[3 + CHAT]
Ele já havia tentado aquele passo cento e sessenta e quatro vezes. O treinador, todas as vezes, dizia que estava errado.
“O queixo tem que estar mais alto.”
“Deslize por um tempo mais longo.”
“Movimenta esse quadril direito. Tem que ser sexy. Parece que você está sentindo dor.”
Estava mesmo doendo. O seu estômago, a sua cabeça, os ombros, tudo.
Ele já havia perdido cinco quilos. As bochechas, que Bia sempre fazia questão de apertar de forma descompromissada, estavam sumindo. Os músculos estavam mais evidentes, mas ele não parecia mais saudável. Parecia doente, mesmo com eles e sentia falta do corpo cinco quilos mais pesado.
De acordo com eles, ele ainda estava gordo. Só naquela semana, haviam aumentado vinte minutos de exercício e diminuído mais duzentas calorias da sua dieta.
Ele respirou fundo. As costas pingavam suor e cada músculo de seu corpo ardia. Quando o treinador falou "de novo", ele sentiu que poderia arrancar os próprios nervos com as pontas das unhas.
"Posso descansar?", ele disse, com a respiração entrecortada.
"Acha que tem tempo?"
Ele suspirou, esfregando as mãos trêmulas na coxa direita, como se aquilo pudesse aplacar sua dor.
"Eu não estou me sentindo bem, sunbaenim."
"Mais uma.", o homem repetiu. O que mais incomodava Hangyul era que, durante todo esse tempo, ele olhava mais o notebook do que a sua performance.
Hangyul tomou fôlego. Quando deu mais um passo brusco, o mundo girou. O corpo pareceu ser feito de geléia e, aos poucos, ele sentia que perdia o controle. Sua vista ficou escura.
E ele desabou no chão.
***
Ela já havia estado ali em uma circunstância completamente diferente.
A primeira vez havia sido um passeio. Se lembrava do quanto estava deslumbrada com o cenário, as pessoas, o cheiro do jjamppong vindo dos restaurantes abertos até altas horas, os letreiros de neon dos karaokês e as filas enormes em frente aos grandes night clubs em Hongdae. Agora a Coreia lhe parecia apenas uma das cartas do destino para tirar Hangyul dela. O pano de fundo para as suas tristezas. Para as suas incertezas e temores.
Bianca não sabia o que, de fato, Hangyul sentia. Os garotos haviam sido claros sobre o fato dele ter sentimentos por ela, mas ela não podia se esquecer de que, em menos de dois meses, ele a abandonara em Brasília, deixando claro que os seus sonhos tinham mais importância que uma crush boba. Não que ela se ressentisse por isso. O sonho de Hangyul veio muito antes dela. Não estava disposta a obrigá-lo a desistir dele. Só estava ali porque precisava saber. Precisava saber se eles teriam tido uma chance se ela tivesse se manifestado antes de surgir a ele a chance de ir para a Coreia, se tornar uma estrela.
Ou só estava, desnecessariamente, esperançosa.
A neve caía espessa sobre os cabelos, outrora loiros, agora ruivos de Bianca. Ela deu um espirro rápido quando um floco se alojou em uma de suas narinas e se abraçou. Anny batia os dentes tirando uma quarta blusa da mala, enquanto Haechan era a fonte de calor de Andressa, já que ele a abraçava o tempo todo.
"Casseta, eu odeio frio mano. Eu morro de tremedeira e ainda fico gorda com esse monte de casacos.", Anny bufou.
"Amada? Você tá na Coreia, para de reclamar.", Andressa a repreendeu.
"Ai é verdade."
Anny olhou ao redor, abismada com a diferença dos rostos das pessoas, das posturas e da língua. Era sorriu para si mesma e Bianca riu, sentindo familiaridade com aquela sensação.
"E aí, qual é o plano de vocês?", Bianca especulou enquanto eles esperavam o táxi em frente ao aeroporto.
"Acho melhor contar pra vocês no Hotel." Haechan coçou a cabeça. "É uma assunto meio delicado."
Bianca sentiu um frio na barriga ainda pior do que o que sentia no resto do corpo pela temperatura baixa. Ela assentiu e quando chegou o táxi ficou aliviada por saber que, talvez, não demoraria tanto para saber o que Haechan tinha a dizer. Os quatro entraram no táxi, se amontoando as três garotas nos bancos traseiros e Haechan fazendo companhia ao motorista, para lhe passar orientações, já que era o único fluente em coreano ali. Enquanto ele falava, Andressa mordia o lábio inferior com uma expressão e Anny fez cara de nojo.
"Aff, saudades do Luizinho."
"Inveja querida?”, Andressa colocou o cabelo atrás da orelha.
"Eu? Seu namorado tem cara de pirralho, amada."
"Como se você não gostasse de um.", Andressa devolveu.
Ela e Anny foram o caminho todo até o hotel com picuinhas, mas sem nunca perder o bom humor. O grupo raramente brigava. As três se entendiam muito bem e Bianca agradecia a Deus pelo relacionamento saudável com as amigas. Tão saudável que ela sabia que o porquê delas estarem supostamente brigando por assuntos engraçados: estavam tentando distrair ela.
Provavelmente sabiam de algo que ela não sabia.
Quando chegou no hotel - que, na verdade, era um hostel consideravelmente grande - Bianca tomou um banho primeiro do que todos. No quarto estavam ela, as amigas e mais duas turistas. Havia beliches de madeira acácia e cortinas azul- marinho nas duas janelas. O banheiro acompanhava bem a decoração do quarto. Tapetes azuis bordados e porcelana tingida de um tom marrom escuro. Bianca tomou a ducha mais quente das temperaturas dispostas no chuveiro e suspirou quando a água quente bateu nas costas frias.
Não deixou que os pensamentos a prendessem demais no banho. Estava curiosa. Estava ansiosa. Queria saber o que Haechan tinha a dizer sobre Hangyul que fosse tão grave que não podia dizer no taxi. Aquele frio na barriga voltou, fazendo ela sair rápido debaixo da água e ir trêmula se trocar.
Não importasse o que fosse, ela ia fazer Haechan contar tudo.
***
***
Anny estava brincando com uma colher e o chocolate quente em uma caneca rosa. Andressa tirava algumas fotos em frente a uma árvore de natal que ainda não haviam desmontado. As janelas compridas deixavam a área iluminada com o cenário alvo do jardim do hostel. Parecia chique demais pelo preço da estadia.
A pose despreocupada de todos, inclusive Haechan que estava com os olhos no celular e rindo incomodaram Bianca até demais. Ela pigarreou alto, fazendo os amigos emergirem de suas distrações pessoais.
“E aí… pode conter.”
Haechan suspirou e guardou o celular.
“Pra resumir… Hangyul está passando fome.”
Bianca franziu o cenho e Anny, de forma cômica, engasgou.
“Isso foi estranhamente engraçado. Uma declaração totalmente antagônica sobre uma pessoa que consegue comer dois triplo bacons do BK de uma vez.”
“Como assim amor?”, And perguntou.
“Bom é que a empresa dele tá longe de ser um mar de rosas. Eles pouco deixam eles usarem os celulares, internet em geral… e colocaram ele e outros meninos do Brasil numa dieta rigorosa. Ele passou mal esses dias. A pressão caiu e ele teve que ir pro hospital.”
“O QUE?”, Bianca se exaltou. “COMO ASSIM MEU FILHO?”
“Relaxa, Bia. Ele tá melhor e voltou a comer um pouco mais. Mas não do jeito que ele come. Eu tava conversando com o Yohan e o Luizinho e a gente concorda que ele tá cego. A gente quase teve um desentendimento hoje mas, pra não estragar a amizade, a gente deixou ele de lado. Mas todo mundo sabe que você é a única pessoa que poderia convencer ele a mudar de ideia.”
“Por que eu ué?”
“Porque ele gosta de você, mulher!”
Bianca engoliu em seco. Parecia incomodada mas ela, de uma forma estupidamente absurda, adora a sensação de ouvir que Hangyul gostava dela.
“Agora vamos ao plano. Hangyul disse que vão liberar ele um dia. Ele já sabe que estamos aqui, mas não faz ideia que você veio por ele e nem que você gosta dele, por mais que seja óbvio.”
Bianca rolou os olhos.
“Ele disse que ia apresentar o Lucas e o Eunwoo. Ele quer sair bem cedo com a gente pra ir visitar um dos templos. Lá pelas 3 da tarde, a gente vai dar um perdido e vocês dois vão ficar sozinhos pelo resto do dia.”
“Amado?”, Bianca tossiu. “Isso vai dar muito errado.”
“Só vai dar errado se você amarelar anjo. Lembre-se que não é só os seus sentimentos que estão em jogo, mas o futuro do nosso amigo também. Se não quiser se confessar, beleza. Mas convença ele a voltar, pelo bem dele mesmo.”
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