Ⓔ02 Ⓒ02 ✖ KYLER

Teunissen ajeitou as mangas da sua camisa social de algodão azul claro. Os botões das mangas eram únicos e delicados, uma herança de família passada pelas gerações masculinas. As peças de abotoar muito bem cuidadas eram de ouro e tinham um desenho de um cavalo gravado e Kyler só os usava em ocasiões especiais ou importantes.

Naquela noite ele se dirigia a um lugar elegante e promíscuo, que exigia tais trajes: A abertura do Paradise Desire.

Já passava da meia noite e apesar dele estar duas horas atrasado, o bordel parecia estar no seu auge.

Havia uma diferença abismal entre o Paradise Desire e os restantes bordéis da Red Light District. Aquele antro parecia um comum salão de festas, designado para a alta sociedade. Suas cores se resumiam ao branco, bege e cores creme. O piso era de madeira clara, envernizada. O teto estava repleto de candelabros brilhantes, com milhares de pedras transparentes que o faziam se perguntar se não seria mesmo diamantes. Várias mesas redondas estavam decoradas com toalhas brancas rendadas nas bordas, e arranjos florais no centro, que se espalhavam ao longo do salão. Mais ao centro se abria uma enorme pista de dança, por onde todos circulavam e se atreviam a dançar uma valsa ensaiada, como se de uma baile de gala aquilo se tratasse.

Vários Adãos – nome dado aos gigolôs do bordel – caminhavam com à vontade de sungas pretas bem justas evidenciando tudo o que tinham a mostrar, sapatos sociais, peito e braços à mostra com pedaços de camisa como enfeite, tais como um colarinho com uma gravata borboleta e bainhas de mangas complementados com botões dourados com a sigla PD gravada a alto relevo.

Os restantes funcionários que não se dedicavam à arte sensual, usavam camisas sociais extremamente justas, cabelo bem arrumado pelo gel, calças sociais um número abaixo, destacando todos os músculos trabalhados, e sapatos sociais.

Os clientes variavam entre ambos os sexos. Alguns estavam ali para se divertir, outros apenas para apalpar terreno e se socializar. Já Kyler não estava para nenhum dos motivos acima citados.

Na verdade, o detetive se sentia levemente constrangido de estar naquele meio, não só pelos gigolôs desnudos, como também por não pertencer àquela casta social tão abastada.

Seus olhos percorreram o salão em busca de algum rosto conhecido. Reconheceu algumas embaixadoras, algumas socialites e um ou outro político do sexo masculino, mas seus olhos buscavam outra pessoa.

Depois de interrogar o ex-capanga de Amus Stoker, ainda que por baixo dos panos, Teunissen investigou a fundo sobre a recente dona do Paradise Desire. Sua curiosidade coçou quando só conseguiu achar parte da história dela, datado desde quinze anos atrás. Qualquer coisa antes disso estava apagado do sistema, como se sequer existisse.

Seu sentido aguçado de detetive o fazia acreditar piamente que Clara Mulder era uma identidade falsa, todavia ainda não conseguira desvendar qual a sua verdadeira identidade e qual o passado por trás de Clara. Sabia também que a mulher tinha um braço direito nos negócios e na vida, Elise Braisser, contudo também ela tinha documentação datada a partir de quinze anos atrás.

Sem sinal de nenhuma das duas, Kyler se dirigiu até o lugar menos intimidador do salão, o bar, onde vários socialites trocavam palavras cordiais e os funcionários estavam mais vestidos.

Pediu um Martini Clássico duplo e suspirou analisando ao seu redor. Seu olhar perscrutador captou uma mulher de pele cor de mármore, longos cabelos lisos e negros, com uma perfeita franja caindo delicadamente sobre seus olhos líquidos, cor de chocolate. Todo o seu rosto era delicado, como se de uma boneca se tratasse, porém havia uma aura intensa de sensualidade e charme pairando por seu ar angelical. Seu vestido preto era curto e justo, com um decote avultado, mas discreto, visto ser tapado por um tecido de tule da cor do vestido. Suas jóias eram chamativas e perfeitamente combinadas e os seus sapatos pareciam feitos de diamantes.

Ela caminhava com elegância, marcando cada passada como um passo de dança, se encaminhando até o bar e se sentando bem do lado do Detetive, o qual manteve seus olhos esverdeados fixos na bela mulher.

— Não faço parte do pacote, mas temos muitos Adãos disponíveis para satisfazer seus desejos. — Ela comentou com um sorriso brincalhão no canto dos lábios, desviando brevemente o olhar sobre o dele.

O encarou então pelo espelho que decorava a parede do bar, junto com as prateleiras cheias das mais variadas e mais caras bebidas.

— Desculpe, não era minha intenção ser desrespeitador. — Kyler se recompôs, virando seu rosto para a frente e encarando sua bebida por segundos.

— Não o foi, de modo algum. Desculpe se o constrangi. — A mulher lamentou, sorrindo gentilmente para ele e pedindo uma Cosmo ao barman, percebendo que o olhar do homem voltara a fitá-la fixamente, o que a deixou levemente incomodada.

— Desculpe comentar, mas tenho a estranha sensação de já nos termos cruzado antes. — Ele comentou com sinceridade, ainda que estivesse fazendo jogo.

Assim que a viu a reconheceu como sendo a sócia de Clara, contudo sentia uma intensa familiaridade com aqueles olhos hipnotizantes que o encararam com estranheza.

— Duvido muito. Nunca estive na Holanda antes. — Ela mentiu soando um pouco fria em suas palavras a fim de cortar quaisquer fantasias que ele estivesse tendo com ela. — Talvez o senhor já tenha visitado alguma das nossas casas de prazer pela Europa. Temos várias espalhadas por todos os cantos.

— Não. Eu nunca saí da Holanda — respondeu, tentando ao máximo manter seus olhos longe dela, porém falhando miseravelmente.

— Lamentável, nosso continente é um dos mais belíssimos, culturais e interessantes de se visitar, senhor...?

— Teunissen. Detetive Kyler Teunissen.

— Kyler... — Houve uma breve pausa após ela repetir o nome do Detetive, fazendo seus olhos brilharem saudosos de uma lembrança para lá de antiga.

Memória essa que parecia como um borrão, se desvanecendo gradativamente e fazendo seus olhos encharcarem por tal infortúnio. Rapidamente ela se recompôs, impedindo que ele se apercebesse de tal momento de fraqueza e então forçou um sorriso e o encarou.

— Detetive? Veio a prazer ou trabalho? — Seu estado mental ficou atento após refletir melhor naquela informação.

Todo o seu corpo entrou em alerta, na verdade, e houve uma certa dificuldade em respirar depois disso.

— Trabalho. — Sua resposta foi excessivamente rápida, demonstrando o seu desagrado naquele tipo de prazer a que ela se referia.

— Algo em que eu o possa ajudar? — perguntou prestativa, contudo havia um medo por baixo da sua pele.

Ela odiava polícia. Ela odiava tudo o que envolvesse autoridades judiciárias.

— Se souber onde posso encontrar Clara Mulder, seria de grande ajuda. — Elise ergueu uma sobrancelha interrogativa, se questionando o que raios a polícia investigativa queria com Clara.

Afinal elas mal haviam chegado e era impossível ser algo relacionado com o passado delas ali, há vinte anos, visto que todas as provas terem sido eliminadas da face da terra.

— Infelizmente ela teve de se ausentar mais cedo e não se encontra mais aqui. Há algum motivo em especial para procurar por minha associada? — A morena tentou apalpar terreno.

Seu sexto sentido lhe dizia para tentar saber o máximo sobre aquele assunto e foi isso que fez.

— Sim, mas nada alarmante, pode ficar despreocupada. Apenas algumas informações que me podem ser úteis em uma investigação. Nada que a coloque em maus lençóis, garanto. — Ele tagarelava sorridente e despreocupado e um pouco sem jeito, até.

Parecia não saber lidar com todo o poder de presença de Lady Sasha e isso a fez sorrir confiante.

— Se houver algo que eu possa responder, eu posso falar por ela. A conheço como a palma da minha mão e sei tudo sobre Clara — garantiu, aproveitando todo o desconforto prazeroso dele sobre ela, para jogar algum charme e tentar arrancar o que pudesse.

Kyler pensou em silêncio por alguns milésimos de segundo, ponderando se seria correto trazer esse assunto a alguém, que não a pessoa de máximo interesse para ele. Por mais que aquela mulher o encantasse de tal modo que ele mal conseguisse tirar os olhos dela – não só pela sua beleza, mas porque ele não conseguia parar de pensar de onde a conhecia. Kyler tinha a certeza de já a ter visto antes –, ele era um profissional de respeito e sabia controlar suas emoções.

— Adoraria compartilhar esse assunto com você, mas garanto que os detalhes que necessito a senhorita não saberá me disponibilizar, apenas Clara Mulder — respondeu em modo Detetive, o que fez Elise sentir como se tivesse levado com um balde de água gelada.

— Agora você me deixou curiosa, Detetive. — Em mais uma tentativa, ela tocou o ombro dele após Teunissen se erguer em menção de sua partida, sorrindo do modo mais convidativo possível.

— Acredito que sim e lamento por isso. Continuação de uma boa noite, Lady Sasha. — Contudo o Detetive parecia outra pessoa, impenetrável, e naquele instante Elise se perguntou se todo aquele encantamento por ela não teria sido uma fachada para a ludibriar sobre o paradeiro de Clara.

— Me trate apenas por Elise. Elise Braisser. — O corrigiu, ainda que nervosa, o vendo sorrir brevemente ao mesmo instante em que apertava um botão do seu terno.

Então virou costas à bela mulher e partiu de vez daquele centro de luxúria que em nada atraíam ou deixavam confortável o Detetive.

Seu sorriso se desvaneceu e uma carranca desapontada tomou conta do seu semblante. Ele encarava a noite com pesar e caminhava até seu carro em desalento. Mais um dia perdido no calendário eterno da sua fé. Contudo ele não era homem de desistir. Havia feito da sua vida tudo o necessário para encontrar o paradeiro da sua querida irmã.

Já dentro do carro, Kyler baixou a pequena proteção contra o sol que havia na frente do carro e retirou de lá uma fotografia. Na imagem estava uma família sorridente em um jardim. Um casal de tenra idade abraçados, dois adolescentes idênticos lado a lado, com os joelho apoiados no chão e uma garotinha pequena, sentada no colo dos dois. Havia também um Golden Retriever castanho no colo da menina. O cachorro ainda nem devia ter um ano e já exibia um sorriso gigantesco.

Kyler recordava perfeitamente daquele dia. Era o aniversário da sua irmãzinha querida e tanto ele quanto Konrad, seu irmão gêmeo, estavam animados para lhe entregar o presente.

Kirsa corria de um lado para o outro do jardim da casa de veraneio, em Delfzijl, uma cidade costeira da Holanda.

A família Aartsen não tinha nada com que se preocupar naquela época, tudo eram flores e o futuro negro parecia apenas uma ilusão. Porém, poucos meses depois, o pesadelo começou. Primeiro com Konrad, que adoeceu repentinamente para logo se descobrir que ele estava com pneumonia. A doença atacou silenciosamente e não parecia ser tão grave, até que foi.

Konrad não comia mais, seu corpo todo doía e a febre alta já o fazia delirar e não havia nada que conseguisse ajudá-lo. Mesmo depois dele ser internado e ter cuidados médicos, o seu corpo não foi forte o suficiente para resistir e ele faleceu.

Foi uma perda enorme para a família. Kyler ficou devastado. Sua mãe entrou em uma depressão enorme e seu pai se afundou em trabalho. Kirsa ficou abandonada à companhia do seu novo amigo canino e aos poucos viu sua família se distanciar cada vez mais.

Kyler foi se recuperando, mas havia momentos em que não conseguia e se refugiava em seu canto. Seu pai saíra de casa e sua mãe se afundara na bebida e Kirsa... continuava à mercê da vida. Percebendo que não era pela perda do seu gêmeo que deveria perder outra irmã emocionalmente, Kyler se aproximou mais de Kirsa e se tornou o seu parente pelos anos seguintes.

Sete anos se passaram e Kyler concluiu o Ensino Médio com mérito e foi imediatamente aceito na Utreht, a melhor universidade da Holanda. Com pesar, ele abandonou o seu lar e se arrependeu amargamente desse seu feito, quando, meses depois, sua querida irmã foi dada como desaparecida, iniciando o segundo pesadelo na família Aartsen.

Depois desse trágico incidente, Kyler cortou todas as relações com os pais e saiu de casa. Foi morar com um tio afastado por parte da mãe, que morava no centro de Amsterdã e dele retirou o sobrenome Teunissen, com o qual ficou até a data de hoje.

Um novo dia já começava e suas esperanças estavam renovadas. Naquele dia ele estava confiante de que iria encontrar Clara e, por fim, conseguiria obter as informações que ele tanto procurava.

Sua presença alegre ao entrar no Departamento Investigativo, da Estação Policial de Amsterdã, trouxe alguns trejeitos de espanto entre os colegas, que lhe devolveram o sorriso confiante e o cumprimentaram calorosamente.

— Chegou uma encomenda para você, Teunissen. — Um dos seus colegas comentou, apontando para cima da secretária dele onde havia um envelope selado em cima de uma pilha de documentos.

— Sem remetente, parece admiradora secreta. — Seu parceiro zombou, levando os outros a gargalharem.

Kyler ignorou os risos trocistas dos colegas e se acomodou no seu posto, pegando o envelope em mãos e o revirando em busca de alguma informação que não o seu nome lindamente desenhado na parte da frente, como se fosse uma arte.

No entanto, havia algo curioso sobre o nome ali escrito. A carta havia sido endereçada a Kyler Aartsen. Quem a enviara o conhecia demasiado bem para saber aquele sobrenome, visto ele não usá-lo há uma década e meia.

Ansioso, o Detetive abriu o envelope se surpreendendo por apenas conter um único flyer dobrado ao meio. Era uma propaganda de um saxofonista levemente conhecido, que estaria tendo uma sessão única e pública na Estação de Metro de Muiderpoort.

Kyler não entendeu o conteúdo, mas sabia que era algo importante pois usaram o seu sobrenome de família.

Após longos minutos de pensamento, Kyler resolveu ir ao encontro dessa sessão de saxofone, mesmo não sabendo o que esperar.

A viagem de carro foi curta e quando ele finalmente chegou, havia uma pequena multidão rodeando um palco bem montado e equipado, onde o tal saxofonista e sua banda, performavam alguns números de música vibrantes.

Teunissen olhou em volta em busca de alguém que o procurasse, mas aquilo parecia um beco sem saída, até que um velho mendigo o abordou.

— Nada melhor que um show de Tulipas para alegrar nossas almas, não é mesmo, senhor Aartsen? — E tal com surgira, o mendigo desapareceu por entre a multidão.

Mais uma vez Kyler ficara sem entender nada e dessa vez ele não tinha qualquer pista sobre onde ir ou o que fazer, até olhar mais atentamente os posters que decoravam as paredes da Estação, anunciando a atuação inédita da banda Tulipas em parceria com o saxofonista.

Sua mente maquinou infinitamente até pensar em uma única coisa: Keukenhof, o jardim das Tulipas.

Mais uma vez ele pegou no seu carro e se dirigiu ao próximo lugar sem saber o que o esperar. Seu instinto lhe dizia para seguir as pistas, mas seu lado policial dizia que era uma armadilha.

Lá chegado, Kyler levou um bom tempo percorrendo todo o jardim, em busca de novas pistas até quase desistir. No entanto parecia que era exatamente nesses momentos que a luz surgia ao fim do túnel. O detetive estava parado perto de uma esplanada onde estava um garotinho adolescente vendendo lembranças e pregando o seu negócio. Assim que o olhar do garoto cruzou com o de Kyler, o rapaz se aproximou do detetive e estendeu um chaveiro de um conjunto de casas térreas com os dizeres Super 8.

A princípio Kyler recusou o chaveiro, mas a insistência do rapaz em vender apenas e só apenas aquele objeto, fizeram o Detetive suspeitar que aquela fosse mais uma pista. Por fim o Detetive pagou pelo chaveiro e o encarou com confusão.

— Ei, garoto, o que é isso? — Kyler questionou sobre o desenho gravado no chaveiro de madeira, desconhecendo aquela localidade.

— Motel. — O rapaz respondeu brevemente, se afastando logo em seguida e voltando a pregar suas lenga-lengas.

Kyler uniu os sobrolhos ainda mais confuso e caminhou lentamente de volta ao seu carro. Lá ele ficou parado, sem saber para onde se dirigir. Por fim ele ligou ao serviço de informações pedindo as coordenadas da direção do Motel Super 8 e assim que as obteve se colocou a caminho do local.

A viagem foi mais longa que o previsto, mas assim que chegou ao motel, Kyler não se deteve a perder mais tempo e foi até o balcão de atendimento.

— O que deseja? — Uma mulher baixinha, de cerca de cinquenta e poucos anos, perguntou com um tom de indiferença.

— Sou Kyler Aartsen e penso que tem alguém esperando por mim — falou com uma ponta de incerteza o atingindo.

— Casa 3. — A mulher ao balcão indicou com descaso, não se demonstrando minimamente curiosa por aquele encontro estranho.

Àquela altura, Kyler não estava mais surpreso de nada, até ao momento em que chegou em frente à porta com o número 3 pregado a dourado e a mesma foi aberta por alguém que ele não estava realmente nada à espera de ver.

— Você?  

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