O Fantasma Grudento

"O Amor eterno é de muito breve duração; podemos odiar eternamente, porém, amar eternamente, não."

Emanuel Wertheimer.

Murilo sente-se desorientado e perdido desde que aquele fantasma apareceu na sua cabeça. No início até achou engraçado, mas depois começou a ser um tremendo incômodo, um estorvo, isso no início. Porém, tudo mudou de forma incompreensível e inesperada. Pensativo, relembra-se de como as coisas começaram há pouco mais de dois meses, quando alugou seu novo apartamento em Copacabana, Rio de Janeiro...

― ☼ ―

Na primeira noite que estava dormindo lá, começou a ouvir coisas, acordando assustado. Levantou-se da cama, verificou a porta da rua e foi ao sanitário. Quando ia lavar as mãos, olhou-se no espelho e deu um tremendo berro, pois o que ele via era uma mulher e não o seu reflexo. Para grande espanto a imagem também berrou e fez um comentário que Murilo ouviu perfeitamente, uma voz feminina e agradável, ecoando na sua cabeça:

"Caraca, estou num homem." – Afirmou. Deu um sorriso e continuou, olhando para o seu corpo, um homem alto, musculoso, olhos e cabelos castanhos. – "E que gatão mais lindo! Você sempre dorme assim, peladão?"

– Quem é você? – Perguntou, assustado. – Agora dei pra ver e ouvir coisas. Acho que preciso de um médico.

"Que nada, gato." – Ela sorriu docemente. – "Você está em perfeito estado de saúde. É que eu sou um fantasma e sentia-me muito sozinha. Assim, eu me concentrei em algum espírito com dons mediúnicos e acabei entrando no seu corpo."

– Minha nossa, devo estar doidão de vez. – Ele olhou o rosto do espelho e viu uma mulher dos seus vinte e cinco anos, cabelos castanhos, olhos azuis e com um rosto lindíssimo. Depois, notou que ela estava tão nua quanto ele e que tinha um corpo escultural. Involuntariamente, reagiu com a visão. – Você também costuma aparecer nua para os outros?

"Epa, parece que você gostou." – Afirmou, olhando para baixo e sorrindo muito – "UAU, mas que equipamento maravilhoso esse seu!"

Involuntariamente a sua mão vai se mexendo e agarrando-se.

– Quer fazer o favor de parar? – Pediu ele, assustado. – Como você fez para controlar a minha mão?

"Ora, eu estou no seu corpo, compartilhando com você..."

– Então pare com isso que eu já não sou criança para ficar me masturbando.

"É tão bom sentir isso!" – Sorriu e largou-o. – "Tá bom, seu desmancha prazeres. Mas é tão gostoso..."

– Gostoso é, mas quando estamos com outra pessoa. Afinal, quem é você e o que deseja?

"Eu me chamava Carolina e fui assassinada há três anos. Como ainda não era a minha hora, estou condenada a vagar até cumprir a minha missão. Acontece que estava muito sozinha e procurei um pouco de companhia. Sabe, eu adorei você, gato."

– Carolina, você está invadindo a minha privacidade...

"Ora, Murilo" – pediu, fazendo beicinho – "ficarei pouco tempo e prometo que não incomodarei. Sinto-me tão solitária!"

– Tá bom, mas agora preciso de dormir, então fique quieta que amanhã cedo tenho que trabalhar.

"Obrigada, gato."

― ☼ ―

De manhã cedo ele acordou, achando que foi tudo um sonho maluco até que descobriu que sujou todo o lençol.

– Caraca! – Disse, chateado. – Não é que não foi um sonho!

"Oi, gato..."

– Puxa vida, Carolina, por que foi fazer isso comigo!

"Desculpe, mas não resisti. Você dormia tão profundamente que achei que podia só um pouquinho. Eu nunca tinha entrado no corpo de um homem e desejei ver como era. Foi tão bom que não queria parar. Sinto muito."

– Por favor, não repita isso. Já lhe disse que não tenho mais idade para essas coisas...

"Ora, Murilo, idade é uma desculpa esfarrapada. Sexo é gostoso de qualquer jeito."

– Mesmo assim, não desejo isso, ok? – Pediu, tentando manter a calma. – Agora eu preciso de tomar banho. Já tinha tomado antes de dormir justamente para não me atrasar.

Quando se olhou no espelho, viu novamente a garota completamente desnuda, apreciando a sua beleza.

– Você vai ficar sempre nua? – Perguntou. – Vou sentir-me esquisito cada vez que eu passar em frente a um espelho e enxergar você assim, sem falar na reação que dá.

A garota deu uma grande risada e disse:

"Quer dizer que você gosta, né? Na verdade, eu apareço como você. Se você se vestir, ficarei vestida. Simples assim, mas com roupas que eu gosto e não as suas." – Explicou. – "Para falar comigo basta você pensar. Não precisa de falar toda hora, senão vão pensar que está maluco."

De banho tomado, Murilo foi para o metrô, que àquela hora estava muito cheio. Não passaram dez minutos e Carolina manifestou-se:

"Caraca, este metrô é um saco." – De frente para a janela, Murilo observava a imagem refletida da moça, imagem esta bastante difusa. – "Que aperto."

– É verdade, um verdadeiro aperto, mas é muito melhor que ir de carro, pois é muito difícil e dispendioso estacionar no centro.

Nota que alguns passageiros olharam para ele com cara estranha.

"Olha só que cara mais lindo que acabou de entrar!" – Ela forçou o jovem a olhar. – "Esse é outro que deve ser tão gostoso quanto você."

– Quer fazer o favor, Carolina? Eu não sou gay para ficar olhando homens! – Alguns passageiros afastaram-se discretamente, dando espaço. – Pare de controlar o meu corpo.

– "Falei para você pensar e não falar, gato." – Deu uma risada e continuou. – "Estão achando que você é maluco e afastaram-se. Pelo menos, temos um pouco de espaço para respirar."

Apesar de tudo, Murilo conseguiu chegar ao trabalho no último minuto. Ele era gerente de uma pequena agência publicitária já há alguns anos. Sentou-se na mesa e suspirou.

"Você está chateado, Murilo, o que foi?" – Perguntou Carolina, falando docemente. – "Não gosta do seu trabalho?"

– Sabe, eu queria mesmo era ser escritor, só que viver como escritor, no Brasil, não é nada fácil. Nada mesmo!

"Então por que não tenta escrever algo?" – Questionou a moça. – "Você é um sujeito com talento. Precisa de tentar, senão jamais saberá."

– Talvez faça. – Comenta, pensativo. – Um dia, quem sabe.

– Falou comigo, chefe? – Perguntou uma colega que vinha passando. Ela era linda e muito bem feita.

– Não, Helena. Estava divagando um pouco. – Respondeu, olhando discretamente para o seu peito cujo decote deixava-o elétrico só de imaginar. – "Que gata mais gostosa. O que eu não dava para passar uma noite com ela. Nossa, não ia prestar."

"Finalmente está pensando em vez de falar." – Disse a fantasma, rindo. – "Se a quer, por que não a chama para sair? Essa aí você leva prá cama fácil, fácil."

– Eu estava pensando para mim mesmo, Carolina.

– "Voltou a falar. Apenas pense! Agora, pergunto novamente: por que não a convida para sair?"

– Porque há uma coisa chamada assédio sexual e não estou a fim de ficar desempregado. – Afirmou, acompanhando o traseiro da colega, que rebolava de forma bem sensual. – É difícil falar com alguém em pensamento.

"Que nada. Ela é totalmente apaixonada por você." – Disse, rindo. – "Eu leio o pensamento de todo mundo aqui. Tem ela e mais duas garotas louquinhas para dormirem com você... e mais um gay."

– Era só o que me faltava...

"Vá lá falar com ela ou eu forço você."

– Deixe disso, pelo amor de Deus.

– "Ah não, você vai fazer isso e é agora." – Forçado pela moça etérea, ele levantou-se da cadeira. Tentando resistir, Murilo caminhava trôpego, deixando alguns colegas espantados e outros rindo. O seu andar era meio doido, dando dois passos para a frente e um para trás ou para o lado, enquanto soltava imprecações baixinho, ao mesmo tempo que arqueava o corpo para trás ou fazia movimentos pendulares, como se estivesse em alguma dança coreográfica maluca... ou bêbado.

– Helena... quer fazer o favor de parar com isso?

– Parar com o quê? – A colega questiona espantada.

– Não, não é com você e sim essa maluca que me está forçando e deixando louco.

Espantada e erguendo o rosto, a moça olhou para ele, pois não havia ninguém junto. Murilo, ao ver seu peito pelo decote, distraiu-se o suficiente para diminuir a resistência oferecida ao fantasma, que age no mesmo ato:

– Helena, você quer sair para jantar comigo? – Perguntou Carolina por intermédio da sua voz. – É que eu não resisto a você.

A desenhista deu um sorriso enorme e falou:

– Claro, quando?

Inebriado com a sua reação, ele começou a falar por si mesmo:

– Poderia ser hoje à noite? – Perguntou.

– Pra mim tá ótimo.

– Combinado, Helena. Te espero na saída. – Sorriu para a colega e, exultante, retornou para a sua mesa.

"Viu como foi fácil, seu cabeça dura?" – Perguntou Carolina, enquanto fazia a sua mão dar-lhe alguns cascudos. – "Agora você me deve uma."

– Pare com isso, sua maluca. – Disse, parando e empertigando-se todo. – Isso dói.

"Está chamando a atenção, gato."

– E você me deixando desorientado, sua fantasma maluca.

Sentou-se na mesa e o diretor, que viu o ocorrido, aproximou-se dele, que considera o seu melhor gerente.

– Escute, Murilo, você está bem? – Perguntou, pousando a mão no seu ombro. – Por acaso anda cansado ou trabalhando demais? Se for isso, tire uma semana, já que tem as férias vencidas faz muito tempo. Eu não quero que tenha uma estafa, ok?

– Tudo bem, senhor. Era apenas a minha perna que formigou. Acho que tinha sentado de mau jeito.

– E dar cascudos em si mesmo, falando sozinho, tem a ver com a perna formigando?

– Isso? – Murilo sorriu, pois Carolina novamente assumiu o controle sobre ele. – Não, é que eu gosto de escrever livros e estava imaginando umas ideias para um deles.

– Nesse caso tudo bem. – Sorriu-lhe de forma paternal e continuou. – Cuide-se, jovem. Quem sabe um dia nos mostra um de seus livros.

– Bem – Murilo fez cara de sem jeito, pois estava novamente por conta própria – na verdade ainda não terminei nenhum deles, mas mostrarei com prazer, assim que tiver finalizado um.

O diretor sorriu e saiu para a sua sala.

"Esse aí tá bem caidinho por você. É o gay que lhe falei. E as outras duas moças são Marina e Lisandra."

Gay!? – Exclamou, espantadíssimo. – Tá me dizendo que ele é gay? Não acredito!

"Isso, fale mais alto e vai ver a confusão que arruma..."

– Quem é gay? – Perguntou um colega que vinha passando.

– Nada não. – Respondeu. Para despistar, mencionou um colega que ele sabia muito bem que era. – É que me disseram que Pedro, do xerox, é chegado.

– Pô, Murilo, vai dizer que você não sabia disso!

– Pois é, acho que sou meio desligado.

– Cuidado para não levar uma xavecada por aí. – O colega bateu nas suas costas e saiu rindo.

― ☼ ―

Murilo entrou no restaurante, acompanhado da colega, e escolheram os pratos. Enquanto aguardavam, conversavam sobre o trabalho até que Carolina interrompeu:

"Pare com isso, seu babaca, que ela não tem o menor interesse de falar do trabalho. Faça um elogio; pergunte-lhe sobre ela. E se me responder, apenas pense."

"Tá bom, mas não zoa." – Afirmou. – Sabe, Helena, você estava muito linda hoje. Na verdade, está sempre bela.

Os olhos da moça brilharam e ela sorriu.

– Obrigada, Murilo.

"Já que estão lado a lado, trate de beijá-la que é isso que ela deseja agora." – Disse, muito divertida. – "Será que tenho que lhe ensinar tudo sobre as mulheres?"

Como ele não reagisse, ela tomou o controle e fê-lo beijar a moça, que o agarrou na mesma hora, correspondendo. Quando pararam, ambos ofegantes, Carolina disse:

"Caraca, estou-me sentindo uma lésbica. Mas você já está todo ouriçado e ela prontinha para a noite."

– Quer fazer o favor? – Pediu Murilo. – Caraca!

– O quê, está chateado? – Helena não entendeu a reação do acompanhante.

– Claro que não. – Sorriu e disfarçou. – Quero outro beijo pois você me deixou ofegante.

"Definitivamente, não sirvo para lésbica" – Carolina deu uma risada alegre – "mas estou começando a me divertir."

"Então me dê um tempo, pô."

"Quando quer, você consegue falar em pensamento."

– Helena, preciso ir ao banheiro e já volto, tá?

– Também preciso, gato.

Quando entra no sanitário e vai ao urinol, Carolina, pra variar, faz seu comentário.

– "Caraca, mas seu equipamento é mesmo uma delícia." – Ela divertia-se, fazendo a sua mão brincar.

– Pare com isso, sua maluca, que ainda acabo mijando fora... e pior, em mim mesmo. – Afirmou ele, saltando para trás. Um sujeito que urinava ao lado, olhou pra ele. – Sua maluca, está me desorientando!

– "Você acabou de arrumar encrenca de novo, justamente por não pensar em vez de falar."

Mal terminou de dizer isso, o sujeito ao lado aproximou-se e disse, estendendo os braços:

– Eu desorientei você, gato? – Sorriu aproximando-se mais e tentando agarrá-lo. – Como sabia que fiquei a fim de você?

– Sai dessa, porra. – Respondeu Murilo, muito irritado. – É esta fantasma maluca que grudou em mim que me deixou desorientado. Eu sou espada!

– Acho melhor você parar de usar drogas. – Disse o sujeito, saindo chateado. – Que coisa triste, um gato desses e já com a vida estragada!

Sozinho no banheiro e em frente ao espelho, Murilo disse para Carolina:

– Puxa vida, Carolina, pare de me atazanar.

– "Mas você estava com o troço ai em baixo meio duro... Nossa, uma delícia de homem que você é. Se meia boca já é assim, imagina de boca inteira!"

– Caraca, Carolina, acabei de beijá-la, como acha que eu ia ficar, murchinho?

– "Se você soubesse o que ela tá fazendo no banheiro feminino..."

– O quê? – Perguntou, curioso.

– "O mesmo que você, bobo. Ela tá louca pra deitar-se com você, Murilo."

– Eu, hein! – Afirmou, saindo do sanitário.

Depois do jantar, Murilo convidou a moça para ir ao seu apartamento, que era perto. Mal entraram começaram a se agarrar e tirar as roupas.

– "Você tem mesmo bom gosto, gato, pois ela é perfeita, tanto quanto eu era" – disse sem se conter – "mas vá mais devagar que ela ainda não está pronta para os finalmentes. Faça mais carícias e beijos, beije sua nuca e mordisque sua orelha que ela vai derreter. Acalme-se que você está em ponto de bala e vai acabar rápido demais."

– Será possível?

– O quê, amor?

"Pense, seu tonto... Ai que delícia, tô sentindo você e ela ao mesmo tempo."

– Será possível que você é tão perfeita, Helena?

também é um gato muito gostoso.

– "Caraca, amor, você se deu bem nessa escorregada."

"Pare com isso ou eu acabo brochando, Carolina."

– Ai, Murilo, tô que não aguento mais, venha logo...

No bem bom da coisa, Carolina, para variar, começou a falar:

– "Ai, gato, mais rápido que eu e ela estamos quase lá... e você também." – Disse, um tempo depois. – "Aiii, aiii, aiii, agora, agora, isso, amor, isso, isso, isso..."

– Nossa, Murilo – Helena comentou, ainda ofegante – você é bom demais e soube a hora certa de começar. Isso é tão raro!

"Viu? E você ainda me xinga, seu bobalhão!" – Ralhou a fantasma. – "Mas você é realmente bom. Ela é uma médium fraca e entrei parcialmente no seu corpo. Senti vocês dois ao mesmo tempo."

– Será possível que você não me deixa em paz um segundo sequer, Carolina? – Afirmou, muito irritado. – Me dê alguma privacidade com Helena.

– Ei, que foi isso? – Helena sentou-se na cama. – Mal começamos e já fala de outras garotas! Quem é essa Carolina?

– Helena – Murilo pediu, sentando ao seu lado – acalme-se e me deixe explicar. Desde ontem que entrou um fantasma no meu corpo e está me deixando louco. É zoeira demais e ela não me quer deixar.

– É mesmo muito azar – a garota levantou-se, começando a vestir as roupas – conhecer um cara perfeito e descobrir que é drogado e doidão.

– Helena, eu juro para você que nunca usei drogas. Pelo amor de Deus...

– Você quer que eu acredite nisso?

– "Diga-lhe sete sete dois um cinco quatro."

– O que vem a ser isso? – Perguntou o jovem.

– Isso o quê? – Questionou Helena, sem entender nada. – Vai dizer que estava falando com seu fantasma?

– Exatamente. – Afirmou Murilo. – Ela mandou falar para você uma sequência de números.

– "Diga-lhe os números."

– Que números são esses?

Murilo repetiu os números e ela olhou para ele, boquiaberta.

– Sabe que números são esses? – Perguntou Helena.

"Diga que é a senha do banco dela, que cadastrou hoje no horário do almoço."

– Carolina disse que é a senha da sua conta bancária, que você cadastrou hoje ao almoço. É verdade?

– É sim. – Helena sentou-se e olhou para ele. – Desculpe chamá-lo de louco.

– Tudo bem. – Murilo foi beijar a moça, que se afastou. – O que foi, Helena? Pensei que tínhamos esclarecido tudo!

– Acredito em você, gato, mas não o pretendo dividir com um fantasma, ainda mais de uma mulher. Quando resolver isso, você me procura.

Beijou-o e saiu, despedindo-se.

– Viu o que me arrumou, Carolina? – Explodiu, falando em frente ao espelho. – Eu sou perdido por ela há meses e, quando consigo, você estraga tudo.

– "Ei, vamos devagar." – Carolina interrompeu e seu rosto apresentava tristeza. – "Eu que consegui tudo para você, não seja tão ingrato e egoísta."

– Carolina, vá-se embora, por favor.

"Não vou conseguir sair, amor."

– Por quê?

– "Porque me apaixonei por você desde que o vi a primeira vez. Sempre que eu pensar em você, estarei automaticamente consigo. Me perdoe, amor, mas não fiz por mal."

– Era só o que me faltava, um fantasma biruta apaixonado por mim!

– "Não seja injusto comigo, Murilo. Sabe, o que eu mais queria era ter sido aquela moça, tocar realmente em você, beijá-lo ardentemente e sentir seu corpo. Me perdoe mas não escolhi isso, simplesmente aconteceu. E talvez você possa me ajudar a me libertar daqui."

– Tudo bem, acalme-se. – Pediu ao ver as lágrimas nos seus olhos. – O que precisa para se libertar do mundo material?

"Ainda não sei direito, mas pode ser mais de uma coisa."

– Tá bom. Já que a noite dançou, eu vou dormir um pouco. Boa noite, Carolina.

– "Boa noite, meu amor."

― ☼ ―

A semana passou normal embora Carolina toda hora se metesse na sua vida, provocando muita confusão. No fim da semana, ela disse:

– "Ei, gato. Convide Lisandra para sair."

– Ainda lembro o fiasco com Helena, Carolina.

– "Então agora decidiu virar padre?" – Riu-se dele. – "Vamos lá que eu fico na minha. É que foi tão bom daquela vez!"

O jovem cedeu ao desejo da Carolina e saiu com a colega. Carolina não se intrometeu durante o jantar e Murilo estava crente que ia ser uma noite agradável. Conseguiu levá-la para o apartamento e começaram aos beijos e carícias, até que ele a levou para o quarto, despindo-a. Mal ia começar, Carolina disse, dando-lhe um susto:

– "Não comece ainda, amor, dê-lhe uns beijos, nas dobras do joelho, que ela adora, e nos pés também. E lembre-se de não falar."

– "Você prometeu que ia ficar quieta."

– "É só para ajudar a melhorar, meu amor."

No intercurso, como não podia deixar de ser, Carolina não aguentou e começou a curtir junto, falando e gemendo na sua cabeça, o que desorientava o jovem. Mal este terminou e ficou beijando a colega, ainda bastante ofegante, disse:

– Você é muito gata, Lisandra.

– Você também, Murilo, e me fez ver estrelas.

– "Queria tanto que dissesse isso para mim, amor, amo você demais..."

– Caraca, assim complica.

– O que foi?

– Nada não, não tem nada a ver com você. – Foi abraçá-la e ela repeliu o colega, sentando-se.

– Acho melhor você me explicar o que está havendo.

– Você não acreditaria e iria achar que sou louco. – Disse Murilo, já bastante preocupado. – Pode ter a certeza disso.

– Por que não tenta?

– Muito bem – Murilo suspirou – há um fantasma nesta casa que gosta de me zoar.

– "Eu não zoo, você..."

– Dá um tempo, Carolina, que droga. Não vê que estou ocupado? – Afirmou irritado e erguendo a voz.

– E agora falou com ela, o fantasma?

– Sim. – A moça levantou-se enquanto Murilo sentou-se na cama, suspirando e cobrindo o rosto. – Ao menos você podia provar para ela, Carolina.

– Murilo, você precisa de ajuda profissional. – Terminou de se vestir e saiu sem nem mesmo se despedir.

– Acho que vou mesmo virar padre. – Comentou após a saída da colega. – Por que motivo você não tentou mostrar para ela que é verdade?

Tudo continuou em silêncio e Murilo ficou surpreso, achando que ela se foi. Contente, dirigiu-se ao espelho do sanitário e seu sorriso esvaneceu-se lentamente ao ver o rosto da moça, que chorava muito.

– Por que está chorando?

– "Você é insensível." – Respondeu aos soluços. – "Eu disse uma coisa bonita, senti algo especial, mas você me xingou."

– Carolina, acalme-se. Olhe, você não tem um corpo físico, não é mais daqui e eu nem posso tocar em você.

– "E daí?" – Perguntou em meio aos prantos. – "Eu tenho sentimentos. Eu sinto, Murilo, e foi preciso eu morrer para descobrir o amor pela primeira vez. Não é justo."

– Tudo bem, meu anjo. Me desculpe que eu não queria ofender você. Vamos esquecer isso, ok?

― ☼ ―

Um mês depois, período relativamente calmo exceto por uma boa dúzia de confusões, Murilo estava sentado num bar, bebendo sozinho em meio a um excelente anoitecer de sábado. Permanecia calado, apreciando a cerveja em um quiosque da Barra, sem pensar em nada de especial. Notava que Carolina também se mantinha passiva; mas, como sempre, não demorou muito e ela rompeu o silêncio:

– "Murilo, você não tem uma namorada fixa há quanto tempo?"

– Muito, nem lembro quando foi a última.

– "Não se sente solitário?"

– Claro que não. Se tô a fim de uma gata, cato ela, passo uns dias e pronto. É melhor assim do que uma vida de compromissos e cobranças.

– "Quantos anos você tem, amor?"

– Vinte e sete.

– "Gato, você é lindo de morrer e muitas garotas estão sempre a fim de você. Só neste quiosque há quatro." – Comentou a moça, preocupada. – "Mas um dia você vai acordar e descobrir que perdeu a juventude, que está sozinho, e irá sofrer por isso. Já pensou no assunto?"

– Para eu namorar alguém, Carolina, preciso de me apaixonar e isso não acontece. Nunca me apaixono. Já namorei antes e acabei desistindo porque não me sentia bem sabendo que não a amava. Estava fazendo a garota sofrer.

– "E alguma vez se apaixonou?"

– Sim, uma vez quando eu tinha treze anos, meu primeiro e único amor. – Respondeu, lembrando o passado com tristeza. – Ela era linda, com doze anos e muito bem feita. O seu nome era Carolina, que nem você.

– "E o que aconteceu, amor?"

– Eu me declarei para ela. – Confessou Murilo, lembrando o passado com se tivesse sido naquela tarde. – Ela riu da minha cara e disse para eu ir catar a minha turma.

– "Sinto muito por isso, amor. Deve ter doido muito."

– Tanto que, quando me recuperei disso, jurei que jamais me apaixonaria por outra mulher. – Uma mão tocou seu ombro e Murilo olhou para o lado, vendo a colega de trabalho. – Oi, Lisandra.

– Falando com o seu fantasma de novo?

– Você acha isso assim tão improvável?

– Acho, sim. Porém você não age como um louco. Poderia me provar?

– "Diga-lhe que ela chorou a noite toda quando saiu da sua casa, achando que você estava doente da cabeça." – Afirmou Carolina.

– "Não, Carol. Isso é demasiado pessoal e não desejo provar nada." – Respondeu. Virou-se para a amiga e disse. – Sabe, Lisandra, eu podia sim, mas você não confiou em mim.

– Ok, eu entendo. Me desculpe.

A garota afastou-se lentamente e Carolina disse:

– "Gostei quando me chamou assim. Acho Carol tão doce! Mas você devia ter dito a ela."

– Caraca, Carolina, já lhe disse que não vou usar o conhecimento de algo tão íntimo dela para provar que não estou louco. Ela ia ficar constrangida ao me ouvir dizer isso, ainda mais depois que saiu da minha casa. – Exaltado, ele não se deu conta que falou alto e a colega estava a apenas cinco metros. Imediatamente a moça voltou e sentou-se ao seu lado.

– O que disse, Murilo? – Perguntou-lhe. Com os olhos suplicantes, acrescentou. – Pelo amor de Deus, me diga. Eu não ficarei constrangida, se for verdade. Por favor.

Suspirando, ele disse:

– Ela afirmou que você chorou a noite to...

Não conseguiu terminar a frase, pois a moça atirou-se aos seus braços, chorando.

– Me perdoe por duvidar de você, gato. – Pediu, procurando seus lábios. – Eu estava tão triste e preocupada!

Gentilmente, ele terminou de a beijar e disse:

– Tudo bem, Lisandra, mas enquanto eu não resolver isto não vou mais me envolver. Tá tudo demasiado confuso e eu preferia ficar a sós. Não me leve a mal.

– Claro. – Levantou-se e deu-lhe um beijo terno. – Só não se esqueça que eu sempre fui apaixonada por você. Adeus.

– Té mais. Em outra ocasião falaremos melhor.

– "Noto que você perdeu o interesse nela." – Disse Carolina, quando a garota afastou-se.

– Perdi, sim. – Confirma calmamente. – Sei que é perfeitamente compreensível ela não ter acreditado, mas não fez qualquer esforço e não gostei disso.

– "E Helena?" – Perguntou. – "O que pensa dela?"

– Você pode ler os pensamentos de todo o mundo! – Questiona-lhe, meio chateado. – Então por que pergunta?

– Porque fechei-me aos seus pensamentos em respeito a você. Eu não posso saber o que pensa, a menos que deseje e force.

– Obrigado, Carol.

– "Por que passou a me chamar assim?" – Perguntou. – "Seria, por acaso, por causa da garotinha que o espezinhou?"

– Confesso que era assim que a chamava, mas acho que não. Também gosto de Carol... e de você. Mas veja se não fica me zoando muito.

– "Ai, amor, se eu pudesse enchia você de beijos. Mas eu não faço zoeira com você." – Disse ela. Depois, muito manhosa, continuou. – "Você bem que podia levar uma gata para o seu apê. É que eu consigo entrar parcialmente nelas e sentir um pouco. Nesse meio tempo tenho aprendido algumas coisas, estando com você."

– Negativo. Você perde sempre o controle e eu não tô a fim de passar por maluco de novo.

– "Posso até projetar na sua mente uma imagem de nós dois fazendo amor. Eu queria tanto, mas precisaríamos de uma parceira. Olhe, tem a Marina que tamb..."

– Já disse que não. – Murilo levantou-se. – Agora chega de cerveja. Vamos para casa. Você é bem taradinha.

– "Sou sim." – Deu uma risada. – "Principalmente porque amo você."

– Olhe, Carol, eu gosto de você, mesmo com todas as confusões que me arrumou, mas não temos a menor possibilidade de ir adiante juntos. Talvez fosse bom você pensar nisso.

– "Desculpe, Murilo. Infelizmente não posso controlar."

– Tudo bem, apenas pense.

– "Sabe, amor, você poderia começar a escrever um pequeno romance."

– Alguma ideia?

– "Claro, a sua história." – Ela riu. – "Já pensou no sucesso que ia fazer ao narrar sobre um fantasma que grudou em você?"

– Quem sabe, a ideia não é nada má.

Murilo entrou em casa e ligou o computador. Curiosamente, ele estava inspirado e começou a escrever, acompanhado pela Carolina, que às vezes escrevia algo por seu intermédio. Sempre juntos, Murilo descobriu que apreciava demais aquela companhia, muito divertida e alegre, sentindo pena dela ser incorpórea. Comprou um espelho enorme e pôs na parede atrás do computador de forma a poder vê-la quando conversavam. Juntos, divertiam-se e riam muito, contando as confusões dos seus encontros sexuais.

– Sabe, Carol, eu ia adorar se você estivesse viva.

– "Namoraria comigo, amor?"

– Para isso, precisaria de me apaixonar, mas gosto muito de você e talvez experimentasse. – A imagem no espelho mandou-lhe um beijo, sorrindo muito e com uma lágrima escorrendo pelo rosto.

― ☼ ―

Mais um mês passou-se e Murilo já se habituara à constante presença da Carolina, sendo que as confusões praticamente cessaram. Nessa noite, um sábado, ele sentava-se em um bar no Leblon, tomando um chope e comendo umas batatas fritas, quando ela disse:

– "Amor, há uma médium superforte aqui perto."

– E daí? – Murilo encolheu os ombros. – Para mim isso é indiferente.

– Daí que posso incorporar nela...

– Pretende ir embora? – Em vez de alívio, Murilo ficou inseguro e preocupado.

– Não, seu bobo. É que incorporando nela poderemos nos ver, falar e sentir.

– Você estaria usando a moça, o que é errado.

– "Mas ela nem vai lembrar. Só médiuns altamente treinados podem controlar tudo, até mesmo impedir a incorporação. E eu só queria ficar perto de você algum tempo." – Carolina argumentou, eufórica. – "Já a localizei. Caraca, ela é forte demais e está derretida olhando pra você. É bem bonita, mas nada que se compare comigo, Helena ou Lisandra."

– Sei não, isso não me parece correto.

Murilo não recebeu uma resposta; mas, logo depois, uma moça delicada e relativamente bonita sentou-se ao seu lado. Quando ia dizer algo para a dispensar, ele notou que seu rosto mudava, tornando-se o da Carolina.

– Carol! – Disse espantado. – É você mesmo? Você é tão bonita!

– Sim, amor, sou eu dentro dela, mas não imaginava que me fosse ver a mim e sim a ela.

– Carol...

Murilo nem soube o que aconteceu, pois ela olhou para ele com aquele rosto angelical e daquela vez parecendo real. Carolina aproximou-se dele e ofereceu seus lábios, que ele não recusou e beijou sofregamente, ficando totalmente ofegante, mais do que em qualquer outra ocasião.

– Amo, você, Murilo. – Disse ela, voltando a beijá-lo. Quando ele baixou as mãos, Carolina parou de o beijar e afirmou. – Não faça isso. Ela é virgem e eu não devo ficar muito tempo para não a esgotar. Mas eu senti você, amor, e saiba que você foi o meu primeiro amor. Agora tenho que a libertar.

Carolina saiu do corpo da moça no fim do beijo e Murilo descobriu-se abraçado a um morena simpática. Achando que ela ia reagir violentamente, assustou-se, mas a moça sorriu e disse:

– Puxa vida, gato, você tá com a vida bem complicada, mas saiba que ela o ama de verdade.

– Desculpe-me. – Afirmou, desajeitado e constrangido. – Sabe dela?

– Sei sim, e tudo bem. – A moça levantou. – Eu não sou tão inexperiente quanto ela pensou e vi que respeitou meu corpo.

Ela, antes de sair da mesa, beijou-o com vontade e acrescentou sorrindo, enquanto se levantava:

– Pena que você está apaixonado por ela, gato. Como se chama?

– Murilo. – Respondeu. Curioso pelo que ouviu, pergunta. – Por que acha que estou apaixonado?

– Eu não acho, gatinho, infelizmente tenho a certeza. – Deu-lhe mais um beijo e afastou-se, dizendo. – Adeus, Murilo, boa sorte.

– "Você está apaixonado por mim, amor?"– Perguntou Carolina, emocionada. – "Sério?"

– Nem pense nisso. Se eu estivesse saberia. Por que disse que eu sou o seu primeiro amor?

– "Porque, como você, nunca me apaixonei. Apenas me divertia com os homens até cansar ou achar outro mais interessante."

– É feio usar as pessoas, Carol.

– "Você faz o mesmo!"

― ☼ ―

Passou-se a semana em calma relativa até que, uma manhã, Murilo acordou e zangou-se novamente.

– Caramba, Carolina, de novo!

– "Não fui eu, amor, juro." – Ela deu uma risada. – "Você começou a sonhar e isso aconteceu espontaneamente. Nossa, que sonho gostoso que você teve. Eu curti demais."

– E posso saber que sonho foi esse, já que não me lembro de nada?

– "Caraca, eu vou ficar sem jeito!"

– Não embroma, Carol.

– "Tá bom, você sonhou comigo, que nós dois estávamos no maior clima."

– Acho que você está de armação...

– "Pra quê que eu ia mentir?" – Ela fez com que se lembrasse do sonho. – "Viu? Ai como foi bom."

– Foi sim, até demais. Mas pare de me lembrar que isso me excita e eu não sou fã de sexo solitário. – Ele riu da cara dela, pois estão frente ao espelho do banheiro.

– "Você não está solitário, amor." – Maliciosa moveu a sua mão numa carícia. – "Estamos em dois."

– É, mas apenas um corpo.

– "O que pretende fazer, já que é sábado?"

– No momento, passear na praia e relaxar. – Respondeu.

– "Oba, adoro andar na praia e sentir a água nos pés. Fazia isso muitas vezes, quando era viva."

Murilo andava pela praia curtindo a água, como ela desejava, enquanto permanecia pensativo, calado. Olhava algumas garotas bonitas tomando banho de sol, apreciando seus corpos bronzeados, mas não se atraía por qualquer delas, exceto pela beleza dos corpos, alguns deles que lhe despertavam desejo físico.

Ao fim de uma hora, Carolina rompeu a sua meditação, falando:

– "Sinto falta disto, gato, obrigada por me proporcionar esta sensação deliciosa."

– Afinal o que lhe aconteceu para morrer tão cedo?

– "Estupro seguido de latrocínio."

– Sinto muito. Pegaram o assassino?

– "Sim. Ele está preso e foi condenado a quarenta anos. Pena que só ficará trinta."

– Você tem ideia do que precisa para sair daqui?

– "Acho que sim, mas só poderei fazer isso quando algo acontecer, que pode demorar alguns meses e somente com a sua ajuda."

– O que é?

– "Eu enganei a minha irmã gêmea e detonei com o seu maior amor, um garoto que ela amava demais mas tinha medo de chegar nele. Nós brigávamos muito e eu quis vingar-me-me, só que provoquei nela um sofrimento enorme sem me atinar. Até hoje ela ainda ama esse garoto e já se passaram mais de dez anos. Preciso que ela me perdoe. E espero que seja apenas isso."

– E qual o motivo dos meses?

– "Ela está na Inglaterra, estudando, e só volta em alguns meses, quando se formar."

– Em outras palavras, você vai me zoar por todo esse tempo.

Uma moça ia passando e parou, olhando para ele. Ela era muito bonita com os seus vinte e cinco anos e um corpo danado de perfeito. Murilo, deslumbrado, deu uma geral na moça de biquíni muito curto, da sua altura, olhos azuis e cabelos loiros. Sua cintura era tão fina que impressionava.

– Por que motivo eu iria zoar você se nem o conhe... Minha nossa, você tem um encosto!

– "Ela é médium, gato, está me vendo. E a safadinha gostou muito de você. Tá doidinha pra ficar."

– Ei, olhe lá como fala, moça. – Afirmou a desconhecida. – Devia respeitar a intimidade dos outros.

– Oi, consegue ouvi-la? – Perguntou o jovem. – Sou Murilo.

– Sou Samanta. Sim, ouço e vejo.

– Que legal!

– "E você também ficou doidão para transar com ela, não é?"

– Estou começando a concordar com Samanta. Você disse que respeitava a minha liberdade de pensamento e não faz isso.

– "Ora, se vocês dois se interessaram um pelo outro, podíamos ir os três para o seu apê e fazer amor. Se ela me deixar incorporar, eu poderia sentir você nem que fosse uma única vez. Eu o amo tanto, Murilo."

– Se você incorporasse em mim, eu não sentiria praticamente nada, moça, só você. – Samanta olhava o rapaz com desejo crescente.

– "Bem, poderia ser na segunda ou terceira. Murilo é bem resistente."

– Tudo bem se você topar, Murilo. – Disse a garota sorrindo e cheia de vontade. – Afinal, você é mesmo um gato!

Aproximaram-se um do outro e começaram a caminhar abraçados.

– "Posso incorporar você por alguns segundos para beijá-lo, Samanta?"

A moça permitiu e, quando Murilo olhou para o seu rosto, via Carolina e não mais a Samanta.

– Estou vendo você de novo!

– É porque você é médium, meu amor. – Ele notou que até a sua voz mudou de timbre. Carolina aproximou-se e beijou-o ardentemente, novamente tirando-lhe o fôlego. – Amo você, Murilo. Desculpe, mas Samanta quer que eu saia.

Deu mais um beijo rápido e afastou o rosto. Murilo voltou a ver Samanta que aproveitou para o beijar.

– Caramba, sem me contassem eu jamais acreditaria. Você se transformou em outra pessoa!

– É porque você é mediúnico e sentiu a energia dela com intensidade. Devia trabalhar isso, Murilo. Vamos? Essa deve ser uma experiência deveras interessante. Como ela se chama?

– Carolina.

– Lindo nome. – Entraram no apartamento do Murilo, que ficou meio sem jeito. Para quebrar o gelo, a moça beijou-o e ele, ao sentir seu corpo praticamente nu, ficou elétrico, explorando-o enquanto ela o despia. Sacana, Samanta disse. – Carolina. Sabe que no momento em que me incorporar vai perdê-lo para sempre?

– "Sinto isso, mas terá de ser assim." – Respondeu só para a moça.

O casal começou os carinhos e beijos, com Carol sentindo tudo e em puro êxtase e, pela primeira vez, ficou quieta. Empolgado, Murilo foi longe, deixando a parceira em delírio, até que Carol reclamou pela sua vez. Samanta permitiu a incorporação e Murilo começou a ver outra pessoa no lugar dela. Apesar da moça ser bela, Carolina era tão superior que Murilo ficou totalmente deslumbrado, escancarando a boca. Num sussurro disse:

– Carol, meu...

Ela calou-o com os lábios e ambos começaram a se acariciar, cheios de amor e desejo. Ele ia dizer algo quando ela o interrompeu:

– Não fale nada, amor, apenas me ame. Deixe pra depois, ok?

Ele cumpriu seu pedido E fizeram isso por um bom tempo, até que ele não aguentou mais.

Ofegantes, beijaram-se em silêncio.

– Você é o melhor amante do mundo, Murilo. Me perdoe por tudo o que lhe fiz, me perdoe. Eu amo você, mas o tempo acabou.

– Não, Carol – Murilo ficou exasperado. – Eu amo você, eu amo você. Por favor, já perdi um amor e não quero perder outro.

– Você jamais o perdeu, meu amor. Quem perdeu fui eu. Fui eu que mandei você procurar sua turma e não a Carol. Eu sou Tereza, irmã gêmea dela. Com raiva da mana eu me passei por ela e enganei-o. Pelo mal que fiz, fui condenada a consertar isso.

– Mas você está tão diferente, e eu sabia distinguir vocês...

– Passaram-se muitos anos, amor, e obviamente estamos diferentes. Você sabia distinguir-nos por causa do pingente que ela usava e eu não. Uma noite, roubei esse pingente e fiz isso com você no dia seguinte. Depois, fiquei profundamente arrependida, mas não tive coragem de assumir meu erro. Guardei aquele pingente para sempre e ele estava comigo quando fui assassinada...

– Qual de vocês duas mandei para o inferno, quando se aproximou de mim no dia seguinte?

– Deveria ter-me mandado, mas mandou a Carol. Ela sofreu tanto que chorei por ela por muitas noites, mas jamais tive coragem de assumir o meu erro, especialmente porque logo depois eu me apaixonei por você mas também não tive coragem de admitir. Por causa disso, eu acabei me divertindo com qualquer um sem me ligar a alguém, jamais amando outro homem. Dos doze aos vinte e dois anos fiz muita sacanagem, mas nunca mais voltei a amar. Com Carol foi pior, pois ela nem mesmo quis saber de outro rapaz. Murilo, eu me apresentei a você como a Carol e agi como ela deveria ser se você não a mandasse para o inferno: extrovertida, carinhosa e amorosa. Essa é a verdadeira mulher da sua vida. Agora preste atenção que tenho poucos minutos: quando sair do corpo da Samanta, eu vou projetar na sua mente o lugar onde escondi o pingente ao ser assassinada. Vá lá e resgate isso, dando para ela que deve voltar da Inglaterra em pouco tempo.

– Mas...

– Sem mas, meu amor, o meu tempo com você acabou. Apesar de só poder sair daqui depois que Carol me perdoar, eu não mais posso ficar com você. Eu sou Tereza e você viveu Carol. Lembre-se disso para sempre, você viveu Carol e é ela que você ama. Eu também amo você, mas a Carol está viva.

Com lágrimas nos olhos, Murilo olhava o seu rosto quando uma luz saiu dele e este voltou a ver a face da Samanta. A luz concentrou-se em volta do Murilo e ele sentiu a imagem do local onde ela escondeu o pingente. Samanta sentou-se na cama e abraçou-o, enquanto ele permanecia desnorteado, chorando baixinho como foi na primeira vez que sofreu uma decepção.

– Deite-se, gato, que você precisa de acalanto e eu posso ajudar.

– Não desejo mais sexo, Samanta. Acho que nem conseguiria mais fazer.

– Consegue sim, mas falei de acalanto e não de sexo. Eu sou evoluída o suficiente para ter acompanhado tudo. Ela tentou consertar os seus erros, mas ainda está pairando. Precisa que a irmã descubra a verdade e a perdoe.

Samanta fez o novo amigo deitar-se abraçando-o enquanto lhe fazia cafuné, até que seu pranto parou.

– Gato, está ficando tarde e preciso de ir. Amanhã bem cedo esperarei por você na portaria para pegarmos o pingente, ok? Irei com você.

– Obrigado, Samanta. – Disse Murilo, mais calmo. – Quer que a acompanhe?

– Não precisa, moro a um quarteirão daqui e ainda é dia claro. Descanse que você está em choque. Amanhã conversamos.

– Obrigado de novo, Samanta. – A sua voz era arrasada, triste. Quando ela saiu, foi ao espelho e viu apenas o seu próprio reflexo. Infeliz, deitou-se na cama e acabou adormecendo para ser acordado de manhã bem cedo.

De roupa, Samanta ficava bem diferente, mas não menos bela. Ela beijou-o nos lábios com um selinho e perguntou:

– Sabe o local?

– Está gravado a ferro e fogo na minha memória. Vamos para o jardim botânico.

Caminharam pelo parque do jardim botânico e ele seguiu cegamente pelo caminho implantado na sua memória. À margem de um lago raso, deitou-se em uma pedra e mergulhou a mão na água, pegando o pingente. Limpou-o e pendurou ao pescoço.

– O que pretende fazer agora, Murilo?

– Esperar.

– Falo de agora, neste momento.

– Não sei.

– Vamos a um bar beber algo?

– Pode ser, Samanta.

Sentados, ambos beberam mas Murilo estava sempre calado. Ela procurava animá-lo e sentia vontade de repetir a tarde anterior. Quando ele estava meio alto, aproveitou para o beijar e se acariciaram algum tempo. Logo depois ele disse:

– Me perdoe, Samanta, mas mesmo que eu quisesse transar com você, não ia funcionar. Estou demasiado abalado.

– Tudo bem, gato. Eu sabia que ao entrar no meu corpo ela se iria, mas não sabia o resto. Espero que se dê bem.

– Me dar bem? – Ele riu amargurado. – Como vou-me dar bem se só tenho um pingente nas mãos? Onde ela está? Será ela a mesma Carolina que eu amei perdidamente e voltei a amar graças à irmã? São perguntas demais e nenhuma resposta!

– Murilo, se ela não lhe disse onde a encontrar, só há duas possibilidades: ou ela mora no lugar onde se conheceram, ou vai cruzar seu caminho. – Levantou-se e beijou-o novamente. – Adeus, gato, se precisar de mim tem o meu número...

― ☼ ―

É sábado e faz duas semanas que ela se foi. Sentado num bar do centro, perto do trabalho, Murilo pensa no passado, relembrando. Revive tudo e fica cada vez mais abatido. Há dias que não consegue escrever uma única frase no seu livro, pois sempre que liga o computador lembra-se da Carol. Uma mão toca no seu ombro e ele levanta o olhar para se deparar com Helena.

– E seu fantasma, Murilo?

– Foi-se. – Responde com tristeza. – Foi-se e não voltará mais.

– Posso saber o motivo de tanta tristeza?

Murilo baixa o olhar para a mesa e, quando o ergue, a moça vê lágrimas.

– Você se apaixonou por um fantasma, Murilo, um espírito incorpóreo?

– Não, mas sim pelo que ela significava.

– Não estou entendendo...

– Nem tente. Esta história vem desde os meus treze anos.

– Caraca! – Espanta-se. – Ela foi sua namorada?

– Não, foi irmã gêmea dela, redimindo-se de um grande erro que cometeu.

– Quer sair esta noite?

– Não, a menos que você só deseje um jantar, Helena, me perdoe.

– Na verdade, eu queria repetir aquela noite, agora que estamos apenas ambos...

– Me perdoe, mas não vai dar.

– Murilo, o que você tem?

Sem se aguentar, ele fica com os olhos úmidos. Compadecida, Helena abraça-o, vendo que o amigo tem falta de algo que lhe foi tão especial que ela jamais poderia substituir. Triste, conforta-o e afirma:

– Murilo, acho que seria a hora ideal para você tirar suas férias.

– Acredito que tenha razão, Helena, segunda-feira vou solicitá-las.

― ☼ ―

Murilo entra na sala do diretor e este vê seu estado de tristeza. Senta-se na cadeira e fala:

– Senhor, preciso...

– De férias. – Interrompe-o. – Você é o meu melhor gerente e não o quero com uma estafa. Passe para Marina tudo o que precisa ser feito, que ela vai assumir seu cargo interinamente.

– Obrigado, senhor, pois não estou nada bem e preciso de me achar.

– Acha que engoli aquela história de escrever um livro?

– Senhor, eu gosto de escrever...

– É mesmo? – Pergunta. – E o que tem escrito?

– Nestas duas últimas semanas nem uma letra, senhor.

– O que está havendo Murilo? – Pergunta, sempre paternal e muito simpático. – Diga a verdade.

– Não costumo mentir, senhor; mas, se lhe contar a verdade, o senhor vai achar que estou louco. Todavia, posso provar tudo só que deixaria o senhor em forte constrangimento; então, peço que apenas me dê as férias para eu me achar.

Como qualquer ser humano, o diretor fica curioso para saber a verdade e insiste para que o jovem conte.

Sempre abatido, este acaba cedendo e contando tudo.

– Filho, precisa de ajuda profissional, está com estafa.

– Não estou, chefe, mas preciso de encontrar minha Carol da infância.

– Se não está com estafa, enumere as provas disso. Disse que eu ficarei constrangido...

– Ficará, chefe, deixe assim....

– Diga agora que eu quero saber.

– Chefe...

– Quero saber, porra.

– Ela disse que o senhor é gay e nutre...

– Tudo bem, eu acredito em você. Por favor, Murilo...

– Pelo amor de Deus, senhor, jamais faria tal sacanagem. Apenas me dê as férias porque eu preciso demais. Além disso, já que tocamos no assunto, vire seus olhos para outro que comigo não vai dar e perde seu tempo.

– Muito bem, Murilo, obrigado por ser discreto. Você é muito especial e espero que encontre o que procura. Tire o tempo que precisar.

– Valeu, senhor, do jeito que estou ainda acabarei cometendo erros e quero tudo menos fazer a empresa perder alguma conta importante.

Murilo levanta-se e sai da sala do diretor, caminhando devagar e de ombros caídos, completamente diferente da pessoa que é usualmente.

― ☼ ―

Por três semanas Murilo pensa e procura a verdadeira Carolina. Para sua infelicidade, não se lembra do seu endereço, embora saiba que é na Tijuca, porém trata-se de um bairro muito grande. Senta-se num bar, perto do Shopping Tijuca, e pede um chope. Enquanto beberica, pensa na Carol/Tereza, distraído. Passa grande parte da tarde ali, até que certa hora ergue os olhos e vê uma mulher caminhando tranquilamente, justamente na sua direção. Sente um arrepio, arregalando os olhos pois é ela, a grande paixão da infância. Com o coração aos pulos, levanta-se e para à sua frente, dizendo:

– Oi, Carol, há muito tempo que a procuro.

– Murilo! – A moça fica espantadíssima e nervosa. – É você?

– Carol... – sem saber o que dizer, afirma – eu preciso de você... bem, preciso falar com v...

– Seu cachorro. – Ela senta-lhe uma bofetada. – Primeiro me manda para o inferno e, quatorze anos depois, vem dizer que precisa de mim? Vá você pró inferno seu...

– Pelo menos me deixe explicar algumas cosias.

– Nada há nada para se explicar, Murilo. Afinal, você me mostrou o inferno bem direitinho. – Ela acalma-se um pouco.

– Carol, foi Tereza que fez isso, ele me contou há duas semanas...

– Tereza está morta há três anos. – Comenta, irritada. – Respeite sua alma, canalha.

– Carol, ela se passou por você no dia que me declarei para você e me escorraçou feio. Eu fiquei tão magoado que mandei você pró inferno no outro dia, quando se aproximou de mim. Eu não sabia que ela tinha feito isso e Tereza jamais teve coragem de lhe dizer a verdade, embora estivesse arrependida.

– É fácil falar de alguém que já morreu, que nem se pode defender, Murilo. É como chutar um cachorro morto....

– Talvez pra você, mas não pra mim, Carol. – Diz, beirando o desespero por ver que ela não só não cede como o repudia. – Ela me confessou tudo e me fez amar você de novo. O espírito dela entrou em mim por mais de dois meses, passando-se por você, até que eu a voltasse a amar. Carol...

– Eu conheço um bom analista que talvez o possa ajudar, Murilo. Sei que é bom, já que precisei muito dele... por sua causa.

– Carol, não faça isso, pelo amor de Deus. Sua irmã precisa do seu perdão e eu preciso de você...

– Deixe de besteira. – A mulher vira as costas e sai andando, indignada. – Chega de mentiras.

– Isto é mentira, Carol? – O tom de voz exaltado e o volume elevado fazem a moça parar e virar-se. – Isto é mentira, meu amor? Foi assim que ela me enganou. Roubou de você e nunca devolveu, pois jamais teve coragem de a enfrentar ao descobrir o mal que lhe fez.

Tremendo, Carol aproxima-se do colar com o pingente, olhando de perto e pegando nele. Aquele objeto era tudo para ela até sumir misteriosamente da sua vida. Agora o pingente estava nas mãos dele, brilhando, e ele jamais tocara na joia. Sem saber os que dizer, afirma:

– Eu pensei que o tinha perdido. Isso me foi dado pela minha avó um dia antes dela morrer e nunca me separava dele.

– Tereza me disse onde o encontrar e para lhe devolver, Carol, no dia que ela lhe roubou esse colar um dia antes de eu chegar nela, pensando que era você, e lhe ter dito que a amava. Ela literalmente me mandou catar a minha turma e eu fiquei tão magoado que, quando você me procurou, mandei-a pró inferno sem nem mesmo querer ouvir o que ia dizer. Mas Tereza me contou a verdade.

Carolina não tem alternativa a não ser acreditar e, chorando pega o colar de ouro, apertando-o contra o peito. Vendo que todas as hostilidades acabaram, Murilo abraça-a, ofegante. Depois afasta-a de si e pendura-lhe o colar com o pingente.

– Carol, eu amo você e foi sua irmã que me renovou esse amor. Ela precisa de perdão, do seu perdão.

– Amo você, Murilo – beija-o, ardente – todos estes anos jamais alguém substituiu isso, esse amor, e ela me provocou muita dor. Precisei passar por vários tratamentos que não deram certo.

– Provocou, Carol, mas também nos reuniu novamente. Amor, ela precisa de perdão para partir, mas perdão de coração. Minha princesa, ela fez com que nos reencontrássemos. Perdoe-a.

– Eu perdoo sim, Murilo, mas apenas porque me trouxe você e o pingente. – Mal termina de falar, ambos são envolvidos por uma luz forte e demasiado brilhante. No meio dela, aparece Tereza.

– "Obrigada por me perdoar, irmã. Era apenas o que me faltava para partir. Murilo, eu te amo mas isso terá de ficar para uma próxima vida. Nesta, vocês são um do outro. Me perdoem pelo que fiz. Adeus; está na mina hora."

– Adeus, Tereza, obrigado por me restaurar o amor.

A luz some e Murilo nota que apenas ambos viram aquilo, pois as pessoas do restaurante permanecem tranquilamente bebendo ou comendo algo.

Um mês depois, Murilo e Carol casam e, no seguinte, ele termina o livro. Feliz, oferece uma cópia para o chefe que, usando de influência, apresenta-o a uma editora.

Como consequência, surge mais um escritor no Brasil.

― FIM ―

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