Capítulo 6

Marco

    Dirigir pra longe de Dandara é quase uma tortura! Não entendo como em tão pouco tempo eu posso ter ficado tão ansioso em estar na sua presença e no seu sorriso… que sorriso lindo! Um cara como eu não deveria se envolver de forma séria com ninguém, ofereço muitos riscos e sem falar que minha cabeça nunca para! Mas meu desejo de estar com ela é mais forte do que eu! E acredito que mesmo um cara “fora da lei” também merece ser feliz.

    Cruzo o sinal de trânsito e logo meu celular toca. Vejo que é o meu irmão, coloco no viva voz e digo:

— Diga Léo! Já estou a caminho.

— Está muito longe? Já estamos todos aqui.

— Chego em três minutos.

— Perfeito.

— Até logo.

Desligo o telefone e piso no acelerador.

    Assim que chego no local combinado, meus dois irmãos, nossos associados e um carregamento de dez armas e mais de mil munições estão à minha espera. Olho para aquele carregamento imenso e digo:

— Tem mais munições aqui do que no exército brasileiro! Vocês estão loucos?

— Foi um presente de cortesia do nosso atual fornecedor. Tivemos que conseguir um novo depois da morte do Nicolae. Esse agora é do Paraguai. — disse o Léo.

— Sério mesmo que vamos envolver gente de fora do país? Isso tudo torna nossas operações mais vulneráveis! — digo enquanto pego uma pistola automática na mão.

Giovanni (meu outro irmão) se aproxima, me joga um pente de munições para a arma e diz:

— Não se preocupe, papai está cuidando de toda a negociação. Sabe que ele tem os atravessadores no bolso. Todos velhos amigos.

Carrego o revólver, destravo ele e aponto na cabeça do Giovanni.

— Na hora que tiver uma dessa apontada na nossa cabeça, não vai importar muito quem atravessou isso pra gente!

Leonardo afasta a arma da cabeça de Giovanni, me encara com seriedade e diz:

— O carregamento já chegou, todos já estamos aqui e agora o que importa é chegarmos logo naquela merda de lugar! — ele dá uma pausa dramática — Vamos logo acertar os últimos ponteiros! Venham, se aproximem!

    Nossos homens chegam mais perto e Léo começa a descrever o plano:

— O lugar que vamos invadir é muito parecido com uma casa das damas de construção antiga. Aquelas parecidas com as novelas.

Ele coloca um mapa improvisado em cima da mesa e continua.

— Eu e Giovanni entraremos pelas portas principais como clientes. Vamos estar com os celulares, tiraremos fotos do que for possível e se necessário agiremos, mas o nosso foco é ficar o máximo possível à paisana. Marco vai pela lateral com dois de vocês e assim tentar acessar os quartos lá de cima, onde aparentemente ficam as meninas mais jovens que não podem ficar expostas no salão por conta da idade. A possibilidade da minha irmã estar lá é grande! Então muito cuidado! — ele puxa o fôlego, rabisca as informações no papel e continua — Outros três entram pelos fundos, que vai dar direto numa espécie de depósito. Pelo o que o meu informante me disse, lá é onde ficam algumas pessoas do tráfico humano, pelo o que sei são adultos, mas fiquem atentos pois há a possibilidade de ter crianças! Não disparem a não ser que seja necessário! E ah… importante o uso de lanternas, esses lugares geralmente não tem iluminação.

Eu me posiciono e informo:

— O Lucas vai chegar depois com uma carreta que se parece com um caminhão de mudanças. Vai estacionar nos fundos do bordel. Por tanto ao acharem as pessoas, vão com elas direto pra lá. Terá uma equipe de paramédicos com itens de primeiros socorros e alguma comida para acolher essas pessoas.

Giovanni completa:

— Mas lembrem-se: estamos por conta própria, não deem mole! Até mesmo as mulheres podem estar armadas com facas e canivetes. Tentem ser o mais discretos e silenciosos que vocês puderem para não comprometer toda a operação! O importante é tentar tirar o máximo de pessoas possível em segurança antes que a coisa chegue às vias de fato.

— Quem são os cabeças desse esquema? — pergunta Rodrigo, um dos associados.

Eu respondo:

— É um esquema grande, mas no local parece ter uma tal de Flávia e um capanga dela, o Benício. Não tenho ideia de como o cara é, mas pelo o que sei a Flávia é loira, alta e já é quarentona. Deve ser do tipo que gosta de ficar de olho em tudo, então identificá-la não deve ser um problema.

Léo pega uma pistola e conclui:

— Usem silenciadores em todas as armas! Com os seguranças, se aproximem como se fossem pedir alguma informação e deem o tiro à queima-roupa. Não economizem nas munições reservas, como podem ver, isso não é um problema! — disse apontando para o carregamento — Bem, boa sorte para todos nós!

Todos pegamos nossas armas, munições e seguimos.

    Ao chegar no local, observo todo o perímetro. Até que o mapa improvisado do Léo é bem parecido com o que temos aqui. A casa de prostituição funciona como se fosse um bar, algo normal. Meus irmãos entram pela porta da frente sem dificuldade, pelo visto as armas passaram despercebidas. Vou pela lateral com minha equipe e avisto um segurança bem na porta. Me aproximo e conforme o combinado, mato o sujeito à queima-roupa usando o silenciador na pistola. Assim que entro no lugar, percebo logo o cheiro de mofo e cigarro impregnado nas paredes. Os papéis de parede floridos com o aspecto antigo protagonizam o local com um contraste medonho do tom de tinta verde abacate descascando na parte de baixo.

    Seguimos pelo corredor que nos leva até uma escada de madeira. Pelo visto este é o local indicado lá no mapa. Subimos as escadas e damos de cara com um ambiente repleto de quartos. Paredes pintadas em rosa sugerem que aqui estão as meninas menores de idade. Estranho o fato de não ter nenhum segurança aqui, mas pelo aspecto desse lugar, não duvido de nada.

    Rodrigo se põe a minha frente enquanto Júlio fica de guarda na escada. Logo que começamos a vasculhar os quartos, ele abre a primeira porta e não encontra ninguém, eu abro a do lado oposto e dou de cara com uma cena terrível! Uma menina que deveria ter uns 14 anos estava semi-nua, amarrada pelas mãos e pelos pés, em cima de uma cama imunda! Assim que ela me viu entrar, começou a chorar, mas não disse nenhuma palavra, apenas virou seu rosto de lado e fechou os olhos. Aquilo cortou meu coração! Quantos homens já não devem ter entrado aqui e abusado dessa criança! Me segurei para não chorar, me aproximei um pouco e disse:

— Olá, eu não sou um cliente. Estou aqui em uma missão para salvar vocês deste lugar.

Ela abre os olhos e me encara com esperança, mas com medo ao mesmo tempo.

— Sa…salvar? Você é da polícia?

— Mais ou menos. Qual o seu nome? Eu posso te ajudar?

— Sim! Por favor! Meu nome é Fernanda. Eu faço qualquer coisa! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

— Bem Fernanda, eu sou o Marco. Vou soltar suas mãos e seus pés, ok?

Ela assente com a cabeça.

Pego meu estilete e corto as cordas que envolviam seus punhos e tornozelos. Apertaram com tanta força que os locais estavam feridos! Assim que consigo soltá-la, seu rosto demonstra alívio e imediatamente ela diz.

— Pra onde você vai me levar?

— Primeiro vamos cuidar de você e depois tentar encontrar um lar para você morar.

Ela assente com a cabeça e em seguida pergunta:

— Muito obrigada! Podemos levar as outras meninas?

— Claro! Vamos lá, me mostre onde elas estão.

Ela se levanta da cama com entusiasmo e logo abre a porta do quarto. Ela hesita antes de sair e me pergunta:

— E o Benício? Como passaram por ele?

— Se era o cara na porta lá embaixo, ele já está morto.

Ela dá um passo pra fora do quarto e chora.

— O que houve? — pergunto confuso.

— Não ponho os pés pra fora deste quarto a mais de três meses. Eu era uma das castigadas.

— Castigadas?

— Sim. Se alguma menina fosse rebelde ou se recusasse a fazer algo com algum cliente, ficava trancada no quarto pelo tempo que eles quisessem. A dona Flávia vinha, mandava alguém trazer algo para comer e me deixava tomar banho ao fim das noites. Quando dava a hora de abrir a casa, ela subia e mandava o Benício amarrar as cordas.

Ela abaixa a cabeça e puxa o ar. Meu coração vem na boca e fico querendo explodir esse lugar de uma só vez!

— Eu te garanto que isso nunca mais vai acontecer com você. Vamos salvar as outras meninas e levar vocês embora daqui.

Ela me responde com um sorriso e sinaliza que sim.

    Seguimos para os outros quartos e encontramos algumas meninas em condições parecidas. Alguns quartos estavam vazios, mas a maioria tinham meninas novas, em condições desumanas e completamente apavoradas. Apenas três meninas não estavam amarradas na hora que chegamos. Pelo o que a Fernanda disse, estas já estavam aqui há mais tempo e sabiam das consequências de tudo.

— Este quarto está trancado! — diz Rodrigo.

— É onde está a Teresa. Ela está doente, por isso dona Flávia a trancou aí. — disse Fernanda.

Quando escutei o nome de Teresa, meu coração disparou! Provavelmente se tratava da minha irmã!

— Sabe onde ela deixa as chaves? — pergunto.

— Geralmente fica com o Benício.

Desci aquelas escadas como um foguete! Chego perto do homem caído no chão e reviro seus bolsos procurando as chaves. Sem sucesso, resolvo virar seu corpo de lado e consigo alcançar o bolso da lateral da calça. Lá estavam elas!

    Assim que destranco a porta vejo a minha irmã deitada na cama. Estava suja, pálida, magra demais, com os olhos fundos e toda machucada. Meus olhos se enchem de lágrimas num misto de alívio em tê-la encontrado e desespero por estar naquelas condições. Seco as lágrimas e corro para abraçá-la!

— Teresa! Finalmente eu te encontrei!

Ela vira o pescoço de lado e assim que me reconhece se põe a chorar.

— Marco! Eu sabia que vocês nunca iam desistir de mim!

Nosso abraço nos revigora e nos alivia. As lágrimas rolam e a respiração flui. Porém sei que temos que correr contra o tempo.

— Vamos, vou te levar daqui! — suspendo ela no colo.

— Cuidado, acho que minha perna direita está quebrada.

— Ok! — a seguro com mais cuidado — Vamos cuidar de você! Não se preocupe.

    Pegamos todas as meninas e fomos em direção ao caminhão que estava estacionado no local combinado. No caminho, um homem nos avista e começa a disparar contra nós. Rodrigo saca sua arma e o atinge na terceira tentativa.

— Vamos rápido! O barulho da arma dele irá chamar atenção! — digo.

Com muito cuidado, conseguimos levar as 15 meninas para o caminhão e deixá-las com os paramédicos.

    Acomodo a minha irmã em uma das camas improvisadas e acompanho seu primeiro atendimento. Precisava me certificar que ela confiaria na médica, o que pelo visto não foi problema. Ela recebe água, um lanche, tem seus curativos feitos e sua perna foi imobilizada. Ela me abraça forte e diz:

— Nem acredito que esse pesadelo acabou! Foram os piores meses da minha vida!

— Sim minha irmã. Acabou! Estarei aqui para te ajudar em sua total recuperação e vamos acabar com a corja que fez isso com você!

— Não preciso de vingança, preciso da minha família viva!

— Você só tem dezesseis anos e já fala igual a mamãe!

— Quem sai aos seus não degenera!

— Você acabou de completar cinquenta e dois anos dizendo essa frase!

Nós dois rimos.

— Bem, você está alimentada, já recebeu seus primeiros socorros e tem seguranças por todos os seus lados. Se sente segura pra ficar aqui enquanto eu resgato os nossos irmãos? — pergunto preocupado.

— Claro! Pode ir. Tome cuidado! Já tivemos tragédia o suficiente esse ano!

— Sim! Pode deixar.

Dou um beijo na sua testa e digo:

— Te amo!

Ela me abraça e retribui o carinho.

— Também Marco.

    Antes de seguir, mando mensagem para a equipe que estava responsável pelo galpão e pelo visto eles conseguiram resgatar as pessoas e eliminaram os seguranças. Vou em direção ao salão principal tentando ver se achava o Léo e o Giovanni. Passamos por dentro da cozinha pra não chamar tanta atenção e finalmente encontramos o salão. Da divisória de vidro já era possível avistar Giovanni segurando a arma na defensiva, mas toda aquela luz vermelha que envolvia o ambiente não me deixava enxergar direito. Nos aproximamos mais e vejo o Léo com a arma apontada na cabeça de uma mulher loira. Provavelmente era a Flávia. Avanço devagar e quando tenho a visão clara, coloco a arma na cabeça do segurança que ameaçava o Giovanni e o Rodrigo aparece logo ao lado da mulher.

— Fim da linha pra vocês! — digo em voz alta.

— Vocês pensam que estão salvando a pátria levando meia dúzia de gatos pingados daqui? — diz a loira.

— Flávia, né? – deduzi.

— A própria! Ouviu falar dos meus dotes na cama bonitão? — ela me olha por inteiro.

— Não, só da sua reputação suja mesmo! E pode ter certeza que você vai me entregar o cabeça dessa merda aqui! Acordei com vontade de ser o salvador da pátria hoje!

— É mais fácil eu ficar virgem de novo do que falar qualquer coisa pra você! — o deboche transborda da sua boca.

— Isso é o que vamos ver! Rodrigo, leve essa mulher daqui! Vamos fazer esse passarinho cantar depois!

Rodrigo pega ela pelo braço com força e ela diz:

— Nossa, que pegada, gostosão! Se continuar assim eu vou gamar hein!

Ah, que patético!

— Cala boca, sua puta! — grita Rodrigo — Vamos logo!

Ele sai com ela do local e em seguida eu me viro pros meus irmãos e pergunto:

— Estão bem? — digo ainda apontando a arma para o segurança.

— Sim. — respondem em uníssono.

— Achamos a Teresa!

O rosto deles se enchem de alegria!

— E o que ainda estamos fazendo aqui? Vamos logo! — diz Giovanni animado.

— Ela está lá no caminhão. Vão indo pra lá. Eu ainda tenho um papo pra bater com esse cidadão.

— Não vamos te deixar aqui sozinho. — diz Léo.

— Relaxa. Cadê as meninas que estavam no salão?

— Mandei o Carlos levá-las para o caminhão. — respondeu Léo.

— Ótimo! Então vão lá que Teresa precisa da família por perto. Meu assunto aqui será breve.

Giovanni pega a arma que o segurança tinha por perto e a leva consigo.

    Olho bem no fundo dos olhos daquele homem, mostrando que eu não estava pra brincadeira.

— Nomes! Quero os nomes! — empurro a arma na sua cabeça.

Ele me olha como se percebesse que não tem mais jeito e diz:

— Nunca lidei pessoalmente com eles. Respondia apenas a Flávia.

— NOMES! — dei uma coronhada no pescoço dele.

Ele grita de dor e responde:

— Lorenzo e Matias Romano!

Arregalo os olhos. Não é possível!

— Os irmãos Romano?

— Sim, eles mesmos!

— Italianos filhos da puta! — esfrego o rosto.

— Por favor, me deixe ir embora. Prometo que não direi nada pra ninguém! — ele suplica.

— Obrigada pela informação, mas aqui não é bolsa de valores para trabalhar com riscos!

“Pá!” Disparo nele.

    Eu e meus irmãos levamos Tereza para um hospital para fazer exames e verificar a fratura da perna. Liguei para o meu pai que ficou de nos encontrar direto no hospital. Assim que Teresa entra com a enfermeira para fazer os exames, chamo meus irmãos para uma área mais reclusa da sala de espera e digo:

— Antes de eliminar o segurança, eu consegui arrancar os nomes dele… vocês não vão acreditar no que ele disse! Os cabeças do esquema são os irmãos Romano!

Giovanni arregala os olhos e questiona:

— Os branquelos da vila?

— Sim, os próprios!

Léo desconfiado diz:

— Não podemos declarar uma guerra entre famílias italianas sem ter certeza do que estamos falando. Ele pode ter ouvido esses nomes em qualquer lugar.

— Ele disse: Lorenzo e Matias Romano. É muito específico. Isso não é coincidência. — digo pegando um café na máquina de expresso.

— A família deles só lidava com contrabando de cigarros e maconha. Quando eles passaram disso pra fazer tráfico humano, exploração de menores e prostituição? — questiona Léo.

— O poder vicia irmão. Eu não duvido de nada! Depois da morte do senhor Riccardo, a roda girou! Eu sei muito bem como encontrá-los! E o papai também vai saber! — diz Giovanni.

— Não vamos passar nada para o papai agora. Deixa ele curtir o encontro com a Tereza. — peço.

— Tudo bem. Mas já vou instruir o Rodrigo pra apertar aquela vagabunda e tirar o que puder dela! — Léo esbraveja enquanto puxa um cigarro do bolso.

— Por mim, assim que ela falar, elimina também! Era ela que mandava amarrar as meninas e ordenava as torturas! — meu estômago revira só de lembrar.

— Considere feito! — afirma Giovanni.

Os dois se retiram e vão lá pra fora fumar.

    Me sento naquela sala de espera gelada e agonizante. Termino o café e fico ali olhando para o nada. O azul daquelas paredes me trazem sentimentos doloridos dos últimos dias da minha mãe. Meu coração aperta e nesse minuto o sorriso de Dandara me vem em mente, me trazendo o conforto que eu precisava, o que me faz sentir bobo. Pego o telefone e resolvo ver se ela mandou mensagem. Mandou! Abro o aplicativo e clico na conversa:

“Oi, como você tá? Espero que esteja tudo bem. Assim que puder, mande notícias. Beijos.”

Então quer dizer que está preocupada? Excelente sinal! Abro o teclado e respondo:

“Olá meritíssima! Estou bem e tenho uma excelente notícia: encontramos a minha irmã! Espero que esteja bem. Já estou com saudades… beijos!”

Assim que termino de digitar meu pai passa pela porta como um furacão!

— Marco! Cadê ela?

Nos abraçamos e respondo:

— Na sala fazendo exames. Eu te levo até lá!








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