Ⓔ05 Ⓒ05 ✖ KYLER

Aquele era para ter sido mais um dia normal para Kyler Teunissen, mas quando a polícia chegou e atravessou na sua frente puxando Elise Braisser algemada pelo braço, ele percebeu que o dia não teria nada de normal.

O detetive ficou sem reação por uns segundos, absorvendo o que tinha visto. Elise estava com o rosto todo machucado e esborratado de maquiagem demonstrado que estivera a chorar. Ela delongou brevemente o seu olhar na direção de Kyler, mas rapidamente cortou o visual e seguiu puxada pelo corredor até ser jogada em uma das salas de interrogatório. Foi após a porta se ter fechado que Teunissen despertou do seu transe e se apressou a ir em direção à sala de observações, para escutar os motivos porque Elise estava ali.

— Você a conhece? — Um dos policiais perguntou ao ver Kyler entrar na sala de observações com uma expressão consternada.

— Fazia parte de uma investigação minha.

— Sobre? — O policial questionou e o detetive hesitou em responder.

Era uma investigação pessoal. Apesar de ter algumas autorizações dos seus superiores, não estava vem por autorizado a interrogar ninguém senão por baixo dos panos.

Não houve tempo para ele responder pois o chefe daquela Estação entrou na sala e encarou Kyler com seriedade.

— Ainda bem que você está aqui. Você vai querer interrogar ela. — O homem parrudo e careca, na casa dos sessenta, indicou para o detetive, que enrugou a testa confuso. — Ela foi indiciada como responsável por sequestro de menor e tráfico de drogas.

Os olhos esverdeados de Kyler se arregalaram e se desviaram em direção à janela esfumada que dividia as duas salas. Por alguns segundos ele ficou parado absorvendo aquela informação. Seu peito apertava em desapontamento e raiva por ter, por uma fracção de tempo, se permitido abrir seu coração para ela e por ter sentido pena e feito promessas que mais tarde se arrependeria. O mais tarde era ali e agora.

De queixo erguido ele entrou na sala de interrogatórios e viu os olhos castanhos de Elise se arregalarem ao vê-lo ali.

— Sequestro de menor. Tráfico de drogas. Uau, você mente bem. — Havia desprezo e ironia no seu tom de voz enquanto ele puxava a cadeira e sentava de frente para ela.

— Eu nunca menti para você. — Ela se apressou em o corrigir.

— Talvez não, mas eu com certeza achava que você era uma vítima. Surpresa para mim descobrir que uma vítima de sequestro e prostituição infantil faria o mesmo a outras crianças. — Ele tentava soar irônico e profissional, mas sua voz falhava e por entre as frases ele precisou pigarrear e desviar o olhar do rosto dela.

— Você não tem provas do que diz, apenas especulação. Logo o meu advogado chegará e me tirará daqui — afiançou cheia de si, ainda que não lhe restasse qualquer réstia de confiança no que dizia.

— Então você e Clara não foram as duas crianças que escaparam dezessete anos atrás das mãos de Stoker? — Ele questionou diretamente e Elise se manteve calada.

Kyler se ergueu num rompante e jogou a cadeira no chão num acesso de raiva, esfregando a barba rala e procurando em si uma calma que ele não sabia se tinha. Pelo canto do olho, percebeu Elise se encolher e engolir em seco. Calmamente ele voltou a pegar a cadeira e se sentou, cruzando as mãos sobre a mesa e mantendo o olhar longe do rosto da cafetina.

— Eu não sei sua história, nem seus motivos e sinceramente eu não quero saber. Eu só quero saber — Kyler pausou o seu discurso para engolir as lágrimas que ameaçavam cair — minha irmã... ela desapareceu há quase vinte anos e eu tenho certeza que ela foi sequestrada pelos capangas de Stoker e inserida na rede de prostituição infantil. Há anos que procuro pistas sobre ela e sempre que eu estou perto, algo acontece que me joga vinte casas antes. Até você e Clara aparecerem — contou detalhadamente, desistindo de fazer o papel de polícia mau e contando toda a sua história para que desse modo talvez Elise se compadecesse e o ajudasse.

— Por isso você queria falar com Clara — constatou.

— Eu não sei se você é a garota com quem ela escapou na altura, mas eu sei que ela é uma das garotas. Eu só queria que ela me dissesse se se lembra da minha irmã. Eu só queria uma prova concreta, além da minha intuição, de que minha irmã estava lá — explicou e Elise baixou o olhar compreensiva.

— É difícil para mim recordar daquele tempo. Minha mente fez questão de tornar meu passado num borrão, como um mecanismo de defesa. Talvez esse mesmo mecanismo tenha tirado minha humanidade. Ou talvez a vida seja estupidamente irônica de me jogar onde estou hoje — confessou, esfregando a cabeça e deixando algumas lágrimas escaparem de seus olhos.

— Você é então a outra garota que fugiu com Clara? — Ele questionou ansioso e ela assentiu com um meneio de cabeça.

— Eu só não sei se consigo te ajudar. Eu não conheci muitas das meninas e sinceramente não consigo me lembrar dos seus nomes, mas tente. Me diga a idade dela e o nome — pediu. Elise tinha visto uma dor presente nos olhos de Kyler e talvez fosse por isso que se tivesse conectado tanto, por seus passados tumultuosos e dolorosos se assemelharem tanto, ainda que de modos diferentes.

— Ela tinha treze anos na altura. Se chamava Kirsa.

— Você disse... Kirsa? K-Kirsa Aartsen? — A cor sumiu instantaneamente do rosto de Elise após escutar aquele nome e uma enchente de recordações tumultuou sua mente, a nocauteando de dor.

— Sim. Você lembra dela? Ela estava lá? — Ele questionou nervoso, sentindo seu estômago borbulhar de ansiedade e a estrada para achar sua irmã encurtar cada vez mais.

Ele já conseguia ver a linha final ali e Teunissen apenas rezava para que mais nenhum obstáculo nem nenhum retrocesso passassem na sua frente, pois ele não sabia mais se iria conseguir prosseguir.

— Você disse... disse que ela é sua irmã? — tornou a questionar, ainda incrédula e ele assentiu. — Você é Kyler Aartsen?

— Há anos que não uso esse nome, mas sim, eu sou Kyler Aartsen — confirmou e então a cafetina baixou o rosto e desatou a chorar sem contenção. — Elise? O que foi? O que aconteceu com ela? O que você sabe? — implorou, considerando aquela reação alarmante. Kyler já temia que o pior tivesse acontecido com sua irmãzinha. Ele só não esperava o que vinha a seguir.

— Eu... eu sou Kirsa Aartsen.

— O quê? — Desta vez era Kyler que tinha perdido a cor e a reação. Seus olhos moviam freneticamente, tentando entender o que ela dizia.

Por um lado ele queria desesperadamente acreditar, mas por outro ele temia que ela apenas estivesse dizendo aquilo para iludi-lo. Talvez de algum modo ela tivesse descoberto o seu verdadeiro sobrenome. Não era muito difícil pesquisar, estava no seu registo.

— Eu sou Kyrsa Aartsen, filha de Alan e Donna Aartsen. Meu irmão Konrad, seu irmão gêmeo, morreu quando eu tinha oito anos. Nós tínhamos um cachorro, o Rex, um golden retriver que me seguia para todo lado. Eu dei a ele esse nome por causa do seriado alemão que nós assistíamos juntos em família todos os sábados. Você gostava de me levar a passear a beira mar e apanhava conchinhas pequenas porque sabia que eu adorava colecionar... — Elise começou enumerando coisas que mais ninguém poderia saber, nem investigando, coisas pessoais que apenas davam a certeza a Kyler de que ela falava a verdade.

— Não pode ser...

— Você cuidou de mim quando todo mundo esqueceu da minha existência. — Ela choramingou, mas elevou um sorriso saudoso ao lembrar do amor que seu irmão mais velho tinha por si.

— Eu pensei que nunca mais iria encontrar você. — O Detetive fungou, desfazendo a ruga da testa, erguendo os cantos dos olhos num sorriso emocionado e caçando as mãos de Elise, ou melhor Kirsa, por cima da mesa.

— Eu pensei que você tinha esquecido e desistido de mim. — Ela soluçou e apertou as mãos do irmão.

— Eu nunca desisti de você. Nunca! — garantiu. Sem se importar de estar sendo vigiado por seu chefe, Kyler se ergueu e deu a volta à mesa, abraçando a Elise fortemente, mas não por muito tempo pois seu superior entrou e chamou sua atenção.

— Devido aos presentes acontecimentos e informações, temo que terei de tirar você dessa investigação, Teunissen. — O chefe informou e Kyler assentiu.

— Eu compreendo.

— Kyler, traga Clara Mulder para interrogatório assim que puder. E... fico feliz por ter reencontrado sua irmã. Sei que isso foi o principal motivo por ter se tornado quem você é hoje e apesar das circunstâncias fico feliz que pelo menos você teve um final parcialmente feliz.

— Obrigado, chefe.

A cabeça de Kyler estava feita em papa. Seu cérebro doía com o excesso de informações e recordações que chegavam a todos os instantes à sua mente. Tudo agora fazia sentido. Sua enorme conexão com Elise que em nada estava ligada à atração ou paixão, pelo contrário. Era quase como se seu subconsciente soubesse desde o começo que Elise era Kirsa e estivesse mandando sinais.

Ao sair da Estação Policial, Teunissen pegou no seu celular e viu que tinha umas quantas chamadas perdidas de Katherina. Rapidamente ele devolveu a chamada, curioso por saber o que ela teria para lhe dizer de tão urgente para ser direta e ligar para ele ao invés de mandar bilhetinhos como da última vez.

Suponho que já saiba da conexão de Elise Braisser e Alf Schuller no tráfico de drogas. — Ela comentou, mal atendeu a chamada e o Detetive suspirou. Ele sabia muito mais que isso e não sabia direito como contar a Kat.

— Sim. Acabei de falar com ela na estação — confirmou, prendendo a vontade de suspirar e continuando a encaminhar-se para o seu carro.

E?

— Tudo o que posso dizer é que Clara Mulder de fato é uma das garotas que escapou. — O semblante de Kyler permanecia contraído. Apesar de ter tirado o maior dos pesos de cima das suas costas, ainda havia coisas que ele precisava lidar, como o fato de sua irmã se ter tornado uma criminosa.

Eu preciso mais do que isso. Eu preciso do nome verdadeiro dela, algo mais concreto. — O Detetive percebeu o nervosismo e o desespero da mulher e sabia que era tudo uma questão de tempo para ela ser descoberta ou para perder de vez as suas vantagens.

Teunissen demorou um tempo para poder respondê-la. Primeiramente ele atravessou o estacionamento e sacou das chaves do seu carro e só quando entrou no mesmo e se viu sozinho, sem possibilidades de ser escutado, ele respondeu.

— Mina Haumann.

Você realmente está me dando essa informação de mãos beijadas? Sem nada em troca? — Havia um toque de agradecimento no tom incrédulo da agente da Interpol e isso trouxe um pouco de alento ao semblante carregado do homem.

— Eu não preciso de nada em troca. Tudo o que eu precisava eu já consegui. — Ele respondeu de olhar baixo e um meio sorriso espreitando em seu rosto carregado e envelhecido pela busca incessante, que agora encontrara o seu fim.

O que quer dizer? Elise te falou sobre sua irmã? — Ela questionou um tanto entusiasmada e curiosa.

— Elise é minha irmã — informou e recebeu silêncio como resposta. Conseguia imaginar os lábios vermelhos perfeitamente delineados da falsa bailarina se entreabrirem em espanto.

Uau, por essa eu não esperava. Parabéns e... lamento. — Havia certa hesitação e confusão pessoal em suas palavras, afinal Elise fora uma vítima e agora era a vilã.

— Boa sorte com a sua investigação. Espero que consiga de Stoker o que precisa para desmantelar a rede de prostituição infantil. — Desejou com toda a sinceridade e então ligou o carro já pronto a partir após desligar a chamada.

Obrigada.

Depois de falar com Bauer, Kyler dirigiu pelas ruas calmas e turísticas de Amsterdã, olhando a inocência das pessoas perante o que estava acontecendo. Sua mente ponderava quantas daquelas pessoas realmente era inocente e quantas estavam a par e até mesmo faziam parte do crime organizado correndo por baixo dos seus próprios narizes.

O trânsito estava um pouco tumultuado nas ruas principais e Kyler precisou fazer alguns desvios. Assim que chegou na casa de Mulder, percebeu o carro dela sair da garagem e numa tentativa de a fazer parar, acenou para ela, mas a mulher passou por ele a alta velocidade, como quem fugia da polícia. Isso levantou algumas suspeitas para Kyler, que estava pronto para ir atrás dela quando escutou vozes alteradas no interior.

— Me solta ou eu acabo com a sua raça! — Uma voz feminina gritou enraivecida e Kyler se aproximou da propriedade para ver quem o dizia. Dois jovens pareciam estar brigando no interior, todavia Kyler não os reconhecia.

— Detetive Teunissen. O que está acontecendo aqui? — apresentou-se e questionou subindo as escadas após passar pelos seguranças e mostrar o distintivo.

— Prenda ele! Esse delinquente invadiu minha casa e está querendo me bater. — A adolescente gritou em lágrimas e desespero e o detetive franziu o cenho ao perceber que nenhum dos seguranças fazia nada.

— Para de mentir, sua louca! — Andries brigou irritado, sem a soltar. — Eu só estou segurando ela por precaução. Ela atacou Clara, temo que me ataque também ou que fuja das suas responsabilidades.

— Ele está mentindo. Ele quem atacou minha mãe e está agora me atacando a mim. Ele já roubou a casa duas vezes, ele é um delinquente!

— Seria um pouco difícil ele invadir a casa e passar por todos aqueles seguranças, que por um acaso estão parados sem fazer nada. Talvez porque ele esteja falando a verdade — Kyler argumentou e Leona bufou irritada, limpando as lágrimas de crocodilo, cruzando os braços como podia, pois Beckers ainda a agarrava.

— Você está responsável pelo sequestro dos meus irmãos? — Andries perguntou de cenho enrugado, curioso e ansioso por uma resposta.

— Você é o irmão das vítimas de... Elise Braisser? — Kyler engoliu em seco, com dificuldade em proferir tais palavras deprecisativas sobre alguém que lhe era tão querido.

— Sim. Eu e meus irmãos morávamos aqui, mas eu tive de sair e deixei os gêmeos aos cuidados de Clara e Elise. Tem alguma pista onde Aletta possa estar? — O rapaz explicou com pesar no olhar e Teunissen assentiu.

— Infelizmente eu fui retirado do caso referente a Elise Braisser e não tenho qualquer informação sobre, mas eu vim buscar Clara Mulder para interrogatório, sabem onde ela foi? — explanou com uma expressão de lamento no rosto, sem conseguir olhar direito para o jovem por vergonha e algum sentimento de culpa.

— Ela não disse muita coisa, mas eu acho que ela foi atrás de Stoker. Pelos visto a filha dela é uma das vítimas de sócio dele e de Elise — Beckers explicou e rapidamente o detetive ergueu o olhar espantado para ele.

— Clara tem uma filha?

— Sim, filha de Clara e desse tal de Stoker. E essa garota se fez passar por ela. — O jovem indicou, apontando de seguida com a cabeça para a mentirosa ao seu lado, que revirou os olhos sem qualquer pingo de remorso em seu olhar.

— Meu Deus, isso é insano — Kyler proferiu seus pensamentos em voz alta e então piscou os olhos verdes e fechou a expressão. — Me acompanhem os dois. Iremos atrás de Clara e logo depois levarei vocês para a delegacia — informou e Andries assentiu, puxando Leonnore com ele em direção ao detetive.

— Delegacia? NÃO! Eu não vou voltar para o Sistema! — A garota se recusou, puxando seu corpo para o lado contrário ao que o rapaz a levava e tentando se soltar dele. Por pouco ela não conseguiu se soltar, não fosse o Detetive ter intervido e tê-la agarrado pelos ombros.

— Você fica quieta ou terei de algemá-la! Lidarei com você depois. Agora vamos, não há tempo a perder. Estou com receio que Clara faça uma loucura — falou, pegando o celular e ligando para Kat, mas sem sucesso.

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