7. Sem salvadores

Meu grito ecoa pelo lugar no exato momento em que o corpo apodrecido do monstro explode, espalhando sua gosma fétida por todos os lados.


— Urgh! Que nojo! — Josh reclama, franzindo o rosto. — Vou ficar fedendo por dias... — Ele dá uma olhada ao redor, em busca de outros perigos, e só então percebo a arma em sua mão direita, algo que não tinha visto antes.


Onde será que ele a estava escondendo?


Seus olhos finalmente encontram os meus, e ele sorri.


— Você está bem? — pergunta. Faço que sim com a cabeça. — Tem mais por aí? — nego com outro aceno. — Ótimo. Agora preciso achar um lugar pra me lavar. Não vou aguentar esse cheiro em mim. — Ele ri.


Percebo que Josh tem mudado a maneira como me trata. Ele parece... diferente, de algum modo.


Depois de mais alguns minutos de caminhada, Josh encontra um local onde pode se lavar. Sem hesitar, tira quase toda a roupa diante de mim e se limpa em uma pia que, segundo ele, já pertenceu a um antigo comércio. Depois, veste roupas limpas da mochila e seguimos em busca de um abrigo para passar a noite. Acabamos encontrando um apartamento no prédio mais alto da área. Apesar de sujo, o lugar está intacto. Dormimos em colchões, seguros. Com certeza, uma das nossas melhores noites até agora.


Na manhã seguinte, descemos os degraus devagar, caminhando em silêncio até chegarmos a uma área cercada por grandes árvores.


— Sente alguma coisa? — Josh pergunta, observando os arredores.


— Não... — respondo, olhando para as copas das árvores.


— Tina, não tive a chance de te agradecer por ter me ajudado antes. Aquele monstro teria me estraçalhado se você não tivesse agido rápido... — Ele solta um riso abafado e olha ao redor mais uma vez. — Silas me pediu para te proteger, mas é você que anda salvando minha pele. Obrigado!


— Não precisa agradecer. — murmuro, dando o primeiro passo em direção às árvores.


...


Três dias de caminhada se passam. Noites dormindo nos braços de Josh, mas, para nossa sorte, nenhum sinal de monstros. Encontramos um riacho, onde enchemos nossas garrafas e tomamos um banho merecido. No entanto, algo incomoda. Sinto os olhos de Josh sobre mim, me observando de um jeito diferente, avaliando cada movimento. Ao mesmo tempo, uma doçura surge em minha boca. É uma sensação nova, e sei que não vem de mim. Quero saber o que ele está pensando. Quero entrar em sua mente de novo, entender por que ele me olha assim.


— Vamos ter que dormir no casulo de novo! — Josh grita para mim, interrompendo meus pensamentos. — Pesquei alguns peixes. Vamos comer e depois nos esconder. - Ele se aproxima da fogueira que acendi. Ainda estou apenas com uma camisa; minhas roupas secam sobre uma pedra próxima. Josh coloca os peixes sobre um pedaço de ferro que diz ter limpado no riacho, ajustando-o cuidadosamente acima das chamas, usando pedras como suporte.


— Tem monstros por perto, Josh. Precisamos apagar a fogueira e apagar nossos rastros. Não são muitos, mas posso senti-los.


— Acendeu a fogueira por causa do frio? — Ele já sabe que o frio que sinto está ligado aos monstros, e por isso está sempre atento à temperatura da minha pele. Seus dedos grandes tocam meu braço e meu rosto com uma carícia leve. — Você está fria.


Seus olhos voltam a me fitar daquele jeito estranho, com as pálpebras um pouco baixas. A doçura em minha boca se intensifica. Passo a língua pelos lábios, o que faz seu olhar se desviar para eles.


O que ele está pensando? O que ele está pensando!?


— Vamos fazer o que for preciso depois de comer. — Ele diz. Concordo com um aceno, desviando o olhar.


Acordo de madrugada, tremendo de frio. Sinto que há monstros por perto. Não são muitos, mas o suficiente para me deixar em alerta.


— Mais um dia de caminhada e chegaremos ao primeiro posto. Podemos ficar lá por um tempo. Sem monstros para incomodar. — Josh murmura, esfregando meu braço para me aquecer. Outra vez, o gosto doce enche minha boca. Com o tempo, percebi que esses sabores têm algo a ver com os sentimentos dele, mas ainda não sei o que representam.


— Por que você está sendo tão gentil comigo? No início, você mal suportava andar ao meu lado. O que mudou? — pergunto, tentando entender a confusão de emoções dentro de mim. — E por que mudou tão de repente? - Me levanto apressada, caminhando até o riacho para tentar lavar a doçura que invade minha boca. Não quero mais sentir isso, não quero me sentir à beira de explodir.


— Eu... eu não sei. Acho que percebi que você não é como eu pensava. Não gosto de pessoas novas, não confio nelas. Na verdade, acho que não gosto de pessoas, ponto final. Quando você se decepciona demais, acaba ficando sozinho. — Ele desvia o olhar enquanto fala.


— Se não confia em mim, por que está sendo gentil? Sabe de uma coisa? Não importa. Só quero duas coisas nessa vida, Josh. Uma é reencontrar a família que me foi tirada, e a outra é fazer Quizar e aquele exército dele queimarem até as cinzas. Quero destruir o berço e tudo o que ele representa, e vou fazer isso, mesmo que tenha que morrer. Não me importo se você vai me ignorar como antes ou se vai me abraçar quando os monstros estiverem por perto. Só quero chegar à cidade-mãe e ter a chance de ver minha família. É isso. — Digo, com os sentimentos à flor da pele e os olhos cheios de lágrimas.


Josh respira fundo e se aproxima devagar, como quem se aproxima de um animal assustado, incerto de como eu reagiria à sua proximidade. Quando percebe que não vou atacá-lo, ele diz:— Você tem razão. Não fui justo com você. Deveria ter sido mais gentil, como Silas me ensinou. Mas... vivo em meio a guerra, e é difícil confiar nas pessoas. Não confiei em você no começo. Mas com o tempo, percebi que você não pode ser uma pessoa ruim. Não quando cura pássaros só porque pode. Não quando salva a vida de alguém que não mostra qualquer tipo de afeto por você. Você é melhor do que eu pensava. E me desculpe por não ter visto isso antes.

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