Ⓔ05 Ⓒ03 ✖ ANDRIES ft DANÏEL
Sorrir era uma coisa nova para Andries. Agora parecia ser uma coisa corriqueira.
Ele estava bem instalado, sendo bem tratado pela inquilina e os vizinhos da pensão. Seus irmãos estavam seguros, bem alimentados, confortáveis e sendo amados por Clara.
Beckers sentia saudades deles, mas seus dias andavam bem atarefados entre os exames finais para ingressar na faculdade e a procura incessante de um emprego part-time bem remunerado e compatível com os seus estudos.
Danïel andava o ajudando na procura e tinha conseguido marcar uma entrevista no aeroporto de Amsterdam-Schiphol com um amigo que era lá segurança.
Nos últimos dias, Andries e Danïel tinham se aproximado bastante. Conversavam madrugada adentro, pois era o horário que o segurança chegava do seu trabalho e calhava por acaso de Andries ser insone. Ou pelo menos essa era a desculpa que ele dava para estar acordado tão tarde. A verdade era que ele estudava noite adentro aproveitando saber que o segurança chegava poucas horas depois. De manhã saía para procurar emprego e dormia durante a tarde toda.
Andries nunca foi um cara de relacionamentos. Nunca teve tempo para se permitir a esses sentimentos. Sua vida eram os irmãos 24/7. No entanto agora que tinha tempo para respirar e pensar em si mesmo, Beckers estava se permitindo a conhecer pessoas. No caso apenas, uma pessoa: Danïel Lyon.
Aos poucos descobriu que Danïel era filho de pai espanhol e mãe holandesa. Viveu toda a sua vida até finais da adolescência na Espanha, mas quando seus pais se divorciaram voltou com a mãe para a terra natal dela. Terminou os estudos em Amsterdam e preferiu não fazer faculdade pois não se achava inteligente o suficiente. Começou fazendo segurança em bares e rapidamente ascendeu na carreira se tornando um dos mais novos chefe de segurança conhecidos. Isso chamou a atenção de um conhecido cafetão de Amsterdam que rapidamente o contratou como segurança privado onde trabalhava até o momento.
O clima e a química entre os dois era notável e recíproca, o que foi um pouco intimidante para Andries, que nunca tinha se sentido assim antes. Por causa disso as coisas entre os dois evoluíram lentas, porém certas. A amizade crescia, eles iam se conhecendo e se gostando aos poucos. Cada dia, cada conversa era uma caixinha de surpresas prazerosa e em poucos dias eles se tornaram inseparáveis.
Naquele dia era a folga de Lyon e ele levaria Beckers para a entrevista de emprego em seu carro.
A pedido especial do rapaz, Dan dirigiu até onde os irmãos de Andie moravam. O rapaz os queria visitar visto não aguentar mais de saudade e queria aproveitar também para apresentar os gêmeos a Lyon. Porém, quando Danïel escutou a morada indicada, foi impossível não demonstrar espanto.
— O que foi? — Andries perguntou confuso com a reação.
— Nada não — Dan mentiu, forçando um sorriso e apenas dirigindo pelas ruas até o endereço.
Beckers estranhou a repentina mudança de comportamento de Lyon. Ele percebia a leve tensão camuflada. Talvez Danïel achasse que estava escondendo bem, mas para Andries estava bem claro. Conhecia o segurança bem demais para saber todas as suas pequenas e insignificantes alterações.
Ainda que incomodado com o silêncio do companheiro, o rapaz não insistiu.
Ao chegar a casa de Clara, ambos saíram do carro, mas Danïel se deixou ficar um pouco mais atrás. Após tocar a campainha e cumprimentar os seguranças por trás da grade do portão de entrada, ele reparou os homens se entre olharem e se comunicarem pelos aparelhos. Poucos minutos depois, Brigitte apareceu de cara amarrada, caminhando a passos pesados.
— O que você está fazendo aqui, Beckers? — A morena questionou de braços cruzados e expressão irritada com a sua presença.
— Onde está Clara? Eu quero ver meus irmãos. — O rapaz ignorou o mau humor da garota e manteve a calma e postura.
— Eles saíram — respondeu curta e impaciente.
— Sabe a que horas voltam? — perguntou de testa enrugada e coração apertado.
— Não. — Ela negou e então suspirou fundo, desarmando a pose dura. — Andries, me permita lhe dar um conselho. Suma da vida de Aletta e Barth, eles estão melhores sem você. Eles estão bem e super felizes e já chamam Clara de mãe. E mamãe comentou com tia Elise que estava pensando em adotá-los. Você devia permitir. Apesar das nossas desavenças eu realmente considero aqueles meninos como meus irmãos e os amo como tal. Eles estão melhor aqui do que em qualquer buraco que você esteja morando. Então apenas vá embora e não volte.
Andries não teve palavras para rebater o discurso de Bree e engoliu as lágrimas, acenando positivamente com a cabeça e regressando ao carro com a cabeça baixa e as mãos enfiadas nos bolsos.
Bree tinha razão. Os gêmeos estavam melhor com Clara do que com ele. Eles cresceriam num ambiente abastado e teriam a melhor educação possível. Talvez mais tarde conseguisse os visitar uma vez por outra, mas definitivamente eles estariam melhor morando ali, tendo uma casa e uma família de verdade.
— O que aconteceu? — Lyon questionou preocupado com a expressão triste de Beckers.
— Nada. Acho que fiz mal em vir vê-los. — Suspirou desviando o olhar para outro lado, com o intuito de não permitir Danïel ver sua expressão dolorida.
— O que você está falando? Eles são seus irmãos. — Sua mão tocou o ombro do rapaz e o fez virar o rosto para si.
— Sim, mas a filha da dona da casa falou que eles estão melhor sem mim e é verdade. O melhor é que Clara os adote — elucidou, encarando o segurança com lágrimas nos cantos dos olhos e a voz apertada pelo nó na garganta.
— O melhor é eles estarem com o irmão. Essa garota não tinha o direito de falar isso para você. — A mão de Danïel limpou uma lágrima que caiu dos olhos do rapaz e se apertou em punho com raiva da filha do seu patrão. Em seu pensamento ele dizia que quem sai aos seus não degenera e que a garota devia ter um coração tão negro como Theodore.
— Não se irrite. Vamos para o aeroporto antes que eu me atrase para a entrevista. — Andries fungou e forçou um sorriso para acalmar o homem.
— Eu só não gosto de ver você assim. — Lyon sorriu torto e alcançou a mão de Andries, o que fez o coração do rapaz bater mais rápido e se acalentar.
— Você não verá, eu prometo — Beckers garantiu, ainda que sem qualquer firmeza em sua afirmação.
— Ei, eu também não quero que você finja — Lyon afirmou, segurando o queixo dele para erguer o seu olhar esverdeado. — Droga, estou com vontade de ir lá dentro e dar uns esporros naquela garota — comentou de dentes cerrados de irritação.
— Não faça isso — Andie pediu com um leve sorriso, sentindo seu peito inflar ao se sentir protegido. — Agora vamos antes que cheguemos atrasados.
A viagem até o aeroporto foi um pouco longa, mas mais tranquila do que o esperado depois das duras palavras de Brigitte. Andries dava graças a Dan por isso, que se tinha tornado um raio de luz em sua vida tão obscura.
A entrevista de emprego correu bem, Andries trabalharia como encerador do chão do aeroporto num part-time de cinco horas, com direito a subsídio de transporte e de alimentação, o que era mais do que ele poderia esperar de um part-time.
Aquelas informações alegraram ainda mais o seu dia. Antes de ir embora o rapaz quis parar em uma loja de lembranças para comprar algo para os seus irmãos e Danïel aproveitou aquele tempinho para ir falar com um ex-colega seu.
Os olhos esverdeados de Beckers admiravam belas peças de ferro, representando os principais e mais conhecidos edifícios do mundo. A Torre Eiffel, Big Ben, Empire State Building... mas foi outra coisa que capturou a atenção de Andries por entre a estante de lembrancinhas. Andries julgou ter visto seu irmão Barth passar bem na frente da loja onde estava, acompanhado de um homem desconhecido. Intrigado com as semelhanças, Beckers saiu apressado da loja e observou a criança de costas tão igual ao seu menino.
— Barth? — Andries se atreveu a chamar, seu coração pulando na garganta num misto de desconfiança, medo e saudade.
O pequeno rapazinho virou rapidamente o rosto para trás, confirmando que ele era mesmo Bartholomeu. Beckers enrugou o cenho e olhou para o rosto do homem que o levava, estranhando e não o reconhecendo como nenhum dos seguranças de Clara. Em passos apressados Andries se aproximou dos dois e puxou o braço do irmão, o separando do homem que o guiava.
— Barth, o que você está fazendo aqui? — questionou para o menino, ainda olhando desconfiado para o homem.
— Eu...
— Quem é você? Não vê que o garoto está acompanhado. Suma!
— Eu que pergunto, quem é você? Esse garoto é meu irmão! Onde está Clara? E sua irmã Aletta? — Andries questionou do homem para o menino, ainda segurando firmemente o braço do irmão.
O homem pareceu repentinamente nervoso e olhou em volta, pensando no que fazer. Num ato inesperado, o homem socou o rosto de Andries, puxou novamente a criança pelo braço e começou correndo com Barth. O menino relutou e fincou os pés no chão, fazendo o homem tropeçar e quase cair. Nesse tempo Andries começou gritando para o homem soltar o irmão dele, o que chamou a atenção de várias pessoas. Dentre elas Danïel, que ao perceber a situação foi mais rápido, correndo na direção do homem e o derrubando no chão.
Barth finalmente conseguiu se soltar e correu de volta para os braços do irmão. O rapaz encarou o menino confuso e assustado, apertando o menino em seus braços e tentando entender como aquilo tinha acontecido.
Em poucos minutos vários seguranças e alguns policiais se aproximam e prendem o homem.
— Você está bem? — Danïel questionou assim que conseguiu se aproximar de Andries e viu seu nariz escorrendo em sangue.
— Sim, eu estou. Bartholomeu, quem é esse homem? Onde você ia com ele? Onde está Aletta? — Andie encheu o pequeno de perguntas, se agachando na frente dele e percebendo seu lábio tremer e lágrimas ameaçarem cair.
— Tia Elise nos mandou embora dois dias atrás. Ela nos levou para um homem mau e ele me separou de Allie. Eu não sei onde ela está. — O garotinho confessou entre fungos e lágrimas desesperadas.
— O quê?! — Os olhos verdes de Andie se arregalaram incrédulo do que havia ouvindo. Ainda mais cedo tinha ido na casa de Clara e Bree garantira que eles estavam bem quando na verdade eles tinham sido mandados emboras há dias.
A polícia se aproximou dos três e ordenou que Andries os acompanhasse para prestar esclarecimentos. Lyon rapidamente tomou frente na conversa com as autoridades ao perceber o estado do rapaz e calmamente os três foram encaminhados para uma sala de interrogatórios. Lá Andries contou um pouco da sua história e da dos irmãos e Barth repetiu aquilo que tinha dito ao irmão e um pouco mais.
— O homem mau me fez engolir coisas e minha barriga dói. — Os policiais se entreolharam em pânico.
— O que foi? — Andries perguntou ao perceber o olhar assustado de todos e quando os policiais puxaram Barth para outra sala e mandaram-no esperar ali, o nervosismo de Beckers cresceu. — Danïel, o que está acontecendo?
— Calma, Andie, já já saberemos — pediu-lhe, puxando o rapaz para um abraço reconfortante, mas ele mesmo estava apavorado com a possibilidade.
Minutos depois os policiais retornaram à sala sem Barth e Andries sentiu que seu mundo ia cair quando os homens informaram que o menino tinha sacos de droga dentro de si.
— Não, não, isso não pode ser verdade! Eu quero ver meu irmão, onde está meu irmão?
— Ele precisa ficar parado até a ambulância chegar. Há perigo de um dos sacos já ter rebentado e isso explica as dores. Precisamos apenas esperar até a ambulância chegar. — Um dos homens respondeu e o rosto do jovem perdeu toda a cor.
O pânico que sentiu ao pensar no que podia acontecer com o seu menino, foi convertido em lágrimas incessantes e um sentimento de vazio e temor. Danïel não soltou Beckers por um só segundo, o mantendo seguro em seus braços ao mesmo tempo que acariciava suas costas e cabelos.
Assim que a ambulância chegou, Barth foi encaminhado para o centro hospitalar a fim de efetuarem uma cirurgia de urgência e risco. Andries seguiu junto dentro do veículo e Lyon seguiu atrás.
Sua cabeça girava com as informações que tinha obtido e que podiam contribuir com a sua investigação e a de Katerina, mas ao mesmo tempo ele não queria descurar nenhum segundo longe de Andries. Sabia que estava errado em colocar sua vida pessoal acima dos seus deveres profissionais, mas o que sentia por Beckers era real e forte demais para ele passar por cima.
Agora, na sala de espera, Lyon dava o seu apoio incondicional, enquanto Andries caminhava nervoso de um lado para o outro.
— Eu não devia ter confiado nelas, eu não devia tê-los deixado lá. A culpa do que está acontecendo é minha! Meu Deus, onde está Aletta?! — A calma era um sentimento que ele não conhecia, principalmente quando a culpa e as questões enchiam sua cabeça e coração de sentimentos negros.
Quando ele achava que finalmente tinha conseguido fugir do inferno, o diabo voltava e puxava seu pé. Grossas lágrimas escapavam de seus olhos desesperados e tudo o que Dan podia fazer era abraçá-lo fortemente, querendo proteger o rapaz de tudo.
— A polícia não tarda e estará indo prender Elise e levar Clara para interrogatório. Eles vão encontrar Aletta, eu prometo. — O segurança garantiu e Andries se afastou, olhando os olhos negros como a noite do homem.
— Me leva até casa delas antes da polícia chegar. Eu quero falar com elas. — Ele pediu inesperadamente,fungando. Apesar de querer ficar por perto, sabia que não adiantava ficar ali pelas próximas horas, pois a cirurgia de Bartholomeu ainda iria demorar.
— Você tem certeza? — A resposta foi rápida e afirmativa e, ainda que relutante e temeroso do que o rapaz fosse fazer, o segurança o acompanhou de novo até a casa das cafetinas.
Sua mão coçava por ligar para Katerina e informar de todas as coincidências e acontecimentos que com certeza iriam ajudar na sua investigação, mas, pela primeira vez na vida, decidiu priorizar a sua vida pessoal ao invés do seu trabalho.
Quando chegaram, Andries exigiu falar com Clara e Danïel conversou com um dos seguranças e conseguiu passagem para o interior da propriedade. Beckers adentrou a casa de rompante, encontrando as duas mulheres e a adolescente sentadas na sala relaxadamente.
— Onde está minha irmã? O que vocês fizeram com ela! — Andries questionou furioso, quase partindo para cima de Elise, mas sendo segurado por Lyon.
— O que você está falando, Andie? Aletta não está com você? — Clara questionou sem entender o que o rapaz falava e ele viu sinceridade no pânico do seu olhar.
— Não, eles nunca estiveram comigo desde que eu saí daqui. Eu acabei de encontrar Bartholomeu no aeroporto, acompanhado de um homem estranho e ele agora está no hospital passando por uma cirurgia de risco porque o fizeram engolir sacos de drogas!
O rapaz falou tudo o que precisava ser dito, tentando não perder novamente a calma, nem ceder às lágrimas. Sua mão apertava fortemente a de Dan para conseguir reunir forças de continuar em pé.
Por sua vez, o segurança absorvia todas aquelas informações com espanto das coincidências? Poderia o destino ser tão irônico e colocar na sua frente a resposta para todas as suas dúvidas? Teria sido Andries mais uma peça para completar esse puzzle criminoso?
— O QUÊ?! Elise... você falou que Andries tinha vindo buscar os gêmeos... — Clara se sentou novamente, incrédula com o que tinha escutado, preocupada e, principalmente, confusa.
— Barth me falou que ela os levou para um homem mau e falou que você não os queria mais. — Andie se antecipou à sócia e melhor amiga de Clara, que ainda não tinha se mexido nem proferido qualquer palavra. Beckers desconfiava que ela sequer ainda tinha conseguido respirar.
— ELISE? — Clara gritou seu nome, encarando a amiga com choque, não reconhecendo ela nas palavras que Andries dizia. Podia Mulder estar tão enganada sobre a menina que salvou e acolheu como irmã por quase vinte anos?
Braisser se viu encurralada naquele momento, sabendo que não podia fugir mais das mentiras. Então encarou Bree fixamente, pronta a confessar que tinha sido a pirralha a ameaçá-la, mas antes que ela pudesse abrir a boca para dizer algo, a adolescente foi mais rápida.
— Tia Elise está envolvida com o sócio de papai. Eu vi ela com ele várias vezes e eu sei que ele faz negócios pesados. Talvez Aletta esteja com ele. — A adolescente confessou com falsa comoção e apreensão sobre as palavras ditas.
— COMO É QUE É? — Clara gritou num misto de choque e ódio. — Você está envolvida com Schuller?
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