Amores e Dissabores
"A medida do amor é amar sem medidas."
Victor Hugo.
Sentado na sala de espera do consultório da doutora Lorena Freitas, uma psicanalista famosa, Alberto Nogueira aguarda sua vez de ser chamado. Tem a cabeça encostada na parede e os olhos fechados, sendo um homem dos seus quarenta anos, cerca de um metro e setenta e cinco e que sente muito tudo o que fez na vida.
– Senhor Nogueira – informa a recepcionista, levantando-se e abrindo a porta do consultório – pode entrar.
– Obrigado, moça. – Afirma este, caminhando resoluto.
Ao entrar, Alberto depara-se com uma mulher loira, muito bonita, que mantém os olhos no computador. Esta levanta o olhar e faz cara de espanto, levantando-se imediatamente:
– Alberto Nogueira!? – Tem a voz agradável e dá um grande sorriso.
– A senhora conhece-me, doutora? – Questiona, estendendo a mão. – Talvez de algum seminário que eu tenha ministrado, já que também sou médico, embora não exerça, pois sou cientista e pesquisador.
Cada vez mais espantada, a psiquiatra e psicanalista aponta-lhe uma poltrona confortável onde ele senta-se e observa tudo em volta. Trata-se de um consultório comum, com um tapete luxuoso e, de costas para a janela. A doutora fica sentada em uma mesa de madeira maciça, onde há alguns papeis e um monitor LCD, junto com o teclado e mouse. Para o outro lado, vê um divã e uma poltrona posicionada mais atrás. Volta a olhar para a médica e diz:
– Doutora, a senhora foi muito bem recomendada e preciso bastante de ajuda profissional.
– Obrigada – ela cada vez entende menos e prefere ficar "fria", aguardando os fatos – afinal, o que posso fazer por si?
– A minha vida está de cabeça pra baixo, doutora e faço muitas coisas erradas. Preciso demais de auxílio.
A médica levanta-se e pede que o paciente deite no divã, sentando-se na poltrona ligeiramente atrás dele. Ela é uma mulher muito bela, cerca de um mero e setenta, olhos castanhos e cabelos dourados.
– Acho que assim ficará melhor e acredito que o senhor deveria, eventualmente, começar do início.
– Acredito que tenha razão, doutora. – Comenta Alberto, enquanto se deita. – Sabe, eu sempre achei que os psiquiatras eram algo do tipo "a lata do lixo humano" e sempre ria deles. Deve ser castigo estar agora neste lugar com o meu lixo, lixo este que é a minha própria personalidade.
– Calma, meu amigo. Que tal começar? – Tranquiliza-o, falando suavemente embora por dentro esteja petrificada. – Depois conversaremos melhor. Para poder ajudá-lo, eu preciso de estar ao corrente dos fatos.
– Bem, talvez o melhor seja ir para os tempos da faculdade, na minha juventude.
― ☼ ―
– Eu estudava medicina na federal e sempre fui um sujeito meio deslocado. Um dia, conheci uma colega linda demais, uma garota de cabelos castanho-claros e olhos cinzentos, muito bem feita e com um corpo simplesmente lindo. Fiquei apaixonado por ela, completamente perdido. Contudo, ela não me dava a menor bola. Seu nome era Jaqueline.
A doutora arregala os olhos, olhando para ele.
– Onde ela estava, eu procurava ficar perto e ela notava minha insistência, mas parecia não querer nada. Eu chegava até a ficar com insônia e jogava xadrez mentalmente comigo mesmo, tentando desviar o pensamento da garota. As minhas notas, que sempre foram bem altas, caíram bastante, mas eu só tinha olhos para Jaqueline e não conseguia pensar em mais nada.
– Fiz amizade com a turma dela e comecei a sair com eles nos fins de semana, sempre de olho na moça que, lentamente, passou a me ver de outra forma. Finalmente, uma noite de véspera de feriado saímos apenas ambos e acabamos ficando juntos. Eu fui ao delírio com ela, a minha primeira namorada. Namoramos quatro meses e foi quando descobri o sexo, algo gostoso e maravilhoso.
– Porém – continua – eu descobri que ela não era mais a garota dos meus sonhos. Era como se a magia dela tivesse apagado no dia em que fizemos amor. Por outro lado, conheci uma nova garota, completamente intransponível. Sem perder tempo, terminei com Jaqueline e comecei a tentar me aproximar dessa, que era ainda mais bela e formosa, sem jamais conseguir seja o que fosse. Eu tinha verdadeira obsessão por ela, mas nunca consegui nada.
O paciente faz uma pausa de poucos segundos, até que acrescenta:
– Na verdade, eu acho que não nasci para ser solitário, pois necessito demais de amor, de ser amado. É algo que nem sei explicar. Por causa disso, eu tentava desesperadamente alguma coisa com aquela garota que nunca me dava bola. Notei que uma colega me olhava diferente e, carente, acabei ficando com ela. O relacionamento durou três semanas e foi gostoso, mas na noite em que dormi com ela, novamente perdi completamente o interesse na garota que ficou arrasada e eu nem me dei conta do que lhe fiz.
Alberto faz uma pequena pausa e continua:
– Voltei a concentrar a minha atenção na Suzi, a garota que eu amei e jamais pude ter. Um dia, eu cheguei para ela, a sós, e disse que a amava. Ela riu muito e virou as costas, saindo e me deixando completamente arrasado. – Quando ouve isso, a médica fica de queixo caído.
– Pouco tempo depois, Suzi mudou-se para Bagé e nunca mais ouvi falar dela até há pouco tempo, mas o sentimento jamais desapareceu, embora eu achasse que sim, que me tinha esquecido dela.
O paciente faz nova pausa e continua:
– Foram seis anos de faculdade e mais de cem namoradas. Sempre que me encantava com uma, corria atrás até conseguir ficar com ela; todavia, depois disso, o encanto desaparecia e eu acabava voltando a pensar na Suzi, sempre a Suzi.
― ☼ ―
– Já pensou nos motivos disso, Alberto? – Questiona a médica, cada vez mais abalada com o que ouve.
– Acho que sim, mas é por isso que vim aqui, doutora. E isso é apenas o começo.
– A partir de amanhã, o senhor fará uma sessão de duas horas comigo. Agora o tempo esgotou-se, mas peço que pense bastante em tudo o que me contou. Como se sente?
– Aliviado, doutora, mas ainda há muito para jogar fora.
– É melhor jogar isso aos poucos. – A médica recomenda, falando de forma professoral. – Agora vá e descanse.
Quando o paciente sai, Lorena senta-se na sua mesa e põe os cotovelos sobre ela, enquanto cobre o rosto com as mãos e chora baixinho. Ao fim de poucos minutos, pega no telefone e faz uma ligação. Na tela, aparece apenas um nome: Jaqueline. Falam alguns minutos e desliga, voltando a pensar no seu novo paciente. Ainda muito abalada, atende o próximo cliente e cancela os demais, dispensando a recepcionista e indo para casa.
No dia seguinte, Alberto retorna ao consultório, voltando a se deitar no divã e contando a sua vida para a doutora, que já a conhece muito bem.
― ☼ ―
– Eu me formei com magna cum laude e decidi ser pesquisador, pois foi o que mais me agradou. Passei com toda a facilidade no concurso para professor universitário e tornei-me orientador de um grupo de alunos da pós-graduação e mestrado. Fazíamos pesquisas sobre a AIDS. Uma dessas alunas chamava-se Lorena e acabei me apaixonando por ela de forma incontrolável.
– É verdade, doutora, ela tinha o seu nome. – Acrescenta erguendo o rosto do sofá. – E era tão ou mais bela que a senhora.
– O que aconteceu com ela? – Pergunta a médica cada vez mais preocupada e assustada.
– Nós começamos a namorar e eu fiquei completamente envolvido por ela. Ao contrário do passado, não perdi o encanto após a primeira transa e nós casamos um ano depois.
Continuando a história da sua vida, Alberto divaga, lembrando-se do passado com carinho.
– Nunca tive tanta felicidade quanto com ela e jamais a traí, tanto que esqueci completamente a Suzi. Nós vivemos um amor enorme, intenso e cheio de paixão, que nos trouxe uma filha linda e com a cara da mãe.
– Dez anos foi a nossa vida conjugal, mas ela morreu inesperadamente. Certo dia eu acordei e me deparei com um cadáver ao meu lado. Acredito que tenha sido vítima de apneia, já que tinha um forte desvio do septo nasal e nunca quis operar, pois nutria um certo receio. Já imaginou uma médica com medo de ser operada? A dor de a ver morta ali na minha cama foi de tal forma intensa que fiquei quase um ano acabado. Pedi licença da universidade e me afastei para poder reencontrar-me, até que voltei a lecionar e pesquisar. Cada garota bonita que eu via, casada ou não, eu conquistava mas perdia totalmente a magia quando a possuía. Por outro lado, eu não conseguia ficar sozinho mais de uma semana sem me apaixonar por uma mulher e acabei destruindo alguns casamentos. Sabe, isso me perturba demais! Por mais que eu procurasse encontrar outra garota que me fizesse reviver o grande amor que eu e Lorena vivemos, jamais logrei conseguir, embora sempre pensasse que a próxima que eu conquistasse seria a derradeira. Infelizmente, nunca foi assim e sempre perdia a paixão tão logo dormíssemos juntos.
– Entendo. E por isso sempre tentava novamente com outra mulher, mesmo sabendo que elas acabariam sofrendo por isso.
– Precisamente. Eu passei dez anos nessa vida até que, recentemente, deparei-me com Suzi. Ao vê-la, sempre bela e irresistível, fiquei completamente estático. Ela me olhou no rosto e sorriu. Estendeu os braços para me abraçar, implorando perdão pelo que me fez no passado e pedindo ajuda pois estava em crise. Tinha-se separado do marido e confessado que sempre pensou em mim depois do que aconteceu, mas os pais tinham ido para Bagé e ela precisou de ir junto. Ela tentou beijar-me e eu, assustado, saí correndo.
Alberto faz silêncio, relembrando-se da cena e a médica aguarda que este continue.
– Ela, a mulher que amei perdidamente e que me desprezou estava ali, perdida, mas eu fugi dela como o diabo foge da cruz. Entretanto, todas as lembranças que tinha dela voltaram a me assolar a mente. Todo amor que eu sentia por ela caiu sobre meus ombros com uma intensidade avassaladora, mas eu morro de medo de voltar a sofrer. Porém, o que mais temo é ficar com ela e perder a magia, como sempre foi exceto pela minha falecida esposa.
– Alberto, o senhor conhece uma empresa chamada Nóbrega Equipamentos Médico-Hospitalares S/A?
– Só ouvi falar por alto, doutora. – Responde. Depois, pergunta curioso. – Deveria conhecê-la?
– Acredito que sim, já que o senhor é dono e presidente dela. Essa é a maior indústria de área médico-hospitalar da América Latina.
– Doutora, eu sou um cientista e pesquisador, não um industrial. Na verdade, acredito que não me daria bem fazendo isso!
– Bem, meu amigo, volte para casa e relaxe. Pense em tudo o que me contou e amanhã continuaremos.
― ☼ ―
Lorena medita profundamente sobre a situação daquele homem que ela amou perdidamente na sua juventude. Está perfeitamente claro para si que ele sofreu um colapso tremendo, porém teme que tenha enlouquecido e sente medo que seja irreversível.
Jaqueline não soube elucidar nada sobre o caso. Calmamente, liga para ela e conversa sobre o amigo. Quando termina, liga para um colega, pedindo conselhos.
― ☼ ―
Deitado no divã, Alberto continua:
– Eu não sei que rumo dar para a minha vida, doutora. Sinto uma profunda carência e tenho tudo de cabeça para baixo.
– Já lhe ocorreu que o senhor pode estar completamente iludido e com uma grande estafa?
– Por que motivo teria uma estafa? – Levanta a cabeça e vira-se para ela. – Eu gosto do meu trabalho, que me dá um profundo prazer, doutora.
– Todos somos suscetíveis a uma estafa, Alberto, mesmo se gostamos do nosso trabalho. Basta olhar a biografia do Isaac Newton.
– Conhece a história desse homem, doutora? – Espanta-se. – Eu o considero um dos maiores cientistas que jamais apareceram na face da Terra. Apesar de não ser físico, sempre gostei dele.
– Alberto, o senhor mesmo me contou essa história...
– Caramba! – Afirma ainda mais espantado. – Não me lembro de ter falado disso durante as nossas sessões. Sabe, a senhora é bela como poucas mulheres neste mundo e eu ontem não parei de pensar em si. Temo que esteja começando a me sentir apaixonado. Perdoe-me o comentário.
– Alberto, quero que o senhor vá comigo a uma instituição de modo a acelerar seu tratamento.
– Confio na senhora, doutora. – Ele senta-se no divã e olha para ela, sorrindo. – Quando pretende que eu vá?
– Agora mesmo, pois eu já cancelei todos os meus compromissos de hoje...
― ☼ ―
Naquela manhã de primavera, onde o dia ainda está particularmente frio, duas mulheres encontram-se em frente a uma linda mansão. O terreno é quase uma pequena fazenda onde, na entrada, o casarão mostra-se imponente. Trata-se de um hospital psiquiátrico muito especial. Lorena abraça Jaqueline, que chora no seu ombro.
– Como está ele, Lorena? – Pergunta angustiada. – Eu me sinto cada vez mais aflita...
– Bah, mana, a coisa não está boa. Alberto teve uma super estafa, um grande colapso nervoso e pirou geral. Ele vive em outro mundo, mundo este fragmentado no seu passado mas completamente ilusório, como se tivesse criado uma fantasia para a sua vida.
– Me explica, pelo amor de Deus.
– Ele criou um passado maluco e acho que sou parcialmente culpada disso, irmã. Primeiro, ele pensa que foi casado comigo e que morri. Tu foste uma namorada curta mas demasiado importante e ele fantasiou outra mulher para me retratar. Tudo está distorcido e nada semelhante ao que nós realmente fomos para ele.
– Cada vez entendo menos...
– Ele era apaixonado por mim, perdidamente, se tu te lembras, mas eu ri da cara dele e virei as costas, deixando-o de tal forma magoado que temo que isso tenha sido o motivo dele ter criado essa fantasia maluca, e o pior de tudo é que pensa que está novamente apaixonado por mim. Eu acho que lhe criei um grande trauma que ficou recalcado no seu subconsciente e que tomou conta com a estafa.
– Mas isso já se resolveu há muito tempo! – Afirma, espantada.
– Sim – confirma a irmã – mas ele misturou passado e presente. Quando os nossos pais se separaram e eu fui para Bagé com a mãe, ele começou a namorar a Suzana, que nem durou muito tempo, lembras?
– Claro, foi quando entrei na universidade e o conheci. – Responde Jaqueline. – Eu fiquei louca por ele.
– Exato, tu eras apaixonada por ele que não te dava bola até que vocês começaram a trabalhar no mesmo laboratório de pesquisas. Eu descobri que ele não saia da minha cabeça e voltei para Porto Alegre, muito arrependida. Procurei por Alberto e pedi perdão. Nós namoramos três semanas e eu fiquei totalmente nas mãos dele, que me dispensou logo depois da primeira transa para ficar contigo. Assim, ele fantasiou que sempre que faz sexo com uma mulher, perde imediatamente o interesse por ela.
– Eu lembro que tu sofreste muito com isso.
– Sim, sofri por mais de dois anos. Eu casei e me divorciei e até isso ele fantasiou na sua história. Ele pensa que tu morreste, mas tu serias eu, enquanto a mulher que ele idealizou como perfeita, ficou intransponível: eu, em que ele te retrata. Fez a maior salada de frutas com a sua psique.
– Lorena – Jaqueline chora muito – será que ele vai-se curar e o terei de volta?
– Espero que sim, mana. – Afirma a irmã. – Um gênio como ele não pode perecer desse jeito. Vem, vamos vê-lo.
― ☼ ―
Alberto está sentado no jardim do hospital psiquiátrico, curtindo uma paz enorme. Duas mulheres aproximam-se dele e olha para ambas, muito parecidas uma com a outra, sorrindo delicadamente para elas.
– Doutora Lorena. – Afirma, levantando-se. – Que bom ver a senhora.
– Oi, doutor Alberto. Esta é Jaqueline, minha irmã.
O cientista olha para ela e sorri.
– Olá, Jaqueline, a senhora parece tanto com a minha falecida esposa que me impressiona demais...
― ☼ ―
Quando se despedem do Alberto, Jaqueline pergunta para a irmã.
– Será que terei o meu marido de volta? – Encosta o rosto no seu ombro, chorando. – Ele nem me reconheceu!
– Mas gostou de ti, mana, e te achou parecida com a falecida esposa, ou seja, tu mesma só que estás vivinha da Silva. Tenta reconquistá-lo, pois a esposa dele, na sua fantasia, foi a única que ele amou sem parar, amou sempre. Talvez nunca volte a ser o mesmo homem, mas voltará a te amar. Disso tenho certeza, embora acredite que ele só fará isso quando descobrir que não sou o seu grande amor.
– Mas se for pela sequência que falaste, ele precisaria ficar contigo de novo para descobrir que não és o amor dele. E se...
– Jaqueline – Lorena interrompe, séria – não te esqueças que jamais deixei de o amar; então, para o meu bem, prefiro que a gente tente evitar que as coisas cheguem a esse ponto, sem falar na ética médica. Tenta ficar sempre próxima a ele e vejamos o que vai ocorrer.
Na porta da clínica as irmãs despedem-se, cada qual seguindo seu caminho, cada qual vertendo lágrimas pelo mesmo homem.
― FIM ―
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