Vander, o virginiano
Muito prazer, eu sou Vander. Me apresento juntamente com mais uma história comum, pois sou um tipo de pessoa comum que não se destaca na multidão, mas sou o centro de meu próprio universo.
E como que sou? Fisicamente, a quem interessar, sou negro, estatura mediana, cabelo crespinho, sou magro e demais informações que também não sei se interessam, tenho vinte e quatro anos, estudo, trabalho e no decorrer, eu comento o que for me lembrando.
Não será um conto com foco em fator racial ou a respeito da minha orientação sexual, mas apenas no romance, como eu disse: comum.
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Em nossa vida encontramos todos os tipos de pessoas com os mais variados objetivos e suas experiências vastas. Eu até então vivia muito meu mundinho de forma mais introspectiva e organizada, só que apareceu um elemento. O Elemento que me surge, é o cara mais desorganizado, mais desapegado e ao mesmo tempo, aiai, irritante e que me tira do modo Vander de ser, ou seja, o modo tranquilo. E por isso que me encontro atrás do teclado, por causa do Antônio.
Meu Deus, eu preciso acalmar a alma antes de dar sequência nisso.
Então vamos lá. Num modo meio comum de começar uma história, novamente, meu nome é Vander, tenho vinte e quatro anos, sou negro, gay e mais um monte de qualidades maravilhosas.
Eu trabalhei com o Antônio dos meus dezenove anos até no ano passado, quando ele resolveu crescer e procurar outra opção de emprego, na verdade, ele foi porque eu disse que seria bom, não porque eu mando nele, que fique claro isso, porque daqui há pouco é o que vai parecer. Só que ele não se mexe se eu não pegar no pé.
Sou querido, mas quer saber, não tenho lá muito sangue de barata. Eu sou bem honesto e falo mesmo, com classe, mas falo o que preciso falar.
Com dezenove, eu ingressei no nível superior. Administração, um bom curso, eu acredito, mas tive que trancar por um tempo, depois eu fiz menos créditos e enfim, esse ano eu me formo finalmente... mas lá atrás quando eu tinha dezenove, eu entrei como estagiário numa empresa grande, começando pelo arquivo, onde fiquei uns meses, até que a falta de funcionários de um setor me abriu uma nova porta.
Eu fui trabalhar com um tal de Antônio Wolf, que achei ser o apelido do cidadão, pois ele parecia um lobinho com a barba cheia e o cabelo ruivo despenteado, mas era o sobrenome do gato.
Nem tão gato assim, ele também é comum, nada de exuberante. Talvez pelado pudesse ser, eu ainda não sabia. Ainda.
Antônio Wolf havia ficado sem dois colegas que se estapearam no setor e foram demitidos, ele nem tinha tanta prática assim e confesso que o achava meio ratão, no sentido de malandro mesmo e isso o fez perder muitos pontos comigo que sou muiiiiiito exigente.
Claro que ele já era formado, tinha uns vinte e cinco anos, bicho grande, sim, bem alto e um pouco forte, não falei musculoso porque não era tá. Uma boa companhia pra quem não é um Vander da vida. Tenho que ser franco, eu não curti muito ele no início e passei um bom tempo dando o fora nesse ser porque além de tudo, o cara era um folgado...
Não vou estragar a história começando do final e contando como estão as coisas hoje, vou narrar lá do passado para que vocês compreendam melhor como que funciona o carinha de Aquário que me chama de seu.
....
Em 2013
Dia Dois de Setembro de 2013 foi meu aniversário e na cidade onde moro é sempre feriado nesse dia, pois é aniversário de Blumenau, no Alto Vale do rio Itajaí, em SC. Dezenove anos e uma expectativa para os próximos dias, a oportunidade de estágio dentro do escritório de uma empresa têxtil.
Radiante era apelido, eu estava mais do isso, mas sem externar que não é do meu feitio, sou muito contido.
Comecei na primeira segunda-feira depois do feriado e fui apresentado como o estagiário que faria um pouco de cada coisa para ajudar os setores no que eles mais precisassem. E o que não exigia muito de mim era o arquivamento de documentos que o pessoal não tinha tempo pra guardar.
Eu fui bem recebido, mas não fiz amigos de imediato por ter esse jeito meio desconfiado, reservado e digamos, afeminado. Sempre tinha algum colega me olhando torto e eu "morrendo" de preocupação e internamente louco pra não precisar discutir com ninguém. Porque sou um doce, mas não aceito ser provocado.
— Ô menino...
— Vander. Pode me chamar de Vander.
— Guarda isso.
Esse zé-roela é quem vocês estão pensando, e deu o maior trabalho consertar esse cara.
— Antônio, né? Então, por favor, com licença... — dou a sugestão.
— Claro, toda. — ele responde sorrindo com cara de bocó.
Ele não compreendeu que eu estava dando uma dica pra ele ser mais educado, usando as "palavras mágicas", achou que eu estava pedindo licença. Isso é pra vocês terem noção do quão lesado ele... ah deixa pra lá, logo ele mesmo se entrega.
— Antônio, sua gola tá amassada. Ajeita que fica com uma aparência melhor. — Ele olha para as mangas da camisa e eu me pergunto: será que falei em javanês? — A gola, aqui ó.
Aponto pro meu pescoço e ele estica o braço na minha direção, mas para na metade do caminho e ri...
— Ah tá, a minha gola.
— É.
— Ah tá, entendi, tá revirada.
— Aham. Espera. — fiz a gentileza de ajeitar, porque eu não posso ver uma pessoa com roupa amassada ou com fio de cabelo colado, chega a ser instintivo, já vou estendendo o braço pra arrumar e depois que peço desculpas se for o caso. Só sei que eu arrumei como deu a gola dele e ouvi um:
— Uiii... — de outro colega que tirou sarro do Antônio por estar sendo tocado por mim. Pior que pensei que ele ia me dar um empurrão, mas ele não entendeu o colega (ele quase nunca entende de primeira).
— Aí Marceeeeeelo, tudo belê?
— Aí mano...
Meu Deus, que diálogo produtivo, melhor eu não me deixar contaminar.
Junto os documentos bagunçados, quase surto, quase choro com a trabalheira pra organizar, quase dou uns tapas na cara do Antônio quando ele me aparece bem no finalzinho com mais umas notinhas que estavam na gaveta dele.
— Aê Vandeco.
— Vander. — corrijo no início que é pra ele se situar. — Nada de apelido, não tenho apelido e não quero que me coloque um.
Eu já estava bem irritado e ele me diz com a maior calma da Terra.
— Tu vai me matar, mas eu achei mais duas notas.
— Eu faço estágio aqui há cinco meses e se você não se ofender...
— Eu? Eu não me ofendo com nada.
— Sua mesa é a mais desorganizada, você é o único que fica com documentos na gaveta, é o último a me entregar as notas lançadas e quase todo mês, tem café derramado em algumas delas.
— Ah...
— Sabe, eu não sei como que é teu trabalho, mas dá pra se organizar.
— É né.
Ai Cristo. Ensina-me a ter paciência com esse "sacrilégio" ambulante.
Mal sabia eu, que no mês seguinte dois colegas dele iam ser demitidos por causa de uma briga física dentro do setor.
Fiquei sabendo no período da tarde, pois durante a manhã eu tive dentista, e embora não tivessem comentado diretamente comigo, eu ouvi a conversa e mais uma vez me deu raiva da leseira do Antônio.
— Ah, eles começaram a discutir por causa da outra lá, a... a... — Antônio tenta lembrar de alguma mulher envolvida (provavelmente) — a guia, acho que foi a guia...
— Não, não foi a guia, foi a planilha. O Marcos só perguntou se o Marcelo havia mexido numa fórmula, aí ele se ofendeu e começou retrucar. Depois Marcos já tava quieto, mas daí o Antônio abriu a boca e falou: "ah, fui eu quem mexeu na planilha, lembrei agora", então começou de novo... — Cris a líder do setor conta como foi e quando acalmou pela segunda vez... — aí o Antônio perguntou se o Marcos não ia pedir desculpas e a discussão começou novamente e terminou com os dois se "soqueando".
— Justa causa? — Mirela pergunta.
— Foram sim.
— Mas a culpa foi do...
— Quem brigou não foi o... — elas apontam para o colega ruivo que brinca no celular e parece alheio ao que aconteceu no seu setor.
— O... parece que tá viajando o tempo todo.
— Só notaram agora? — esse foi euzinho que não consegui ficar com a matraca fechada — Desculpa, é que pensei que só eu tinha notado.
— Hahaha. Não, amigo, não é só tu. Tu podes furar o... com um garfo que ele nem vai sentir.
— Tadinho. — eu repreendi porque não consigo olhar aquela cara de inocentão sem sentir uma coisinha me picando.
E por aqueles dias, depois de uma briga por algo tão besta, que a Cris do setor do Antônio pediu se eu aceitava a oportunidade de aprender algo mais e finalmente registrar minha CTPS com o piso da categoria.
Lá eu fui, para o setor do Antônio, que só pela misericórdia.
— Nossa que cheiro de café nessa sala. — meu comentário sai espontâneo.
— Ah, essa bosta virou na minha mesa.
— Cara, você é meio desastrado. Deus, olha seus papéis. Tu não leva bronca?
— Naaa... até parece. Agora sou o cara mais experiente do setor, eles não vão se arriscar a me perder.
— Se você diz... — não tenho argumentos dessa vez, impossível argumentar.
— Claro, agora é só eu e um novato.
Novato. Ai como essa palavra me deixa possesso. Não sei se há no mundo alguém que não se importe em ser chamado de novato, mas eu acho escroto. Mesmo sendo novato e tendo a humildade de aceitar que sou realmente novato, odeio ser chamado de novato.
— E a Cris?
— Ah, ela é encarregada.
— Jura?
— Aham.
— É que tu disse que somos só nós dois no setor.
— É.
Eu devo falar outro idioma ou ele deve estar argumentando alguma conversa que teremos no futuro, vai saber, pode ser que seja eu o cara atrasado da coisa toda.
— Posso usar essa mesa.
— Não sei. Acho que essa é da Cris.
— Tu trabalha com ela? — encho de sarcasmo.
— Claro. Ela é encarregada aqui.
— E qual mesa eu posso usar? Você que vai me ensinar?
— É pode ser.
— Vai ter que ser, Antônio, não tem outra pessoa além de você e eu não sei nada desse setor. — Largo minhas coisas na mesa onde o Marcelo sentava.
— Pode usar essa mesa aí.
— Ok. Mas antes vou dar uma limpadinha.
Ele não responde, mas dá uma risada. Fica parado olhando eu esfregar com a scoth brite no lado verde, depois deixo o monitor impecável sem aqueles cuspes do meu ex colega que cuspia ao falar, não sobra um grama de poeira e todas as canetas, clipes e afins estão organizados. Quando termino, percebo que o Antônio tava me olhando e larga na maior cara de pau:
— Posso sentar nessa mesa daí. — Ele afronta e eu respondo "assassinando-o" com o olhar.
E assim foi nossa primeira meia hora no mesmo setor.
Quem vai surtar primeiro?
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Um capítulo de aperitivo pra gente ver se curte eles dois....
Vander e Antônio são personagens do Encontro dos Signos e justamente as diferenças deles é que deu um saborzinho especial.
Beijos e carinho :3
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