Dez

Quando estava perto das seis horas, olhei novamente para o relógio e para o espelho. Estava arrependida. Deveria ter cancelado. Será que daria tempo?

Ouvi uma buzina lá de fora. Não dava mais tempo. Talvez se eu inventasse algo, uma dor de barriga... se bem que nesse momento não era invenção.

Fiquei na dúvida. Será que iria mesmo? Eu estava tão nervosa e indecisa.

Outra buzina.

Ok. Olhei para o espelho e respirei fundo. Peguei minha pequena bolsa preta que combinava com um salto pequeno e saí de casa. Magda havia saído para o plantão no hospital.

Quando desci as escadas do pequeno morrinho em direção à pista, vi Rafael parado e encostado no carro. Ele se desencostou e foi até o último degrau da escada, me dando a mão logo em seguida.

— Uau, você está... linda.

— Obrigada. — Eu não sabia onde enfriava a cara então tirei minha mão da sua. — Você acha que estou bem? Essa roupa é apropriada?

— Claro que é! Você está linda, Diana. Minhas irmãs usam vestidos curtos o tempo todo nesses jantares.

— Elas estarão lá?

— Sim. Mas será só em família. Meus tios não irão. E nem Lucie com seus pais. Seremos eu, meus pais, minhas irmãs e você.

— Eu não sei, Rafael! Eu estou... eu estou tão nervosa.

— Olha, como disse, você não é obrigada a ir. Mas está tão linda e arrumada. Não se preocupe, meus pais são pessoas queridas, minhas irmãs vão adorar você. E eles estão ansiosos para conhecer a moça que está fazendo com que leia literatura clássica.

— Não Lemos hoje, inclusive.

— Vamos, Diana... seu medo é bobo. Você está perfeita.

Sorri com aquelas palavras. Meu coração estava alegre, embora estivesse mesmo quase morrendo do coração.

— Tudo bem.

Rafael abriu a porta do carro para que eu entrasse, agradeci baixinho e ele deu a volta para que eu entrasse.

— Vamos jantar no Perugino. É um restaurante fino da cidade. Gostaria que fosse em casa, mas nossa cozinheira está doente. É um restaurante de massa, então não precisa se preocupar com vários talheres.

— Menos mal.

Estava muito nervosa, mal conseguia falar. Minhas pernas tremiam. Por Deus! Eu nem tinha nada com Rafael, mas parecia que queria mesmo aprovação de todos.

— Quer ouvir algo?

— Você tem algo que dissipe esse medo?

— Tenho aqui algo que pode ajudar.

Ele então colocou para tocar Pink Floyd. Sorri imediatamente.

— Obrigada.

Ele somente sorriu olhando para frente.

— Próxima vez precisamos lembrar da blusa do Pink Floyd. — Ele disse após começar a tocar Shine on you crazy Diamond.

Verdade. Eu tinha esquecido.

Depois disso desencadeamos uma conversa sobre os integrantes. Mal percebi quando ele já estava estacionando o carro.

— O restaurante é aquele. Preparada?

— Não, mas já estamos aqui.

Desci do carro e senti o vento frio. Por sorte não andaria essa noite.

— Frio? — Rafael se pôs ao meu lado.

— Um pouco. Mas já, já passa.

Atravessamos a rua em direção ao restaurante. Parecia que todos estavam esperando por nós. O rapaz da recepção nos guiou até a mesa onde pude constatar que já estava ocupada. Respirei fundo.

O primeiro e único a se levantar foi um senhor com um sorriso doce. Rafael se parecia muito com ele. Imaginei que fosse seu pai.

— Olha quem chegou!

As mulheres da mesa olharam para os nós três. Todas sorriam.

— Pai, mãe, irmãs, essa é Diana Macedo, a amiga que tanto falei.

— Finalmente nos conhecemos, não é Srta. Macedo?

Ganhei um abraço simpático e caloroso de seu pai. Fiquei um pouco sem reação, mas o abracei e sorri.

— Obrigada. Boa noite a todos.

Rafael puxou a cadeira para que sentasse e logo em seguida sentou ao meu lado.

— Fico feliz que aceitou nosso convite. — Uma senhora que deduzi ser mãe do Rafael, falou sorrindo. — Mas não tanto quando descobri que ele agora está lendo Guerra e Paz.

— É um ótimo livro, não é? — Respondi sorrindo.

— Sim, um dos meus preferidos. As meninas também gostam.

— Sim! — Elas responderam juntas, logo em seguida riram mas apenas uma continuou. — É um prazer conhecer você.

O Rafael tinha razão. Todos eles eram muito simpáticos e pareciam pessoas comuns. A mãe dele, Dona Cristina Maria Isabel, era um doce de mulher. Tinha um sorriso no rosto o tempo todo e também tinha um sotaque bem diferente. Ela me contou que era da Bélgica mas que um príncipe a trouxera para o Brasil.

O príncipe em questão era O Dom Antônio, pai de Rafael. Ele era um homem gentil, curioso, perguntou sobre minha cidade e também demonstrou interesse pelo meu curso. Ele também deixou claro que a biblioteca de sua casa estava sempre aberta para amigos. Agradeci aquele convite. Ia ser incrível conhecer uma biblioteca própria de alguém como ele.

A princesa Amélia era a mais comunicativa. Ela tinha um sorriso solto, embora sua irmã, Maria Gabriela, também sorrisse com facilidade. Rafael tinha razão com relação à vestimenta. Ambas usavam vestidos acima dos joelhos e falavam bastante sobre livros, viagens e, claro, do irmão que morava em Luxemburgo.

— Tenho boas impressões sobre o filho e irmão de vocês.

— Ah, o Pedro? — Dom Antônio falou orgulhoso. — Ele adoraria estar aqui. Adoraria conhecê-la, não é Rafael? — Rafael assentiu sorrindo quando olhei para ele. — Quando ele vier, faremos uma viagem para Vassouras. Desde já está convidada, Srta. Macedo.

— Fico honrada pelo convite. — Agradeci.

— Você já jogou golfe? — Maria Gabriele perguntou curiosa.

— Não, mas temo ser terrível.

— Tudo bem. — Amelie tinha um sorriso estranho no rosto. — Rafael pode ensiná-la, não é Rafael?

Ele parecia um pouco incomodado com a insinuação de sua irmã. Mas seus pais não pareceram perceber. A Dona Cristina bateu as mãos em sinal de aprovação.

— Sim, sim! Todos iríamos no divertir. E claro, iríamos fazer compras, não é meninas?

Sorri sem graça. Eles já estavam fazendo planos comigo. Me senti grata, estava tão sozinha desde que abandonara minha mãe. Por alguns segundos senti inveja deles por terem alguém tão amorosa ao lado deles.

Depois do jantar maravilhoso e uma sobremesa divina, foi a hora de nos despedirmos. Como Rafael disse, a Dona Cristina me presenteou com um medalhão de São Bento. Fiquei imensamente grata pelo presente. Agradeci tantas vezes que ela ficou com lágrimas nos olhos.

— Olhe, eu sei como é difícil estar longe de casa, minha querida. Estar longe dos pais e vir para uma terra desconhecida. Por isso que digo que nossa casa está aberta para você sempre. Venha tomar um chá comigo e as meninas.

— Muito obrigada, Dona Cristina. Você e sua família... vocês são incríveis.

— Eu imagino que estava com medo, mas como pode ver... somos comuns. Eu a aguardo lá em casa.

Eu a abracei com sinceridade. Quase chorei, mas segurei a emoção.

— Podemos te chamar para fazer compras? — Maria Gabriela falou após me dar um abraço. — Adoramos esse vestido.

— Sim! Você precisa nos dizer onde comprou. — Amélia falou chegando. — Foi um prazer, Diana.

— Claro! Podemos fazer compras. Obrigada meninas, vocês são maravilhosas.

Quando fui me despedir de Dom Antônio, ele me deu um abraço que pensei que choraria ali mesmo. Que saudade eu estava do meu pai.

— Minha esposa já falou, mas vou reforçar o convite: você é muito bem vinda em nossa casa. Espero encontrá-la mais vezes. Quando Pedro chegar, já a convido para nosso jantar. Vai ser uma grande festa.

— Eu já aceito. — Falei sorrindo e tentando limpar poucas lágrimas que caíram. — Obrigada Dom Antônio. Eu me senti muito bem com todos.

Após as despedidas, voltei para o carro com Rafael que sorria enquanto me olhava.

— Tá vendo? Eles nem morderam.

— Eles foram um amor. São incríveis. Meu Deus como eu fui boba por ter medo.

— Tudo bem, sempre pintam uma imagem nossa que nem é real.

— Obrigada por isso, Rafael. Eu nem lembro de quando me senti tão bem e em família.

— Vocês não eram unidos? Na sua cidade?

— Bom... Quando meu pai era vivo sim. Mas... depois que ele morreu e minha mãe casou novamente, precisei me virar sozinha.

— Você quer caminhar? Tem um lago aqui perto.

Assenti e antes que eu reclamasse do frio, ele colocou seu casaco em meus ombros. Sorri em agradecimento.

— Bom... tudo começou quando tinha doze anos e meu pai faleceu em uma tragédia. Ele estava a caminho de Fortaleza quando... — Senti minha voz embargar. — Quando o carro dele colidiu com um caminhão.

Senti as lágrimas descendo. Rafael caminhava quieto ao meu lado.

— Foi o dia mais triste de minha vida. Eu não tenho nem como te dizer isso, mas uma parte de mim morreu com ele naquele dia.

Pensei em tudo que vivi quando soube de sua morte. Foi terrível.

— Um ano depois minha mãe casou. Na época minha irmã tinha nove anos. Acontece que o novo marido da minha mãe não era uma pessoa muito boa. A real é que saí de casa fugida. Quando minha mãe soube que vim para Petrópolis sem ela saber, ela me ligou chorando, falou... — Senti que não ia conseguir. Rafael me abraçou. Foi quando me senti bem, em casa novamente.

— Tudo bem se não quiser falar.

— Eu preciso... — E realmente precisava. Me desvencilhei dele e limpei as lágrimas. — Bom, meu padrasto mandou um aviso: se eu pisasse ao menos no Ceará, ele me mataria pelo que fiz com ele. E me chamou de ingrata e todas essas coisas...

— Que canalha!

— Ele acha que assim protege minha mãe de mim. Pra ele eu sempre fui ingrata.

— Agora entendo seu silêncio sobre a família.

— Meu sonho é tirar as duas daquele inferno. E eu vou conseguir.

Chegamos ao lago. Ele refletia as luzes da cidade e a lua que estava bonita no céu.

— Você quer ouvir música? — Ele perguntou enquanto pegava o fone do bolso e sentávamos na grama.

Assenti e peguei o fone. A música que tocou, era quase como uma ironia. "My father's gun" do Elton John. (Na mídia)

— Já assistiu o filme "Elizabethtown"? — Perguntei olhando para ele.

— Já. Inclusive essa música está nele, ne?

— Sim. Eu adoro aquele filme.

— Eu também.

Então ficamos ali ouvindo música até nossos traseiros reclamarem das picadas de formigas. Levantamos correndo e gargalhando em direção ao carro.

Aquela tinha sido uma noite e tanto.

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