Ⓔ04 Ⓒ05 ✖ ELISE vs LEONA

Elise voltou para casa tarde da noite, exausta. Retirou seus sapatos bicudos de salto fino e se jogou no sofá ao mesmo tempo que soltava um longo suspiro.

Sua cabeça latejava de problemas com a última mercadoria e a ausência e silêncio de Alf eram aterrorizadoras. De um jeito conturbado ela aprendeu que Schuller era um cachorro que se preferia latindo, porque em silêncio era quando ele estava circundando as vítimas pronto a dar o bote quando elas menos esperavam. Depois da última discussão deles e com todos os problemas nos negócios que estavam tendo, ela temia que isso tudo se virasse contra ela e ele a tomasse como dano colateral.

Lis sentiu uma queimação estranha na sua nuca, como se sentisse que alguém a observasse. Incomodada, abriu os olhos e virou o rosto levemente para trás, se deparando com os intensos e brilhantes olhos azuis de Leona, a encarando no silêncio e lugubridade da noite.

— Que susto, Bree. — Lis levou a mão ao peito e se demonstrou momentaneamente sobressaltada, mas logo aliviada por ser a menina e não um dos capangas de Alf ou o próprio amante. — Não tinha visto você aí. Não está conseguindo dormir?

— Não, estava pensando — murmurou caminhando lentamente em redor da sala.

— Pensando em quê?

— Em meu pai. — Leona parou de andar bruscamente e virou seu rosto de olhos congelantes para Lis.

— O que tem seu pai? — perguntou engolindo em seco, temendo o rumo daquela conversa. Sabia o quanto Clara evitava aquele assunto, mas entendia que a jovem tivesse questões.

— Eu sei que mamãe pediu para eu não procurar ele, mas... eu precisava acabar com essa pendência em minha vida e agora eu consigo entender porque mamãe me queria longe dele — Leonore contou com ar falsamente inocente e triste.

— Eu não acredito que você foi atrás de Stoker, Brigitte! — Braisser altercou desiludida com a garota e levemente nervosa por ela ter se aproximado demais do perigo e da verdade.

— Eu lamento, mas eu tive de fazer isso por mim — lamentou-se chorosa, baixando o olhar teatralmente envergonhado. — Eu só não esperava descobrir uma coisa ainda mais perturbadora... — acrescentou cheia de mistérios, passeando o olhar pelo cômodo até tornar a encarar Elise. Um sorriso maquiavélico queria brincar em seus lábios, mas ela precisava manter sua máscara, pelo menos por mais um pouco.

— O quê?

— O sócio de meu pai...

— Bree, por favor fique longe dessa gente, eles são perigosos. — Elise tinha o coração na garganta prestes a pular fora do seu corpo perante aquela revelação. Seus olhos arregalados suplicavam para a garota — que quase poderia considerar como sobrinha — se manter fora de perigo.

— Eu sei, tia. Eu conheço aquele homem e apesar de eu não ter provas... ele é uma pessoa bem mais perigosa do que qualquer um possa pensar.

— O que você quer dizer com isso?

— Na minha antiga casa de acolhimento eu tinha uma irmã, é assim que nós chamamos as outras garotas órfãs, é apenas um jeito de não nos sentirmos sozinhas no mundo. Enfim, voltando à história, essa minha irmã foi iludida por um homem bem mais velho que ela que prometia mudar sua vida. Eu tentei alertá-la, mas a pobre coitada era muito inocente e influenciável e acabou fugindo com ele.

O relato de Leona era inocente, preocupado e consternado, mas aos poucos ela ia estendendo a cama para Elise se deitar, como um predador esperando dar o bote na presa.

Braisser esperava um ataque de outro predador, por isso não percebeu quando aquele bem na sua frente se aproximou de dentes arreganhados...

— Não estou entendendo o que isso tem a ver com o sócio do seu pai?

— Ele era o homem mais velho que prometeu mundos e fundos à minha irmã. E eu só penso... se ele é cafetão de prostitutas, ele mentiu em tudo o que contou para a minha irmã, e se ela descobriu, provavelmente ele a fez calar. Agora a questão fica, o que um cafetão queria com uma garota adolescente? Prostituição infantil é ilegal, não é?

... e cravou os dentes aguçados em sua garganta.

Elise ficou completamente pálida e petrificada, olhando para Leonore em pânico. Engolindo em seco ela se forçou a sair daquele estado, penteou os seus cabelos negros com os dedos e engoliu em seco, se levantando do sofá em seguida.

— Eu não sei o que aconteceu com a sua irmã, mas eu só imploro para você deixar isso quieto e não se meter com essa gente, principalmente com esse homem. Ele é um cara muito perigoso, Bree. Se sua mãe acha que Stoker é um monstro, ela realmente não conhece Schuller — Elise implorou, percebendo que a inteligência e perspicácia da garota poderiam colocar seus segredos em risco se ela não parasse de cutucar onde não devia.

— Não se preocupe tia, eu vou me manter distante deles todos, eu só fico preocupada com minha irmã... e já que você conhece Alf Schuller tão bem... — Havia um tom acusatória levemente disfarçado na voz de Bree e Elise começava estranhando aos poucos aquele assunto.

— Sim, eu o conheço e é por isso que digo para você ficar longe.

— Mas, tia, ele não pode ser assim tão perigoso se você namora ele. — A afirmação da garota era puramente dissimulada e Braisser se remexeu inquieta, mantendo uma expressão indecifrável no rosto.

— De onde você tirou isso?

— É que quando eu descobri que Alf era sócio do meu pai eu o segui. Eu sei que não devia ter feito isso, mas minha irmãzinha... eu só queria saber se ela estava bem... e eu vi vocês dois bem juntos da sacada do hotel. Eu não queria contar para mamãe, mas...

Elise começou percebendo aos poucos o tom irônico e debochado com que Bree falava e lentamente foi desvendando a verdadeira face por trás da máscara da garota. Lamentavelmente ela era uma cobra peçonhenta e a única coisa que Lis sentia, além de nojo, era pena da sua melhor amiga pelo demônio que tinha como filha.

— O que você quer em troca do seu silêncio, garota? — Elise cuspiu as palavras de dentes cerrados, com raiva contida.

— Finalmente chegamos onde eu queria. — Leona abriu um enorme sorriso e se jogou no sofá, colocando os pés em cima da mesa de centro e então erguendo uma sobrancelha para encarar Elise. — Eu quero os gêmeos fora daqui — exigiu, olhando novamente para o rosto de Elise, que ia se iluminando de esclarecimento e ultraje.

— Andries... Kappel! Você fez eles serem expulsos.

— Você realmente acha que eu ia partilhar isso tudo com esse monte de vampiros? Não! Essa casa, esses móveis, todo o dinheiro, minha mãe... é tudo só meu e eu não vou dividir com ninguém. — Agora Leona falava sem qualquer falsidade. Uma vez que deixara sua máscara cair, não tinha mais porque fingir ser quem não era.

— Você deve realmente ter passado uma infância miserável para ser tão egoísta e manipuladora. — Os olhos de Elise se embaçaram um pouco com lágrimas de raiva, que ela não permitiu serem derramadas, não na frente daquela víbora.

— Não seja hipócrita, Elise, você e minha mãe conseguiram tudo isso depois de passarem o inferno. E vocês merecem! Tal como eu mereço, até porque é tudo meu por direito. Mas voltando ao assunto, temos um acordo?

— Clara não vai deixar — respondeu com poucas certezas, afinal até agora Bree tinha jogado e feito o impossível sem nunca dar pistas da sua verdadeira faceta.

— Invente uma desculpa, faça-os sumirem quando ela não estiver por perto, invente que Andries veio buscá-los, não importa o que você faça com eles, apenas suma com os dois! Ou mamãe irá amar saber da sua relação íntima com Schuller.

— Será sua palavra contra a minha. — Elise odiava ser ameaçada daquele jeito por uma pirralha, e quanto mais Bree a provocava, mais ela sentia vontade de estilhaçar a garota.

— Verdade... mas você conseguirá rebater contra uma imagem? Como é aquele ditado? Uma imagem vale mais que mil palavras? — Leona mostrava fotos que tirou de Elise e Alf na varanda do hotel bastante próximos. — Ótimos ângulos, ótimos detalhes, melhor que photoshop. — Sorriu cinicamente e Elise sentiu vontade de bater na garota, mas Eleonore foi mais rápida e se ergueu do sofá, caminhando a passos apressados e dançantes escadas acima, de volta ao seu quarto.

Elise inspirou fundo, sentindo seu sangue ferver de ódio. Sem muitas opções, ela acabou por pensar em como se livrar dos gêmeos e se odiou quando uma ideia surgiu em sua mente.

Braisser pegou no celular e enviou uma mensagem a Schuller, sentindo lágrimas escorrerem por seus olhos por ter de fazer aquilo, mas entregar os gêmeos para Alf seria matar dois coelhos com um tiro só: se livraria dos gêmeos, conforme Bree exigiu, compensar Alf pelos problemas no negócio das mulas de drogas e ainda dar uma ninfa de brinde.

Com o rosto lavado em lágrimas e o sangue fervendo de ódio (de si, de Bree e de Alf), Elise subiu até seu quarto e tomou dois tarja preta para conseguir dormir, pois de outro modo os seus remorsos não permitiriam.

Na manhã seguinte, Elise aproveitou que Clara precisou se ausentar com Bree e levou os gêmeos até o ponto de encontro com Alf.

Com seus óculos de sol postos, Lis deixou algumas lágrimas correrem depois de entregar os gêmeos e os ver partir no carro do cafetão. Este parecia enfurecido com algo, mas ficou levemente mais alegre pelos presentes que ela lhe trouxera.

— Onde a gente está indo, tia? — Aletta questionou desconfiada, olhando para Schuller com certo medo.

— Clara não queria mais vocês e por isso ela está dando vocês para um novo papai.

— Isso é mentira, tia Clara nos ama. Ela não faria isso! — Aletta altercou espertalhona e Schuller riu estridentemente.

— Geniosa ela, ahm. Gostei. — Alf piscou, puxando a garota para mais perto e a abraçando de lado enquanto a analisava. — Muito nova ainda, vai render muita mais grana que todas as outras — concluiu, olhando então para Elise que lutava para não gorfar de nojo e arrancar aquelas pobres crianças das mãos dele. — Eles não serão problema com Clara? — questionou de sobrolho erguido.

— Não. Eu tratarei de tudo, não se preocupe. — Ela garantiu, saindo do carro e virando as costas para Schuller, sem aguentar mais assistir a tudo.

Sem trocar muitas mais palavras com o criminoso, Lis voltou para casa para dormir o restante da manhã e esquecer todo o pesadelo que estava vivendo. Em sua mente ela pensava nos gêmeos e no futuro deles. Nunca antes tinha convivido com as outras crianças ou criado qualquer ligação emocional com elas e por isso nunca se importou. Porém com os Beckers era diferente. Ela conviveu durante meses, cuidou deles, se importou e agora estava entregando os dois às mãos do próprio diabo.

Ao chegar a casa ela esperava um pouco de paz e sossego, mas infelizmente Clara e Bree já haviam chegado e a amiga caminhava desesperada procurando pelos meninos.

— Lis, por favor me diz que você está com os gêmeos. — O desespero de Clara a relembrou de muitos anos atrás, quando viu a amiga precisar abrir mão da sua pequena filha e isso cortou seu coração.

Elise olhou de relance para Leona, que sorria de canto sem que a mãe a visse, e então respirou fundo e baixou o olhar.

— Clara, eu lamento muito, mas Andries passou por aqui para buscar os irmãos. — A raiva por Bree apenas aumentou após ter de mentir para a melhor amiga, mas ela não tinha muitas opções.

— O quê? Mas por quê? Isso não faz qualquer sentido! Ele queria que eu ajudasse os irmãos... — Clara ficou desnorteada sem entender a informação que Lis lhe tinha passado.

— Ele não deu muitas explicações, Clara. Ele só pediu para te dizer que ele está imensamente agradecido por tudo o que você fez por ele e pelos irmãos e que agora finalmente ele conseguiu reconstruir sua vida e não quer mais olhar para trás. Ele pediu para você não procurar por ele, para apenas o recordar pelas coisas boas e que lamenta tudo de ruim que aconteceu entre nós três — Elise mentiu com todos os dentes que tinha, mas dentre toda a culpa ela sentiu que aquele foi apenas um jeito de se redimir com a melhor amiga, pois desse jeito tranquilizaria o coração de Mulder para menos um problema.

— Oh, Andries... eu lamento tanto não poder ter me despedido dele — Clara choramingou emotiva, abraçando sua cintura e olhando para Leona. Esta fez uma careta triste forçada, que só Elise percebeu, e revirou os olhos.

— Mas pense que agora os três estão felizes juntos, mamãe — Vossel murmurou com falsa comoção, abraçando Clara de lado.

Sem conseguir continuar assistindo ao nível de falsidade e veneno que Brigitte destilava, Elise saiu porta fora, desistindo de voltar a dormir. Ela só queria estar longe daquela casa e daquela cobra o quanto antes.

De repente começou ponderando em arranjar um apartamento próprio. Ao mesmo tempo se condenava por estar abandonando Clara nas mãos da garota.

Era uma batalha mental árdua porque no fundo Braisser não podia fazer nada além de observar, afinal Bree era filha biológica de Clara e depois do modo como Bree manipulou todos e principalmente Clara e fez a mãe expulsar Kappel e Andries de suas vidas, ela temia o que ela conseguiria fazer com a amizade de anos de Braisser e Mulder. Então a ideia de se mudar para um apartamento retornou à mesa.

A morena precisava ocupar sua cabeça com algo e então dirigiu até o Paradise Desire para se afundar em logística e quem sabe em gigolôs também.

Porém assim que chegou  ao bordel, se deparou com o detetive Teunissen conversando com alguns funcionários e uma nova dor de cabeça surgiu no mesmo instante. Furiosa ela se aproximou dele e o puxou pelo braço, impaciente.

— O que você está fazendo aqui? — questionou furiosa, fazendo todos os seus funcionários dispersarem rapidamente.

— Perdão, Lady Sasha, só estava fazendo algumas perguntas. Ou será que agora deva a chamar de Madame Sasha? — Havia um nervosismo camuflado no ar presunçoso e brincalhão de Kyler, que Elise não reparou.

— A não ser que você tenha um mandato, você sequer pode estar aqui dentro fora do horário de funcionamento — informou peremptória, cruzando os braços.

— Eu não tenho, mas eu realmente só estava fazendo umas perguntas sobre...

— Como eu disse, só com um mandato — interrompeu-o impassível, apontando com o braço para a saída do bordel, esperando finalmente se ver livre do detetive

— Precisarei então de um mandato para convidá-la para jantar? — Os olhos de Elise se arregalaram em surpresa. Ela realmente não esperava por aquele convite e isso a desarmou por completo.

— Era sobre mim que você estava perguntando? — questionou de olhos arregalados, levemente envergonhada. Fazia tempo que não era lisonjeada daquela forma com um convite tão íntimo e pessoal, longe da sua profissão e do seu eu artístico.

— Coisas estritamente pessoais — respondeu com as mãos guardadas nos bolsos e um sorriso ladeiro nos lábios.

— Por que quer jantar comigo? — questionou desconfiada, relembrando novamente quem ele era e cruzando os braços.

— Se eu não fosse um detetive você já teria aceitado? — perguntou de cenho enrugado.

— Talvez.

— Você é uma mulher interessante, Elise. À parte do meu e do seu trabalho, eu realmente senti uma conexão entre nós. Por isso a estou convidando para um jantar — replicou após perceber o charme que ela fazia para respondê-lo.

— Ok, me convenceu. Eu aceito, mas com uma condição. — Elise gostava daquele jogo onde ela tinha o poder da decisão em suas mãos. Diferente de com Alf, que ela precisava acatar tudo o que ele queria sem poder contestar.

— Qualquer uma.

— Não responda isso, eu posso jogar sujo. — Ela provocou e ele apenas riu e assentiu. — Não falaremos sobre nada relacionado com os nossos trabalhos nem a sua investigação, combinado?

— É justo.

— Então me pegue hoje às sete.

Kyler deu um pequeno sorriso de canto, assentiu com a cabeça após colocar as mãos nos bolsos e então partiu. Elise ficou o observando, soltando a respiração pesadamente e sorrindo sinceramente pela primeira vez naquele dia.

O detetive desfez o sorriso assim que ficou longe do olhar da cafetina, pegou em seu celular e mandou uma mensagem para um dos seus colegas, avisando dos seus planos.

Não era como se temesse Elise Braisser, mas todo o cuidado era pouco.

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