Capítulo 29 Irmãos
Otávio Guimarães
Sabe quando você tem aquela sensação de estar carregando um segredo que é como uma bomba prestes a explodir? Pois é, foi exatamente assim que me senti quando entrei na casa dos meus pais naquele sábado à tarde. Lucas estava jogado no sofá da sala, como de costume, com a TV ligada em algum jogo de futebol que ele acompanhava sem muita atenção. Eu já sabia que precisava contar para ele sobre o que havia acontecido entre mim e Lívia. O peso desse segredo estava me sufocando, e quem melhor do que o meu próprio irmão para dividir essa carga?
— E aí, Lucas? — falei, tentando soar casual enquanto me jogava no sofá ao lado dele.
— E aí, Otávio? Beleza? — ele respondeu, sem desviar os olhos da TV.
Por alguns minutos, ficamos ali, assistindo ao jogo em silêncio. Eu não conseguia me concentrar no que estava acontecendo na tela. A imagem de Lívia, com aquele sorriso que me derretia, tomava conta dos meus pensamentos. Não aguentava mais esperar, então, respirei fundo e fui direto ao ponto.
— Preciso te contar uma parada... — falei, olhando para ele de canto de olho, esperando a reação.
— Lá vem... — Lucas revirou os olhos, já acostumado com minhas "paradas" que geralmente envolviam algo que ele considerava besteira.
— Eu tô apaixonado, cara.
Ele desviou finalmente o olhar da TV e me encarou com uma expressão que misturava surpresa e diversão.
— Apaixonado? Você? De novo? — Lucas deixou escapar uma risada debochada. — Ah, não, espera aí. Você tá falando sério?
— Estou e muito! Tô falando sério. — respondi, mantendo o tom firme. — E não é por qualquer uma, é pela Lívia.
O riso de Lucas morreu instantaneamente. Ele piscou algumas vezes, tentando processar o que eu havia acabado de dizer.
— Lívia? A Lívia? Aquela que você atropelou e mora com você? — ele perguntou, como se precisasse confirmar que havia entendido certo.
— É, a própria.
Houve um momento de silêncio. Eu sabia que Lucas estava tentando juntar as peças desse quebra-cabeça que, para ele, provavelmente fazia tão pouco sentido quanto um elefante numa loja de cristais. E antes que ele tivesse a chance de debochar, resolvi contar tudo de uma vez.
— Eu não planejei nada disso. Só que... a gente se aproximou bastante nos últimos meses. E de repente, comecei a perceber que o que eu sentia por ela não era só amizade ou desejo de compensá-la pelo que fiz para ela. No começo, eu tentei ignorar, achei que era só coisa da minha cabeça. Mas com a nossa convivência acabei tendo a certeza que estava apaixonado. E aí, resolvi contar pra ela.
Lucas me olhava com uma expressão que eu não conseguia decifrar. Era uma mistura de choque, confusão e talvez... admiração?
— E o que ela disse? — ele finalmente perguntou, a voz mais baixa, quase hesitante.
— Ela disse que sente o mesmo por mim. — Um sorriso involuntário escapou enquanto eu lembrava da conversa que tivemos.
— Nossa... — Lucas soltou, ainda processando. — Isso é... inesperado.
Ele se levantou do sofá e começou a andar de um lado para o outro na sala, coçando a cabeça como se estivesse tentando entender alguma fórmula complexa.
— E agora? — ele perguntou, parando abruptamente na minha frente.
— Agora... não sei exatamente. A gente resolveu ir com calma, ver onde isso vai dar. Mas, só de saber que ela sente o mesmo, já é como se eu tivesse ganhado na loteria.
Lucas balançou a cabeça, um sorriso torto começando a se formar nos lábios dele.
— Você e a Lívia... Não estou tão surpreso, afinal de contas ela é mulher! — Ele soltou uma risada curta. — Mas confesso que sempre achei que você ia acabar com alguma doida que nem você.
— Está me chamando de doido? Desde quando pensa assim? — retruquei, levantando uma sobrancelha.
— Ah, Otávio, você é um doido para mim, um homem que vive para o trabalho e pouco para o lazer é um louco! — Ele deu de ombros, ainda rindo. — Mas, falando sério... fico feliz por você. Se tem alguém que merece, é você.
O tom de Lucas mudou, ficando mais sério e sincero. Isso me pegou de surpresa. Ele sempre foi o irmão zoeiro, aquele que não perde a chance de tirar sarro de qualquer coisa. Ver ele levando isso a sério, me apoiando de verdade, me fez perceber que talvez, só talvez, ele estivesse tão investido nisso quanto eu.
— Valeu. Significa muito ouvir isso de você. — Eu disse, sentindo uma onda de gratidão por ter um irmão como ele.
Lucas me deu um tapa no ombro e voltou a se jogar no sofá, pegando o controle remoto e mudando de canal como se não tivesse acabado de me dar o maior apoio moral da minha vida.
— Só não me venha chorar depois se não der certo, tá? — Ele jogou a frase com um tom brincalhão, mas sabia que ele estava falando sério, à sua maneira.
— Pode deixar, não vou te dar esse prazer. — Ri, me sentindo mais leve do que nunca.
Ficamos ali, sentados lado a lado, assistindo a um filme qualquer que estava passando na TV. O silêncio agora era confortável, cheio de entendimento mútuo. Não havia mais nada a ser dito, pelo menos não naquele momento. Lucas sabia o que estava em jogo, e eu sabia que, independentemente do que acontecesse, teria o apoio dele.
Quando nossos pais chegaram em casa, à noite, a atmosfera tranquila da tarde continuou. Sentamos todos para jantar, e eu ainda estava digerindo tudo o que havia acontecido naquele dia.
Lucas estava no seu modo habitual, fazendo piadas e mantendo a conversa leve, mas percebi que ele lançava alguns olhares na minha direção, como se estivesse tentando me lembrar de que ele estava ali, pronto para o que fosse necessário.
Depois do jantar, quando já estava na hora de ir embora, Lucas me puxou de lado, longe dos nossos pais.
— Ei, Otávio. — Ele começou, o tom mais sério do que de costume. — Sei que zoei você mais cedo, mas tô realmente feliz por você, cara. De verdade. Só toma cuidado, beleza? Não quero ver você se machucando.
Eu sabia que por trás daquela fachada de irmão brincalhão, Lucas se importava comigo mais do que ele deixava transparecer. E esse momento foi a prova disso.
— Pode deixar. Eu sei o que estou fazendo... eu acho. — Sorri, tentando aliviar a tensão.
— Beleza. — Ele deu um leve soco no meu braço, num gesto que era, ao mesmo tempo, afetuoso e típico dele. — Qualquer coisa, você sabe onde me encontrar.
— Valeu, Lucas. — Eu disse, e dessa vez, não havia sarcasmo na minha voz.
Naquela noite, enquanto dirigia de volta para casa, com a cidade passando lentamente pelas janelas, me senti mais seguro e confiante do que nunca. Não só porque sabia que Lívia sentia o mesmo por mim, mas porque tinha o apoio do meu irmão, alguém que sempre estaria lá para me zoar, mas também para me apoiar quando eu mais precisasse.
Era o começo de algo novo, algo que poderia mudar tudo. E, de uma maneira estranha, isso me dava uma sensação de paz. Eu estava pronto para o que viesse, sabendo que, acontecesse o que acontecesse, não estaria sozinho. Lucas estaria ali, do seu jeito debochado, mas leal, pronto para rir comigo ou me ajudar a levantar caso eu caísse.
E, sinceramente, acho que nunca fui tão grato por ter um irmão como ele.
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