Escrito nas Estrelas

"O amor é cego, a amizade fecha os olhos."

Blaise Pascal.


Henrique está sentado na sua empresa sentindo um tédio imenso quando alguém entra esbaforida.

De boca escancarada, ele olha para a mulher dos seus sonhos, a musa inspiradora por quem é apaixonado há mais de cinco anos. Ela é quase tão alta quanto ele, de olhos castanhos, muito expressivos, cabelos castanho-claros e um corpo perfeito, corpo este que já viu várias vezes de biquíni na tevê. Henrique não conta para ninguém com medo de ser gozado pelos amigos, mas não perde um único capítulo da novela só por causa dela, que agora está ali à sua frente, deslumbrante, vestida de forma simples porém muito sensual: um jeans bem justo e uma camiseta vermelha com um decote tentador. Nos pés, umas simples sandálias.

Extasiado, levanta-se para atender a moça, que nem o cumprimenta de tão preocupada que está.

– Esta empresa me foi recomendada como a melhor em manutenção de notebooks da cidade. – Retira o seu aparelho de uma sacola de lona e põe em cima da mesa. – O meu computador acabou de pifar; não liga e preciso muito de alguns dados que estão nele.

– Boa tarde. Vejamos o que pode ser. – Afirma calmamente, ligando-o na tomada. – Espero que não seja o famoso problema de BGA, senão vai demorar bastante a consertar.

– O que vem a ser isso?

– Uma solda fria que ocorre por causa do aquecimento excessivo dos processadores modernos. Nos novos aparelhos isso já não ocorre mais, mas este modelo é suscetível a isso.

– Nesse caso, quanto tempo poderia demorar? Eu preciso dos dados armazenados nele ainda hoje. Todos os meus scripts estão aí!

BGA não é da minha alçada e o técnico especializado nessa manutenção só vem na segunda-feira. Desculpe-me, mas dei folga pra todo mundo neste feriado, já que em Janeiro está sempre tudo meio parado. Sugiro que mantenha sempre cópias em pen drive. Assim, não corre riscos desnecessários.

– E agora, o que farei?

– Calma que pode ser outra coisa. – Diz Henrique, tranquilizando a mulher com um sorriso. – Eu ainda nem diagnostiquei! Sente-se e aguarde. Deseja um café?

– Pode ser, obrigada. – Sorri pela primeira vez. – Desculpe, nem me apresentei. Sou Sabrina Morais.

– Ora, sei muito bem quem você é. – Serve-lhe um café e sorri, derretido pela mulher. – Afinal, quem não a ia reconhecer! Sou Henrique Gomes.

– Sabe, Henrique, muita gente não me reconhece. Dizem que ficamos diferentes na TV. Eu até prefiro assim, para ter alguma privacidade, coisa muito rara.

– Na minha opinião não, pois reconheci você na mesma hora. Só que a acho muito mais bonita ao vivo. – Diz, arrependendo-se logo em seguida por achar que ela viesse a interpretar como uma cantada. A moça, porém, se interpretou não deu a entender. Enquanto conversam, ele vai abrindo a máquina, observado pela atriz.

– Engraçado – afirma ela com uma risadinha – já me disseram isso, mas nem me acho assim tão bonita!

Sem resistir, Henrique ergue o olhar para seu rosto e diz, com os olhos brilhantes:

– Você é uma das mulheres mais belas que já vi na minha vida, Sabrina.

– Você acha? – Olha com ceticismo, mas sorri. – Com certeza que há outras muito superiores. Marisa, por exemplo.

– Marisa é linda sim, mas não chega aos seus pés. – Sem resistir mais, atira à queima-roupa. – Na verdade, se não fosse tão famosa e importante, eu convidava você para jantar, mas sei que deve ter seus compromissos e a agenda lotada.

Com o rosto vermelho, baixa os olhos para o computador, enquanto ela o observa. Henrique é um homem alto, cerca de um metro e noventa, com porte físico atlético. Seus olhos são azuis e o cabelo castanho-claro. Deve ter uns dois anos a mais que Sabrina, aproximadamente vinte e sete, e é o tipo de homem com quem ela sairia sem pensar duas vezes, mas acabou de se livrar de uma relação bastante tumultuosa e o que menos deseja é outro relacionamento para tão cedo. Assim, prefere ficar sem dizer nada ao seu comentário.

Após uns dez minutos, ele rompe o silêncio afirmando:

– O HD está integro, as memórias e o processador também. Vamos fazer mais um teste – levanta-se e abre um armário de onde retira algumas peças e troca pelas originais.

– Você é o dono da empresa, Henrique? – perguntou, curiosa.

– Sou – responde. – Há cinco anos formei-me e criei esta empresa. Sou engenheiro eletrônico.

– Sabe, isso me parece um bicho de sete cabeças.

– Bem, certamente eu seria um péssimo ator e penso que, para mim, isso seria um bicho de sete cabeças. – Deu uma risada delicada. – Tenho boa memória, mas decorar todas aquelas falas... nem imagino se conseguiria!

– Isso até que é fácil. – Sabrina explica. – Difícil mesmo é provocar emoções, como amor, raiva tristeza ou choro. Para convencer o espectador, temos que ser muito realistas e não basta uma maquiagem para pôr cara de choro e algum produto que provoque lágrimas. Temos meio que sentir isso e, ao mesmo tempo, isolar do nosso real sentimento para não nos afetarmos.

– Viu? – Ele ri novamente. – Isso é muito mais complexo que a microeletrônica!

Volta a ficar sério e continua:

– Tenho más notícias: é realmente BGA. O meu técnico da área, na segunda-feira, poderá iniciar o reparo da placa mãe que deve ficar pronta em dois a três dias.

– Ai, meu Deus – diz aflita – preciso do que está aí dentro ainda hoje, não tem como dar um jeito?

– Infelizmente não sei manipular o forno de infravermelho que faz as soldas, sinto muito.

– Conhece alguma outra empresa que possa fazer?

– Olhe, eu não quero falar mal da concorrência porque seria antiético, mas um conserto de BGA como os que se fazem por aí volta a dar problema após muito pouco tempo. Tem gente que usa soprador de silk-screen para ressoldar as mesmas soldas frias. Com o aquecimento do chip-set volta a dar problema em bem pouco tempo. Mas eu tenho uma solução para ajudar: possuo um notebook do mesmo modelo. Eu ponho o seu HD nele e você leva até que o seu fique pronto, o que acha?

– Obrigada, vai salvar-me a vida.

– Ok, em dez minutos terei a máquina pronta.

Henrique monta o equipamento e põe-no em cima do balcão, dando a volta para ficar ao lado da atriz e ligando o computador. Quando vê o sistema operacional entrando, dá uma risada e comenta:

– Você usa Linux? – Vira o rosto para ela. – Não são muitos que o usam. Eu também prefiro o Linux. Entre a sua senha e verifique se está tudo operacional. Enquanto isso, preparo a ordem de serviço do seu computador.

– É, foi o meu irmão que me convenceu a usar – explicou. – Ele disse que era mais robusto e depois que acostumei não troco.

Quando termina, ela põe a máquina na sacola e pega a ordem de serviço.

– Quanto lhe devo?

– Não se preocupe, pode pagar na retirada...

– Mas e pelo uso deste comutador? – interrompe.

– Isso é cortesia da casa para fregueses muito especiais – afirma, piscando o olho. – Não se preocupe, Sabrina, mas cuide dessa máquina que ela é muito especial para mim.

Quando Henrique vai abrir a porta, ela, num impulso, atira-se aos seus braços e beija-o languidamente, saindo logo em seguida quase que correndo.

Trêmulo, o engenheiro fecha a porta sentindo o coração descompassado. Um beijo arrebatado do nada... um beijo maravilhoso de alguém que ele sempre quis e jamais pensou que teria a chance de conhecer quanto mais ter nos braços e receber um beijo desses. Senta-se na poltrona da sua mesa e dá uma risada enorme, feliz.

– Você não me escapa, Sabrina, não mesmo – diz de si para si, cheio de felicidade. No meio da frase, Augusto, seu grande amigo de infância, vai entrando na loja e ouve tudo.

– Xi... ainda pensando nela, cara? – Dá uma risada do rosto de bobo do amigo. – Véio, esquece essa garota que ela é totalmente inacessível para ti. Cai na real e volta prá vida. Você até parece um padre e não sai com mais ninguém!

– Eu vou casar com ela, cara – afirma, convicto. – Tudo é uma questão de tempo. Apenas isso.

– Puts, tu vai é entrar em parafuso, mano! – contesta Augusto, já preocupado com a obsessão do amigo. – Esquece isso que ainda piras da cabeça. Ei, já são seis horas e o movimento tá paradaço. Que tal fechar a loja e tomarmos algumas?

– Boa ideia – concorda Henrique, muito bem disposto – só me deixe levar esta CPU para a oficina e mandar a OS pró sistema.

– Digita a OS que eu levo a máquina para ti. – Augusto pega o micro e vê a segunda via da ordem de serviço. – Cara! Fala sério, Sabrina Morais! Por isso estás assim, porque apareceu uma moça com o mesmo nome?

– Não foi uma pessoa de mesmo nome, Guto. – Henrique ri e comenta. – Tantos anos no Rio e você ainda tem sotaque do Sul! Na verdade, todo misturado.

– Jura que é a atriz!?

– Sim, e ela é a coisa mais maravilhosa deste mundo. Ainda estou com o sabor da sua boca. Ai, ai. Vou casar com ela sim, pode ter certeza.

– Não inventa moda, mané. Termina aí que eu tô com sede.

– Ei – pergunta Henrique – por acaso sabe quando a minha irmã volta do Sul? Tô com saudades da pequenina.

– Semana que vem. Caraca, não tens telefone para ligar prá Nádia?

– Eu esqueci – comenta, sempre feliz. – Pronto. Vamos nessa, cunhadão.

Ambos caminham pela Ataúlfo de Paiva, uma das principais vias de comércio do Leblon, Rio de Janeiro, e viram à direita em direção ao mar, andando por uma rua arborizada, calma e simpática, para entrarem num bar tranquilo e discreto. À frente, um toldo grande abriga mesas ao ar livre, que é onde o par decide ficar apreciando as suas bebidas. Henrique, porém, está totalmente aéreo, praticamente não prestando atenção a nada. Com o olhar sonhador, vai pensando na atriz e no beijo maravilhoso que esta lhe deu. Rindo do cunhado, Augusto diz:

– Pô, Henrique, ao menos responda. Caraca, essa mina virou totalmente sua cabeça.

– Desculpe. – Henrique olha nos seus olhos. – Cara, eu não consigo esquecer aquele beijo.

– Sério!? – Espanta-se o amigo. – Ela realmente o beijou?

– Pode ter certeza. Foi uma doideira. – Henrique conta a história.

– Olha, carinha, essas atrizes fazem algumas maluquices de vez em quando. Não deixe isso subir à cabeça, tá?

– Impossível não subir. – Levanta-se e continua. – Vou ao banheiro e já volto.

Na saída do sanitário, que fica no interior do bar relativamente escuro e ao fundo, ele caminha distraído, virando para a esquerda e esbarrando em uma mulher que quase é atirada ao chão. Para que ela não caia, reage rapidamente e agarra-a como se a estivesse abraçando e puxando contra si.

– Desculpe, eu estava distr... você? – afirma Henrique, espantado, olhando para Sabrina. – Me desculpe, foi sem querer.

– Tudo bem, mas que tal me soltar?

– Me perdoe, Sabrina, mas não fiz por mal pois estava muito distraído. – Henrique sorri, enquanto a solta lentamente, estasiado por a ter apertado nos braços. – Estou com o meu cunhado lá na rua, não quer juntar-se a nós?

– Obrigada, mas estou com alguns amigos da emissora.

– Sabrina, você jantaria comigo um dia destes? – pergunta, criando coragem.

– Olhe, eu acho melhor não.

– Tudo bem – afirma, ficando triste – eu compreendo. Desculpe.

Henrique. – Ela sorri, pousando a mão no seu braço – eu sou alvo constante da mídia e acabei de sair de um relacionamento desastroso. Quem lhe deve desculpas sou eu, mas não seria uma boa companhia. Talvez uma outra ocasião.

– Tudo bem, Sabrina, mas você seria a melhor companhia do mundo, pode ter certeza disso. Pelo menos para mim seria.

Beija-a no rosto e despedem-se. Henrique volta para a rua, seguido pelo olhar da moça. Devagar, ela retorna para a sua mesa, enquanto o jovem senta-se junto ao cunhado e este nota logo seu ar triste, muito diferente do anterior. Imediatamente, questiona:

– Você demorou bastante. Por que raio seu rosto mudou tanto?

– Encontrei-a lá dentro. – Conta o ocorrido.

– Viu, cara? Eu avisei, agora esqueça tudo e deixe apenas a lembrança do beijo como a fantasia de uma atriz excêntrica.

Algum tempo depois, os dois despedem-se e Henrique decide passear um pouco a pé pois mora perto e não tem fome nem sono. Por mais que tente, não se esquece da sua musa, a mulher que lhe virou a cabeça do avesso com um simples beijo.

― ☼ ―

Sabrina sai pouco depois. Como também mora perto, vai caminhando, uma vez que sente prazer com o ar da noite, mais fresco graças à brisa do mar. Normalmente nesse horário ela não é assediada por nenhum dos paparazzo que a perseguem sem parar e aproveita o passeio, divagando sobre seu dia.

Pensa no jovem que conheceu e não sabe explicar nem a si mesma por que foi que o beijou, mas admite que mexeu demais consigo e que aquele simples beijo a deixou totalmente ofegante, sem falar no abraço que ele lhe deu para a segurar. Isso deixou-a tremendo e teve que se segurar para não o beijar novamente. Pensa nele, visualizando seu rosto, muito belo aos seus olhos, e no sorriso completamente cativante que ele lhe deu. Acha que deve ter sido por isso que teve aquele impulso de o beijar, mas jamais imaginou que fosse ficar apaixonada com tal fato e tão repentinamente. Permanece tão distraída pensando nele, que não vê o assaltante passando. Este sai correndo e arranca a sua bolsa, derrubando-a com um forte encontrão.

Com o impacto, ela é jogada de forma violenta contra um muro onde cai e bate a cabeça na parede, ficando bastante tonta, quase sem sentidos. Demasiado atordoada e sem entender grande coisa, ouve barulho de pancadaria e, logo depois, silêncio.

Cada vez mais fora da realidade, só têm a percepção de alguém se aproximando e uma voz dizer:

– Você!

Tenta ver quem é, mas a vista está turva e Sabrina mergulha na inconsciência.

― ☼ ―

Já é dia claro quando a moça acorda. Está num quarto espaçoso, em uma cama grande e muito confortável. A decoração é simples, como se faltasse o toque feminino: um armário grande, uma cômoda de outro lado e uma televisão enorme fixa na parede de frente para a cama. Tenta saber o que aconteceu e lembra-se do assalto bem como de ser salva por alguém. Nota que está na cama com as mesmas roupas do dia anterior e vira o rosto para o outro lado, encontrando Henrique adormecido em um sofá bem debaixo de uma janela grande e coberta apenas pela cortina semitransparente. Ela ergue o corpo e o jovem acorda, sorrindo-lhe.

– Como se sente, Sabrina?

– Bem. Afinal o que houve, você estava me seguindo?

– Não, não sou de fazer isso. – Sorri tão sereno que a desarma na mesma hora. – Acontece que você foi atacada exatamente à frente do meu prédio. Como vi que não era grave, trouxe-a para cima, limpei seu ferimento e deixei que dormisse. Apenas isso.

– Obrigada por me ajudar. – Sorri, agradecida. Com um suspiro, continua. – O chato é ter que cancelar cartões, bloquear telefone...

– Calma. Recuperei a sua bolsa, que está lá na sala. Mas agora, Sabrina, você realmente me deve um jantar.

– Henrique...

– Pode ser quando quiser. Não a quero forçar. Venha, vou fazer um café da manhã para nós. – Aponta uma porta e afirma. – Ali é o sanitário, fique à vontade.

Enquanto a moça se lava, Henrique vai preparando uma refeição. O seu apartamento é pequeno, de dois quartos, uma sala espaçosa e cozinha ao estilo americano. Ela observa o jovem ligar a máquina de café e levar pão e mais outras coisas para o balcão que separa a cozinha da sala. Muda o olhar de lado e observa melhor a sala. Os sofás são de estilo moderno e aparentemente muito confortáveis. De frente, em uma estante grande e que ocupa toda a parede, vê um equipamento completo de som e vídeo, além de inúmeros livros. Aproxima-se e olha os títulos, pois gosta muito de ler. Divertida, comenta:

– Vejo que tem toda a coleção do John Mathew. Pelo jeito, deve ser fã dele.

– Gosto desses livros, muito mesmo, e gosto do estilo dele escrever, despojado, desenvolto e sem excessos de descrições que acabam cansando a leitura. Você gosta?

– Tá brincando, eu amo esse cara! – Sorri. – É um verdadeiro gênio e escreve como poucos. Eu só acho incrível que ele, sendo estrangeiro, consiga ambientar uma história completa aqui no Rio com tamanha perfeição como em Vidas Cruzadas, por exemplo. Dá até para pensar que é brasileiro e usa um pseudônimo.

– Gosto muito de Vidas Cruzadas e acho a sua melhor obra.

Sabrina suspira e afirma:

– Sempre desejei muito conhecê-lo, mas jamais aceitou qualquer convite que foi enviado para a editora e ela faz o maior segredo a seu respeito. Sabe, ele me transmite algo que nem sei explicar.

– Assim, fico com ciumes.

– Ora, Henrique, não diga bobagem. – A moça ri.

– Venha, vamos comer algo. – Olha seu rosto e sorri de forma gentil. – Ainda bem que a pancada não deixou escoriações maiores, senão ia ter problemas nas gravações.

Sentados lado a lado, tomam café. Quando terminam, ele retira os utensílios e Sabrina faz menção de ajudar.

– Não se incomode com isso...

– Ora, Henrique, eu também vivo sozinha e sei me virar.

– Sempre pensei que tivesse uma dúzia de empregados e seguranças!

– Dinheiro para isso até tenho e de sobra, mas meu apartamento é o único lugar onde possuo privacidade. Chega a haver dias em que nem saio de casa a não ser para ir às gravações.

– Assim você fica muito solitária, Sabrina.

– A solidão é boa quando é uma escolha, Henrique, e eu gosto dela especialmente depois de ser sempre bombardeada pela mídia. Bem, obrigada por tudo, mas preciso ir.

Henrique aproxima-se. Está vestindo uma camiseta justa com um jeans e a moça não para de apreciar seu corpo atlético e forte.

– Sabrina, falei sério sobre o jantar e acho que você vai descobrir que eu sou um cara bem legal.

– Vou pensar, ok?

Ela também chega mais perto para um beijo de despedida. Henrique, porém, é movido por uma paixão irrefletida e toma-a nos braços beijando-a com ardor. Ela cede no mesmo ato e ambos ficam algum tempo juntos, beijando-se e agarrando-se loucamente até que a porta da rua abre e Augusto entra, dando de cara com o amigo atracado na atriz mais bela do país.

– CARACA! – exclama, muito espantado, pois esperava tudo menos encontrar o cunhado com aquela mulher, ainda por cima no seu apartamento. – Não acredito nos meus olhos...

Assustada, Sabrina afasta-se e pega na bolsa.

– Tenho que ir, adeus – afirma, saindo logo em seguida, quase correndo.

Quando a garota sai, Henrique diz, chateado e triste:

– Cara, você acabou de detonar com a chance perfeita.

– Desculpe, mas ontem você disse para entrar direto, então não bati. Afinal por que me deu a sua chave?

– Tudo bem, Augusto, não foi sua culpa – arremata. – Meu Deus, cara, cada vez tô mais apaixonado.

– Irmãozinho, acredita em mim: assim tu vai quebrar os dentes. Ela dormiu aqui?

– Sim, mas não é o que você pensa – explica, contando o incidente.

– Que sorte que ela teve – comenta Augusto. Curioso e conhecendo muito bem o amigo, pergunta. – O que fez ao assaltante?

– Deve estar no hospital. Caguei ele a pau. Foi pra valer e não medi a força. No mínimo uma dúzia de costelas quebradas. Que se dane; bandido tem mais é que morrer.

– Calminha aí pra também não virar bandido – afirma Augusto, apaziguador. – Bem, tínhamos combinado treinar um pouco, vamos?

– Vamos. Só me deixe pegar o quimono. – Dá uma risada alegre para o amigo e continua. – Ei cara, você ainda não cansou de apanhar, não?

– É o que vamos ver. Acho que hoje eu venço.

– Isso eu também quero ver. Você sempre cai, maninho!

― ☼ ―

Henrique não para de pensar na Sabrina, ansiando pelo dia que a verá novamente e isso ocorre na terça-feira, quando ela vai buscar o computador. Na loja só estão ele e mais duas vendedoras, que ficam espantadas ao verem a atriz famosa.

Cheio de alegria, Henrique sorri, levanta-se e faz sinal às funcionárias que vai tratar pessoalmente da moça.

– Olá, Sabrina. – Cumprimenta, eloquente. – Veio ver seu micro ou a mim?

– Oi, Henrique – afirma séria. Após, estende um tabloide onde ambos aparecem abraçados no bar. – Entende agora o que lhe disse?

Ele olha a foto, lendo a reportagem sensacionalista e absurda. Sorri e encolhe os ombros, comentando:

– Ora, meu anjo, ignore-os, apenas isso. Todos sabem que esse jornal não vale nada. Não sei por que você se deixa preocupar assim com coisas tão banais. – Ergue a voz para uma das funcionárias, pedindo-lhe. – Carla, verifique no laboratório se o note da dona Sabrina Morais já está pronto. Quer um café, Sabrina?

– Não, desculpe mas tenho pressa. Aqui está o seu computador. Muito obrigada, pois você me salvou de um bom aperto... dois, na verdade.

– E o jantar? – Ele pega o micro e tira o HD. – Sabe, este micro é muito especial e você nem imagina o quanto. Talvez um dia eu lhe conte.

– Parece exatamente igual ao meu, mas um pouco mais rápido. Não vi nada de especial – comenta e sorri, continuando. – Já vi que não me deixará em paz com esse jantar. Tá bom, na quinta-feira, pois é o único dia que eu tenho disponível esta semana.

– Combinado, na quinta. Mas já que você escolheu o dia, eu escolho o lugar. Garanto que terá privacidade total e ficará bem contente. Tome o meu número.

A moça pega seu micro e Henrique oferece-lhe um pen drive, para ela salvar os dados, mas não aceita o pagamento por mais que ela insista. Quando Sabrina sai, o jovem não tira o olhar da porta por um bom tempo, até que uma das vendedoras fala, quebrando o encanto:

– Sabe, chefe, olhando de perto ela não parece assim tão especial, mas é bonita como poucas.

– Ela é a coisa mais especial do mundo, Marta, a mais especial do mundo. – Diz com um suspiro profundo.

– Xi, o senhor tá mesmo apaixonado hein?

– Por ela? – Henrique dá uma risada. – Sempre estive. Nunca perco um capítulo das novelas dela, nem os filmes.

– Sei não, chefe, essa gente é intransponível. – A moça põe os olhos no jornal, que ficou esquecido, e vê a foto. – Caraca, vocês estão namorando!

– Não, não estamos. Essa reportagem é mentirosa. Eu saía do banheiro, nesse bar, e colidimos acidentalmente. Estava segurando Sabrina assim para impedir que levasse um tombo. – Pega o jornaleco e joga no lixo. – Logo, peço que não comente nada. Infelizmente, acho que o único apaixonado aqui sou eu.

– Olhando essa foto, todo mundo vai pensar que ela e o senhor, bem... entende, né?

– Sim, entendo, mas isso não é verdade, infelizmente para mim.

– Eu acho que ela gostou do senhor, viu?

– Por quê?

– Porque olhou diferente, chefe. Se fosse o senhor, investia nela...

― ☼ ―

A quinta-feira chega rápido, exceto para Henrique que conta as horas, minutos e até segundos. Quando o telefone toca, ele chega a saltar da cadeira e a voz da sua musa entra-lhe doce no ouvido.

– "Oi, Henrique, conforme combinado estou ligando. A que horas nos encontramos?"

– Oi, Sabrina, dezenove horas, pode ser? – pergunta. – Pego você na sua casa.

– "Não acha cedo demais?"

– Não. Confie em mim que precisa ser cedo.

– "Está bem. Anote meu endereço..."

Sabrina desliga e sorri. Ela está bem fisgada pelo engenheiro, mas tem muito medo de voltar a se envolver, principalmente tão rápido. Por outro lado, deseja vê-lo de novo pois não consegue parar de pensar nele e isso deixa-a um pouco intrigada, já que o viu tão poucas vezes.

Na hora marcada, o jovem toca no interfone, a atriz desce e os olhos do Henrique ficam arregalados perante tanta beleza. Ela traja um vestido verde, simples, e uma maquilhagem básica; mas, para ele, não poderia estar melhor nem mais bela. Derretido, abre a porta do carro enquanto diz:

– Você está linda, Sabrina, linda demais!

Ela olha-o e sorri avaliando-o, pois ele também está belo aos seus olhos, usando um conjunto esportivo muito bem escolhido.

Rodam por dez minutos e o jovem estaciona em uma rua tranquila, ainda no Leblon. Sabrina estranha o local, fora da região de comércio e lazer. Curiosa, pergunta:

– Onde estamos, Henrique, pois aqui não há restaurantes?

– Calma, terá um jantar que desconhece há muito tempo, pode crer em mim. – Sai do carro e abre a porta para a moça. Sem cerimônia, pega na sua cintura e caminha abraçado a ela, que acaba correspondendo, para seu deleite. – Temos de andar uns minutinhos porque lá nunca consigo estacionar.

– O que você tem na mão? – pergunta, vendo uma sacola enorme. – Não estou entendendo nada!

– Um presente – afirma, enigmático.

– Para mim? – Ela sorri. – Oba!

– Só se você tiver quatro anos – responde sorrindo. – Confie em mim.

Ele caminha simplesmente deliciado, sentindo o corpo da moça colado ao seu. Após uns minutos, pega uma chave e abre a porta de um prédio, convidando a atriz a entrar. Sobem para o décimo andar, a cobertura, e Henrique toca à campainha.

Augusto abre a porta, ficando de olhos arregalados e queixo caído.

– Oi, maninho, trouxe companhia para o jantar. Tem lugar?

Antes que possa falar algo, Augusto é empurrado para o lado por uma linda menina de quatro anos, que se atira ao colo do tio e beija-o cheia de felicidade.

– Tio Rique, tio Rique, que bom que veio!

– Feliz aniversário, amor – diz, estendendo o embrulho – tome seu presente. Esta é Sabrina, minha amiga.

– Oi, tia Sabrina, entra. – Pega a mão da Sabrina, puxando-a para dentro. – Mamãe vai adorar ver você. É você, aquela moça da TV, né? Mamãe diz que você é a melhor do mundo! Mamãe, mamãe, tio Rique tá aqui e trouxe a moça da TV.

– Filha, não precisa gritar. – Uma mulher dos seus vinte e quatro anos, muito bonita, aparece no hall de entrada e arregala os olhos. – Você!? E eu que achei que Augusto tava de sacanagem!

Recompõe-se e continua:

– Desculpe. Entre e seja bem-vinda à nossa casa. – Beija Henrique. – Que feio, mano, passaste quinze dias sem dar notícias. Podias ter ligado e aproveitado pra dar um oi prós pais. Devias tentar convencê-los a saírem de Porto Alegre e viverem aqui conosco. Me preocupo demais com eles, tchê.

Já estão sentados na sala com a menina abrindo o presente, deliciada. Sabrina conversa com Augusto enquanto a irmã dá uma bronca no Henrique que ri:

– Eu liguei ontem, Nádia, e bem sabe que eles não virão para cá. Você passa lá quinze dias e já começa o sotaque gaúcho!

– Até parece que contigo não é a mesma coisa. Bem, vamos esperar Letícia chegar para servirmos o jantar.

– Ué, ela não está na França com o marido!?

– Voltaram segunda. Assim, a turma da antiga fica reunida novamente.

Sabrina sente um aperto no coração ao ver aquela reunião familiar, ser tratada como uma pessoa totalmente comum, apesar do choque inicial do seu aparecimento. São todos corteses, gentis, e conversam alegremente, fazendo com que ela se esqueça por algumas horas de quem é, tornando-se mais uma anônima como eles. Como Henrique havia dito, ela teria algo que não conhecia há anos.

Quando o último casal chega, jantam muito bem e, na sobremesa, trazem o bolo de aniversário da menina. Enquanto tomam licores, Sabrina olha os livros na estante. Nádia, irmã de Henrique, aproxima-se dela, entabulando uma conversa.

– Vejo que gostas de ler.

– Sim, muito, e noto que não é só Henrique que gosta do John Mathew. Vocês também têm todas as suas obras.

– Gostamos demais, sim. – Nádia sorri. – Você não gosta dele?

– Tá brincando!? – exclama, rindo. – Eu o amo e também tenho todos os seus livros. Queria muito conhecê-lo, mas a editora não diz nada. É como se ele fosse um fantasma!

– Bem, um dia terá de aparecer. – Nádia dá uma risada e continua. – Provavelmente ele faz isso para poder permanecer no anonimato e não ser incomodado pela mídia.

– É verdade, eu que o diga. A mídia inferniza minha vida toda hora. – Sabrina sorri e vira-se para o acompanhante. – Está ficando tarde e preciso ir, pois estou cansada e o dia foi cheio de gravações. Não se importa, Henrique?

– Vamos sim. Tchau, mana. – Despedem-se dos demais. – Augusto, Karatê no sábado ou cansou de apanhar?

– Combinado, mas desta vez eu venço. – O cunhado ri. – Afinal, um dia será a minha vez.

No elevador, pega a mão da Sabrina que consente, mas esta aparenta um ar demasiado cansado e apreensivo. Enquanto caminham pela rua, ela é a primeira a falar e, com a voz triste, diz:

– Sua família é muito bacana e você tinha razão; há muito que não tinha um jantar assim tão agradável, exceto sozinha. A sua sobrinha é linda demais, Henrique, um verdadeiro doce de criança.

– Viu? Sem mídia nem fofocas. – O jovem sorri para ela e continua, olhando nos seus olhos. – Como eu disse, você iria descobrir que eu posso ser um cara bem legal.

– É sim, Henrique, muito legal mesmo – afirma, suspirando.

Andam mais um pouco até que Henrique diz, abrindo a porta do veículo.

– Aqui estamos. – No carro ela vira-se para o novo amigo e abraça-o, pondo uma das mãos no seu pescoço e encostando a cabeça no ombro dele, começando a chorar. Acariciando os seus cabelos, Henrique pergunta-lhe com suavidade. – O que foi, meu coração? Não chore!

– Eu só queria ter uma vida assim, sabe? – diz, ainda pranteando um pouco. – Poder viver realmente a minha vida, sem que inventem falsos escândalos a meu respeito...

– Então mude para outro ramo. Onde se encontra, você não tem grande escolha. – Puxa seu rosto e beija-a nos lábios. Ela corresponde com intensidade. – Você me enfeitiçou, Sabrina.

– Acho que você também – afirma, beijando o jovem, cheia de ardor e paixão.

– Quer ir para o meu apê?

– Sim, Henrique, quero ficar com você e ser apenas uma simples mulher; alguém normal, apenas eu, a Sabrina e não a atriz.

― ☼ ―

De manhã ambos acordam cedo, felizes. Ficam algum tempo abraçados, curtindo-se, até que acabam levantando para irem trabalhar. Enquanto tomam café, Henrique pergunta:

– Meu amor, se a sua vida não lhe agrada, por que não troca?

– É o que sei fazer, Henrique, e sei que sou muito boa nisso. Talvez um dia escreva algo. Eu adoraria escrever, mas não tenho o talento de John Mathew. Quem me dera!

– Já tentou escrever?

– Não.

– Então como pode dizer isso?

– Tem razão. – Sorri e beija-o. – Preciso trocar de roupa. Pode deixar-me no meu apartamento?

– Claro, meu amor, tudo o que você quiser – responde.

– Você me proporcionou a melhor noite da minha vida, Henrique, e eu sou muito grata. Pela primeira vez, desde a infância, me senti eu mesma e não uma mulher objeto.

– Não precisa agradecer, meu amor. Sabe, Sabrina, eu também tive a melhor noite da minha vida e sempre amei muito você. Só que achava que jamais teria esta chance. Pode ter certeza que, comigo, você sempre será muito feliz, pois eu a amo... – O interfone toca, interrompendo-os. Lívido, volta para a sala. – O zelador avisou que tem uma multidão de paparazzo na entrada. Alguém disse que você estava aqui comigo. Deve ter sido o maldito porteiro da noite que reconheceu você. O pior é que eu não vou com a cara dele.

– E agora, pergunta ela, agoniada? – Senta-se, abatida, quase chorando novamente. – Nunca tenho paz, nunca tenho a minha vida particular.

– Não se preocupe que sairemos pela garagem. Há uma saída para outra rua que está livre, segundo ele.

Assustada ela segue o engenheiro para o carro e o zelador abre a outra porta. Rapidamente enveredam pela via e afastam-se do prédio. O percurso dura dez minutos, pois precisam de dar uma volta grande e Sabrina está sempre calada, abatida. Quando ele vai beijá-la, é repelido.

– Por favor, esqueça que não dá. É sempre esse inferno e sei que os meus relacionamentos não duram com esta vida. Não quero ver você sofrendo por minha causa; logo, é melhor a gente não se ver mais. Nem mesmo se você fosse um ator famoso estaríamos livres deles! Talvez até fosse pior.

– Então troque de vida, venha para o anonimato, Sabrina, pois eu amo você, sempre amei e muito antes de a conhecer pessoalmente.

– Não posso. – Ela não diz mais nada e sai do carro, cheia de lágrimas nos olhos, caminhando trôpega para dentro sem nem mesmo olhar para trás.

Abatido, Henrique permanece bem cinco minutos no veículo, até que vai para o trabalho. No fim da manhã, sem conseguir se concentrar no que quer que seja, volta para casa e troca de roupa, decidido a passear pela praia.

Os fotógrafos já se tinham retirado, mas ele pediu ao síndico para demitir o porteiro da noite, afirmando que arcará com as despesas da rescisão.

Caminha sozinho, sempre desanimado, até que senta em um quiosque e pede uma cerveja. Nem passa meia hora, aparece a irmã, sentando-se ao seu lado.

– Como sabia que eu estava aqui, mana?

– Quando soube pelo jornal o que aconteceu, liguei para seu escritório e Marta disse que você estava supertriste e incapaz de se concentrar. Como sei que sempre vem aqui quando tá preocupado ou quer pensar, arrisquei. O que tá havendo, Rique? Ontem parecia tudo bem! Foi por ela?

O irmão conta tudo e Nádia abraça-o.

– É um fardo terrível, mano, mas tente novamente. Se ela gostou tanto assim de você, tente.

– Será que eu vou aguentar outro fora?

– Ligue para ela. – Nádia insiste. – Eu vi como ela olhava pra você lá em casa, Rique. Se aquilo não for amor puro e genuíno, eu sou um mico de circo.

Henrique liga, mas ela não atende. Tenta meia dúzia de vezes até que desiste. Deprimido, vai para casa e, à frente do prédio, dois homens aguardam por ele com máquinas fotográficas na mão, fotografando-o.

– Senhor, senhor, qual sua relação com Sabrina Morais?

– Vocês estão invadindo a minha privacidade. Sumam-se daqui e saibam que, se aparecer alguma foto minha na mídia sem a devida autorização, vou processar vocês e olhem que tenho advogados poderosos – diz Henrique, enquanto liga o gravador de voz do celular.

– Vá lá! – Insiste um. – Só uma palavrinha.

– Saiam da porta do meu prédio que quero entrar. Isto é propriedade privada. Eu tenho o meu direito de ir e vir e vocês estão impedindo isso. Têm exatos cinco segundos. Depois, acordarão no hospital.

A ameaça não surte efeito e Henrique abre caminho à força de pancada, rebentando com os dois e destruindo as câmeras. Uma hora depois, é levado para a delegacia, onde chama os advogados que resolvem facilmente a situação e preparam um processo contra os paparazzi e seus tabloides.

– O senhor deveria ter chamado a polícia, Henrique. – Um dos advogados repreende. – Todavia, isto não vai dar em nada. Não se preocupe, pois além de transgredirem duas leis primordiais, eles promoveram assédio. Alegaremos legítima defesa dos seus direitos e da honra, mas procure controlar-se da próxima vez ou passa a noite na delegacia.

No dia seguinte, o telefone dele toca e nota que é Sabrina. Imediatamente atende, cheio de esperança:

– Oi, meu amor, diga que mudou de opinião, por favor.

– "Você olhou os tabloides de hoje?"

– Não, nunca olho tabloides.

– "Tinha um terceiro paparazzo escondido, filmando tudo, pois eles já armam isso de propósito. É essa vida que deseja levar?"

– Se for esse o preço para estar ao seu lado, eu pago, Sabrina. Faço qualquer coisa por você. Esqueça os tabloides que eles são apenas para o povão. Não valem nada.

– "Só que eu não vou sacrificar alguém que amo nessa vida tão ingrata. Me perdoe, Henrique, mas adeus. Não me ligue mais, por favor."

– Não pode o amor de duas pess... – Nota que ela desligou e guarda o aparelho no bolso. Pega o quimono e, cabisbaixo, vai para a academia. Enquanto caminha, telefona e pede para o advogado processar os jornalecos que publicaram as suas imagens sem autorização enquanto exercia seus direitos.

Na academia, encontra Augusto e preparam-se para treinar. Com a depressão que sente, sua falta de concentração é tanta que é derrotado em poucos segundos, mas o cunhado não se vangloria da vitória porque vê claramente os motivos. No bar, enquanto tomam um energético, Augusto aconselha:

– Cara, você não pode continuar assim.

– Eu sei, só que é difícil – explicou. – Hoje tentei convencê-la a mudar de ideia, mas ela é taxativa. Nem sei mais o que faço da minha vida, Guto. Tudo o que eu penso é nessa mulher, cara, tudo!

― ☼ ―

Passam-se três longos meses e Henrique vai melhorando lentamente. Para não sofrer, nunca mais volta a ver a novela e tão-pouco o último filme dela, que foi um grande sucesso de bilheteria.

Sabrina continua infeliz e pensa seguidamente no homem que conheceu e por quem se apaixonou perdidamente em pouco tempo. Nesse dia, ela está numa editora, aguardando uma resposta. Ao fundo da recepção há uma janela de vidro onde fica a sala do diretor e por ela vê um homem de costas, vestido com paletó e muito bem composto. Ele lembra tanto Henrique que ela sente um nó na garganta, morrendo de saudades do único sujeito que realmente a fez feliz por um singelo dia.

A funcionária volta e diz-lhe:

– Sinto muito, mas a informação é proibida por cláusulas contratuais. John Mathew não permite que seja dada qualquer informação a seu respeito. A multa vai à casa dos vinte milhões de dólares.

– Obrigada. – Desanimada, Sabrina despede-se e vai saindo. Deita uma vista de olhos no homem que lhe chamou a atenção e vê que está de pé, ainda de costas, provavelmente despedindo-se. Aperta o botão do elevador e aguarda.

Quando a porta abre, ela entra e pressiona o térreo. Antes que a mesma se feche completamente, uma mão impede isso e o homem que viu na sala do diretor entra. Boquiaberta, depara-se com Henrique, que também olha para ela espantado.

– Olá, Sabrina – diz a título de cumprimento. – Decidiu escrever um livro e apresentar à editora?

– Oi, Henrique, não. – Suspira, triste. – Eu queria tentar obter o contato de John Mathew.

– A editora é obrigada a não divulgar nada. – Henrique olha para ela, louco para se atirar aos seus braços. – A multa é de milhões.

– Já me informaram – confirma a moça. – E você, o que veio fazer?

– Tenho um contrato de manutenção com a editora e seus principais escritores...

– O que foi isto? – interrompe Sabrina preocupada, ao ver que o elevador para e fica tudo escuro. Segundos depois, uma luz de emergência acende, embora muito fraca.

– Calma. Deve ter faltado energia. Só espero que não demore muito.

– Se você tem esse contrato, saberia quem ele é, correto?

– Sim, sei, mas também estou amarrado por cláusulas contratuais, sinto muito. Só posso dizer que esse nome é apenas um pseudônimo e que ele é brasileiro. Por isso conhece tão bem o Rio. Afinal, por que deseja tanto conhecê-lo?

– Instinto e algo mais. – Olha para a sua feição, apenas uma sombra na penumbra, e dá-se conta que ainda o ama com a mesma intensidade de antes. – Eu queria ter essa sorte que ele tem. Queria conversar com ele e entendê-lo, saber como é seu mundo. Ele me transmite algo que nem sei explicar.

– Simples: torne-se escritora... Sabrina?

– Sim?

Ele aproxima-se e pega-a pelos ombros, falando trêmulo:

– Eu amo você, Sabrina.

– Não faça isso – responde sem convicção enquanto ele a puxa de encontro a si – por favor...

– Eu amo você, Sabrina. – O seu beijo cala-a e ela, ofegante e sem resistir, entrega-se a Henrique ali mesmo, no elevador.

– Eu amo você – repete depois de terminarem – faço qualquer coisa por você. Sabrina, você não precisa de mais ninguém. Case comigo e largue essa vida.

– Sabe o que aconteceu com o meu último relacionamento, justamente por causa dos paparazzi? – pergunta, chorando. – Um terrível e horroroso fracasso. Eu não aguentaria isso novamente.

– Você me ama?

– Sim, muito. Mas não dá.

– Eu sou bastante rico, Sabrina, muito mesmo. Podemos viver bem, muito felizes e longe de tudo isso...

O elevador volta a andar e, quando vai parando no térreo, ela diz em meio a mais um beijo:

– Se me ama, esqueça, pois não vai dar certo. – Sai em passos rápidos, deixando atrás de si um homem desesperado e aflito, cheio de angústia.

Henrique vai para a empresa e diz que pretende tirar o dia de folga. Vendo seu rosto, a funcionária logo adivinha o ocorrido. Quando ele sai, pega no telefone.

– Dona Nádia, a senhora pediu para avisar se seu irmão voltasse a ficar naquele estado. Ele acabou de voltar da reunião com a editora e está bem assim, mas muito pior que qualquer outra vez.

– "Obrigada, Marta. Eu sei exatamente o que ele vai fazer."

― ☼ ―

Nádia vai para o quiosque e encontra o irmão sentado, contemplando o mar. Na mesa, a cerveja praticamente intacta. Beija Henrique e senta-se ao seu lado.

– Rique, você precisa superar isso... – afirma.

– Eu sei, mas é difícil. – A irmã vê as lágrimas nos seus olhos.

– Imagino que sim. Pelo jeito vocês se encontraram de novo.

– Sim, eu estava renovando o contrato de manutenção com a editora e nos vimos no elevador. Ela estava lá porque queria o contato do John Mathew.

– Olhe, acho que você deveria tirar umas férias de uns dois meses. Já não tira férias há cinco anos, desde os vinte e dois, quando se formou! Pegue um avião e vá para algum lugar bem longe daqui. Relaxe e descanse, que eu posso cuidar da sua empresa nesse período.

– Acho que sim. Talvez me afastando eu melhore um pouco e consiga superar tudo.

– Vá para a Califórnia que lá é verão – afirma. Pega na sua mão e continua. – Venha, vamos caminhar um pouco.

Abraçado, o casal de irmãos sai a passear pela praia na mais pura paz e anonimato, tudo aquilo que Sabrina deseja do fundo do seu coração mas não tem coragem de fazer. Ambos caminham em silêncio, tranquilos e curtindo-se muito, pois são bastante apegados. Preocupada, Nádia nota que ele não perde a tristeza, embora aclame-se um pouco.

― ☼ ―

Duas semanas depois, os amigos levam Henrique para o aeroporto do Galeão, despedindo-se dele.

– Ei, parceiro, dá uns amaços numas americanas por mim, já que não posso mais... ai, isso dói, amor.

Henrique abraça-os e entra na sala de embarque. Uma hora depois, o avião decola para a Califórnia, um estado norte-americano com praias maravilhosas.

Hospeda-se em um hotel luxuoso, à beira da praia, e a sua rotina é quase sempre passear no mar, tomar algo no bar ou visitar museus, ficando bastante sereno, porém ainda sem a esquecer.

Já falta apenas pouco mais de uma semana para voltar e caminha pela praia, perto do hotel, quando vê uma pessoa conhecida. Deitada na areia, tomando banho de sol e esplendorosa como sempre, encontra-se Sabrina. Seu coração dispara, dando-se conta que continua perdidamente apaixonado por ela. Dá um sorriso entre o duvidoso e o esperançoso e, sem resistir, aproxima-se dela, sentando-se ao seu lado. Fica alguns minutos olhando para a garota, calado, apreciando seu rosto e vendo ao seu lado o mais novo livro do seu escritor favorito. De olhos fechados, a moça nada nota até que ele rompe o silêncio enquanto faz leve uma carícia na sua face:

– Sabe, meu amor, a nossa vida está mais cruzada do que Vidas Cruzadas, já notou? – Assustada, ela levanta-se e olha para ele de queixo caído, tirando os óculos escuros. – Não tem jeito, Sabrina, os nossos destinos sempre se acabam cruzando. Olhe só para nós a milhares de quilômetros de casa e pimba, nos encontramos novamente. Quando é que se vai aperceber disso, que nós fomos feitos um para o outro, meu amor?

– Você me seguiu?

– Já lhe disse uma vez que não tenho esse hábito. – Sorri docemente. – Estou aqui há quase dois meses, tentando recuperar-me do nosso último encontro, mas sempre que estou prestes a isso, deparo-me com você e vem tudo à tona, cada vez mais forte. E você, já me esqueceu?

Ela nada diz, mas seu olhar a trai.

– O que veio fazer aqui? – pergunta-lhe, curioso.

– Fui convidada para um papel secundário em um filme de Hollywood. Agora, estava tirando a semana para mim, já que, pelo menos, aqui sou uma ilustre desconhecida.

– E por quanto tempo, meu amor? – pergunta, sorrindo. – Você nasceu para a glória e considero-a a melhor atriz o planeta!

– Não sei, Henrique. – Baixa o olhar, aflita. – Infelizmente, não sei mesmo.

– Sabrina, não podemos ignorar o destino. Eu preciso de você e você de mim. Eu a amo mais que qualquer coisa neste mundo e sei que seria muito feliz ao meu lado, tal como eu serei ao seu.

– Henrique, eu...

– Ora, Sabrina – este interrompe calmamente – seja sincera consigo e comigo. Você sente algo por mim?

Ela fica calada, olhando para ele e com o lábio tremendo um pouco, até que acena afirmativamente.

– Henrique... eu... eu estou grávida – afirma, suspirando.

– Não me importo, Sabrina, assumo a criança mesmo não sendo minha. Faz quanto tempo, já que ainda nem aparece a barriga?

– A criança é sua, Henrique, foi naquele dia do elevador.

Henrique fica estático ao ouvir a revelação. Eufórico, continua, cada vez mais insistente:

– Mais um motivo, meu amor. Essa criança precisa de um pai, um pai que a ame, que a proteja. Case comigo, pelo amor de Deus, case comigo.

Ela sorri para ele e pergunta:

– Tem certeza que vai aguentar esse inferno todo?

– Por você eu aguento qualquer coisa, mas sei que podemos mudar sua vida, Sabrina, basta querer. Já lhe disse que sou muito rico, milionário, e você pode simplesmente largar tudo, se quiser. Pode até tentar fazer o que deseja: escrever.

– Então eu aceito, meu amor, pois também o amo embora esse não fosse o meu destino, pelo menos não o que me mostraram uma vez.

Beijam-se muito e Henrique leva a noiva para o quarto. Quando descobre que ela está no mesmo hotel, manda fechar a diária deles e reabrir como casal, com ambos passando o resto da semana sempre juntos. Num dia chuvoso, enquanto ela vê um filme, flagra Henrique sentado no seu computador, o mesmo note que lhe emprestou.

– Por que ainda usa esse micro, amor, logo você que tem acesso às tecnologias de ponta? – questiona, curiosa. – Esse aí tem uns quinhentos anos!

– Como eu disse aquela vez, Sabrina, este computador possui um significado demasiado especial para mim. Desde os tempos da faculdade que o uso para escrever meus livros.

– Que livros, amor?

– Todos aqueles que você tanto ama – responde com um pequeno sorriso. – Eu sou John Mathew, anjo, e Augusto é meu agente. Por isso sou tão rico, ou acha que a minha empresa pode sustentar a vida que levo?

– Jura!? – Espantada, abraça o noivo e vai ver o que está na tela, lendo um trecho e notando que ele escreve a história deles. Rindo à toa, continua. – Eu sabia que precisava conhecer você! Uma cartomante, poucos dias antes de nos encontrarmos, disse que eu ia conhecer John Matew em breve e casaria com ele. E também disse que isso mudaria toda a minha vida pra melhor, que eu seria feliz como nunca! Agora, sei que este é meu destino.

– Estava Escrito nas Estrelas, meu amor, e eu sempre soube disso – diz, assim que ela para de o beijar. – Afinal, nossa história parece mesmo com Vidas Cruzadas.

― FIM ―

BGA – Ball Grid Array. Uma técnica de soldar chipsets. Isso é real.


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top