Ⓔ03 Ⓒ04 ✖ STOKER

Theodore era um homem intenso e reservado, com um presente obscuro e um passado conturbado.

Sua vida foi passada na sua terra natal Thurstable – uma cidadezinha costeira do sudeste de Inglaterra, situada no condado de Essex – até os 20 anos.

Lá ele passou os melhores anos da sua vida, tinha amigos que sabia que levaria para a vida, vivia bem com sua mãe, mesmo com todos os problemas financeiros, e tinha sido aceito na universidade que sempre quis.

Nada poderia correr mal aos olhos do jovem Theo, até o fatídico dia em que uma estudante foi assassinada no Campus e todas as culpas recaíram sobre ele.

Theodore não entendia como aquilo tinha acontecido. A noite em que a jovem morrera era como um borrão em sua memória e a dúvida sobre o que realmente acontecera permanecia em sua mente até os dias de hoje.

Não havia nada que ele pudesse fazer. Suas roupas ensanguentadas o denunciavam e uma discussão presenciada por meia dúzia de pessoas entre ele e a jovem, assinavam qualquer vestígio de culpa sobre ele.

O que mais custava a crer daquela culpa infundada, é que aquela jovem assassinada podia ser sua irmã.

O motivo da discussão se baseava nessa mesma teoria criada pela jovem, que afirmava ser irmã de Theodore e queria encontrar o paradeiro do pai de ambos, mas Theodore não queria ter nada a ver com o assunto. Não importava se ela fosse sua irmã ou não. Tudo o que menos queria era ter seu pai novamente em sua vida.

Infelizmente esse desejo foi anulado após o ocorrido.

Se havia um fato, era que Theodore preferia passar o resto da sua vida na prisão a ter que voltar a se envolver com seu pai.

Infelizmente, o estado crítico da sua mãe doente, o impediu de ficar longe do mundo tenebroso e complexo de seu pai. Asmus puxou os cordões certos para ilibar completamente o filho das acusações e ainda se ofereceu para pagar tratamento completo e melhores condições de vida para a sua mãe. Theo nunca chegou a receber confirmação do pai se a moça assassinada era realmente sua irmã, mas não tornou a questionar ou investigar sobre isso.

Asmus Stoker tinha ligação com o crime e o tráfico desde que se conhecia por gente.

Filho de pai inglês que era um traficante de droga renomado no condado de Essex, e de mãe mãe holandesa, neta da Condessa da Máfia Holandesa, com um vasto historial de tráfico de drogas e órgãos humanos.

Desde pequeno foi ensinado a lidar com todo o tipo de situações criminosas, presenciando o entalhamento de pessoas para a remoção de órgãos, acompanhando as transações pesadas de droga e treinando tiro ao alvo e outros métodos de tortura, para mais tarde poder ser o grande herdeiro do grande matrimônio mafioso.

Contudo, Asmus tinha uma visão mais ampla onde podia usufruir de tudo isso e muito mais. Para ele, tráfico de órgãos era algo bondoso demais, visto se matar uma pessoa para salvar outra e ele não gostava de salvar ninguém.

Sua queda por jovens garotinhas começou quando conheceu Stephanie Mcavin, uma jovem adolescente inglesa que se prostituía para pagar a heroína dos pais.

Ele viu potencial nela, ele viu sua chance para um novo negócio.

Stephanie foi sua cobaia no negócio. Ele se tornou o cafetão dela, a embelezou com roupas de grife, com tratamentos de beleza, com jóias caras e arrumou os clientes certos para vender o corpo dela.

A partir daí o negócio cresceu e prosperou e Stephanie deixou de ser sua prostituta, para ser sua amante. O que não deixava de ser o mesmo, porque ele continuava pagando para tê-la, pois de outro jeito ela nunca seria dele.

Infelizmente, para a pobre Stephanie, ela acabou por se tornar dele para sempre quando engravidou.

O desespero dela a fez tentar fugir, garantindo que Asmus nunca saberia dessa criança e que seu filho nunca teria que viver naquele mundo negro. Porém Asmus a apanhou em flagrante e a agrediu com socos e pontapés, a fazendo implorar por misericórdia. Foi naquele momento, pela primeira vez, que Asmus descobriu que ia ser pai, com o sangue da sua amante em suas mãos.

Não havia uma única faísca de alegria ou pena pela pobre Stephanie, apenas um lapso de bondade que durou meros segundos e que permitiu que Stephanie fugisse.

— Suma. Corra. Quando você cansar de correr, corra ainda mais. Quando achar que está segura, corra mais um pouco. Eu sempre vou estar atrás. — Foram suas últimas palavras para a jovem antes de perder ela de vista pelas conseguintes duas décadas.

Asmus optou por não ir atrás dos dois, ainda que soubesse sempre onde estavam.

Ao longe acompanhava o crescimento do filho com um sorriso maquiavélico nos lábios.

— Não adianta fugir, Theodore. Seu mundo pertence aqui. — Asmus dizia, olhando as fotos do filho abraçado à mãe doente, segurando o diploma colegial. — Enviem a garota e façam parecer que ele é o culpado.

O som oco de alguém batendo na porta fez Theodore acordar de seus pensamentos nostálgicos.

— Ela está indo agora para o shopping. — Danïel León, um dos seus seguranças particulares, informou para Stoker.

Theodore assentiu e se levantou no mesmo instante, fechando o botão do seu terno e seguindo em direção ao seu carro. Lá, seus pensamentos tornaram a voar para o seu passado.

Havia momentos em que pensava se tinha feito a escolha certa ao aceitar se deitar com o diabo ao invés de passar o resto da sua vida na cadeia.

Sua mãe acabara por falecer meses depois, de qualquer das formas, e ele não tinha passado os últimos momentos com ela, pois estava em Yerseke, uma baía da Holanda, tentando fisgar sua primeira vítima. Mina Haumann.

No primeiro segundo em que seus olhos bateram nos da garota, Theodore sabia que estava perdido. Sua luta contra seus sentimentos foram imensos e seus planos de sequestrá-la e entregar ela à mercê do destino cruel que a aguardava, se tornavam cada vez mais distantes.

Ele pensava em fugir. Ele pensava em sumir no mundo e levar sua amada Mina com ele, porém quando recebeu a notícia da morte de sua mãe, foi como uma facada no peito que tirou todo o sentido para ele viver.

Naquele dia ele não se importou mais. Se não fosse ele, seria outro. Então ele fez o que tinha de ser feito, nocauteou Mina e a levou para o Ninho das Ninfas, uma base militar subterrânea, abandonada e esquecida depois do fim da Segunda Grande Guerra, repleta de câmaras de tortura e selas de máxima segurança, de interior precário.

Para ele, a história entre eles terminava ali. Theo nunca mais botaria seus olhos nela e, eventualmente – ele achava –, esqueceria da existência dela e com ela seus sentimentos estúpidos.

Pois bem se enganou ele, porque o mesmo destino que sua mãe teve, Mina também seguiu.

Sua vida se limitava a trazer mais e mais ninfas para o Ninho, mas nunca entrar nele. Era degradante demais e instigava sentimentos nele que Theo não queria sentir. Contudo, um dia ao levar mais uma das garotas, Theodore percebeu um movimento suspeito nos subterrâneos, para além de ninguém ainda ter aparecido para levar a nova vítima.

Stoker desceu as escadas de acesso aos subterrâneos com a jovem completamente inconsciente em seus braços, a jogou na primeira cela disponível e seguiu pelo corredor até uma das últimas celas, que estava de porta entre aberta.

Sons do que parecia ser alguém apanhando ecoavam no silêncio, o que era estranho, pois as celas sempre estavam repletas de ninfas e se alguma delas estivesse apanhando, o mais provável era que estivesse gritando.

Theo se aproximou cada vez mais, pé ante pé, retirando um revólver da cós da sua calça jeans e apontou para o interior assim lá chegou.

O que viu o deixou em completo estado de choque.

A um canto da cela uma garota de não mais de 13 anos choramingava encolhida.

Diante dela um dos guardas estava estendido no chão, morto. E de costas para ele estava ela, Mina Haumann – sua tentação – de mãos lavadas em sangue, chutando o corpo inanimado do homem.

— Mina! Se afaste dele. — O nome dela soou em sua boca exasperado. Ele não conseguia entender o que tinha levado ela a fazer aquilo, na verdade até conseguia imaginar, mas havia algo mais. — O que você fez? Stoker não vai gostar nada disso, você vai pagar bem caro. — Sua voz não tinha um pingo de ameaça em seu timbre, mas sim puro e completo desespero.

Theodore se aproximou de Mina em passos largos e a agarrou pelo braço, a voltando de frente para si para ver seu rosto coberto por lágrimas.

— Ele ia estuprar ela. — Mina se justificou com nojo e raiva em seu timbre.

— Ainda não entendeu que vocês não têm saída! Mina, por favor, se continuarem lutando vai ser bem pior pra vocês. — Theo lutava para se manter imparcial, mas as lágrimas de Mina desmanchavam por completo sua pose de indiferente.

— Nos deixe fugir! Por favor. — Ela implorou, o segurando pelos braços. Suas mãos geladas e trêmulas.

— E por que eu faria isso? — Ele questionou voltando a ser frio ao se soltar dela e virar costas, a fim de conseguir voltar ao seu personagem cruel.

— Porque eu estou grávida. — Ela justificou entre fungos. Houveram segundos de silêncio enquanto Theodore digeria com pesar essa notícia.

— Bela maneira de fugir do negócio, Mina, mas Asmus dará um jeito nessa criança. Quantos meses? — perguntou por pura preocupação, pois sabia que quanto mais avançada a gravidez, poderia ser perigoso para a saúde dela quando a fizessem abortar.

— Cinco. — Demoraram meros milésimos de segundo até os olhos de Theodore se arregalarem no mesmo instante em que sua mente fez as contas necessárias para saber de quem aquele filho era. — Eu sei que não se importa comigo, mas por favor, não deixe que nada aconteça com nosso bebê.

— Como... como tem conseguido esconder a gravidez? — Ele questionou engolindo em seco e sentindo seu coração se apertar cada vez mais.

— Ele. — Mina apontou para o soldado. — Mas dessa vez ele queria mais. Ele queria ela e eu não podia deixar que nada acontecesse com ela.

Theodore se sentiu enojado. Uma ânsia de vômito acresceu em seu estômago e foi necessário ele se inclinar para a frente e despejar todo o conteúdo do seu almoço para conseguir se sentir aliviado, contudo o sentimento ainda permanecia lá, não importava quantas vezes vomitasse.

— Senhor, chegamos. — O segurança de Theodore o avisou, apontando para o shopping lotado à sua frente.

Stoker assentiu, recobrando mais uma vez dos devaneios de sua mente assombrada.

Theodore saiu do carro em direção ao edifício sendo acompanhado por Danïel. Este falava por intercom com outro segurança, que já estava no shopping há mais tempo, seguindo a pessoa de interesse a Stoker.

Theodore pensara em aparecer na casa dela desde que soubera que ela estava de volta à cidade, mas não sabia o que dizer. Na vez que tentou, a viu entrando na mansão com outro homem e uma fúria descomunal preencheu seu ser.

Dessa vez ele decidira um encontro casual – ainda que tivesse sido previamente arquitetado – ele não queria que ela pensasse que ele a estava perseguindo.

O cafetão e o segurança se aproximaram de um outro homem parado em frente a uma loja de roupas.

— Ela está no interior, acompanhada de uma jovem moça. — O outro segurança informou discretamente.

Stoker imediatamente pensou ser a outra garota que fugiu com ela, a acompanhando... ou melhor, Elise, como agora era chamada, mas ao espreitar para o interior, percebeu ser outra garota.

Theo esperou até o momento em que a garota desconhecida entrou num provador e entrou na loja, caminhando descontraidamente pelo seu interior em direção a Mina.

A mesma arregalou os olhos e perdeu o ar por segundos, sentindo seu rosto perder cor e seus sentidos ameaçarem entrar em choque.

— O que você está fazendo aqui? — Suas palavras eram apenas vento soprado, sem força suficiente para fazer sons audíveis, mas que foram compreensíveis para o cafetão.

— Amsterdam é pequena, Clara. — Theodore respondeu com um sorriso curto, despontando no canto dos lábios. Aquele nome soou estranho em sua boca, pois ele o dizia com sarcasmo. — Clara foi uma boa escolha. Significa recomeço. Caiu bem com essa sua nova fase.

Clara olhou por sobre o ombro em direção aos provadores e com medo de ser descoberta, ela tentou puxar Theodore pelo braço para o exterior da loja, mas ele se soltou de sua mão e acabou por segui-la sem quaisquer esforços.

— O que você quer, Stoker? — Ela o questionou completamente afetada pelos nervos.

— Eu não quero nada. Só estava passando por aqui. Vim comprar um presente para a minha mulher. — Ele respondeu, encolhendo os ombros com indiferença, se referindo a Katerina para manter o seu disfarce.

— Me poupe das suas desculpas absurdas. Você só veio ver no que eu me tornei, não é? Afinal, sou um reflexo seu. Está orgulhoso do seu trabalho? — Clara falava com raiva contida, abrindo os braços para, figurativamente, Theodore ver no que ela se tornara: uma cafetina como ele.

— Acredito que esse foi o único jeito de sobreviver. — Ele respondeu coçando a barba e enrugando a testa.

— Graças a você. — Sua resposta fez Theodore a olhar com pesar.

— Eu carrego essa culpa em meu peito até hoje.

— Duvido. Você não tem coração para carregar remorsos. — Clara riu sem emoção, engolindo a enorme vontade de chorar que sentia.

— Mereço isso.

— Não. Isso é pouco perto do que você merece. — Ela apontava o dedo e se continha para não elevar em demasia o seu tom de voz, a fim de evitar atrair a atenção das pessoas que passeavam no shopping e, eventualmente, de Brigitte, que ela queria evitar ao máximo que tivesse qualquer contato com seu pai.

— Me perdoe se eu te machuquei tanto.

— Machucar? — Clara prendeu a respiração e arregalou os olhos, descrente do quanto ele minimizava o que ela passou. — Você me destruiu. Eu tive que me reconstruir. Tive que criar uma nova identidade porque aquela que você conheceu foi destruída por completo por você e por seu pai.

— Mina...

— Eu só tinha 16 anos, Theodore. Você foi tudo o que mais amei na vida e foi exatamente tudo o que mais odiei também. Mina morreu! Agora eu sou Clara Mulder, a sobrevivente. — A mulher despejou tudo o que tinha preso dentro de si por 16 anos e mesmo assim não se sentia aliviada.

— Eu lamento que tenha me amado.

— Lamenta mesmo? Afinal seu objetivo foi exatamente esse, me fazer te amar, me fazer confiar em você cegamente para logo depois me apunhalar pelas costas, arrancar meu coração e o esmagar sem piedade. — Sua voz tremia e seus olhos já estavam embaçados com lágrimas que ela lutava para não derramar. Não na frente dele!

— Sim, eu lamento! Eu suporto a ideia de você me odiar, eu mereço isso depois de tudo o que fiz você passar. Mas saber que você me amou, o quanto me amou mesmo depois das monstruosidades que sofreu, isso sim me dói. — Ele revelou sentindo sua voz falhar pelo peso que suas palavras tinham.

— Por quê?

— Porque eu te amei também! Droga, Clara, eu ainda te amo e nunca esqueci você. E sabe por quê? Porque você foi a única coisa boa que me aconteceu quando eu vim para Amsterdam. Você me manteve sano e feliz. Você foi a única que no meio do caos conseguiu me fazer sorrir e querer melhorar, mudar. E você sabe que eu não estou mentindo. — Agora ambos estavam chorando e metade das pessoas que passavam os encaravam curiosos.

— No entanto eu não fui suficiente. — Ela lamentou, baixando o olhar devastado.

— Eu tive de ficar.

— Por quê?

— Porque eu tinha que garantir que o homem que me torturou, que te destruiu e que me fez ser cúmplice, não existisse mais para ir atrás de você. — Aquela revelação chocou Clara, ao lembrar da notícia da morte de Asmus vários meses depois da sua fuga. — Você sabe o quanto eu sofri quando te perdi, Clara, mas nada foi pior do que quando perdemos nosso bebê... E a culpa foi toda dele!

Clara perdeu o ar. Tanto pela revelação feita por Theo quanto por ele ter mencionado a filha de ambos. Naquele instante ela piscou os olhos temerosa. Ele não poderia descobrir a verdade sobre Brigitte. Ele não poderia saber que ela mentiu sobre ter perdido o bebê porque sabia que essa seria a única arma que teria para dar coragem a Theodore de ir contra o pai e impedir que Asmus fosse atrás dela e de Elise, na época. Mas nunca esperou que ele tivesse matado o pai por ela, pela filha.

Se ele soubesse que ela mentiu, Clara temia o que poderia acontecer. Mas agora era tarde demais.

— Mãe, você sumiu. Fiquei preocupada. — Leona surgiu do lado de Clara realmente preocupada. Em sua mente, a garota pensava que a mulher tinha mudado de ideias e iria abandonar a filha.

— Vamos embora. — Clara murmurou nervosa, puxando a adolescente pelo braço e a afastando de perto de Stoker.

— Mas eu ainda não comprei tudo... — Leona reclamou, todavia Clara não respondeu àquilo, apenas continuou puxando a garota apertando sua mão em torno do braço dela com força. — Mãe, você está me machucando.

— Clara!

Stoker gritou após ter despertado do transe em que entrara ao ver a jovem de olhos azuis e cabelos negros. As semelhanças com Clara eram completamente visíveis, mas havia algo a mais nela que gritavam a Stoker que ele não era só filha de Clara. Ela era sua filha também.

— MINA! — Ele gritou de novo, correndo atrás delas para fora do shopping, mas já era tarde. O carro de Clara há muito estava longe.

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