Ele encarava o contrato com os olhos arregalados. Era absurdo sobre absurdo.

Na primeira cláusula dizia que ele teria que emagrecer dez quilos na primeira semana de treinamento. Dez quilos. Em uma semana. O que era, de fato, uma crueldade. Hangyul não era gordo. Os músculos do abdômen eram bem torneados e os braços e pernas também. Bem equilibrados por causa da natação. Pesava razoavelmente e, se considerasse sua altura, era bem magro. 

Mas o que fez o manager, responsável por repassar o contrato, perceber pelas fotos que ele precisava emagrecer 10 kg foram as bochechas. As bochechas que Bianca sempre diziam que faziam dele um falso gordinho. Aquelas que ela dizia que era quase incontrolável de não apertar. 

Involuntariamente ele tocou as bochechas quando o manager falou delas.

"Tira as roupas de cima, por favor.", a médica pediu para ele.

Hangyul, um pouco vermelho, tirou o moletom, sem jeito, e a camiseta que Bianca deu a ele. Os braços e as costas se arrepiaram com o ar condicionado e ele se encolheu. A médica, com as mãos um pouco pesadas, passou a fita métrica em sua cintura, enquanto uma nutricionista tomava notas e o manager assistia em uma pose relaxada. O garoto suspirou, enquanto as mulheres o analisavam como um rato de laboratório.

"Sobe na balança."

Hangyul subiu na placa de vidro e viu seu peso brilhando em vermelho. Estava com dois quilos a mais, desde que chegara em Seul. O fuso sempre fazia ele comer mais que o comum. A ansiedade também.

A nutricionista encarou o número e estalou a língua, insatisfeita. Anotou mais uma coisa na prancheta, enquanto a médica puxava Hangyul pelo braço até a maca e escutava seus batimentos com o estetoscópio.

Depois que acabaram, olharam para o manager.

"O físico dele está muito bom. Mas foi o que você mesmo falou, a linha do maxilar…", a médica tocou alguns pontos do rosto dele. "O rosto todo, na verdade, é circular. Sem forma. Feio…"

Hangyl enrubesceu e abaixou a cabeça, tentando não demonstrar o constrangimento. Lembrou que as meninas do curso sempre falavam bem do maxilar dele. "Você parece um idol", elas diziam o tempo todo.

"Dez quilos por semana e raspagem ajudam?", o manager perguntou.

"Talvez seja necessário fazer o nariz.", a médica disse.

"Da tempo dele se recuperar até as filmagens?"

"Duas semanas é mais que o suficiente. O tempo de recuperação é maior que esse, mas ele não vai morrer."

Hangyul engoliu em seco, tentando fingir que eles falavam de qualquer pessoa, menos dele. 

"Vou imprimir sua dieta e sua rotina de exercícios. Nem ouse burlar. Vamos saber se fizer isso…", a nutricionista, pela primeira vez, havia olhado nos olhos dele.

***

Ele conheceu os colegas (quase) brasileiros no refeitório da Desert Dream Entertainment. Cha Eunwoo e Wong Yukhei. Eunwoo usava o mesmo nome no Brasil. Yukhei era Lucas Wong. Ambos de São Paulo, mas Eunwoo era de Mauá.

"Cidadezinha velha.", Eunwoo entortou o nariz, enquanto comia um nabo.

"A amiga da minha melhor amiga nasceu lá."

"Coitada.", Eunwoo riu. "Lá é muito zoado cara. Muito!"

"Não deve ser pior que a Lapa."

"Lapa tem uns bagulho maneiro. Mauá só tem índio, pessoas feias, gente sendo esmagada na porta do trem..."

"Aqui tem gente esmagando a gente também, mano. Com dietas.", Lucas olhou o rabanete. "O que eu não daria por um açaí agora."

"E eu por um Mc.", Hangyul suspirou.

"Não entendo, cara. Eu consigo me manter sarado comendo besteira. Claro que nem todo o dia, mas isso aqui é desumano.", Lucas jogou os hashis no prato.

"Acho que todo idol só come isso.", Hangyul deu de ombros. "Realmente trágico alguém tão sexy ter que passar por tudo isso.", ele apontou para si mesmo.

"Viados malditos!", Lucas cuspiu.

"Cuidado, vai que te escutam…", Eunwoo alertou.

"Como se esses merdas entendessem português…"

"Nunca duvide do poder de um asiático.", Hangyul riu e depois suspirou. "Quando vocês acham que eles vão nos deixar usar o celular?"

"Provavelmente até o castigo acabar ou o programa começar.", Eunwoo terminou sua rúcula.

"Puf, como se eles fossem mesmo afrouxar depois que o Produce acabar."

"Bem, quando eles deixarem, vou adicionar vocês num grupo de amigos coreanos meus."

"Eu sou chinês, parça.", Lucas terminou o vegetal dele também, falando de boca cheia.

"Não importa, eles são bacanas. Todo dia eles passam umas resenha daora."

"O que inferno é uma resenha?", Lucas estreitou os olhos.

"Umas histórias mano, umas histórias… Vocês vão gostar deles."

****

"ISSO NÃO É JUSTO!", Anny, como sempre, acabou demonstrando alto demais sua insatisfação. "Bia vai dar uns pegas no Hangyul, Andressa vai levar o Haechan e eu fico como? De vela a viagem toda?"

"Te toca garota, você e o Luizinho parecem o Catdog de tão grudados, ninguém aguenta mais vocês dois.", Haechan revirou os olhos, colocando as malas lilases de Andressa na esteira do aeroporto.

"Cagar, Haechan. Vocês dois são puramente gays também."

"É eu também preferia ir sozinha com vocês meninas. Lá se vai meu sonho de arroizar oppas a vontade.", Haechan fez um bico quase instantâneo com a frase da namorada e ela riu. "Brincadeira, bebê. Você é tudo pra mim, ok?", Andressa ficou na ponta dos pés e deu um selinho no garoto. Anny sentiu náuseas.

"Ai Anny, você fala como se fosse acontecer algo fantástico entre mim e Hangyul mesmo haha."

"Ue minha filha o Luizinho não deixou claro que o Hangyul também gosta de você?"

"O LUIZINHO FALOU O QUE?", Haechan virou para elas.

"Droga.", Anny deu um tapa na boca. 

"Não acredito que o Luizinho falou isso, putz mano, que retardado."

"Não fala assim do meu bebê!", Anny deu um tapa forte no braço de Haechan.

"Seu bebê falou coisa que não devia ter falado. Aquilo era segredo do nosso grupo."

"Então você também sabia?", Bia ficou vermelha. "O que ele disse?"

Haechan suspirou e esfregou as têmporas.

"O Luizinho não contou tudo?"

"Tentei obrigar ele, mas minha influência não foi tanta. Geralmente eu consigo fazer ele falar tudo na cama, mas me deu preguiça.", Anny mordeu um cantinho da unha, com convencimento.

"Bem, o maior estrago o viado já fez. Mas basicamente ele sempre gostou de você, Bia. Mas ele sempre achou que você era indiferente e por isso tentou esquecer, mesmo que doesse."

Bianca suspirou e colocou as malas na esteira.

"Mesmo sabendo disso, não faço ideia do que fazer."

Andressa bufou e segurou as bochechas da amiga.

"Não se preocupe, amiga. Eu e a Anny já temos um plano."