XXX. Sofrimento

Tudo aconteceu em câmera lenta.

O soco que Samuel dá no nariz do Ricardo me deixa sem ação. Não sei se ele deu o soco por acreditar que eu não queria beijá-lo ou pelo simples fato que nos beijamos. Isso foi um fato. Eu não queria, mas Ricardo me beijou.

Estava em estado de choque. Não me lembro da última vez em minha vida que tinha me sentido assim. Não sabendo e nem tendo o mínimo controle sobre o que aconteceria em seguida. Sinceramente isso me assustou mais do que deveria.

Mas depois de ver o Ricardo lentamente cair no chão por conta do soco, tudo pareceu acontecer em alta velocidade. Samuel começa a se afastar de mim, não posso deixar que isso aconteça.

- Samuel eu... - falo tentando fazer com que ele pare de andar e que me ouça.

- Não Alice, por favor, não fala nada. Eu sei - ele fala com uma voz tão triste que me corta por dentro. Mas esse 'eu sei' que ele disse foi tão profundo, que mesmo sendo comente cinco letras eu entendi que ele tinha acompanhado tudo o que tinha acontecido.

Me doeu quando ele desviou o seu olhar do meu.

- Me deixa explicar eu... - ele não pode ir assim. Tenho que dizer que foi tudo um grande engano.

- Alice, não quero escutar nada hoje. Muita coisa para assimilar. Mas não precisa se explicar. Eu só preciso ir - ele vira de costas para mim. A dor queimou em meu peito.

- Samuel - nem consigo completar a frase. Minha garganta fechou em desespero. Ele se vira mais uma vez para me encarar, acho que esperando que eu falasse algo, eu não sei. Mas minha mente deu um nó.

- Nos falamos depois Alice - ele diz e como as palavras insistem em não sair da minha boca, eu tento me aproximar dele, mas Samuel imediatamente dá um passo para trás. Como um animal ferido, com medo. O que me faz congelar no meu lugar.

Então tenho que o observar indo embora. Ver sua silhueta indo embora no elevador fez meus joelhos vacilarem e eu tive que me encostar a uma parede próxima para não desabar.

Luto contra as lágrimas que querem se formar em meus olhos e somente quando eu escuto um gemido baixo perto de mim é que eu lembro que o Ricardo ainda está aqui. E quando eu olho para ele, vejo um sorriso meio torto em seu rosto. Sério que ele estava sorrindo?

- Você está sorrindo Ricardo? - pergunto tentando conter a minha raiva.

- Talvez...

- Qual o motivo que você tem para sorrir mesmo Ricardo? Foi em algum momento depois do meu tapa ou antes do soco que você acabou de tomar?

- Estou feliz por provocar essas reações...

- Reações? É isso que você chama esse soco?

- O soco foi um efeito colateral que eu pensei que não teria que passar. Mas sei que foi por um bem maior. Você - ele fala como se fizesse todo o sentido do mundo o que ele acabou de falar. E foi a gota d'água.

- Você está feliz agora Ricardo? - cuspo todo o meu ódio em cima dele. Mas ainda consigo manter um nível no to da minha voz.

- Estaria mentindo dizendo que estou triste - ele fala finalmente ficando de pé e massageando o seu maxilar.

- Você é doente sabia? Isso é totalmente maluco!

- Alguns chamam de maluquice, outros chamam de amor...

- Se o que você acha que sente por mim é amor Ricardo, você está redondamente enganado! Se realmente fosse amor, você tentaria fazer o seu melhor para me ver feliz Ricardo!

- E foi o que eu fiz Alice, por muito tempo. Mas é que a carne é fraca...

- Não Ricardo. Beijar uma mulher envolvida com outra pessoa, sem o consentimento dela é errado. E foi isso o que você fez.

- Você deixou eu te beijar!

- Isso é algum tipo de realidade alternativa que você criou Ricardo. Você segurou o meu rosto, você me pressionou!

- Mas você quis Alice...

- Continue dizendo isso para você mesmo se te fizer ficar melhor... Quer saber? Não. Você não pode pensar nisso. Você não pode pensar assim. Não pode ficar alimentando essa esperança maluca que você tem de voltar para mim... Esquece isso Ricardo. E quero que fique bem claro isso para você agora. Se você tinha qualquer chance, a menor que seja, de voltar comigo em qualquer momento do futuro, essas esperanças morreram aqui e agora. O que você acabou de fazer comigo liquidou qualquer esperança de um futuro para nós dois. Fui bem clara?

- Você não quer realmente dizer isso Alice.

- Sim Ricardo. Eu quero dizer isso. Eu sempre quis dizer isso. Você que na sua mente maluca pensou que poderíamos ter outra chance. E quer saber, se eu tivesse brigado com o Samuel por qualquer outro motivo, e você continuasse sendo o pai da Manu como você fez durante esses meses, quem sabe... Mas agora nem sei se você pode continuar a ver a Manu...

- Não Alice! Eu sei que você está chateada comigo, mas por favor não desconte essa sua raiva no meu relacionamento com a nossa filha - ele pareceu bem desesperado nesse momento, deve ter percebido a burrada que fez.

- Olha Ricardo sinceramente não sei o que pensar agora. Mas de uma coisa eu tenho certeza, é melhor você ir para sua casa agora. Olhar para a sua cara agora não está ajudando em nada no momento para mim...

- Você tem certeza que não quer que eu fique aqui com você?

- Ricardo, vá embora - falo juntando a pouca paciência que eu tinha.

- Alice eu.

- VÁ! - elevo o tom da minha voz e nem olho para trás quando fecho a porta e me tranco dentro do meu apartamento. Estava com muita vontade de bater a porta com força, mas como não queria assustar a minha filha, tive que encostar a porta delicadamente.

Ricardo tinha conseguido me irritar e provavelmente tinha estragado muita coisa entre mim e o Samuel. Ainda bem que ele teve pelo menos a decência de ir embora agora. Nem quero saber onde ele iria nem o que iria fazer, só queria saber do meu namorado, queria saber onde aquele beijo tinha deixado o nosso namoro.

Pego o meu celular que estava na pequena mesinha de centro e penso se o melhor mesmo é ligar para o Samuel. Afinal, não foi fácil o que ele acabou de presenciar, mas eu tenho que me explicar, tenho que falar com ele.

Era a terceira vez que eu ligava para ele. Já estava quase pegando a minha bolsa e correndo até o hotel. Precisava falar com ele. Então o meu celular vibra em minhas mãos. E quando eu vejo que é uma mensagem do Samuel, um misto de alegria e tristeza toma conta de mim.

"Alice, muita coisa aconteceu. Não estou tão chateado. Depois nos falamos, eu prometo. Só preciso pensar. Eu te amo."

Li e reli aquela mensagem tantas vezes que perdi a conta. Quis ligar para ele imediatamente depois de receber, mas se ele disse que queria pensar, eu ia lhe dar o tempo para pensar. E só conseguir fazer isso pelo eu te amo que ele tinha escrito no final da mensagem.

Minhas emoções estavam em frangalhos. Tudo o que era tão certo para mim hoje no almoço com as nossas famílias me parecia muito frágil agora. Seria horrível, mas eu teria que esperar a cabeça do Samuel esfriar.

Se na minha cabeça milhares de pensamentos pareciam querer me tirar o juízo à qualquer momento, só posso tentar imaginar como deve estar os pensamentos do Samuel agora.

Passei no quarto da Manu somente para conferir que ela já estava adormecida, e fiquei feliz vendo que ela dormia tranquilamente avulsa a todo aquele drama que tinha acabado de acontecer.

Depois vou à cozinha e pego a primeira garrafa de vinho que apareceu na minha frente. Nem me dei ao trabalho de pegar uma taça. Quando entrei no quarto, coloquei uma das camisas do Samuel e me enrolei nos lençóis que ainda tinham o cheiro dele. Nada saudável eu sei, mas não consegui me impedir de fazer isso.

Eu analisava o meu relacionamento com o Samuel a cada gole de vinho que tomava. Nosso relacionamento tinha bases fortes, não seria um beijo roubado que faria tudo ir por água abaixo, seria?

Dormi anestesiada com o efeito da garrafa de vinho e enroscada no travesseiro do Samuel.

Era sexta-feira. A semana tinha sido uma tortura. Cada dia que eu passava sem notícias do Samuel eu enlouquecia um pouco. E só não o fiz porque mergulhei com força na rotina do meu dia. Acordar cedo, tomar banho, fazer o café da manhã, lavar a louça, deixar filha na escola, trabalho, pausa para o almoço, mais trabalho, buscar filha na escola, perguntar como foi o dia da Manu, jantar, escovar os dentes, tomar banho e dormir.

Mas hoje o dia foi um pouco diferente, eu almocei com o Cauê e a Carol e elas conseguiram me animar um pouco mais. Manu sentou-se comigo no sofá e nos aninhamos juntas para assistir um filme. Ela fez questão de escolher e eu fiquei somente olhando enquanto ela brigava com o controle remoto escolhendo o que queria assistir.

Até que decidiu assistir Marley e Eu. Não consigo prestar muita atenção ao filme e minha mente vai direto para o silêncio que teimava em ficar entre mim e o Samuel. Revivo aquele momento milhares de vezes na minha mente, o momento em que tudo foi pro ralo.

Ou pelo menos eu acho que foi... Sinceramente nem sei ao certo. Samuel não me atende, só responde as minhas mensagens de uma maneira meio esquisita e automática. Aquilo não estava nada certo.

- Mamãe, a senhora estava chorando não é? E não era por causa do filme... - Manu pergunta sentando no meu colo, se aconchegando nas minhas pernas.

- Nada demais meu amor.

- É por causa da briga que a senhora teve com os meus pais não foi?

- Filha, não precisa se preocupar comigo, eu estou bem filha.

- Sei que a senhora não está mamãe. E do mesmo jeito que a senhora se preocupa comigo, eu também tenho essa preocupação. E só não tenho mais porque não sei dos seus problemas de gente grande.

- E você não precisa entender minha filha... Isso ainda não é assunto para você. Não quero que você fique pensando nisso agora.

- Se a senhora diz mamãe. Mas se você fica triste, eu não consigo ficar feliz.

- Vai passar minha filha.

- Mamãe, eu posso falar uma coisa para a senhora?

- Claro filha, o que quiser.

- Não precisa falar isso para os meus pais, já que eu gosto muito deles. Mas se a senhora está chateada com eles, e eu não puder mais falar com nenhum dos dois, não tem problema algum. Nós éramos sozinhas e felizes sem eles, é verdade que eu sempre quis ter um pai, mas se eu tiver que escolher entre ter dois pais ou ter a senhora feliz, eu sempre vou escolher você mãe. E outra, eu sempre vou ter o vovô e o tio Cauê...

Minha garganta fechou com as palavras tão doces e bem-vindas. Ela não sabia, que dizer, ela sabia sim, mas eu estava precisando escutar aquele carinho.

- Quando foi que você cresceu assim filha? - a abraço apertado para que ela não visse as lágrimas que voltaram a ocupar os meus olhos.

- Eu tenho a quem puxar não é mãe? - ela fala com sua voz doce e inocente, apertando os seus bracinhos ao meu redor.

Ainda não sei o que eu fiz para merecer uma criatura tão iluminada com minha filha. Só tenho a agradecer por ter uma pessoa tão especial assim perto de mim, somente querendo o melhor para mim.

- Se a senhora quiser eu falo com o vovô e a vovó e adiamos a nossa viagem para a praia. Podemos ficar aqui, fazendo alguma coisa que a senhora acha divertido...

- Muito tentador da sua parte filha, mas não precisa. Você já tinha combinado essa viagem há um bom tempo e eu sei que você está ansiosa para ir...

- Mas a senhora está tão triste... Queria ver a senhora sorrir.

- Vou sorrir sabendo que você está com os seus avós na praia tendo um final de semana incrível - dou o melhor sorriso que consigo.

- A senhora promete que vai melhorar? E se sentir saudade de mim vai me ligar?

- No mesmo segundo - aliso sua bochecha com o meu polegar.

- Assim é melhor mamãe - ela me dá um beijo na bochecha e me dá um abraço bem apertado. - Amo a senhora.

- E eu a você filha - sorri verdadeiramente agora.

- Vou indo deitar mãe. Passa lá no quarto pro meu beijo de boa noite?

- Não perderia por nada.

Ela sai do meu colo e vai saltitando para o seu quarto. Desligo a televisão e dou uma última conferida para ver se tranquei a porta. Depois passo no quarto da minha princesa para lhe dar um beijo e desejar uma boa noite. E quando eu consegui dormir, foi a melhor noite que eu tive em muito tempo.



Boa noite leitores amados! Mais um capítulo do nosso livrinho!! Saiu um pouco mais curto do que o costume, mas espero que ainda dê para você matarem a saudade :D E o nosso casal, como fica? Ai ai ai. Segurem o coração que o próximo capítulo será bem tenso. :X

Esse capítulo é dedicado a uma leitora morta de fofa que sempre pergunta por capítulos novos e sempre me ajudando a melhorar. @Nadzinha Nad linda, obrigada pelo apoio flor <3 Espero que continue aqui comigo até o fim :D

Por hoje é só pessoal ;* Beijos e até breve :*******


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