Ⓔ03 Ⓒ03 ✖ LEONA vs KAPPEL


Leona deu os primeiros passos para dentro da mansão enquanto Kappel pousava suas malas no chão amadeirado coberto por uma grande tapeçaria importada.

Os olhos azuis da adolescente brilharam em euforia.

— Espero que você consiga se adaptar aqui, Brigitte. — Clara comentou docemente aparecendo do lado de Leona e a abraçando ternamente.

— Me trate apenas por Bree, dona Mulder. — Ela pediu com um sorriso falsamente tímido. — E não tenho dúvidas sobre me adaptar aqui. Afinal estou com a minha mãe e isso é tudo o que importa.

Clara sentiu seu peito se encher de amor, aquecendo sua alma com aquelas palavras. Julgou que iria desmoronar em choro descomedido, mas apenas conseguiu retribuir o sorriso feliz para a sua adorada filha.

Clara não conseguia crer que aquilo estava mesmo acontecendo, que sua princesa estava finalmente em seus braços e para se certificar de que não estava apenas sonhando, a mulher puxou a garota para os seus braços e a apertou fortemente.

Leona se viu surpresa com aquele ato e lutou contra si mesma para não reprovar o abraço daquela mulher, nem para murmurar incomodada que ela a estava apertando demais.

Seus braços desengonçados abraçaram malmente a mulher, dando tapinhas fracos nas costas elegantes de Clara e forçando uma careta feliz pois o homem que acompanhava Clara estava observando.

— Clara, talvez devesse pedir a um dos empregados para indicar um quarto para Brigitte se acomodar. — Kappel sugeriu, querendo finalmente ter um momento a sós com ela para poder colocar algum senso na sua cabeça hipnotizada.

— Claro, você tem razão. — Ela assentiu, pegando numa sineta pousada em cima de uma mesa de apoio, no redondo e amplo hall de entrada.

Rapidamente uma empregada entre os quarenta e os cinquenta anos surgiu apressada de um dos cômodos e Clara ordenou que esta indicasse um quarto disponível para Bree e que chamasse alguém mais forte para levar as bagagens da jovem para o quarto escolhido.

Assim que tudo isso aconteceu, Kappel pegou o braço de Clara com firmeza e a puxou em direção ao escritório dela. Empurrou uma das portas duplas e as fechou com violência de seguida, finalmente soltando a mulher.

— Você ficou louca?

— Louca por que, Frederik? — Clara questionou de cenho franzido, realmente confusa com a reação do detetive.

— Como você pode ser tão imprudente? — Kappel estava irritado caminhando bravamente de um lado para o outro no escritório, levando as mãos à cabeça e as entrelaçando na nuca.

— Não estou entendendo onde você está querendo chegar.

— Clara, ninguém garante a você que essa garota é sua filha. Essa ou a outra! Você não podia ter agido tão impulsivamente, ficado tão à mercê de golpes. — Ele explanou sua frustração, após parar de frente para a mulher e a segurar pelos ombros na tentativa de a fazer entender o que ele estava dizendo.

— Golpes? Kappel, você não está fazendo qualquer sentido. Você olhou bem para a cara dela? Ela é minha filha! — Clara se revoltou, se soltando bruscamente das mãos dele e se afastando para o confrontar, indignada com suas palavras.

— Clara. — Ele tentou novamente chamá-la à razão, mas era inútil.

— Chega! Eu não vou ouvir mais nada de você. — Ela ordenou num tom ríspido. — Eu sei que você só está querendo me proteger, mas não há motivos para isso. Eu a achei, eu sei que a achei, Fred. Por favor, só fique feliz por mim. — Mulder pediu num misto de mágoa e raiva.

— Faça pelo menos um teste de DNA. — Ele pediu numa última tentativa.

— Não há porquê, Kappel, é ela! — Clara se negou, abanando a cabeça e abraçando o corpo, se sentindo desapontada pela atitude de Frederik.

— Tudo bem. Eu não vou mais insistir. Só espero que você saiba o que está fazendo. — Ele respondeu frustrado e ao mesmo tempo condolente.

— Eu sei. — Ela assentiu e o viu caminhar em direção à saída, não sem antes o chamar. — Frederik. Obrigada.

Kappel forçou um sorriso para ela, que imediatamente se tornou verdadeiro ao vê-la sorrir de volta com toda a felicidade do mundo.

Ele se sentia culpado por ter revelado tão cedo sobre as pistas da sua investigação, mas nunca podia prever que ela seria tão imprudente de querer ir atrás das garotas e trazer uma delas de volta para casa.

Decidido do que iria fazer, ainda que contra as vontades de Clara, o detetive caminhou para um canto escondido da casa, sem qualquer movimento ou possibilidades de ser ouvido.

Sua mão alcançou o bolso da sua calça e seus dedos deslizaram pela tela táctil, buscando por um número na sua lista de contatos. O som de chamada iniciando soou nos seus ouvidos enquanto esperou que alguém atendesse do outro lado da linha.

— Alô? Sou eu, Kappel. Vou precisar de um favor seu por baixo dos panos. Sim, pagamento à vista. Assim que eu tiver o material eu te ligo de volta. — A chamada foi curta e concisa e seu tom de voz era sussurrante.

Após guardar o celular novamente no bolso, ele saiu do seu esconderijo e subiu até o seu quarto, se trancando nele e caçando por uma maleta prateada escondida num esconderijo improvisado no roupeiro embutido na parede. Ao abri-la caçou no meio de tantas outras coisas de investigação um par de luvas de borracha e duas saquetas transparentes com etiquetas.

Guardou tudo isso no bolso do casaco e esperou o momento oportuno para agir, voltando a guardar a maleta no esconderijo.

Sua frustração intensa faziam seus músculos enrijecerem igual a uma pedra e uma vontade louca de socar algo. Para que isso não acontecesse, resolveu tomar um banho relaxante até que esse sentimento passasse.

No outro cômodo Leona pulava em cima da cama, eufórica e desacreditada da sua sorte.

Finalmente os ventos da fortuna estavam soprando a seu favor e ao mesmo tempo cumprindo com o que havia prometido a Brigitte. Ainda que a mesma não soubesse.

Seus pensamentos voaram para questionamentos sobre o paradeiro da garota, mas só a simples ideia de que ela estaria vivendo o inferno na terra, já fazia um sorriso se rasgar em seu rosto.

— Agora é tudo meu! — A garota cantarolava de joelhos na cama e braços abertos, impressionada com o luxo de todas as peças e mobiliários daquele quarto.

Clara permaneceu no escritório por um pouco mais de tempo chorando. Não que ela estivesse sofrendo ou infeliz, mas era como se estivesse lavando a sua alma de todas as coisas ruins que perduraram impregnadas em suas entranhas por tempo demais. Agora ela só tinha motivos para ser feliz e até pensava novamente em formar família.

Por sua mente passou a imagem dela, Bree e Frederik juntos e pela primeira vez ela se apercebeu da estranha e intensa relação que tinha com o detetive e do carinho enorme que ele tinha por si.

Definitivamente ele era muito mais que um empregado seu, ele era seu amigo e se tudo soprasse a seu favor, talvez houvessem possibilidades dele ser muito mais que isso.

Outra coisa também havia passado por sua cabeça. Largar do seu negócio e deixar tudo nas mãos de Elise, pois sabia que a amiga não se importaria e o dinheiro que tinha juntado ao longo dos anos chegaria para sustentar três gerações da sua nova família.

Assim que se sentiu mais leve e livre, Clara enxugou as lágrimas e se encaminhou até o quarto de sua filha, a fim de a avisar que o almoço estaria pronto para ser servido muito em breve.

Sua mão bateu de leve na porta do quarto da jovem e logo foi atendida pela mesma, vestida num roupão branco felpudo e com um sorriso gigante rasgando em seu rosto.

— O que achou do seu quarto?

— É incrível. Nunca imaginei que deitaria numa cama tão fofa. Sinto que estou deitando numa nuvem — Leona contou animada, pulando feito uma criança pequena.

— Fico feliz que você esteja confortável. Mas se quiser mudar alguma coisa no seu quarto, sinta-se à vontade de ir comprar coisas novas. Só precisa me pedir meu cartão de crédito e você poderá ter tudo o que precisar. O mesmo para as roupas. — Clara anunciou e os olhos de Leona parecia que iriam virar duas bolas de diamante de tão brilhantes que ficaram.

— Sério isso? — Ela questionou incrédula.

— Claro. Agora vamos descer para almoçar.

— Obrigada, mamãe. — Ela pulou nos braços de Clara a abraçando sinceramente pela primeira vez. — Irei já já. Só preciso vestir uma roupa decente.

— Ok, estarei lá embaixo te esperando. — Clara assentiu e riu pela empolgação da garota, que sorriu ainda mais e fechou a porta para ter mais uns minutos de privacidade.

Aproveitando esse tempo que ainda faltava para Bree estar pronta, Clara resolveu ir chamar Kappel também. Sua mão hesitou em bater na porta dele, ainda se recordando da conversa que tiveram minutos atrás.

Assim que conseguiu tomar a decisão de bater, não demorou muito para que Kappel abrisse a porta de tronco nu, cabelo ruivo molhado e bagunçado, barba acabada de ser feita e uma calça moletom vestida. Clara fechou a boca após perceber com grande constrangimento que a mantivera aberta desde que ele abrira a porta e então piscou os olhos do foco que mantinha no corpo dele, o olhando nos olhos e percebendo um sorriso nos cantos dos seus lábios.

— O almoço... ele vai ser serviço em breve. — Ela anunciou abanando a cabeça de leve e a voltando para outro ponto que não o corpo de Frederik.

— Ok. Vou só colocar uma camiseta. — Ele respondeu divertido.

— Não ria. — Ela ordenou constrangida, levando uma mão ao rosto levemente vermelho.

Não era como se ela estivesse pasmada por ver um corpo desnudo. Na profissão dela isso — e muito mais — era do que ela mais via. A explicação para a reação dela estavam no simples fato dos pensamentos que tivera sobre ele e sobre começar a vê-lo como muito mais que um funcionário seu.

Pensar nisso era como despir da sua formalidade e amizade e deixar que ele entrasse mais intimamente no seu ser e para Clara isso era no mínimo constrangedor.

— Quase impossível. Você ficou com uma cara muito engraçada. — Ele incitou com um sorriso sacana nos lábios, passando o polegar pela lateral do rosto dela, onde ainda haviam pequenas tonalidades de rosa iluminando.

— Não me provoque, Kappel. — A voz dela saiu murmurada, pois contivera sua respiração diante do toque tão singelo dele em seu rosto.

— Ou o quê? — Ele questionou se aproximando um pouco mais de Clara, decidido a tomar a iniciativa que deveria ter tomado à muito tempo.

As respirações de ambos foram aumentando de pressão conforme a necessidade de respirar ia se estreitando, devido à perigosa proximidade entre os dois. Eles não conseguiam desviar os olhares um do outro e era completamente visível para os dois que ambos estavam interessados no que estava para acontecer, mas antes que qualquer coisa pudesse ser concretizada, foram interrompidos.

— Mãe?

Clara e Kappel se afastaram um do outro como se repelissem algo errado. Clara disfarçou o constrangimento ajeitando suas roupas e se voltando de imediato para Leona, ignorando por completo o que estivera prestes a acontecer.

Kappel fez o mesmo, fechando a porta do seu quarto com rapidez e se recolhendo ao seu interior respirando sofregamente, pensando que talvez precisasse de outro banho para se acalmar.

— Vamos almoçar, querida. Kappel nos acompanhará já de seguida. — Clara anunciou constrangida por ter sido pega em flagrante, puxando Leona delicadamente pelo braço.

As duas desceram e foram até a sala de refeições, onde a mesa estava elegantemente posta para quatro pessoas.

Ainda que não soubesse do paradeiro da amiga desde a noite anterior, Clara não descurava de deixar tudo a postos caso a Elise aparecesse do nada. Pensou em ligar a ela, mas talvez deixasse isso para depois do almoço.

Clara sentou na cabeceira da mesa e Leona do seu lado esquerdo. Do lado direito tinham mais dois pratos que se destinavam a Kappel e Elise.

— Brig... Bree, você não tem noção de como estou feliz em ter encontrado você. — Clara comentou calorosamente, agarrando a mão da jovem com fervor.

— Eu também. — Seus lábios se rasgaram num sorriso breve, mas sua boca ansiava perguntar outra coisa. — Esse senhor... ele é meu pai?

— Não meu anjo. Ele é um grande amigo meu que me ajudou a achar você. — Clara respondeu sem rodeios, sorrindo amável, mas sentindo que a derradeira conversa havia chegado mais cedo do que ela poderia planejar.

— Só amigo? — Leona questionou de sobrolho erguido e visíveis segundas questões sobre o assunto.

— Só. — Clara riu sem jeito, retirando sua mão da da garota e alcançando a taça de vinho à sua frente, degustando o líquido frutado com sede.

— Meu pai morreu? — A adolescente questionou, forçando uma careta triste e preocupada, mas tudo o que ela realmente queria saber era se o "pai" era tão rico quanto sua "mãe".

— De um jeito físico, não, mas para mim, sim. Ele é um homem perigoso com o qual me envolvi quando era muito nova e inocente. — Clara começou explicando, mas se deteve assim que percebeu que o campo que iria pisar era minado. — Bree, eu sei que não tenho esse direito e que provavelmente você quer conhecer seu pai, mas eu lhe imploro, faça como eu e finja que ele está morto. Nada de bom pode vir dele, eu garanto. — Sua mão havia caçado a de sua filha novamente e agora a pegava com súplica e desespero. Seu corpo pendia sobre a mesa em direção a Bree e seus olhos cravavam fundo nos da filha, tentando ao máximo conseguir passar a mensagem que meras palavras não conseguiam descrever.

— Ok, eu confio em você mamãe. Já basta de pais abusivos e cruéis. — Leona assentiu, pensando para consigo que não precisava de um homem perigoso para se garantir. Clara seria mais que o suficiente.

— Lamento por isso. — Clara fungou, tentando conter as lágrimas de impotência de não ter conseguido salvar sua filha do destino terrível que antes tivera.

— Não importa mais. Agora estamos juntas. — Leona garantiu, apertando a mão de Clara.

— Sim, estamos. Para sempre. — Clara assentiu com um sorriso fraco, porém sincero.

Escondido num canto escutando toda aquela conversa estava Kappel, que só resolveu aparecer quando elas já haviam mudado de assunto. Um detetive experiente como ele, sabia identificar no tom de voz das pessoas todo o tipo de sentimentos, por mais que elas os tentem esconder através de gestos e palavras era a tonalidade que elas não conseguiam disfarçar. E no tom de voz de Leona haviam apenas duas emoções, curiosidade e desinteresse, que se formaram e transformaram nessa ordem desde o início até o fim da conversa.

Depois que apareceu, Kappel resolveu estudar mais a garota, ainda que disfarçadamente e durante toda a refeição ele se manteve quieto e observador, tentando entrosar na conversa para desviar atenções suspeitas em direção a si.

Quando a mesa foi levantada ele se retirou com a desculpa de ter de atender uma chamada, mas seus passos o encaminharam diretamente à cozinha, onde pôs as luvas de borracha que havia guardado no bolso do casaco e pegou nos copos que pertenciam a Clara e a Brigitte, os colocando separadamente nas saquetas etiquetadas com os nomes de cada uma.

Sem muito mais a perder nem tempo para dar explicações, Kappel saiu pelos fundos em direção à garagem, pegou a sua moto guardando as saquetas numa bolsa anexa do veículo e o montou. Do seu bolso ele retirou novamente o celular e discou o número que havia marcado mais cedo.

— Já tenho os materiais. Estou a caminho — informou sem muitas delongas, desligando a chamada logo em seguida e dando partida na moto.

Se aquela fosse realmente filha de Clara, Kappel precisava de saber com todas as certezas. Pois caso não fosse, logo ela seria desmascarada.

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