Ⓔ02 Ⓒ04 ✖ KATHERINA

Katherina terminou de passar batom vermelho nos lábios e ajeitou o conjunto exclusivo que trajava. Este era composto de um top verde tomara que caia, com decote em formato de coração, um short preto de pano elástico com cintura alta – ambas as peças feitas de cetim –, uma meia arrastão e um sapato de salto alto fino em vermelho escuro.

Seus olhos perfeitamente delineados fitaram o seu reflexo no espelho com pesar.

Aquela não era ela.

Seus cabelos não eram naturalmente vermelhos. Ela odiava maquiagem. Suas roupas eram demasiado justas e sensuais e em nada combinavam com ela. Não com a verdadeira Katherina Bauer.

A verdadeira Katherina gostava da simplicidade das coisas, seu sorriso era tímido, o conforto era o seu estilo de vida e sua profissão em nada se assemelhava ao que estava fazendo.

Foi preciso incorporar uma personalidade completamente diferente e oposta à sua para conseguir se destacar aos olhos de Theodore Stoker.

Os anos de teatro que fez quando era adolescente a ajudaram nesse processo, mas ter de viver um personagem 24 horas por dia, 7 dias por semana era exaustivo.

Haviam momentos em que Kat não lembrava mais quem ela realmente era. Sua personagem estava ganhando raízes profundas em si, ocupando cada vez mais lugar em sua verdadeira personalidade. E quanto mais ela alimentasse isso, mais ela iria se perder.

Kat sentia momentos de desespero e solidão em várias alturas do seu dia.

Já faziam dois anos que ela estava fazendo aquilo. Dois anos em que ela repetia para si, em um mantra encorajador, que todo aquele sacrifício era para um bem maior e por isso mesmo ela não desistia. Por isso mesmo ela não fugia correndo, querendo mais que tudo voltar para os braços dos seus verdadeiros amigos e familiares.

Por isso e por Theodore.

Várias vezes ela tentou se negar aos fatos. Talvez fosse ainda a velha Kath falando mais alto e se misturando assustadora e perigosamente com a nova Kat.

Mas Kath velha ou Kat nova, o fato era o mesmo. As Kat's haviam caído no grande erro de se apaixonarem pelo vilão.

Era inevitável. A Kat velha sempre procurava o melhor das pessoas, mesmo que não houvesse. Sua crença era de que, no fundo, todo o vilão tem um coração.

Tirando Alf. Alf não era um vilão, Alf era O vilão. Sem coração, sem escrúpulos, sem humanidade. Ele não tinha alma! Se Kat acreditasse em sobrenatural, ela diria com toda a certeza que Alf Schuller vendera sua alma ao diabo.

Um choro incontido se aproximava do local onde ela estava, o camarim das Musas. Uma delas entrou devastada, seu rosto molhado em lágrimas enquanto outras a acompanhavam na tentativa de a acalmar.

— O que aconteceu? — Kat questionou preocupada, se acercando das Musas e se ajoelhando perante a que chorava.

— Fomos demitidas, Kat. Essa é a nossa última noite. — Uma das Musas respondeu.

Ela aparentava ter uns 25 anos, mas na verdade já tinha uns quase dez anos acima disso.

Falava-se há várias semanas dessa possibilidade. Alf andava tentando convencer Stoker a demitir as Musas mais velhas e a contratar "nova carne", como o próprio gostava de se referir às prostitutas. Seu estômago embrulhou em nojo e raiva diante daquelas palavras e o seu ódio pelo homem apenas aumentou um pouco mais.

— O que eu vou fazer? — A Musa chorosa questionava devastada.

Kat entendia o seu desespero. A Musa era mãe solteira de duas crianças, tinha sua mãe acamada com uma doença fatal e seu pai numa cadeira de rodas. Enveredou nessa profissão luxuriosa para conseguir pagar os medicamentos dos pais e as necessidades dos filhos, mas agora ela perderia tudo isso. Tudo porque Alf a considerava velha demais para ser Musa.

— Se acalme Christy. — Outra Musa pediu, ainda que também chorasse, porém mais discreta e contida.

— Como eu vou me acalmar? Vocês acham que eu estou chorando de tristeza de sair de um emprego que amo? Não! Eu odeio o que faço, odeio muito! Mas é a única maneira de sobreviver. Eu estou chorando de desespero. — Christy exclamava em raiva, sua voz histérica e seu rosto vermelho, chorando ainda mais convulsivamente.

— O que vamos fazer, Kat? — Uma outra Musa perguntou.

Kat olhou as quatro Musas sem muitas respostas. Ela havia feito tudo ao seu alcance para ajudá-las, mas ainda assim Alf conseguira o que queria.

Era irônico ver essa imagem das Musas pedindo ajuda a Kat, quando no início todas a odiaram e ficaram contra ela. Tinham inveja dela ser especial, de ela não precisar se prostituir. Odiavam-na por ter conseguido conquistar Stoker, quando várias delas tentaram e nunca conseguiram.

Porém tudo começou a mudar quando Kat não se deteve a defender as Musas aquando de um dos ataques de fúria de Alf.

Sempre que havia oportunidade, Alf abusava sexualmente das Musas na frente de todos os que estivessem presentes. Era isso ou espancá-las. Mas desde que Katherina chegou, a primeira vez que ele ousou levantar a mão para uma das Musas na sua presença, correu redondamente mal.

A mão de Alf ia descer pela segunda vez no rosto já marcado de uma das Musas, quando Kat encostou uma faca nas costas dele.

— Temos uma corajosa aqui, ahn? O que vai fazer com essa faca, querida? No momento que você pousar ela, você está morta! — Alf comentava entre risos sarcásticos e maquiavélicos, olhando para a ruiva por sobre o ombro.

— Não se eu matar você primeiro — respondeu sem rodeios, levando todas as Musas a prender a respiração e a olhá-la de modo diferente: umas a achavam corajosa, outras suicida.

— Você acha mesmo que Stoker vai escolher você ao invés de escolher a mim? — Ele questionou sério, para logo em seguida soltar uma gargalhada estridente e assombrosa, que fez todas as mulheres ali presentes se encolherem, menos Kat.

— Não há o que escolher aqui, Schuller. Eu sou amante dele e você é o seu sócio. Acha mesmo que ele vai se importar com o que vai acontecer com você? — Kat entrava no jogo mental de Alf, distribuindo os mesmos sorrisos que ele direcionava a ela.

— Estamos juntos há décadas, querida. — Ele dizia mais sério, começando a se sentir afetado pelas palavras dela, enquanto Kat pensava o quão irônico era o feitiço se virar contra o feiticeiro.

— Tempo não faz diferença aqui. Estou com ele há meses e já o conheço suficientemente bem para saber que ele te despreza. Você só continua com ele porque é bom no que faz. Tal como eu — justificava impassível, encolhendo os ombros e constatando um fato verídico que nunca tinha sido explanado em voz alta para Alf.

— Bons argumentos, mas agora você tem uma decisão a fazer! Me mata agora ou eu te mato depois. — Suas alterações de humor variavam de excitação e divertimento, para cólera e instabilidade emocional, proferindo a última frase entre dentes no auge da sua raiva.

— Abaixa essa faca, Bauer. — Stoker ordenou ao surgir no recinto, fazendo um sorriso crescer no rosto de Alf pela ordem.

Hesitante, Kat ponderou seriamente se deveria fazê-lo. Se o matasse, saberia que em seguida seria morta, mas o mesmo aconteceria se ela baixasse a faca. Pelo menos na primeira opção ela livraria o mundo de um monstro.

— Eu não vou repetir duas vezes, Katherina. — Stoker avisou e mesmo sem ela querer, a bailarina o obedeceu para tão rapidamente ter uma arma de fogo apontada à sua cabeça.

— E agora, boneca? Continua com a certeza de que ele não escolhe lados? — Um sorriso trapaceiro brincou nos lábios de Alf, que fitava a ruiva com um olhar doentio e apavorante.

Naquele momento ela temeu por sua vida, mas aquele sentimento durou uma fração de segundos ao olhar para trás de Alf e ver algo que surpreendeu tanto a ela quanto a todos os outros presentes.

— Não. — Ela respondeu com um sorriso irônico e aliviado, vendo Stoker apontar uma arma na cabeça de Alf.

— Vamos os dois abaixar as armas lentamente ao mesmo tempo e em seguida iremos para o meu escritório conversar seriamente sobre isso. — Stoker instruiu com um tom de voz calmo, mas nada nele parecia pacífico.

Por dentro ele estava agitado, colérico, com vontade de esmurrar até a morte o primeiro que o desafiasse.

Alf assentiu com a cabeça ao pedido de Stoker, abaixando em primeiro lugar a arma da mira de Kat. Stoker repetiu os movimentos logo em seguida, pegando a arma das mãos de Alf e caminhando em passos firme e pesados em direção ao seu escritório.

A troca de olhares odiosos entre Kat e Alf durou o tempo necessário para ele perceber que tinha um enorme obstáculo em suas mãos e que ele teria que eliminá-la o quanto antes!

Depois disso as picardias entre os dois se repetiram várias vezes, sempre longe dos olhares e ouvidos de Stoker. As ameaças de Alf eram constantes, contudo em nada abalavam a bailarina, que parecia desconhecer o significado da palavra medo. E isso apenas o deixava com mais raiva dela, pois o seu maior poder residia no medo que incutia em todos à sua volta.

Kat levou as mãos à cabeça sem saber o que dizer. Ela queria poder ajudá-las, mas nada poderia ser feito, o que só deixou as Musas mais frustradas e desesperadas.

— Eu vou fazer o que posso, mas não garanto que consiga ajudar vocês. Uma vez que Stoker decidiu, não há muito que possa ser feito. Vocês sabem que ele não muda de ideias tão facilmente. — Kat tentou argumentar, mas nenhuma delas aceitava a sua sina. — Talvez ele consiga indicar vocês para algum concorrente.

— Isso não funciona assim aqui, Kat. Uma vez que você trabalha para uma casa, você não pode trabalhar pra mais nenhuma. — Christy respondeu com raiva, não da ruiva à sua frente, mas da situação em que se encontrava.

— E quando você deixa uma casa, tudo o que você pode fazer é se prostituir na rua. — Uma outra respondeu com temor espelhado em seus olhos.

— Ou mudar de país e começar do zero.

— Eu lamento muito, meninas. — Kat matinha o cenho franzido querendo poder ajudá-las, mas ali, no Moulin Rouge, não havia nada mais que pudesse ser feito.

— Não mais que nós. Você é que é a sortuda, você tem Stoker. — Christy respingou com inveja.

— E você acha que isso vai durar para sempre? Um dia ele se cansa de mim e me obriga a me prostituir. Um dia eu irei estar no mesmo lugar que vocês. — Kat mentiu, mas era a sua tentativa de fazê-las se sentirem bem.

— Desculpe, Kat, eu não quis dizer essas coisas.

— Tudo bem, Christy, não precisa se desculpar. — Kat a abraçou e então saiu para pegar um guardanapo, onde escreveu algo e entregou a Christy. — Guarde esse número para quando realmente precisar.

Quando estiverem realmente dispostas a tudo para se livra do passado.

— O que você está falando Kat? — Uma outra perguntou confusa.

— Eu não posso dizer mais nada, mas esse número pode mudar suas vidas. Contudo terão de ter certeza de que estão dispostas a arriscar tudo! Estou confiando em vocês. — Havia secretismo no modo como Katherina falava e, mesmo sem entenderem, as Musas assentiram em concordância.

— E nós confiamos em você, Kat. Pode deixar. — Outra respondeu, afagando o rosto da bailarina carinhosamente.

— Obrigada, meninas.

— Nós é que agradecemos a você, Kat. Desde que você chegou nossa vida ficou muito melhor aqui no Moulin Rouge. — Uma delas disse, enquanto todas as outras assentiram, puxando Kat para mais um abraço coletivo.

As cinco se mantiveram abraçadas até serem chamadas para performar e entreter.

Depois do seu número de Strip, Kat deixou discretamente o bar e se dirigiu até as traseiras do bordel, passando por um dos seguranças de Stoker.

Os dois trocaram um olhar significativo e Kat sentiu que ele a seguia pouco tempo depois.

Assim que se encontraram distantes dos olhares alheios, Kat o encurralou a um canto afastado.

— Você conseguiu as informações que eu pedi? — Ela questionou entre sussurros.

— Sim. Ele é um polícia do departamento de investigação. — Ele respondeu, a agarrando pela cintura e a empurrando contra a parede.

Quem os visse, julgava que estavam se pegando em amassos e era exatamente essa impressão que eles queriam passar.

— Droga. O que ele anda investigando? — Ela questionou enlaçando seus dedos nos cabelos enrolados dele.

— Tráfico Humano. — Ele respondeu, observando o rosto da ruiva empalidecer.

— O que você descobriu mais sobre ele? — Kat questionou, inclinando sua cabeça para o lado e sentindo o rosto dele se encaixar em seu pescoço.

— O polícia parece ser um cara focado no seu trabalho. Perdeu uma irmã para o tráfico infantil. Divorciado. Sem cadastro e sem boatos de ser corrupto — respondeu com toda a seriedade contrária ao que eles estavam encenando.

— Acha que podemos confiar nele? — Ela questionou preocupada.

— Não sei, Katherina, mas acho que precisamos de toda a ajuda necessária. — O segurança respondeu, finalizando aquele pequeno teatro e se recolhendo ao interior do bordel enquanto Kat esperava do lado de fora, dando tempo suficiente para que ninguém desconfiasse que estavam juntos.

Enquanto isso ela pensava para consigo mesma.

— Quem é você, Kyler Teunissen?

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