês nem consideraram procurar na internet?
— Fala isso para a Fran! — Nina exclama, apontando um dedo para mim.
— Não estávamos perdidas! — Exclamo de volta.
Ursula dá uma risada e começa a andar até a rua, com Mateo atrás dela. Seu cabelo fica no seu rosto por conta da brisa e cobre os seus olhos castanhos. Ajeitando sua jaqueta, ela dá um passo na direção que devemos ir e para.
— Vocês vem, ou não?
Saímos atrás dos dois e logo, chegamos no local da festa.
Nina fica de frente para Mateo, ajeitando sua blusa e limpando seu rosto, que estava um pouco sujo. O garoto fica com uma feição de desprezo, toda hora se afastando da prima.
— Eu não gosto muito de você, mas se não voltar para casa vivo, minha mãe me mata. — Ela diz. — Então, não se mete em confusão com garotos que são duas vezes sua altura e sua massa muscular de passarinho, não tenha uma overdose de açúcar e não entre em coma alcoólico. Você não tem idade para isso. De qualquer forma: se você morrer, eu te mato, garoto. Aproveita!
— Você era outra pessoa quando eu te conheci.
— Ursula, você me aconselhou a dizer ao meu primo que ele é adotado só para zoar, claro que sou outra pessoa à sua volta. Você me entende. — Nina responde, levantando seus óculos de sol e colocando-os na cabeça. — E também poderia se soltar um pouquinho, considerando o fato de estar na Itália. Gelato italiano resolve todos os seus problemas, sem exceção. Nós precisamos de um agora.
— Nina está certa. — Respondo, rindo. — Mas deveríamos ir se quisermos chegar na Galleria antes do horário do almoço. Podemos tomar gelato depois.
— Então o que ainda estamos fazendo paradas aqui? — Ursula pergunta com os braços cruzados na frente de seu corpo, e as sobrancelhas castanhas levantadas. Ela prendera o cabelo que caía em seu rosto com presilhas de cabelo coloridas, combinando com sua roupa. Não iria imaginar que ela as teria em sua bolsa, mas essa garota me surpreende cada dia mais.
Caminhamos até a Galleria, que era um grande museu com vários museus dentro. Sua estrutura é bem antiga e se não me engano, data da época do baixo renascimento, em 1580.
O espaço de fora parece um grande palácio, bem aberto e me lembra as construções da antiga Grécia. Faz sentido, pois, no renascimento os conceitos e estilos de vida greco-romanos voltaram ao fascínio da sociedade da época.
Me pergunto como sei tanto dessas coisas e lembro que um dos meus passatempos favoritos é estudar. Que nerd de mim.
Numa pequena discussão entre nós três, decidimos que veríamos as obras mais famosas primeiro.
Era um corredor vasto, bem iluminado e só um pouco parecido com o interior do Museu Orsay (pelo menos o que eu já vi em fotos). A primeira coisa que me chamou atenção foi o teto. Como tudo em Florença, a Galleria degli Uffizi também fazia parte do conjunto de abóbodas famosas. Por dentro, os desenhos bem feitos há mais de quinhentos anos decoravam a parte mais alta daquela sala. Estávamos em uma parte cheia de esculturas em mármore, a maior parte sendo de Michelangelo. O ambiente estava um pouco frio, com a brisa repentina que surgiu e entrava pelos espaços abertos do museu. Ficamos perambulando por aquela sala até Nina nos puxar para as partes com quadros.
— Esse lugar seria um paraíso para a minha mãe. — Ursula comenta, de frente para "A Primavera". — Olha esses detalhes.
— É uma das minhas obras favoritas. — Digo, observando o quadro com ela.
"A Primavera" é um dos quadros mais famosos de Sandro Botticelli. Nunca soube direito porque gostava tanto dele. Talvez seja por a primavera ser a minha época favorita do ano.
Ursula dá de ombros e faz uma expressão de deboche.
— O quê foi?
— Vai dizer que seu livro favorito é Orgulho e Preconceito, e sua obra preferida de todos os tempos é "Noite estrelada" do Vincent Van Gogh? — Ela provoca, passando os olhos pelo museu. Sua fala é carregada de sarcasmo e deboche, mas ainda tem uma pontada de verdade. Meu livro favorito é Orgulho e Preconceito. E adoro Van Gogh.
— Está me chamando de jovem alternativa de 2014? — Retruco em um tom espirituoso, cheio de sarcasmo. Ela ri. Sorrio por dentro.
— Depende. — Diz, e faz uma pausa. — Sua banda favorita é Artic Monkeys?
— Oh meu Deus, você me desmascarou. — Respondo debochada.
Ela tenta segurar uma risada, mas não aguenta e cai na gargalhada. Também caio, mas é mais porque sua risada parece a de uma hiena congelando no ártico, e isso é uma das coisas mais peculiares sobre Ursula que a deixam tão atraente.
São esses momentos estúpidos que você sabe. Demora um pouco para recuperarmos o fôlego, e pessoas nos olham torto, como se estivéssemos escapado de um hospício dopadas com morfina.
Eu super ficaria dopada em morfina com ela.
Nesses ataques de riso, onde não conseguíamos nos olhar sem começar a gargalhar, nossas mãos se chocaram. Um arrepio correu pela minha espinha, e não sabia dizer se eram as doses extras de cappuccino de chocolate que tomei antes de sair ou dor de barriga de tanto rir.
Minha mente — maldita — me leva de volta para quarta-feira, na sua porta da frente. Coloco na minha cabeça que mal nos conhecemos, que somos amigas e apesar de Ursula ser uma das pessoas mais bonitas que conheci na minha vida, não há absolutamente nenhum sinal que ela goste de mim além da amizade.
Dancing Queen começa a tocar no bolso da calça da Ursula e eu saio daquele transe. Ela pega o celular do bolso, olha a tela e desliga, guardando de volta. Olho para ela confusa.
— Não é ninguém importante.
— Você não me engana.
Ursula suspira. E desvia o olhar para mim, daquela forma que você sabe exatamente o que está passando na cabeça da outra pessoa. Aquele tipo de conexão, que não é necessário palavras para expressar a frustração ou qualquer outro sentimento. Eu pego em sua mão, a que não está segurando o copo de chá de duas horas atrás e aperto-a, para ela saber que eu estou aqui, seja o que for. Ursula sorri para mim e me leva até um banco entre um corredor e outro. Estamos de frente para o Nascimento de Vênus e nos sentamos, olhando para o quadro.
— Obrigada. — Ela quebra o silêncio, se virando para mim. — Você não precisa se importar, mas você faz mesmo assim.
Minha bochecha esquenta e sei que estou ficando corada. Eu sou tão boba.
— Nós não somos estranhas. — Digo, olhando para baixo, escondendo meu rosto. — E é claro que eu me importo. Eu te dei um anel de papel, que nem na música da Taylor Swift. É a maior prova de amizade que existe e ninguém muda minha opinião. — Continuo, em meio a uma risada e Ursula continua sorrindo. Que bom. Gosto do seu sorriso. — Nós meio que estamos na mesma situação, não é? Você com sua madrasta, e eu com a minha futura cunhada. Se fosse fácil, eu já teria resolvido tudo.
Ainda estamos de mãos dadas e só percebo isso porque ela aperta a minha, como se estivesse me confortando. Levanto o olhar, encarando-a.
— Bom saber que eu encontrei alguém mais swiftie que eu.
Suspiro, mirando-a e digo:
— Ninguém consegue ser mais swiftie que eu.
Ursula ri.
— Eu amo esse lugar. — Nina diz. Estamos na ponte e decidimos tirar o Duomo do itinerário, pois não daria tempo de buscar Mateo depois. — Olha como é lindo, Ursula!
O vento bate bem leve em nossos rostos e estamos apoiadas de frente para o rio Arno, observando o pôr-do-sol. Com o cair do sol, Florença ficou um pouco mais frio e tivemos que colocar as jaquetas. Nina não trouxera uma e Ursula e ela ficam dividindo a jeans da outra garota, cada uma em um lado das mangas da peça de roupa.
— Eu sei. É lindo. — Responde, olhando para o horizonte. — Nenhum lugar que eu estive, vi algo parecido.
A luz alaranjada do sol desaparecendo bate em seu cabelo platinado, deixando as ondas bagunçadas pelo vento quase do mesmo tom da luz do céu.
— Em quantos lugares você já foi? — Pergunto, continuando a conversa.
— Morei cinco anos no Brasil. Aí eu fui para a Inglaterra e minha mãe teve minha irmã. Depois disso, passei algumas semanas em Berlim, Paris e Dublin. Quando eu tinha doze anos, morei por dois anos em Paris e depois voltei para Londres. E agora, aqui.
— Uau. Você é rica, por acaso? — Nina pergunta surpresa e Ursula solta uma risada.
— Algo assim.
— Essa ponte me lembra Paris. — Diz, olhando para frente. — Acho que é por causa do rio.
— São rios diferentes. — Respondo. Nina saiu, para olhar uma feirinha que estava acontecendo em outra rua e nos deixou sozinhas. — Pontes diferentes.
— Eu sei. 'Tô falando do conjunto, rio e ponte com pôr-do-sol romântico. Me lembra da ponte do rio Senna. É esse mesmo estilo de coisa. Não sei explicar.
— Eu acho que entendi.
Silêncio. O sol se punha e aos poucos escurecia. As luzes dos postes acendiam e já conseguia ver um pouco da lua. Ainda ventava, porque é o que mais acontece em Florença e estávamos em paz absoluta.
— Tenho uma queda por pores-do-sol. Deixa tudo mais mágico, sabe? É só ver que beijos em filmes acontecem em pontes no pôr-do-sol com vento. — Ursula quebra o silêncio, virando o rosto para mim e estamos sempre perigosamente perto demais.
— Você já teve um beijo estilo filme romântico?
— Sim. Meu primeiro beijo com uma garota. Sarah Jameson. Em Paris, de frente para o Senna. Meu pai ficou louco depois que descobriu, mas eu não me importei. Foi a melhor sensação da minha vida. — Ela responde, com um sorrisinho. — E você?
— Meu primeiro beijo foi em um beco atrás da escola e foi muito estranho. Foi com Catherina. — Digo, com um pouco de arrependimento.
— A ruiva do teatro? — Ursula questiona, curiosa e eu abaixo minha cabeça, balançando-a como se dissesse "que vergonha". — Achei que você não gostasse dela.
— Não agora, mas já tive uma queda por ela. Ela era legal até a fama desses concursos de teatro que ela participava subirem à cabeça. — Digo, lembrando de tudo. Catherina tinha presença de palco, era isso que a deixava inesquecível, mas aquilo não era nada.
Como que eu consigo matar qualquer assunto tão rápido?
— Você é a primeira pessoa que eu falo sobre Sarah desde muito tempo. — Ursula quebra o silêncio. — Trauma e essas merdas.
Nina volta para a ponte e voltamos para buscar seu primo. Quando chegamos a Villa Bella estava de noite. Eu e Ursula nos despedimos de Nina e Mateo na porta da casa dela e Ursula decide me levar em casa dessa vez.
Abro a porta, mas sinto meu celular vibrar na bolsa.
URSULA ARIEL: não é tão ruim ser madrinha de casamento.
EU: eu sei. mas é capri
URSULA ARIEL: exato. se vc n se dar bem com ela agora, acha q vai melhorar depois?
Inferno de garota bonita que sabe das coisas. Entro em casa, colocando minhas coisas no sofá e cumprimento minha sobrinha e irmã. Pego meu celular de novo e mando outra mensagem para Ursula.
EU: mas vc ligue para a sua madrasta também.
Recebo uma figurinha de desespero e rio da resposta. Procuro por Capri ou Nico pela casa, mas não acho nenhum dos dois. Esbarro em minha mãe e pergunto onde eles estão. Ela aponta para a varanda e vou até eles.
Capri está sozinha, sentada numa cadeira recostada de madeira e segura uma taça de vinho em suas mãos. Seu cabelo encaracolado está preso em um coque e quando eu bato na porta de vidro da varanda, ela se vira.
— Desculpa por sair correndo mais cedo. Não sei se você quer que eu seja madrinha porque você vai se casar com meu irmão, ou, porque você realmente me quer como madrinha. Para falar a verdade, eu nem sei o que significa ser madrinha de casamento. Enfim. Se a proposta ainda estiver de pé, eu quero. Você parece ser legal e essas coisas.
— Senta aqui, Francesca. — É a única coisa que ela diz. Me jogo em uma cadeira qualquer e ajeito meus óculos no rosto. — Eu quero que você me conheça, sabe? E que você tenha uma irmã que realmente fique por aqui. Sou parte da sua família agora, quero que me veja assim. Porque eu te vejo como família.
— Com o tempo, eu talvez te veja como família também.
Capri sorri e eu sorrio por reflexo também. Vou até meu quarto e me jogo na cama, colocando Taylor Swift no fone de ouvido. Foi um dia e tanto.
QUEM SOME SEMPRE APARECE NÉ
Enfimm, estou mais ou menos de volta, e hj faria um mês que eu não atualizava ads, ent quis cancelar o mesversário😼😼😼
É provável que vocês sintam um pouco de raiva de mim a partir dos próximos capítulos e prometo chororô com a hist da ursula e da sarah tb
beijoss e até o próximo capítulo!!!
(não esqueçam de votar se gostaram :))
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