3. Fiquei de olhos bem abertos

Abro os olhos lentamente, tentando entender onde estou. Uma combinação de cheiros se mistura no ar, tornando difícil identificar um único aroma. Estou em um quarto simples, semelhante a muitos outros em que me escondi desde que fugi da Cidade Nova. Duas camas iguais e móveis antigos em volta, todos bem conservados, apenas desgastados pelo tempo. O ambiente está limpo, um alívio em meio ao caos da minha vida. Não preciso investigar minha perna para perceber que foi enfaixada, e o líquido que flui até minha veia é algum tipo de medicamento. Não estou amarrada, e a porta está aberta - isso significa que não sou uma prisioneira. Na verdade, a única companhia é um brutamontes dormindo na cama ao lado, sem parecer um vigia.


Ele já deve saber sobre meu poder. Lembro-me de acordar sentindo dor e liberar milhares de volts em seu corpo. Reconheci seus grandes olhos verdes e senti vontade de queimá-los, de desfigurar sua alma. No entanto, essa parece uma boa oportunidade para me vingar, mas reconheço que ele não estava realmente me machucando, e talvez não seja tão mau quanto imagino. Se fosse, eu já estaria morta, e não sob esses cuidados.


Descubro o cobertor e tento me sentar, mas a fraqueza ainda domina meu corpo; o quarto gira, causando-me náuseas, e minha visão escurece momentaneamente. Sinto que meu corpo foi lavado, e roupas limpas vestem meu corpo. Só espero que aquele brutamontes não tenha sido quem cuidou de mim; seria embaraçoso! Impulsivamente, integro-me à sua mente, buscando pistas sobre quem ele é e o que quer comigo. Sua mente se abre para mim com uma clareza surpreendente.


Encontro um longo corredor mal iluminado, repleto de portas. Sua mente é notavelmente organizada, o que é raro. Com curiosidade, abro uma porta vermelha e branca, onde um jovem casal se beija apaixonadamente. A garota, com cabelos lisos e dourados como o sol, é deslumbrante. Seu sorriso largo faz meus lábios se curvarem involuntariamente. Tenho certeza de que essa deve ser a companheira do grandalhão, pois ele a observa como se ela fosse seu mundo. Os dois se abraçam e se beijam de uma forma que me provoca uma pontada de inveja - é algo que nunca saberei.


Saio desse quarto e me deparo com uma porta grande e escura, com manchas vermelhas que lembram sangue. Ela exala um ar sinistro, quase me intimidando. Não preciso entrar para saber que aquela porta esconde lutos, perdas, medos e raivas - todos os sentimentos e reminiscências sombrias que ele carrega. No entanto, me sinto compelida a entrar, desejando entender o que ele guarda de tão doloroso. Com cuidado, passo pela porta e me deparo com um espaço amplo, repleto de lembranças atormentadoras: guerra, traição... Ele abomina a traição, tendo sido traído por amigos próximos, irmãos de guerra. Ao fundo, vislumbro uma cena devastadora.


Aproximo-me de um espelho e atravesso-o, encontrando um local destruído pela batalha. Lá está a jovem de cabelos dourados, agonizando. Ele chora sobre seu corpo frágil como uma criança, enquanto a mulher dá seus últimos suspiros. Seu lamento ressoa em mim, como um eco doloroso, fazendo os pelos do meu corpo se arrepiarem. Uma lágrima escorre dos meus olhos enquanto a dor dele se infiltra nos meus nervos.


Não consigo me lembrar da última vez que experimentei o luto de maneira tão intensa dentro da mente de alguém. O sentimento é tão poderoso que parece possuí-los, encaixando-se nos meus ossos e enclausurando-me em suas entranhas. Por mais que deseje, não consigo sair do lugar; não quero ver aquela jovem se despedir da vida, nem o grandalhão dizer adeus ao amor de sua vida daquela forma tão dolorosa. Reconheço a dificuldade de se despedir de alguém que se ama.


Permaneço ali, olhando enquanto ele chora, mesmo depois que sua amada exala seu último suspiro. Fico ali sem me mover, observando o corpo ensanguentado da mulher e a expressão devastada do homem, enquanto ele se levanta e parte sem olhar para trás. Parte dele havia morrido junto àquela jovem, e posso sentir a determinação que emana dele, um ódio pulsante que infunde suas ações após ter perdido seu amor.


A conexão com a mente daquele homem já não traz mais energia ou alegria. Qualquer desejo de descobrir algo se dissipa, ofuscado pela dor que ainda permanece presa em meu interior. Desligo-me lentamente de sua mente, abrindo os olhos para encontrar seu olhar fixo em mim. Nossos olhos se encontram, cheios de lágrimas, e sinto a emoção sufocante em ambos. Queria me desculpar, mas palavras falham em sair. Eu sabia que ele compreendia o que eu havia feito, e não estava disposta a mentir se ele perguntasse. Tentei novamente falar, balançando a cabeça na esperança de que minha mente se limpasse, mas as palavras não vêm - tudo permanece travado.


O grandalhão se ergue, desviando o olhar dos meus e saindo pela porta sem dizer uma palavra, sem um único olhar de raiva ou de qualquer outro sentimento. Ele se foi, e não retornou naquele dia ou no seguinte. Meus medicamentos eram trocados, a comida deixada sobre um móvel e bilhetes com informações eram colocados na cama ao lado. Foi só no terceiro dia que ele voltou, roncando ao meu lado na cama. Eu estava quase totalmente curada, tinha conseguido me levantar, tomado banho e comido pela primeira vez em semanas. Eu estava bem, e me sentia forte, mas aquela dor ainda cinzava o meu interior - a dor da perda que ele sofrera. Meus olhos fixaram-se naquele homem, e decidi que nunca mais invadiria sua mente; pediria desculpas assim que ele acordasse.

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