A casa dos gatos




De volta à rotina do trabalho, minha colega espera o Antônio sair da sala pra falar pelas costas. Coisa que muuuuuita gente faz no ambiente profissional, tá.

— Acho ele tão lento pra entender as coisas.

— Colega, ele só se faz — eu defendo — ele é mais inteligente e ligado que você imagina. Mas conversa com ele se tem algo que te aborrece. É aqui no trabalho ou é pessoal?

— Eu tava dando umas diquinhas pra ele, mas daí ele me deixou ler nas entrelinhas que teve um lance contigo.

— Hã? Teve? — Nego ou confesso? Penso isso três vezes e bem rápido. — Ei quer um café, vou lá buscar um pra mim.

Eu não vou fazer barraco.

Ainda.

— Ah pode ser... — ela fica boiando e eu saio da sala. Quando volto, ela tá séria e o Wolf ainda mais sério. Uia, tenso. — Obrigada Vander. Antônio, acho que vou querer um gatinho sim. Ainda mais depois que ouvi a história da gata, pobrezinha. Ei de que cores eles são?

— Tem um branco e preto, um cinza com branco, uma fêmea toda preta e uma cinza. — Eles estavam falando dos gatinhos. Ela ganhou só um pouco da minha confiança, quase nada.

— Cadê os outros? — Pergunto quando faço a contagem mentalmente. — Tinham seis.

Ai, que se exploda, ela já sacou sobre a nós e agora deve ter certeza.

— Então, o Leopoldo carregou os filhotes na boca, um por um e arrumou dentro do meu guarda roupa outra vez. Estranhei que só veio quatro e perguntei pra mulher... aí ela se disfarçou toda e disse que as crianças mataram dois.

Não vou chorar, não vou chorar e... a lágrima escorre quando me viro para a mesa.

— Que criatura irresponsável. — Giovana comenta — Se ela é dona, tinha que cuidar para as crianças não chegarem muito perto. Criança às vezes age na inocência, mas umas são bem bandidinhas e judiam dos bichinhos. Eu quero a fêmea toda pretinha, pode reservar pra mim e não deixa ninguém levar a Celina.

Seco a lágrima dando risada. Uma já tem lar garantido e até um nome. No café a Selma se derrete toda no whats, penso que ela está babando pelo Pietro o bebê que todo mundo ali ama, fez até campanha pra ajudar porque o casal tava no aperto, mas era pelos gatinhos que o Antônio compartilhou.

— Eu tenho só gatas, mas fico com essa cinza. Queria a preta, mas tem dona né Giovana? — ela provoca nossa colega

Sobraram dois filhotes e a Lelê disse que só queria se fosse fêmea também, então tivemos a ideia de... pedir se podíamos adotar a gata que nem tinha nome, era chamada só de mimi pela dona da quitinete.

— Por mim pode ficar... já deu três crias com essa daí, entra no cio e enche de gatos no telhado, brigam, enchem tudo de pulga.

— Essa gatinha, a senhora adotou?

— Não, não... faz dois anos que ela apareceu e foi ficando, eu dei ração e ela não foi embora. Pode ficar com ela, mas olha, nós vamos pôr veneno pra essa gataiada, então vê se prende ela ou morre também.

Que demonha!

— Uia que maldade. — Reclamo. 

Fazer o que né, Leopoldo ou apenas a Léo, era nossa, ou melhor, foi levada para Itajaí para ser castrada, pra morar com minha mana e a cunhada.

Lá, a Vanda que me chama de cunhadinho, falou sobre a castração solidária que tem em algumas cidades e que eu deveria levar os dois gatinhos que sobraram pra fazer isso por eles.

— Ei dona Vanda, vocês têm vontade de adotar umas crianças?

— Ai Antônio, eu não sou fã de criança, sou bem honesta. Ter filho é opção, tem casal que não pode e quer e tem quem pode e não quer. Nunca tive vontade de ser mãe. A Alê disse que não sabe se quer e que ainda é cedo pra pensar.

— Meu irmão teve que adotar uma criança. Aquele meu irmão que a senhora disse que é grosso.

— Eles não podiam ter?

— Podiam e tiveram dois, mas a Jaqueline disse que era o maior sonho dela poder adotar uma criancinha e ele baixou a orelha. Tá lá a Carol, pra provar mais uma vez que ele não manda em nada dentro de casa.

— Mas ele trata bem a menina?

— Ô! Com certeza. Incrível que sozinho sem mulher, ele é um cavalo, mas quando ela tá junto, ele cuida até com as opiniões que vai dar. Minha irmã, a Cida e a cunhada de vez em quando se "pegam" porque as duas tem personalidade forte.

— Coitados desses homens. Minha pretinha me faz de gato e sapato, é chorona, mas é braba, é doce, é manhosa, tinhosa, ih meu amigo, aqui eu ando bonitinho na corda bamba.

Antônio me olha e depois pra Vanda e não fala uma só palavra. Mas ela ri do mesmo jeito e bate nas costas dele.

— Vamos almoçar fora que sábado na cozinha ninguém merece. — ela conclui.

Nossos gatinhos não podem ficar sozinhos por muito tempo, estão recém-desmamados e deixamos ração, água e leite nos potinhos. Voltamos no mesmo dia para casa.

No domingo como teve presença de parentes na minha casa, precisei ir pra lá. Antônio ia de tarde porque falou que precisava limpar o muquifo. 

Limpar. Limpar? Sei que quando eu vou lá, eu limpo de verdade, afinal é um lugar pequeno, mas ele passa um paninho de qualquer jeito.

Antes do meio dia, ele me liga e diz:

— Já acabei. Posso ir pro almoço?

— Terminou? Mas não faz uma hora que você começou?

— Naaa, tá bem limpo, lavei até a louça. Coloquei as roupas sujas ali num canto pra lavar hoje de noite e... limpei... passei um paninho nas coisas. No banheiro também.

— Paninho no banheiro? — Calma Vander. — Antônio, banheiro é lugar que se esfrega, joga água sanitária, ajax e saponáceo. Paninho se passa sobre o rack da sala com lustra móveis. Você não esfregou nada?

— Naaa, tá bem limpo.

— Aiai, vem almoçar que vou te apresentar pra tia Isaltina, que é tia da minha mãe na verdade. Ela nem mora aqui, mora na Bahia. Falei que tinha um namorado e ela perguntou se era bonito.

— Ele é bonito?

— É você, Wolf.

— Ah tá...

Ai Jesus, ele tá drogado, só pode. Se tivesse usado produtos de limpeza tinha uma explicação, mas pelo jeito é aquela leseira tão dele.

Apresentado o namorado, ele comenta que tem uma música do Falcão que se chama Isaltina e eu fico de cara no chão. Cara no asfalto pra ser mais dramático.

"Isaltina, olha o tamanho da lombriga que o menino botou."

Juro que se ele cantasse esse trecho da música, eu dava um cacete nele.

Porque ele não fecha a matraca às vezes? Porque precisa me deixar putoooo!

Mas como titia não gosta de Falcão, ela meio que ignora o comentário e fala que ele é bonito, mas que o achou muito branco.

— Oxe Vander, se esse palmitinho ir pra Bahia, vai ficar roxo e depois descascar inteiro. O bichinho parece uma rama de aipim descascada.

Antônio ri dele mesmo e usa o seu habitual: "naaa" eu passo um bronzeador.

— Menino cê vai é torrar. Se tiver um protetor fator 200 você consegue ficar na sombra.

— Ah mas sou brasileiro, aqui a gente sempre pega um sol também. Lá na Bahia não enche de turista europeu que é muito mais branco?

Minha tia fica sem resposta. Na verdade ela não é metida, é preocupada só. Sua cultura a faz hospitaleira. Nunca tá séria, ri até do que ela mesma fala. E no fim do domingo, ouve o meu lobinho elogiando:

— A senhora é muito simpática, mas é um jeito simpático tão diferente.

— O que que a baiana tem? — ela canta Carmem Miranda — Você é um rapaz querido. Também é simpático e sincero, coisa que não se vê muito hoje em dia.

E por que os baianos tem...

— AH! Antônio vou contigo até ali na moto. — Não, não e não! Ele não vai me fazer passar vergonha.

— Eu só...

— Wolf! — Eu levanto a voz que é pra ele entender que tá sendo chamado na xinxa. — Para de psicopatiar com a tia e vem.

Ele vem sorrindo porque não pode me ver furioso. Porque que eu o maltrato quando posso? Porque ele precisa.

— Ela me chamou de palmitinho, hahaha. — Pronto. Tá rindo só agora. — Eu nem sou tão branco. Olha aqui o meu braço, tem diferença do antebraço e aqui no muque.

Delícia de braço fortinho, tem sim uma diferença de cor, mas é assim:

— Aqui em cima é branco sal e aqui onde é peludo, é branco açúcar.

— Viu, dá uma diferença.

— Aham. — falo com um pouquinho de sarcasmo porque, né... 

Na despedida que nunca é diferente e eu fico com vontade de me grudar nele, recebo um beijinho bem discreto e um grito vindo de dentro de casa.

— Oxente! Lasque um beijo em Vander, tava aqui espiando e vocês me vem com essa miséra de beijo. — Oh véinha doida essa minha tia!

— Não tia, a gente guarda esses pra quando estamos a sós. — Não me sinto tão à vontade com minha mãe, porque se fosse só a tia, eu beijava mesmo.

— Cadê Lessandra?

— Isso a mãe que conta. Vou estudar um pouco. — Pedi licença e carquei pro meu quarto. Não estava com saco pra ouvir toda aquela história, depois as opiniões da tia, os conselhos, as choradeiras... preferi me economizar. Pois assim que as coisas boas duram mais. Economizando!

.

Já que minha mãe estava mais conformada quando completei meus vintinhos e um ano de empresa, na sexta-feira depois da facul, tinha permissão pra dormir na casa do Antônio e no sábado limpávamos tudo. Ele odiava pular as seis da manhã pra ajudar a esfregar, mas pelo menos, antes das dez, tudo estava limpo, porque sou despachado, amo ver tudo limpo e não tenho preguiça de esfregar.

Depois, tomamos um banho e dormimos até meio dia. De tarde fomos tomar café sabe onde? Na casa da sogra. Aniversário da dona Marta.

Prova de fogo, pleno outubro de 2014, um sábado lindo e eu tinha que ir comer bolo com o povo fino. Ai, sinceramente eu sou uma pessoa muito simples do tipo que prefere comer uma cuca com café servido no copo de requeijão na casa de pessoas como eu, do que ir num troço chique como naquela casa. Me sentia em outra realidade.

E por ser negro, certamente eu destoaria daquelas pessoas. Ou não, pois Carol, sobrinha do Antônio, também tinha pele escura. Embora não seja negra, ela é bem morena e parecia uma boneca de vestido. Três aninhos tinha a Carol na ocasião, mesma idade da Valentina, filha de sangue do casal. O mais velho era Júnior, a cara do Marcelo, mas ao contrário do pai, um menino simpático.

Jaqueline explicou que sempre quis ter um filho adotivo. Cunhada poderosa, feita em academia, centro de estética e clínica, sei lá mais o que, falou que era apaixonada pelos lábios das negras e que minha boca era o sonho dela. Meio louca, mas gente boa.

Marcelo ficou se disfarçando e nem olhou na minha cara, Aparecida e o marido foram mais bacanas, meio isolados dos demais também não pareciam a vontade, seu Avelino me cumprimentou, mas o choque foi ver dona Marta.

Ela havia perdido peso, a idade batia com força em seu rosto muito enrugado, fazendo-a parecer ainda mais velha. Mesmo com maquiagem pesada, as olheiras escuras gritavam, as bochechas estavam chupadas, ela tava ossuda e trêmula.

Senti que sua vida estava se esvaindo quando a abracei, assim ela ficou por uns sessenta segundos me segurando, me passando seu carinho e me dizendo sem palavras que esperava que eu fosse uma boa pessoa para seu menino.

Chegamos cedo, logo a casa encheu de gente e nem todo mundo era conhecido pelo Antônio. Muitos nos cumprimentaram, a maioria cumprimentou Marcelo e sua esposa, quase ninguém se dirigiu à Cida, o que achei muito estranho.

— A Cida e a mãe também ficaram anos sem se falar. Mas foi porque minha irmã brigou com a mãe por causa da religião. Hoje eles estão quase falidos... deram todo o dinheiro da venda do pedaço do sítio, para a igreja, hoje têm um carro popular e moram de aluguel.

— Putz. Ai, nem sei o que falar. Dízimo é bíblico, mas eles deram todo o dinheiro da venda? É pra ser só dez por cento.

— Não sou crente então não vou falar nada. Mas não daria dez por cento pra igreja nenhuma. Tem associações e ONGS que fazem mais com bem menos.

Assunto encerrado.

Vamos aos comes e bebes, porque a gente acha que festa de rico só tem coisa de fresco... Nesse ponto, não tinha do que eu reclamar porque tinha comida, umas tortas lindas, pastelzinho, empada e quiche e umas outras dezenas de salgados somente assados. Tudo meio luxento.

Só que pra mim, festança que se preze não pode faltar coxinha, rizolis, quibe e croquete, os cachorro quente, canudo de maionese, sanduichinho de atum, hummmm. Festa de pobre é mais animada e ponto.

— Ei mãe, não tem coxinha? — Antônio me faz engasgar e virar um gole de refrigerante, uma das poucas garrafas que tinha, porque até nisso festa de rico é diferente.

— Nada de fritura, Tonzinho.

AH! Grito interno: Tonzinho! Ai que fofo! Minha sogra me mata. E ele mais ainda, porque pediu sem medo de ser feliz.

— Eu gosto mais dos quibes com requeijão.

— Antônio não reclama. Tá tudo tão gostoso. — eu chamo sua atenção.

— Até a Jaqueline não tá FIT hoje, se tivesse fritura ela nem vinha. — Dona Marta provoca  nora.

— Ah dona Marta, pois eu vinha sim, tô aqui pela senhora e não pela comida. Vou lá conversar com a Cida que tá parecendo convidada de velório, haha. — Jaqueline sai de perto rindo (e com o prato cheio de salgados).

— Essa nora é uma figura. — Dona Marta logo fica em segundo plano e com isso, eu e Antônio conseguimos nos grudar nela, ouvir suas "viagens", reclamações sobre as dores que sente, suas crises, sua preparação para a eternidade. — Uma pena que não vou ficar muito tempo com a família. Agora que está unida, seria bom passar Natal, Ano Novo, Páscoa com todo mundo.

— Não fala isso, mãe. A senhora vai ficar pra semente. — Antônio fala, mas tem a carinha de preocupado.

— Filho, você é igualzinho a mim. Entra num mundo paralelo pra não sofrer. Só estou avisando pra que vocês se preparem, não para a minha passagem e sim para as suas. Vivam muito bem. Ó, eu soube que o Antônio queria te fazer uma surpresa no fim do ano e estou acabando com ela. — Não sei se choro por ela ou rio do fato dela me contar que o Antônio estava economizando pra comprar nossas passagens pra Bahia. — Eu vou dar essa viagem pra vocês.

— AH! — Esse não foi interno e teve olhares pra cima de mim que ainda encarava as pessoas com a mão sobre a boca. Ai que fiasco. — Ai dona Marta, obrigado...

— Vão aproveitar. Ano que vem, vocês vão mais longe. Vão pra um lugar bem frio. Porque é assim, começo de namoro precisa ir para um lugar quente pra se desgrudar um pouco por causa do calor. No ano seguinte que já tá mais calmo, precisa de um lugar frio que é pra o casal se grudar na frente da lareira.

Final do sábado, com uma caixa cheia de salgadinho, voltamos para casa, a dele né. Lá estão nossos filhos felinos brincando com os cadarços dos tênis do Wolf. Um dos gatinho entra no calçado e se abaixa deixando só os olhos e orelhas a mostra e quando o irmão se distrai, o outro pula em cima. Eles brincam e sempre tem um que sai correndo primeiro. Olhar aquela brincadeira é uma delícia.

Não necessita de palavras. Somente um abraço de quem adoro, a quem chamo de meu e que diz no meu ouvido:

─ Estou três vezes mais apaixonado. — Me viro para ganhar beijo, o carinho dele e o olhar doce. — Dono dos olhos mais bonitos do mundo. ─ ele me diz.

— Você é dono da carinha de safado mais fofa do mundo.

Ele sorri e que riso charmoso. Sabe aquele riso que deixa o boy com cara de safado? Antônio! Esse mesmo.      


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Oiii, consegui, postei ainda de dia e agora vou passear kkkk pegar um sol porque na sombra tá frio e meu pé tá gelado. Isso parece um outono em pleno dezembro. Inclusive na serra Catarinense, sexta amanheceu com geada, em 08/12/2018. Em baixo coloquei uma foto do noticiário. 

Hoje dedico com carinho o conto à Hiakeman18 , CidaSouza304 à ValquiriaQueiroz7 o  AriAriel1 (que deixa o voto bem quietinho >^.^< )   CidaSouza304  e todo mundo que sempre dá uma chegadinha mesmo que somente leia, mas que aguarda a atualização com ansiedade. Obrigado por essa forma de me motivarem. ♥ ♥


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